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Vias de correição como sucedâneo recursal

Agenda 17/02/2012 às 09:03

Por não ter clara e unificada regência processual, a correição parcial ainda é um instrumento nebuloso para as partes, sujeito aos caprichos regimentais dos tribunais.

Genericamente, fala-se em vias de correição, visto que diversas as denominações previstas dos diplomas legais e regimentais. O meio, mais comumente tido por correição parcial, também é previsto como reclamação correicional ou simplesmente reclamação[1]. Sem previsão expressa no Código de Processo Civil[2], a correição parcial está presente em outras leis federais[3], não ofendendo, portanto, a Carta Constitucional. A propósito, a atividade correicional está prevista no artigo 96, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal de 1988.

“Para os estudiosos da matéria, a correição parcial teve origem na supplicatio romana, instituto usado ‘contra certas irregularidades processuais praticadas por juízes’ (Manoel Antonio Teixeira Filho)”[4]. Egas Dirceu Moniz de Aragão[5], entretanto, percebe origem mais recente no expediente, vendo suas raízes nas Ordenações Filipinas, em forma de agravo que servia para resguardar o cumprimento das formalidades extrínsecas dos atos processuais. No direito brasileiro, teria surgido já no Regulamento 737, de 25 de novembro de 1850, na figura do “agravo por dano irreparável”.

Sobre a natureza jurídica da correição parcial, não há consenso na restrita Doutrina. Embora seja processo administrativo, não é processo disciplinar, dado que através dela não é aplicada sanção pessoal ao magistrado, como servidor público. Não se poderia também afirmar ser um recurso, dado o princípio da taxatividade no processo civil. Pode-se dizer, então, que a correição parcial seja verdadeiramente um sucedâneo recursal, um mero ato processual a dar início à atividade correicional, constitucionalmente prevista, no interesse de alguma parte:

“(...) a reclamação correicional se posiciona, sem dúvida, ao lado dos recursos, considerando que instaura um procedimento, é passível de preclusão ou impossibilidade de revisão do despacho atacado, caso não seja instaurada no prazo previsto nos regimentos internos e, finalmente, exige que o despacho reclamado seja lesivo à parte reclamante. Esses princípios são inerentes exatamente aos recursos no sistema do Código de Processo Civil (...)”[6]

Bernardo Pimentel Souza expressamente afirma tratar-se de sucedâneo recursal, visto que seu objetivo primário é invalidar decisão com error in procedendo:

atual conclusão em prol da subsistência da reclamação correicional como sucedâneo recursal nos processos em geral (civil, penal, trabalhista, eleitoral e militar), para a impugnação tanto de omissão jurisdicional quanto de decisão contaminada por error in procedendo, desde que ambas (omissão jurisdicional e decisão) não sejam recorríveis.[7] (Destaques no original.)

A correição parcial tem como objetivo o saneamento da omissão injustificada no processo, a extrapolação de prazos, a inversão de fases processuais, consubstanciada na prática de um ato por outro (onde se inseririam as decisões implícitas), aquilo que os regimentos internos dos tribunais resumiram na expressão “tumulto processual”. Ataca, portanto, erros na condução do processo.

Ovídio Araújo Batista reconhece o meio como idôneo para impugnação de decisão, inclusive em casos de omissão na prestação jurisdicional. Fica clara, mais uma vez, a visão de “impugnabilidade” do ato omissivo, embora se trate aqui de um “recurso clandestino”[8].

Também a chamada correição parcial, de longa data praticada no foro brasileiro, como expediente destinado a preservar a ordem e o desenvolvimento normal do processo, sempre que este se veja ameaçado por alguma providência judicial manifestamente ilegal, que lhe possa causar desordem ou tumulto processual, ou mesmo como remédio contra a omissão dos juízes que, porventura, descurem de seus deveres funcionais, deixando o feito ao abandono por tempo desmedido, é uma forma de impugnação ao ato jurisdicional de que não caiba outro meio de impugnação, sem ser ela própria um recurso.[9]

Com efeito, o próprio Superior Tribunal de Justiça reconhece em seus julgados a higidez da via correicional com tal objetivo. Mais uma vez destacada a cautela com que se faz o estudo de precedentes, observa-se a posição da Corte Superior, em julgado tomado por empréstimo do Processo Penal:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO PENAL. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE NUMERÁRIO. DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO À APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. DESCABIMENTO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CORREIÇÃO PARCIAL. APRECIAÇÃO DE MATÉRIA FÁTICA. INAPLICABILIDADE DO ART. 515, § 3º, DO CPC.

I - Contra suposto ato omissivo imputado a juiz de primeira instância, consistente no não-julgamento definitivo de pedido de restituição de numerário, oportuna a manifestação de correição parcial e não a impetração de mandado de segurança. (...)[10]

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Por não ter clara e unificada regência processual, a correição parcial ainda é um instrumento nebuloso para as partes, sujeito aos caprichos regimentais dos tribunais. Muitos deles, a propósito, consagram que a correição parcial seja meio idôneo apenas quando não houver outro recurso cabível. Expõe Bernardo Pimentel Souza: “(...) as omissões jurisdicionais não sujeitas a recurso processual (vale dizer, embargos de declaração) também são passíveis de correição parcial ou reclamação correicional.”[11]

Assim sendo, quando a parte se encontrar em estado de sucumbência material em virtude de “tumulto processual” criado pelo juiz, mediante decisão implícita em despacho ou por omissão jurisdicional, decerto caberá a correição parcial no interesse da parte.


BIBLIOGRAFIA:

ARAGÃO, Egas Moniz de. A Correição Parcial. Curitiba: Imprensa da Universidade Federal do Paraná, 1969.

GIBOSKI, Tarcísio Alberto. Função corregedora nos tribunais. Corregedoria do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região: Trabalhos Doutrinários. Disponível em: www.trt6.gov.br. Acesso em: 29 de dezembro de 2010.

SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil. Vol. 1: Processo de Conhecimento. 7ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 6ª edição atualizada de acordo com as Leis n. 11.672 e 11.697, de 2008. São Paulo: Saraiva, 2009.


Notas

[1] Ressalte-se não se tratar da Reclamação Constitucional (a exemplo do art. 102, I, “f”, da Constituição Federal de 1988), que assegura a competência e autoridade dos julgados dos tribunais.

[2] Tem-se apenas a previsão de responsabilidade do juiz por excesso de prazos: “Art. 198. Qualquer das partes ou o órgão do Ministério Público poderá representar ao presidente do Tribunal de Justiça contra o juiz que excedeu os prazos previstos em lei. Distribuída a representação ao órgão competente, instaurar-se-á procedimento para apuração da responsabilidade. O relator, conforme as circunstâncias, poderá avocar os autos em que ocorreu excesso de prazo, designando outro juiz para decidir a causa.” (Código de Processo Civil de 1973)

[3] “(...) a reclamação correicional está consagrada em vários preceitos de leis federais: artigo 5º, inciso II, da Lei n. 1.533, de 1951, artigo 8º, inciso I, alínea “l”, da Lei n. 8.185, de 1991, artigo 709, inciso II, da Consolidação das Leis do Trabalho, artigo 22, inciso I, letra “i”, do Código Eleitoral, artigo 498, alínea “a”, do Código de Processo Penal Militar. Daí o observância da exigência constitucional inserta no artigo 22, inciso I, da Constituição de 1988. Por sua vez, a regulamentação do procedimento da correição parcial por meio das leis estaduais e dos regimentos internos dos tribunais também tem assento constitucional (artigos 24, inciso XI, e 96, inciso I, alínea “a”), com o reforço da Lei n. 8.185, de 1991 (artigo 8º, inciso I, alínea “l”, e § 1º).” (SOUZA, 2009, p. 118)

[4] GIBOSKY (2010, p. 12)

[5] ARAGÃO (1969)

[6] GIBOSKI (2010, p. 16)

[7] SOUZA (2009, p. 117)

[8] Expressão de EGAS MONIZ DE ARAGÃO em obra: A Correição Parcial (1969).

[9] SILVA (2005, p. 450)

[10] RMS 15856/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 20/05/2003, DJ 30/06/2003, p. 270.

[11] SOUZA (2009, p. 119)

Sobre o autor
Pedro Henrique Maciel Fonseca

Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONSECA, Pedro Henrique Maciel. Vias de correição como sucedâneo recursal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3152, 17 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21107. Acesso em: 23 dez. 2024.

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