“O principal, o principal é que agora tudo vai ser novo, vou me desdobrar — gritou ele subitamente, voltando mais uma vez à sua melancolia —, tudo, tudo, mas será que eu estou preparado para isso? Será que eu mesmo quero isso? Dizem que é necessário para me pôr à prova! Dizem que é necessário me pôr à prova! Para que, para que essas absurdas provações? Para que servem? Será que então, esmagado pelos tormentos, pela idiotice, na impotência da velhice após vinte anos de trabalhos forçados, irei compreender melhor do que compreendo agora? E então de que me servirá viver? Por que agora eu aceito viver assim? (...)
“Eu sou mau, estou vendo — pensava ele de si para si, ao cabo de um minuto envergonhado pelo seu gesto agastado para Dúnia —. Mas porque elas mesmas me amam tanto se eu não mereço isso! Oh, se eu fosse sozinho e ninguém me amasse, e eu mesmo não amasse ninguém! Nada daquilo teria acontecido! Curioso, será que nesses futuros quinze a vinte anos minha alma vai ficar tão resignada que eu vou choramingar com reverência diante das pessoas, chamando-me a mim mesmo de bandido? Sim, isso mesmo, isso mesmo! É para isso que estão me exilando agora, é disso que eles precisam... Aí estão eles nesse vai-e-vem pelas ruas, mas cada um deles é um patife e um bandido já pela própria natureza; pior ainda, é um idiota! Mas tente alguém me evitar o exílio e todos eles ficarão loucos de nobre indignação! Oh, como eu odeio todos eles!”
Meditou profundamente: “Através de que processo pode acontecer que eu venha finalmente a me resignar diante de todos já sem discutir, me resignar por convicção? Será que vinte anos de jugo continuo não me quebrarão definitivamente? Água mole em pedra dura!... E para que, para que viver depois disso, para que eu estou indo neste momento, quando eu mesmo sei que tudo vai ser exatamente como está nos livros e não de modo diferente?”.[1]
SUMÁRIO: 1) Sobre o conceito de Pena; 2) Introdução às teorias da pena; 3) A pena como garantia do cidadão: a concepção de Luigi Ferrajoli (e do utilitarismo reformado) como concepção válida para estabelecer a finalidade da pena e a missão do Direito Penal; 4) Considerações finais; 5) Bibliografia utilizada.
1.Sobre o Conceito de Pena
A punição daquele que se desvia do padrão social mínimo exigido é uma das características do ser humano, e marca, com sua história, de certa forma, a evolução do pensamento do homem. Desde as penas de banimento do grupo (impostas nos primórdios da civilização, quando éramos nômades), as penas de vingança de sangue (dos primeiros grupamentos sedentários), as penas de torturas (da idade média), até a pena de prisão (restrição de liberdade) e as suas modernas alternativas, o homem tenta encontrar uma forma de solucionar este problema ínsito nas sociedades: o desviado. Saber o que fazer com o delinquente é o grande problema enfrentado por sociedades de todos os tempos.
Qual a finalidade da aplicação da pena no atual sistema jurídico brasileiro?[2] A quem (ou quais interesses) ela serve? Deve a pena significar um castigo em retribuição ao mal causado ou a simples expiação do pecado por meio do sofrimento da pena? Que direito tem o Estado em tentar “corrigir” o cidadão desviado, para impor-lhe um padrão de conduta?[3] É válida a vontade do delinquente em não se deixar “ressocializar”? Estas indagações são apenas algumas das possíveis para suscitar uma reflexão necessária em tempos que tais[4].
A determinação da origem das penas implica em remontarmo-nos ao período do aparecimento do homem sobre a face da terra e a instauração do primeiro sistema de relações[5], pois ela nada mais é do que um mal que sofre o delinquente[6]; “é um desses fatos sociais de validade universal, no tempo e no espaço, do qual nenhum povo prescinde” e se quiser prescindir se dissolve, justificando-se pela sua necessidade, dado que se constitui em um meio imprescindível para a manutenção de uma comunidade social humana[7]. Isso porque o delinquente, como diria Messuti, não sobrevive à sua morte: o que é imortal não é o agente delituoso, mas a comunidade de pessoas que persiste como tal, apesar de que mudam as pessoas que a integram[8].
A pena pode ser trabalhada com a ideia clássica, resumida aqui nas palavras de Bettiol, tocando ao Homem em sua concreta individualidade, determinando nele o sofrimento equivalente ao que a outros inferiu com a ação delitiva, fazendo-o renascer de uma alma já endurecida pelo vício e despertando o sentido da dignidade humana[9]. Por outro lado, numa lente mais moderna, pode-se trabalhar a pena nos lindes propostos por Jakobs, como uma reafirmação da norma descumprida pelo agente perante a sociedade, revalidando-a[10]. De qualquer sorte, devemos sempre ter presente que problemas como o crime não são vistos como problemas sociais a serem resolvidos, mas como fatores de risco (abstrato) a controlar. Se os excluídos não têm valor, que valor pode ter um excluído que, além disso, é delinquente?[11]”
Pelo que brevemente se verificará nesse estudo, nenhuma das propostas sobre a pena esclarece de forma definitiva o real significado da aplicação de uma pena a alguém. Messuti, inclusive, refere que é perante a sociedade que se deveria medir o tempo da pena, pois é em função daquela que esta se quantifica, e não em função do tempo do delinquente[12]. Este é mero agente sofredor do mal. Cada delinquente vive de forma única e imprevisível sua própria pena. Daí que quando se dita a sentença não se sabe com certeza qual castigo se está aplicando, pois as unidades temporais nas quais se fixa a pena sucederão com maior ou menor lentidão, segundo a individualidade do sujeito. E à medida que o sujeito interiorize essa duração, irá configurando sua pena[13].
No seu sentido propriamente jurídico, a pena é a reação[14] que uma comunidade politicamente organizada opõe a um fato que viola uma das normas fundamentais da sua estrutura, o crime, funcionando como reação contra o criminoso[15]. Inclusive, Beccaria já afirmara, em sua época, que “para que cada pena não seja uma violência de um ou de muitos contra um cidadão privado, deve ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima possível nas circunstâncias dadas, proporcional aos delitos e ditada pelas leis”[16]. Todas as questões relativas ao por que e ao para quê punir estão ligadas, definitivamente, ao problema da legitimação ou fundamentação da pena estatal, e, por conseguinte, do próprio Direito Penal[17]. Inclusive, disse Christie, que a punição pode ser vista “como um reflexo da nossa compreensão e dos nossos valores e é assim regulada pelas normas que as pessoas aplicam diariamente ao avaliar o que é possível e o que não é possível fazer aos outros. Estas normas se veem na prática, não apenas em pesquisas de opinião. Mais do que uma ferramenta para a engenharia social, o nível e o tipo de punição espelham normas que reinam na sociedade. Assim, a questão para cada um de nós é: estaria de acordo com o meu conjunto geral de valores viver num Estado que me representa desta forma particular?”[18]. Pode-se, nesse sentido, afirmar que a pena é um mal causado a uma pessoa, em um procedimento público-geral, levado a cabo pelo Estado, atendendo a formalidades preestabelecidas, porquanto tenha ela produzido lesão à regra jurídica, e essa lesão lhe tem de ser imputada, como reprovação de seu ato[19]. Significa dizer que hoje a pena é, em sua essência, retribuição e intimidação. Tanto assim que a pena é proporcional ao mal praticado. Crime mais grave, sanção maior. A grande função da pena é aquela de natureza intimidatória, devendo funcionar como um espantalho, afugentando e desencorajando o homem à prática do crime[20].
2. Introdução às Teorias das Penas
Historicamente, a pena sempre se fez presente, na vida do Homem em sociedade[21]. O Direito Penal como mecanismo de controle social primário e formalizado que associa ao delito (objeto a ser controlado e prevenido) a imposição de uma pena (instrumento com o qual se controla ou se previne o delito), se legitima por sua necessidade e porque resulta preferível frente a outros mecanismos de controle social[22]. Apenas no Renascimento é que se conheceu a humanização dos castigos, as considerações racionais e humanitárias que exigem a proporcionalidade entre o delito e a pena, o reconhecimento do princípio da legalidade, e com base em um juízo racional, junto ao imperativo da proporcionalidade, uma finalidade utilitária da pena[23]. Nesse passo, na obra de Beccaria, conflui toda a filosofia política do Iluminismo europeu e, especialmente, o francês. A consequência resultante para a história da ciência penal é a formulação efetiva dos pressupostos para uma teoria jurídica do delito e da pena e do processo, no quadro de uma concepção liberal do estado de direito, baseada no princípio utilitarista da maior felicidade para o maior número, e sobre as ideias do contrato social e da divisão dos poderes[24]. Nesse sentido, afirma Stratenwerth, ser apenas no Iluminismo a busca por uma finalidade da pena, o que trouxe congenitamente uma antinomia: a precisão das diferentes consequências às quais são submetidos os apenados[25]. Assim, é a partir do Iluminismo que inicia o pensar sobre a determinação do conteúdo e da justificativa (finalidade, portanto) da pena.
As chamadas teorias da pena são pontos de vista, que tentam explicar racionalmente — e legitimar ou justificar — a existência do Direito Penal[26]. Este, por sua vez, permite, a alguns cidadãos (instituídos como Juízes ou em Tribunais), que, em nome da sociedade, causem aos seus semelhantes (que são considerados delinquentes) o dano ou o mal que supõe (em todo caso, e por muito que se suavize sua execução) o sofrimento de uma pena[27]. Não se trata, portanto, de um problema teórico, sobre o sentido desta ou daquela manifestação da vida, mas de um tema de enorme atualidade prática: com base em quais pressupostos se justifica que o grupo de homens associados no Estado prive de liberdade alguns dos seus membros ou intervenha de outro modo, conformando a sua vida?[28] Se reduzirmos a ilimitada literatura filosófica e jurídica às suas posições fundamentais, veremos que até hoje não se propuseram mais que três soluções à questão do por que e do para que se pune[29].
A primeira destas soluções agrupa-se sob o manto das teorias absolutas da pena (também chamadas teorias da retribuição[30]), que devem seu nome ao fato de considerar ter a pena ao alcance os fins ou valores absolutos, tais como a “realização da Justiça” ou o “império do Direito”[31]. Se a pena é imposta por imperativo da ordem pública, pune-se para restaurar a ordem; se busca a expiação, é para a cura espiritual do infrator, que não deve voltar a pecar[32]. Para essas teorias, só é legítima a pena justa, ainda que não seja útil, assim como uma pena útil, embora injusta, carecerá, igualmente, de legitimidade[33]. Ainda, deve-se entender que, ao ser uma exigência de valores absolutos, a pena que corresponda ao delito cometido tem que ser executada sempre e em sua totalidade: a sua não execução, ou sua execução somente parcial, é inimaginável no contexto teórico das teorias absolutas da pena, porquanto frustraria as exigências irrenunciáveis da Justiça ou do Direito[34].
As teorias relativas da pena, por sua vez, (também chamadas “teorias da prevenção”) devem seu nome por considerar que a pena se legitima ao ter uma finalidade relativa, cambiante e circunstancial, como o é o fim útil da prevenção (evitação do delito): a pena é necessária para evitar a comissão de novos delitos. Dita finalidade pode ser perseguida pela pena já que a mesma é apta para cumprir funções de prevenção geral e de prevenção especial, descartando a participação do princípio da culpabilidade[35]. Aqui, a pena, é retribuição. E retribuição é uma reação, uma resposta a algo que já aconteceu; por isso, o fundamento real da pena (=culpabilidade) repousa no passado, ainda que seu fundamento final (=aquilo que com ela se tenta alcançar e se consegue) se encontre referido no futuro[36]. Os fins da pena são: o efeito intimidatório (prevenção geral “negativa”[37]), a correção (prevenção especial “positiva”[38]), assim como fazer o autor inofensivo (prevenção especial “negativa”[39])[40].
As chamadas soluções mistas ou ecléticas são consideradas como dominantes no cenário atual, por demonstrarem que cada uma das propostas anteriores individualmente consideradas não podia convencer nem justificar a intervenção penal sem os postulados oferecidos por uma das outras. Sempre houve “teorias da união”[41], e primordialmente elas pretendem dar satisfação, ao mesmo tempo, às exigências da justiça e às exigências da prevenção, a partir de, basicamente, duas versões diferentes, a teoria da união aditiva, que se caracteriza por dar prioridade às exigências da justiça, sobre as da prevenção; e, a teoria da união dialética, que, pelo contrário, dá prioridade às exigências da prevenção sobre as da justiça[42].
Para fechar essa introdução às teorias da pena não podemos deixar de lado a lição de Zaffaroni, no sentido de que: “nunca houve um sistema penal histórico que atuasse de acordo com os postulados racionalistas de Kant ou de Feuerbach, de Carmignani ou de Carrara; todos, em uma linha de tradição humanista, projetaram argumentos úteis na prática imediata para conter e limitar o exercício arbitrário de poder dos sistemas penais. No entanto, jamais poderão ser modelados sistemas penais de acordo com estas ideias, como não pode ocorrer naquela época, quando a nova divisão internacional do trabalho — gerada pena revolução industrial — levou as classes hegemônicas européias a uma cruel competição pela hegemonia européia e mundial, provocando nova etapa genocida em nossa região marginal, na região africana e, inclusive, na própria Europa”[43].
No Brasil, encontram-se previsões legais para aplicação da pena, às vezes com intuito de retribuição (§ 5.º do artigo 121 do Código Penal), outras preocupadas com a ressocialização do delinquente e o desejo de proteger a sociedade do cometimento de outros delitos por parte do mesmo apenado (artigo 2.º da Lei de Execuções Penais), e, ainda, anseios de prevenção, ressocialização e retribuição (artigo 59 do Código Penal e 1.º da Lei de Execuções Penais). Contudo, já esclarecera Boschi: “o conjunto da legislação penal (salvo raras exceções) traduz uma política criminal anti-garantista, na medida em que, por meio dela, se maximiza o Estado Penal, e enfraquecem-se as liberdades do cidadão, revelando a profunda intolerância oficial, que o vê, assim, como o grande inimigo, e não como a grande vítima de um sistema político desigual, privilegiador e injusto”[44]. Deve-se referir, por fim, que a finalidade da aplicação de pena perdeu-se na poeira do tempo, não havendo, hoje, um critério definitivo ou extreme de dúvidas para justificar a aplicação de uma pena a um ser humano.
3. A pena como garantia do cidadão. A concepção de Luigi Ferrajoli (e do utilitarismo reformado) como concepção válida para estabelecer a finalidade da pena e a missão do Direito Penal
Historicamente, o direito penal nasce não como desenvolvimento, mas como negação da vingança, e se justifica não com o fim de garanti-la, mas de impedi-la, tanto que se pode dizer que a história do direito penal e da pena corresponde à história de uma longa luta contra a vingança[45]. Assim, a prevenção geral é a razão de ser das proibições penais, que estão dirigidas a tutelar os direitos fundamentais dos cidadãos contra as agressões por parte de outros associados. Significa, ainda, que o direito penal assume como finalidade uma dupla função preventiva: a prevenção geral de delitos e a prevenção geral das penas arbitrárias ou desproporcionadas. A primeira função marca o limite mínimo e a segunda o limite máximo das penas. Uma reflete o interesse da maioria não desviada; a outra, o interesse do réu e de todo aquele de quem se suspeita e é acusado como tal. A segunda finalidade, via de regra esquecida, é a mais significativa e em maior medida merece ser destacada; primeiro, porque o direito penal é a via correta para alcançar este propósito; segundo, porque as garantias do acusado sempre estão à margem do pensamento do legislador (preocupado com a defesa e segurança social); e, terceiro, porque apenas ela é necessária e suficiente para fundamentar um modelo de direito penal mínimo e garantista[46].
Nesse sentido é de reconhecer-se que às exigências da prevenção (geral ou especial) devem assinalar-se limites externos a sua própria lógica para evitar o emprego abusivo da pena por parte do Estado. Um destes limites é o princípio da culpabilidade que, em sua moderna formulação (separado do livre arbítrio do indivíduo e da teoria da retribuição) impede que alguém possa ser castigado com uma pena excedente àquela adequada a gravidade de sua responsabilidade pelo fato (culpabilidade). Nesse contexto, impor-se ao autor de delito, baseado em sua periculosidade, uma pena que exceda o grau de sua responsabilidade pelo fato não seria legítimo, assim como aumentar indefinidamente a gravidade das penas para potencializar seu efeito intimidante. Assim, já referiu Zugaldía Espinar que “la aceptación de este límite a la pena estatal hace preferible frente a las demás a la teoría dialéctica de la unión que, en el fondo, como vimos, no es sino una teoría relativa de la pena aunque caracterizada por admitir como límite (máximo) de la pena (en la fase de su individualización judicial) la culpabilidad del autor. Téngase en cuenta — como se dijo — que esta construcción no impide que la pena que por debajo de la adecuada a la gravedad de la culpabilidad del autor por el hecho. La dificultad que entraña la determinación del límite de la pena adecuada a la culpabilidad del autor, no debe conducir a excluir el límite mismo del catálogo de los límites al poder punitivo del Estado: a) En primer lugar, porque siempre es posible encontrar criterios racionales y controlables en orden a determinar en qué medida (mayor o menor) una persona puede ser responsabilizada de sus actos; b) En segundo término, porque “todo lo que signifique limitar y controlar el poder punitivo del Estado debe ser bien acogido”. La legitimidad del recurso a la pena para la prevención de los hechos socialmente dañosos (delitos) en el marco indicado está condicionada, de todos modos, al respeto — entre otros — del principio de “mínima intervención” con las máximas garantías. Ambos extremos integrarían el programa de un Derecho Penal garantista que podría expresarse con la fórmula: “mínima intervención, máximas garantías”[47].
Assim, afirma Ferrajoli, que o fim do direito penal é a proteção do mais fraco, na luta contra o mais forte: do fraco ofendido ou ameaçado pelo delito, assim como do fraco ofendido ou ameaçado pela vingança; contra o mais forte, que no delito é o delinquente e na vingança é a parte ofendida ou os sujeitos públicos ou privados solidários a ele. A proibição e a ameaça penal protegem as possíveis partes ofendidas contra os delitos, enquanto o juízo e a imposição da pena protegem, paradoxalmente, os réus contra as vinganças ou outras reações mais severas. Sob todos os aspectos, a lei penal se justifica como a lei do mais fraco, orientada à tutela de seus direitos contra a violência arbitrária do mais forte[48]. A política criminal do direito penal clássico é tida como ultrapassada, e as discussões que hoje são travadas no âmbito da criminalidade moderna, que hostiliza a pena privativa de liberdade para crimes não violentos, busca sua substituição por penas reparatórias, restritivas de direitos, etc., tudo como parte de uma nova política social descarcerizadora[49].
As duas finalidades preventivas (de delitos e de penas arbitrárias) estão conectadas sobre essa base: legitimam conjuntamente a necessidade política do direito penal como instrumento de tutela dos direitos fundamentais, definindo estes normativamente os âmbitos e limites de sua atuação. Para Ferrajoli, apenas concebido deste modo o fim do direito penal é que será possível obter uma adequada doutrina de justificação e ao mesmo tempo uma teoria garantista dos vínculos e limites do poder punitivo do estado[50]. O direito penal e o seu exercício pelo Estado fundamentam-se na necessidade estatal de subtrair à disponibilidade de cada pessoa o mínimo dos seus direitos, liberdades e garantias indispensáveis ao funcionamento da sociedade, à preservação dos seus bens jurídicos essenciais; e a permitir por aqui, finalmente, a realização mais livre possível da personalidade de cada um enquanto pessoa e enquanto membro da comunidade[51]. Por fim, o modelo de justificação desenhado, ao orientar o direito penal até o fim único de prevenção geral negativa (das penas e dos delitos), exclui a confusão do direito penal com a moral que caracteriza as doutrinas retribucionistas e as da prevenção positiva, e, consequentemente, exclui sua autolegitimação moralista, naturalista ou sistemicamente autorreferente. Maximizando, desta forma, o bem estar possível dos não desviados e minimizando o mal estar necessário dos desviados, dentro do fim geral da máxima tutela dos direitos individuais, da limitação da arbitrariedade e da minimalização da violência na sociedade[52].
A pena apresenta-se como instrumento político e negação da vingança, como limite ao poder punitivo, como o mal menor em relação às possibilidades vindicativas que se produziriam na sua inexistência[53]; e, particularmente, deve ser reconhecida por seu caráter aflitivo e coercitivo, como um mal, desincumbida de finalidades filantrópicas do tipo reeducativo ou ressocializador. Mesmo sendo um mal, a pena é justificável apenas nos casos em que se reduz a um mal menor (se comparada à vingança ou as outras reações sociais), e nos quais o condenado obtém dela o benefício de ver-se não atingível por castigos informais, imprevisíveis, incontrolados e desproporcionados[54]. Assim, pune-se o agente porque praticou um delito e para que não lhe seja aplicada pena maior do que a estabelecida em lei. Apena-se o indivíduo para garantir-lhe um mal (necessário) menor do que os possíveis maus a que estaria ele sujeito não fosse a existência da pena e ao mesmo tempo para que a sociedade sinta-se segura com a aplicação do direito ao infrator.