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A tutela inibitória do ilícito: apontamentos doutrinários

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07/02/2012 às 08:28
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A tutela inibitória do ilícito visa a garantir a integridade do direito, voltando-se para o futuro, constituindo uma das modalidades de tutela específica, devendo ser priorizada em relação à tutela ressarcitória e/ou reparatória, porquanto esta é voltada ao aspecto patrimonial dos direitos.

Resumo

A tutela inibitória do ilícito surge no cenário processual como um mecanismo de salvaguarda do direito material sob uma perspectiva preventiva, isto é, de molde a evitar a ocorrência do ilícito per se. Trata-se de uma nova forma de tutela jurisdicional que visa à proteção do ilícito enquanto categoria jurídica autônoma, desvencilhada do conceito de dano. A efetividade do processo deve ser buscada de forma racional, em especial através de mecanismos que obstem a tutela reparatória ou ressarcitória. O desafio do aplicador do Direito é desvencilhar-se da concepção tradicional de tutela reparatória e mostrar-se sensível a essa nova forma de tutela, agasalhada no texto constitucional no inciso XXXV do artigo 5° da Constituição de 1988.

Sumário: Introdução. 1. A tutela inibitória do ilícito. 1.1 Conceito de ilícito e sua problemática à luz da doutrina clássica civilista. 1.2 As diferenças da tutela inibitória do ilícito em relação à tutela reparatória tradicional e à tutela cautelar.1.3 pressupostos da tutela (antecipada) inibitória do ilícito. 1.4 Fundamentos jurídico-processuais da tutela inibitória do ilícito. 2. Os novos direitos. 2.1 Os direitos não patrimonais, novos direitos e a tutela inibitória. 2.2 Tutela inibitória coletiva. 2.3 O direito ao acesso à ordem jurídica justa mediante a outorga da tutela jurisdicional eficaz e adequada e o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. 3. A necessidade de reaproximação do direito processual ao direito material e a contribuição da tutela inibitória. 3.1 estudo de caso: breves considerações sobre a relevância do precedente judicial oriundo da Apelação Cível nº 89.04.01659-2/RS

Palavras-chave: Tutela inibitória do ilícito. Apontamentos doutrinários. Direito à tutela jurisdicional adequada e eficaz. Inafastabilidade da tutela da ameaça ao mero ilícito.


Introdução

Propõe-se através do presente ensaio buscar-se a compreensão da importância da tutela inibitória do ilícito, em especial no que tange à tutela de direitos não patrimoniais, estabelecendo a diferenciação teórica entre a tutela inibitória e as tutelas ressarcitória ou reparatória e cautelar.

É fundamental buscar traçar os pressupostos e fundamentos da tutela inibitória do ilícito, entre outros aspectos dogmáticos, necessários à compreensão deste instituto. O presente estudo tem por intuito aguçar o interesse para o estudo da temática, sem, contudo, importar no esgotamento de todos os aspectos envolvidos.

Propõe-se, dessarte, vencer as metas investigatórias sintetizadas a seguir, de molde a possibilitar reflexões sobre os novos contornos do instituto: a) conhecer os principais aspectos dogmáticos da tutela inibitória ou preventiva do ilícito; b) investigar e traçar as principais premissas que a doutrina brasileira concebeu sobre a temática; c) perquirir acerca da importância deste instituto na defesa de direitos não patrimoniais.

Estabelecidas essas premissas investigativas, à luz de um ensaio científico, propõe-se estabelecer conclusões válidas face os inúmeros tópicos abordados em cada um dos capítulos do presente trabalho, procurando permitir ao leitor reflexões diante do tema em investigação.


A TUTELA INIBITÓRIA DO ILÍCITO

1. A tutela inibitória do ilícito

A tutela inibitória ou preventiva não encontrou terreno fértil para o seu desenvolvimento à luz do Processo civil clássico, deparando-se diante de empeços de toda ordem a sua concretização. O antigo artigo 287 do Código de Processo Civil – CPC – fundamento para a vetusta ação cominatória, revelou-se deveras inócuo à prestação da tutela jurisdicional inibitória, por não permitir a cobrança da multa senão após o trânsito em julgado da sentença ou decisão que a impusesse, bem assim por não dispor dos contornos atuais do instituto enquanto gênero de tutela específica.

O magistrado não detinha, assim, mecanismos coercitivos capazes de prestar com eficácia a tutela inibitória, ressalvados os casos específicos de tutela inibitória típica (v.g., mandado de segurança preventivo; ação de interdito proibitório; ação de nunciação de obra nova).

Por conta da impropriedade da ação cominatória, à luz da antiga redação do artigo 287 do CPC, criou-se no meio jurídico a necessidade de buscar-se uma solução alternativa, em especial para a tutela de direitos não patrimoniais, a qual veio através do desenvolvimento da ação cautelar inominada e da utilização do interdito proibitório o que, ver-se-á, revela-se hodiernamente inapropriado.

A tutela inibitória do ilícito somente passou a ecoar seu verdadeiro viés preventivo mediante a alteração do artigos 287 e 461 do CPC - fundamentos legais da tutela inibitória individual do ilícito, e mediante a superveniência do artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor – CDC, fundamento legal da tutela inibitória coletiva do ilícito. Ambas as disposições permitiram o desenvolvimento de "[...] uma ação inibitória autônoma e atípica, capaz de tutelar preventivamente todas as situações de direito material dela carecedoras de proteção." [01]

1.1.Conceito de ilícito e sua problemática à luz da doutrina clássica civilista.

A compreensão do conceito do ilícito é fundamental para a delimitação do objeto da tutela inibitória e sua problemática. É dizer, o ilícito deve ser entendido como o ato contrário ao direito, independentemente da ocorrência de resultado lesivo e da presença dos elementos subjetivos culpa ou dolo.

Nessa senda, é erro limitar a concepção da tutela inibitória ou preventiva do ilícito ao conceito de dano, como se o objetivo desta tutela fosse evitar o dano e não o ato contrário ao direito.

Por certo que à doutrina civilista clássica não interessava o ilícito que não resultasse em prejuízo, conforme se infere da leitura do seguinte excerto de Orlando Gomes citado porLuiz Guilerme Marinoni:

"Não interessa ao Direito Civil a atividade ilícita de que não resulte prejuízo. Por isso, o dano integra-se na própria estrutura do ilícito civil. Não é de boa lógica, seguramente, introduzir a função no conceito. Talvez fosse preferível dizer que a produção do dano é, antes, um requisito da responsabilidade, do que do ato ilícito. Seria este simplesmente a conduta contra jus, numa palvra, a injúria, fosse qual fosse a conseqüência. Mas, em verdade, o Direito perderia seu sentido prático se tivesse de ater-se a conceitos puros. O ilícito civil só adquire substantividade se é fato danoso." [02]

Tal vetusto entendimento não se sustenta, sobretudo à luz de uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro. Quer-se dizer que, em verdade, o simples ato ilícito, independentemente da ocorrência de resultado naturalístico no mundo ôntico dos fatos, é merecedor da tutela jurisdicional, revelando-se errôneo entendimento contrário, sob pena de fazer-se tábula rasa ao princípio geral de prevenção. Aliás, um dos motivos pelos quais tardou entre nós o desenvolvimento da tutela inibitória e/ou preventiva do ilícito é, justamente, esta concepção clássica do ilícito civil, atrelada ao dano em si, vale dizer, engessada à concretude do dano.

Consequencia direta desta revisão conceitual do ato ilícito é que não é necessária a prova do elemento subjetivo (dano ou culpa) para justificar-se a deflagração da tutela inibitória e/ou preventiva do ilícito, bastando um juízo de plausibilidade da futura ocorrência do ilícito em si mesmo.

Portanto, o ilícito deve ser entendido como o ato contrário ao direito, independentemente da ocorrência de resultado lesivo e da presença dos elementos subjetivos culpa ou dolo, o que é de curial importância para a assimilação da tutela inibitória como uma tutela voltada para o futuro e visando à proteção da integridade do direito substancial.

1.2 As diferenças da tutela inibitória do ilícito em relação à tutela reparatória tradicional e à tutela cautelar.

Pode-se registrar que num passado não muito distante era pouco acentuada a distinção entre tutela da inibição do ilícito e tutela de reparação do ilícito, porquanto a dogmática processual tradicional era direcionada praticamente à reparação do dano, vez por outra direcionando-se à inibição do ilícito (v.g., interditos proibitórios, nunciação de obra nova, mandado de segurança preventivo, etc). Tal quadro ensejou o uso, pragmaticamente, do interdito proibitório como válvula de escape para a tutela de direitos de marca, inventos, etc. o que tornava, nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni:

"[...] visível a inexistência de turela adequada aos direitos da personalidade, ou ainda fazia ver que o Código de Processo Civil somente podia responder em parte ao direito à tutela preventiva, o que apenas reafirmava a tendência nitidamente patrimonialista do sistema de tutela dos direitos, e mais do que isso, a própria ideologia que o inspirava." [03]

A tutela da inibição do ilícito, assim, direciona-se a evitar a prática de um ato ilícito, sua repetição e/ou mesmo a sua remoção. Doutro giro, a tutela da reparação direciona-se essencialmente a restabelecer a situação anterior à ocorrência do dano (hodiernamente tanto quanto possível de forma específica ou pelo equivalente em específico) e, apenas em último caso, à conversão do dano em perdas e danos.

Tal distinção, nesse passo, soa deveras necessária a fim de que o magistrado possa compreender quais os pressupostos que se possa exigir do ameaçado e/ou lesado que ingressa em juízo visando ao afastamento de uma potencial lesão a direito.

Ora, o processo civil é, essencialmente, instrumental, competindo-lhe adaptar-se às necessidades do direito material, sob pena de se fazer frustrar o núcleo essencial do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e eficaz. Nesse trilhar, muitas das vezes revela-se absolutamente inócua a tutela meramente reparatória em detrimento da tutela jurisdicional inibitória, em especial se se cuidar de direitos de cunho não patrimonial.

Acerca do tema, colha-se a seguinte passagem de Paulo Rogério de Oliveira:

"A tutela inibitória se volta contra a possibilidade da prática do ato ilícito, ainda que se trate de repetição ou continuação. Desta feita, a tutela inibitória se volta somente para o futuro. Isto significa que nada tem haver com ressarcimento de dano e, por consequencia, com os elementos para imputação ressarcitória, ou seja, os chamados pressupostos subjetivos para configuração de culpa ou dolo." [04]

Estabelecida a distinção em relação à tutela reparatória, a tutela inibitória do ilícito igualmente não se confunde com a tutela cautelar, embora desta tenham se utilizado compreensivamente os jurisdicionados também para buscar a inibição de situações de potencialidade lesiva ao direito até a reforma empreendida aos artigos 287 e 461 do CPC, pela edição das Leis n°s 10.444/02 e 8.952/94 (principalmente através de "ações cautelares atípicas" satisfativas).

A tutela cautelar se presta, essencialmente, a tutelar uma futura relação jurídico processual, o que a doutrina clássica denominada de instrumentalidade ao quadrado (Calamandrei), razão pela qual trata-se de uma tutela assecuratória essencialmente precária e/ou provisória.

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De outro modo, a tutela inibitória não se presta a tutelar uma futura relação jurídico processual, ostentando um caráter cognitivo e, portanto, hábil a formar coisa julgada material, diferentemente da tutela cautelar que, via de regra, não gera este fenômeno processual, consoante salientando anteriormente, por ostentar caráter essencialmente "coadjuvante" em relação ao processo dito principal. Nesse compasso, parece tranquila a conclusão de que não há mais justificativa teórica e/ou pragmática que permita a veiculação da inibição do ilícito via ação cautelar, tal qual se pode deduzir das considerações trilhadas por Germana Maria Leal de Oliveira:

"Acresce-se neste item outro diferencial marcante entre elas: enquanto a tutela cautelar é instrumental – ou seja, serve à garanta da existência, utilidade e efetividade do provimento jurisdicional último, ligado ao direito substancial em debate – as tutelas inibitória e de remoção do ilícito são autônomas e, pois, satisfativas, não se prestando à salvaguarda de qualquer outro tipo de provimento jurisdicional. Seu escopo é tão-somente o de conferir utilidade e efetividade ao direito material em questão e não à relação processual adjacente. Em outras palavras, corresponderiam às equivocamente nominadas "cautelares satisfativas" [05]

Portanto, à luz da diferenciação da tutela inibitória em relação à tutela cautelar, igualmente não se justifica mais, entre nós, a utilização das chamadas "cautelares satisfativas", visto que o ordenamento jurídico processual prevê a possibilidade de manejo da demanda cognitiva inibitória, apta a formar coisa julgada material e, portanto, hábil a tutelar adequadamente a situação de direito material posta como potencialmente ameaçada de lesão.

É fato, todavia, que boa parte da jurisprudência ainda dá vazão às cautelares ditas satisfativas, mesmo quando factível o manejo autônomo e independente da ação cognitiva inibitória, passível de concessão de provimento judicial de urgência via tutela antecipada.

1.3 pressupostos da tutela (antecipada) inibitória do ilícito.

Partindo do conceito de ato ilícito como ato contrário ao direito, afasta-se desde logo a prova da culpa ou dolo na atividade probatória destinada à deflagração da inibição, assim como a própria ocorrência de um dano ou prejuízo. Nesse particular, cumpre estabelecer que o objeto da prova da inibição é a a probabilidade da violação de ato contrário ao direito, sendo desimportante que outrora algum ilícito tenha se verificado.

Nessa marcha, Luiz Guilherme Marinoni estabelece a seguinte premissa:

"O dano é apenas uma eventual consequencia do ilícito. O dano e o elemento subjetivo somente importam para o caso de ressarcimento, mas não para as hipóteses de inibição e de remoção do ilícito. No caso de remoção do ilícito, basta a transgressão da norma, pouco importando o motivo que conduziu o infrator a assim proceder." [06]

Decerto, expurgando-se os elementos objetivo (dano) e subjetivo (culpa e/ou dolo), pode-se estabelecer que o primeiro pressuposto da ação inibitória, com vistas à prevenção do ilícito, é a provável violação de um direito um dos pilares da tutela inibitória. Nesse contexto, pode-se concluir que a prova da ilicitudade é um ato indispensável à concessão da tutela inibitória, devendo-se obtemperar, todavia, que a ameaça ao ilícito é móvel suficiente para a tutela inibitória, sendo desnecessária que a violação do direito já tenha iniciado o seu iter, bastando o fundado receio de que tal ocorra num futuro iminente.

A prova da provável violação de um direito ou a ocorrência de um futuro ato ilícito (=juízo de probabilidade) demanda prova indiciária - o que se torna mais difícil de se estabelecer quando a tutela inibitória classifica-se como "pura", ou seja, voltada a não ocorrência do ilícito, o que não se verifica em tal grau de intensidade na tutela de inibição voltada à remoção ou não continuação do ilícito (=tutela inibitória impura), onde pode-se estabelecer um padrão de conduta ou modus operandi. Em outras palavras, esse juízo de probabilidade corresponde ao requisito do "fumus boni iuris", exigível, modo geral, das tutelas de urgência.

Luiz Guilheme Marinoni, outrossim, delineia com acerto a dificuldade em estabelecer esse juízo de probabilidade do ilícito em cada uma das categorias de inibição:

"Problema diverso é o da prova da afirmação de que o ato (admitido como ilícito) será praticado, repetido ou continuará. Quando ato anterior já foi praticado, da sua modalidade e naturea se pode inferir com grande aproximação a probabilidade da sua continuação ou repetição no futuro. Com efeito, a grande dificuldade da ação inibitória está na produção da prova de que um ato será praticado, quando nenhum ilícito anterior foi cometido. Frignani admite que esta é a questão de fundo da ação inibitória (a qual pode ser denominada de inibitória "pura"), ou melhor, um obstáculo contornável para a admissibilidade desta modalidade de tutela. Afirma Frignani que a peculiriadade da tutela inibitória "pura" consiste no fato de que a prova do perigo da prática do ilícito é mais difícil, ao passo que é extremamente árduo valor ex ante a idoneidade dos meios utilizados como preparativos ao fim de prática do ilícito." [07]

Movendo-se adiante, uma vez estabelecido o pressuposto da probabilidade da ocorrência do ilícito per se, o segundo pressuposto para a deflagração da tutela antecipada inibitória do ilícito corresponde ao requisito do periculum in mora, ou seja, a necessidade de outorga jurisdicional tempestiva e efetiva, afastando-se tanto quanto possível a ocorrência do chamado "dano marginal" ao autor que tem razão, dano este que advém precisamente da morosidade judiciária.

Exsurge de vital relevância o senso comum (art. 355 do CPC) para possibilitar um juízo presuntivo que vise a comprovar o futuro ato temido e, por isso, a necessidade do deferimento da tutela antecipatória da inibição do ilícito, modo a possibilitar a concretude do direito material. Logicamente, cabe ao juiz temperar, no caso concreto, se o provimento judicial inibitório puder acarretar prejuízo irreparável ao réu, o que certamente vai de encontro as fins da inibição e à lógica da proporcionalidade.

Por vezes, a concessão da tutela inibitória antecipadamente poderá ensejar um conflito de interesses igualmente protegidos (em certos casos, caracterizando-se uma colisão de direitos fundamentais), competindo aos magistrados decidir prudentemente pelo interesse ou direito prevalente, com supedâneo nos princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade. Essa é a perspectiva do magistério de Paulo Rogério de Oliveira:

"Um aspecto que permeia a tutela inibitória, especialmente quando se trata da sua antecipação, é a grande importância da observação ao princípio da proporcionalidade. Com efeito, por vezes o julgador se vê diante do conflito de dois interesses dignos de tutela, e deve optar por um, em detrimento de outro. E como não existe uma hierarquização de bens e valores, como bem ressalta Marinoni, o juiz deve optar pelo que tem maior relevância, em face da situação concreta." [08]

Impende destacar, nesse passo, a plasticidade e a fungibilidade da tutela inibitória antecipada, diante do poder outorgado ao magistrado a fim de conceder a medida adequada para a salvaguarda do direito material, podendo o provimento judicial requerido ser alterado, vale dizer, diminuído ou aumentado e, inclusive, modificado. Trata-se da aplicação do princípio da fungibilidade em matéria de pedido de antecipação de tutela, no desiderato de se outorgar a efetiva e adequada prestação jurisdicional, sem qualquer ofensa ao princípio da adstrição da lide aos limites do pedido, por força do que disposto no artigo 461 do CPC e 84 do CPC.

Logo, é dado ao magistrado o poder-dever de outorgar a inibitória positiva (fazer) e a inibitória negativa (não fazer), correspondendo, respectivamente, aos mandatory injuction e prohibtory injuction do direito norte-americano, sendo erro imaginar que a tutela inibitória reduza-se a uma imposição de um não fazer pelo juiz.

No entanto, tecnicamente a tutela preventiva pura do ilícito é conhecida no direito norte-americano como "quia timet injunction", modalidade do gênero injuction a exemplo dos mandatory injuction e prohibtory injuction (estes aplicáveis quando violado em momento anterior o direito), o que pode ser deduzido da seguinte passagem da obra de Luiz Guilherme Marinoni:

Note-se, porém, que a prohibitory e a mandatory injuction, ainda que exercendo função preventiva, exigem anterior violação do direito; é apenas a quia timet injuction, como já se disse, que viabiliza a prevenção do ilícito na forma pura, muito embora acabe consistindo, também, em uma injunction. A quia timet injunction, em outras palavras, é uma espécie de injunction, assim como também o são a prohibitory e a mandatory injuction e a interlocutory e a final injunction. [09]

Em vista do exposto, a prova de uma futura ilicitude é necessária, embora não se exija um rigor exacerbado em sua comprovação (não se exige um juízo de certeza), exigindo-se, ainda, a prova da indispensabilidade da tutela jurisdicional pronta e efetiva. O(a) magistrado(a) deverá permanecer atento(a) e sensível a esta espécime de tutela jurisdicional, evitando o equívoco de pretender fazer uma leitura dos pressupostos da inibição (fato futuro) a partir da tutela da reparação (fato passado).

1.4 Fundamentos jurídico-processuais da tutela inibitória do ilícito.

Os fundamentos jurídico-processuais da tutela inibitória do ilícito são estabelecidos na legislação subconstitucional, apresentando variantes a depender da espécime de tutela inibitória envolvida (individual – arts. 287 e 461 do CPC, ou coletiva, art. 84 do CDC).

Entretanto, o fundamento jurídico constitucional é único e encontra-se incrustado no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição, o qual é preciso em dizer que "nenhuma lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", positivando assim o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, do qual pode-se extrair, dentre outras conclusões, que o jurisdicionado tem o direito à adequada tutela jurisdicional, preferindo-se logicamente a prevenção à reparação.

A satisfatória regulamentação infraconstitucional da tutela inibitória principiou com a tutela dita coletiva, com a edição da Lei de Ação Popular e do Código de Defesa do Consumidor – CDC (art. 84), trazendo este notória influência, posteriormente, para a tutela inibitória individual, com o advento da novas redações impingidas aos artigos 287 e 461 do CPC.

Colha-se, por relevantes, as considerações de Elvio Ferreira Sartório em relação à evolução legislativa do tema:

"A tutela preventiva obteve novo fôlego com o advento do art. 84 do CDC para os direitos coletivos, e com a redação do novo art. 461. Se a redação antiga do 287 não valia para prevenir, sabe-se que, no novo art. 461, estão consolidados os mecanismos mandamentais e executivos lato sensu aptos a aparelhar o processo de instrumentos que facilitem a consecução da prevenção. Com a previsão adequada da nova legislação, houve, inclusive, mudança na composição do art. 287, que recebeu redação atual harmoniosa com o art. 461, e não mais prevê as exigências anteriormente criticadas. Embora na redação originária do CPC não houvesse previsão de uma dispositivo atípico que autorizasse a tutela preventiva, seria incorreto afirmar pela sua absoluta inexistência. Em verdade, dentro da sistemática do Código, reconhecia-se a proteção preventiva para os procedimentos especiais do interdito proibitório e da nunciação de obra nova; a tipicidade destas tutelas, entretanto, não permitia pensar em uma atuação em sentido lato para prevenir" [10]

De fato, a redação originária do artigo 287 do CPC não estimulava, modo algum, a tutela preventiva do ilícito, pois condicionava a aplicação das astreintes ao trânsito em julgado da ação cominatória, o que importava na própria inutilidade desta ação, sob a perspectiva da formatação legislativa de outrora, em termos de tutela inibitória. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um novo modelo paradigmático de jurisdição, acolhendo o direito à tutela jurisdicional da inibição ao positivar a juridicidade da tutela contrária à ameaça ao direito.

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Sobre o autor
Ricardo Alessandro Kern

Juiz Federal Substituto da Vara Federal e Juizado Especial Federal Adjunto de Cachoeira do Sul/RS, ex-Procurador Federal, ex-Analista Judiciário Federal, ex-Procurador Jurídico Municipal, Especialista em Processo pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico pela UNIDERP, Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico pela UNIDERP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KERN, Ricardo Alessandro. A tutela inibitória do ilícito: apontamentos doutrinários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3142, 7 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21025. Acesso em: 23 dez. 2024.

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