I. Prólogo
O presente trabalho tem por objetivo desvendar se, nos crimes conforme a conduta, é possível a aplicação da tentativa, e, se for, em qual ou quais deles e em que circunstâncias.
Para tal desígnio, desenvolveu-se a seguinte sistemática:
Ab initio, elaborou-se uma introdução demarcatória dos componentes do crime e identificadora dos aspectos de maior relevância para o objetivo da presente.
Na introdução, procurou-se ressaltar as possibilidades em que o crime, muito embora cogitado, não atingiu sua consumação.
Além disso, delineou-se as possíveis condutas, capazes de serem perpetradas pelo agente de molde a satisfazer uma hipótese punitiva.
Por fim, teceu-se algumas considerações sobre a tentativa, vez ser a hipótese em que o crime não se consuma a qual este trabalho tem por objeto.
No item seguinte, aprofundou-se o estudo da tentativa, tendo sido despendida maior importância para o iter criminis, dada a sua relevância no estudo do crime tentado.
Ao depois, cuidou-se dos demais aspectos do conatus externos ao iter criminis.
Terminado este item, passou-se ao estudo da conduta, tal qual concebida pela doutrina: ação e omissão.
Procurou-se dar enfoque a conceitos determinantes dos crimes comissivos, omissivos próprios e omissivos impróprios, delineando suas peculiaridades e discorrendo sobre seus principais aspectos.
Findos estes estudos preliminares, atingiu-se o propósito da monografia, qual seja, determinar a aplicabilidade do conatus nos crimes conforme a conduta.
Por derradeiro, registrou-se uma rápida conclusão.
O estudo obedeceu as normas da ABNT que nos foram indicadas, vindo acompanhado de capa, índice geral, resumo (aqui denominado de prólogo), corpo completo do trabalho – inclusive com introdução, conclusão e bibliografia.
Não houve necessidade de anexos, vez que a indicação bibliográfica e as notas de rodapé – constantes na monografia – por si satisfazem a demonstração das fontes utilizadas.
O layout do trabalho obedeceu rigorosamente os parâmetros demandados.
A Jurisprudência utilizada foi colhida ora pelas próprias obras consultadas, ora na Rede Mundial de Computadores, nos seguintes sites: www.stf.gov.br; www.stj.gov.br; www.rt.com.br; www.tj.sc.gov.br; www.tj.rj.gov.br; www.aasp.org.br.
Era o que havia a expor no âmbito deste proêmio.
II. Introdução
O crime compreende o tipo e a pena, só podendo esta ser aplicada se o agente perfizer – total ou parcialmente – a conduta típica, além de outras circunstâncias necessárias a sua escorreita aplicação (ausência de excludentes de ilicitude, não subsistência de causas de extinção da punibilidade, etc).
O tipo descreve uma situação fática abstrata, que pressupõe um elemento subjetivo e um tipo objetivo (a conduta a ser executada pelo agente). A conduta é o modo pelo qual o agente perpetra o ato punível e o elemento subjetivo, a seu turno, é o motivo pessoal gerador da conduta.
A conduta poderá ser omissiva ou comissiva, o que determinará a classificação do delito como sendo comissivo, omissivo próprio ou impróprio (comissivo por omissão). O elemento subjetivo, por sua vez, determinará se o crime é doloso (dolo específico ou genérico, direto ou eventual/indireto) ou culposo (negligência, imprudência ou imperícia, conscientes ou não).
Esgotada a conduta e satisfeito o tipo, consuma-se o crime, devendo o agente ser apenado nos moldes do artigo 14, inciso I, do Código Penal. Se a conduta descrita não for totalmente perpetrada, algumas possibilidades podem ocorrer: 1. Crime impossível; 2. Ocorrência tão só de atos preparatórios impuníveis; 3. Desistência voluntária; 4. Arrependimento eficaz; 5. Crime tentado.
Crime impossível é circunstância que torna o fato atípico e, por força disso, impunível. Ocorre no momento em que o crime não se consuma por ineficácia ou impropriedade absoluta do meio, tornando-se impossível a consumação. Com efeito, prediz o artigo 17, da Lei Repressiva, ser impunível a tentativa quando impossível a consumação do ilícito, dessarte, inaplicável o artigo 14, inciso II, do mesmo Codex, em situações como a vertente.
Atos preparatórios fazem parte de fases anteriores à execução delitiva, portanto, impassíveis de punição, a menos que, por si só, configurem delito autônomo (Cf. art. 288, do CP).
O artigo 14, inciso II, do CP, reza ser o crime "tentado quando, iniciada a execução, não se consuma o crime por circunstâncias alheias à vontade do agente". Desta feita, se à execução não se deu início, não há crime; convém sempre enfatizar que os atos preparatórios (cogitação, preparação, etc.) não estão incluídos na execução delitiva, fase esta imprescindível para que a tentativa, ao menos, subsista.
Desistência voluntária e arrependimento eficaz são "causas de exclusão da adequação típica" para Damásio1, ou causas de extinção de punibilidade, para Nélson Hungria, Magalhães Noronha e Aníbal Bruno. Deveras, o artigo 14, inciso II, do Estatuto Penal prescreve que só ocorre tentativa se o crime não atingir sua consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente. Nos casos em que a consumação não subsiste por deliberação do próprio sujeito, não haverá crime tentado, salvo se os atos já praticados configurarem delito ou delitos autônomos.
De conseguinte, se o agente surrupia a carteira de uma pessoa, e, antes de obter a posse(1)mansa e pacífica, devolve-lhe a res furtiva, não responde por delito algum.
Sem embargo, se o agente subtrai a mesma carteira, todavia o faz mediante violência, empreendendo-a de molde a causar lesões corporais leves na vítima, sendo que, antes de lograr a posse mansa e pacífica da res, restitui o bem, não responderá por roubo simples, mas estará incurso no crime de lesões corporais leves consumadas.
Isso se explica na medida em que roubo é delito complexo, abrangendo a subtração e as lesões corporais, assim, vê-se que, in casu, o delito-meio (lesões corporais) consumou-se, e o delito-fim (subtração patrimonial) não atingiu sua consumação em virtude da própria vontade do agente.
Ora, o art. 15 do CP é claro ao prescrever que o sujeito, quando protegido pela desistência voluntária ou arrependimento eficaz, apenas responderá pelos atos já praticados, note-se que o delito corporal atingiu sua plena consumação muito antes da atitude do sujeito que ensejou a aplicação da desistência voluntária, o que traduz sua incursão no art. 129 do CP.
Por derradeiro, convém tecer considerações sobre o crime tentado.
O crime é composto por um iter, formado por várias fases que se desencadeiam até a consumação do ilícito. À essas fases dá-se o nome de iter criminis.
Conforme o já explanado, é possível que o crime tenha início e não atinja a sua consumação, o que pode ocorrer por diversas razões, como as retro-citadas, entretanto, há ainda que se considerar uma derradeira hipótese: a não consumação delitiva por circunstâncias alheias à vontade do sujeito.
Se o agente, após ter dado início à execução do delito, não o consuma por motivos que refogem à sua vontade, em situações não abarcadas pelo crime impossível, o agente responderá pela infração, todavia terá sua reprimenda diminuída de um a dois terços, conforme o menor ou maior grau que logrou atingir no iter criminis.
Inobstante, há casos em que as infrações não toleram a espécie tentada, como nos casos de delitos culposos.
O que se tentará desvendar, mais adiante, é se os crimes omissivos próprios, omissivos impróprios e comissivos admitem ou não a forma tentada.
III. Da Tentativa
O estudo da tentativa não prescinde de uma análise mais apurada de certos aspectos à ela inerentes.
Dentre estes elementos, o de maior relevância e que pertine diretamente ao objetivo da presente é o iter criminis, o qual receberá especial tratamento a seguir.
IV. Do iter criminis
Consoante preciosa lição de Damásio(2), "Iter criminis é o conjunto de fases pelas quais passa o delito", abrangendo as seguintes etapas: 1. cogitação; 2. atos preparatórios; 3. execução; 4. consumação. O mesmo magister, no âmbito de sua didática, exemplifica(3):
"O agente, com intenção de matar a vítima (cogitação), adquire um revólver e se posta de emboscada à sua espera (atos preparatórios), atirando contra ela (execução) e lhe produzindo a morte (consumação)".
Dessarte, vê-se que o estudo da tentativa está intrinsecamente ligado ao iter criminis, posto só haver crime tentado quando o delito deixa de percorrer todo o seu caminho, findando sem a completa satisfação do tipo. Nesta vereda, convém transcrever, in verbis, trecho do grande legado de Noronha(4):
"O fato delituoso apresenta esquematicamente uma trajetória, um caminho - o iter criminis - que se compõe das seguintes etapas: cogitação, atos preparatórios, atos de execução e consumação. Dá-se a tentativa quando o agente não chega à consumação ou meta optada. É, pois, no plano físico ou material que ela se distingue do crime consumado. Neste, o que se passa no plano externo corresponde ao elemento subjetivo do delinqüente; naquela, o sujeito ativo ficou aquém do elemento volitivo, não o realizou no mundo exterior". (grifos do autor).
Após este sucinto esboço do que vem a ser o iter criminis, torna-se oportuno o estudo de cada uma de suas fases.
IV.1.a Da cogitatio
A primeira fase do iter criminis é a cogitatio - ato de elaborar planos, estratégias e demais elocubrações acerca do perpetrar de um crime. A cogitação deita no foro íntimo de cada pessoa, podendo ou não se materializar em ato ilícito.
Esta fase carece de qualquer importância para o Direito Penal, dado não constituir circunstância punível o mero exercício de pensar ou de obtemperar sobre esta ou aquela ação, seja ela lícita ou ilícita, como bem assevera Noronha(5):
"O que se passa no foro íntimo de uma pessoa não é dos domínios do direito penal. Persiste ainda hoje a máxima de Ulpiano - cogitationis nemo poenam patitur. Ou como falam os italianos - pensiero non paga gabella (o pensamento não paga imposto ou direito). Em intenção todos podem cometer crimes.
Mesmo quando exteriorizada, se ela não passa de certo ponto, se não chega ao grau de tentativa, não é punível, como acontece com a determinação, a instigação ou auxílio, isentos de pena pelo art. 31". (grifos do autor)
Damásio abona o entendimento(6):
"A cogitação não constitui fato punível".
Em idêntico norte, pronuncia-se a Jurisprudência(7):
"A mera cogitatio não basta para configurar o conatus"(8). "A mera intenção não é punível. Para a reconhecimento da tentativa exige-se a prática de atos de execução"(9). "Nem a cogitação do crime, nem os atos preparatórios são puníveis, em vista do critério do art. 14, II, do CP"(10)
Magalhães Noronha(11), sempre no afã de esgotar a matéria, obtempera que existem determinadas hipóteses de cogitatio as quais a lei repressiva, expressamente, pune, in verbis:
"É essa a regra. Todavia casos há em que se observa já constituir delito o desígnio ou propósito de vir a cometê-lo, como sucede com a conspiração, a incitação ao crime (art. 286), o bando ou quadrilha (art. 288), e ainda outros, em que há o propósito delituoso, ou a intenção revelada de vir a praticá-lo. A impaciência do legislador, então, antecipa-se e não espera que ele se verifique, punindo, em última análise, a intenção, o projeto delituoso.
Fora desses e outros casos, em que evidentemente já há lesão à ordem jurídica, a intenção não está sujeita a pena." (grifos do autor)
Sem embargo, cumpre registrar duas anotações a respeito desse entendimento:
1. O que se está punindo, nos casos citados, não é a cogitação sobre o crime, mas sim o próprio crime consistente em cogitar, isto é, cogitar a respeito do cometimento de um furto, verbi gratia, não é fato passível de punição, diferente seria se o ordenamento tipificasse a conduta de "cogitar acerca de uma subtração".
2. Cumpre registrar, vênia concessa, que as hipóteses citadas pelo grande jurisprudente não configuram a cogitatio, tal como idealizada pela hodierna doutrina, vez que os crimes de bando ou quadrilha, incitação ao crime, conspiração, etc., podem vir a delinear atos preparatórios de outros delitos, e não mera cogitação.
Isso porque, a ação de "cogitar" não se traduz em atos perceptíveis no mundo fenomênico, tal qual a reunião necessária a que demanda o tipo do art. 288, do vigente Estatuto das Penas, ao passo que os atos preparatórios, como adiante se verá, podem e devem consistir em ações perpetradas pelo agente, tendo por fim proporcionar melhores condições para a execução delitiva. Assim entende Damásio(12):
"Observava Magalhães Noronha que há casos em que já constitui delito `o desígnio ou propósito de vir a cometê-lo, como sucede com a conspiração, a incitação ao crime (art. 286), o bando ou quadrilha (art. 288) e ainda outros, em que há o propósito delituoso, ou a intenção revelada de vir a praticá-lo. A impaciência do legislador, então, antecipa-se e não espera que ele se verifique, punindo, em última análise, a intenção, o projeto criminoso´. Todavia, a cogitação que não constitui fato punível é a que não se projeta no mundo exterior, que não ingressa no processo de execução do crime. Os casos apontados não são de simples cogitatio, mas de voluntas sceleris externada através de atos sensíveis. Na quadrilha ou bando, p. ex., o Código não pune cada um dos agentes por pensar em se reunir a três outras pessoas para o fim de cometimento de crimes, mas sim porque se associa para tal fim. Não se cuida de cogitação punível, mas sim de atos preparatórios de um crime que o legislador resolveu punir como atos executórios de outro."
Conseguintemente, cogitar é pensar, exercitar a mente, realizar sinapses, forçar o intelecto e raciocinar, por isto não constitui fato punível, e nem poderia ser diferente, já que não pode a lei pretender coibir o pensamento ou intentar contra a liberdade de pensar, ainda que a idéia seja torpe.
Ademais, a prova seria muito difícil, dado inexistirem equipamentos capazes de traduzir o pensamento humano.
De outro giro, nota-se que a própria coletividade não possui interesse em punir a cogitação, desde que não se materialize em ilícitos – enquanto o crime repousar no interior do pensamento do agente, o Direito Penal sobre ele não agirá.
IV.1.b Dos atos preparatórios
Depois da cogitação, o iter criminis dá espaço aos atos preparatórios.
Preparação como dizia Maurach(13) "é aquela forma de atuar que cria as condições prévias adequadas para a realização de um delito planejado. Por um lado, deve ir mais além do simples projeto interno (mínimo) sem que deva, por outro, iniciar a imediata realização tipicamente relevante da vontade delitiva (máximo)". Portanto, consiste na conduta que precede, sob o prisma temporal, a execução do fato criminoso: um trecho da realidade fática que não é atingido pela pena.
A compra de uma arma ou a aquisição de um tubo de gás paralisante, para a realização de um homicídio ou de um roubo, correspondem a um estágio tão precedente ao comportamento delitivo que não "chegam a perturbar seriamente o sentimento jurídico da comunidade" (Jescheck)(14).
Por força disso é que os atos preparatórios, regra geral, não são incriminados.
Inobstante, há certos atos preparatórios que, excepcionalmente, são considerados delitos, passando a constituir, a partir de então, elementos da própria estrutura típica. Assim ocorre, por exemplo, no caso de petrechos para falsificação de moedas (art. 291 do CP) ou no caso de petrechos de falsificação (art. 294 do CP), como lembra Noronha(15):
"Atos preparatórios e atos de execução. Da fase subjetiva, passa o sujeito ativo ao plano físico ou do mundo externo. De ordinário, são, atos preparatórios que, primeiro, pratica. Se homicídio é o que pretende cometer, toma da arma, dirige-se ao local etc. Se furto, mune-se dos petrechos necessários, e assim por diante.
Em nosso Código, não são puníveis os atos preparatórios, exceto quando o legislador, com eles, já tipifica um crime, como sucede com as figuras há pouco citadas, e ainda com outras, como a do art. 291 - `petrechos para falsificação de moeda´.".
Damásio(16) filia-se ao entendimento:
"Os atos preparatórios também não são puníveis, a não ser quando o legislador os define como atos executórios de outro delito autônomo. Nesses casos, o sujeito pratica crime não porque realizou atos preparatórios do crime que pretendia cometer no futuro, mas sim porque praticou atos executórios de outro delito. Ex.: aquele que, desejando cometer uma falsidade, fabrica aparelho próprio para isso, responde pelo crime do art. 291 do CP. É punido não porque realizou ato preparatório (a fabricação do instrumento) da falsidade futura, mas porque realizou a conduta descrita no dispositivo citado." (grifos do autor)
A punibilidade dos atos preparatórios deve representar, no entanto, uma medida de caráter excepcional, não se admitindo, de forma alguma uma incriminação genérica e indiscriminada desses atos. A carência de uma explícita definição típica de atos preparatórios acarreta uma grave ofensa ao princípio constitucional da legalidade e um perigo não menos grave ao direito de liberdade do cidadão.
Entretanto, como lembra Noronha(17), há que se ressaltar respeitáveis entendimentos que pugnam pela punição dos atos preparatórios:
"Não os possuindo, afastou-se nosso estatuto de um de seus modelos: o Código de Rocco.
Não são poucos os que defendem a punibilidade deles. O Positivismo Naturalista, apegado à orientação sintomática do crime e ao fim apontado ao direito penal, prega a necessidade de sanção ao ato preparatório.
Para nossa lei, só há tentativa quando há ato de execução. Difere este daquele; porém é árdua a tarefa de distingui-los. Tem a doutrina buscado um critério apriorístico e constante que possa estremá-los; porém vãos têm sido os esforços das várias teorias excogitadas.
A opinião que hoje predomina funda-se em dois critérios: um, o do ataque ao bem jurídico tutelado; o outro, o do início da realização do tipo; um é de natureza material, e o outro, formal. Para Sauer: `El principio de ejecución se puede determinar según esto como la transacción de un peligro hasta ahora sólo general, indeterminado, al estadio de la peligrosidad concreta de un determinado bien de protección´. Já para Welzel: `La tentativa comienza en aquella actividad con la cual el autor inicía inmediatamente, de acuerdo con su plan de delito, la concreción del tipo penal´.
O critério material funda-se no perigo corrido pelo bem jurídico tutelado. Se o ato não representar esse perigo, não será de execução.
O critério formal sustenta que o ato executivo deve dirigir-se à realização do tipo, deve ser o início de sua realização. Noutras palavras, é mister ser examinado em relação ao tipo legal, tomando-se em consideração, naturalmente, o fim que o sujeito ativo tem em vista. Conseqüentemente, conforme o tipo, o mesmo ato pode ou não ser de execução.
Tal critério tem obtido maior preferência que o anterior; todavia parece-nos que ele o compreende, pois difícil é imaginar ataque ao bem jurídico tutelado pela norma (e, portanto, punível), sem que se dê nas condições impostas pelo tipo. Se na tentativa a tipicidade não se completou, parece-nos inegável que ela é uma fase sua, um trecho ou fração. Ato de execução é, pois, início da realização do tipo.
Exigindo a lei o ato de execução, abraçou a teoria objetiva. Não sufragou, como já se disse, a doutrina subjetiva, para a qual basta a revelação da intenção delituosa, ainda que em atos preparatórios.
Apesar da ancianidade daquela, estamos que melhor corresponde ao ideal da justiça e aos interesses sociais. Refutando a teoria subjetiva, Hungria formula o seguinte exemplo: Tício recebe uma bofetada de Caio, corre a um armeiro, adquire um revólver, carrega-o com seis balas e volta à procura do agressor que, entretanto, não mais ali se encontra. Vai, então, postar-se nas imediações da casa deste, à espera que ele retorne. Sucede, entretanto, que Caio, desconfiado, toma rumo diverso. Conclui o eminente ministro que os atos preparatórios revelam inequivocamente a intenção de matar, e não obstante não se pode falar em tentativa: não teria Tício, ao se aproximar de Caio, desistido do crime? Não teria, no derradeiro momento, triunfado a força inibitória que anula a spinta criminosa?
Realmente, na hipótese, não há falar em tentativa de homicídio. Em que pese à revelação da voluntas sceleris, não ouve princípio de realização do tipo previsto em lei." (grifos do autor)
A despeito das divergências, cabe anotar a remansosa orientação pretoriana versando sobre o assunto, sempre no sentido da impossibilidade de punição dos atos preparatórios, ressalvados os casos em que a preparação perfaz o próprio tipo(18):
"O crime é tentado quando se iniciam atos de execução, os quais não são coroados de êxito, por circunstâncias alheias às vontades dos agentes. Verifica-se que, para, se acolher a afirmação da tentativa, há necessidade de início da execução. Antes desse início, outros atos são praticados e são considerados preparatórios não puníveis. O agente que não ultrapassa os limites dos atos preparatórios, não ingressando no território dos atos iniciais de execução, não é alcançado por nossa legislação penal, a não ser em casos excepcionais, quo a própria norma prevê. Em suma não pratica nenhuma infração penal"(19). "Atos meramente preparatórios - Absolvição - `Para que haja tentativa de um crime, é necessário que o bem tutelado pelo ordenamento jurídico tenha corrido o risco de lesão em conseqüência da conduta do sujeito ativo´."(20). "A caminhada para a tipicidade, ou o início da realização do tipo, ou a tentativa, enfim, em sede de crime de furto, apenas ocorre à medida que o agente, de forma ineludível, inequívoca, dá início ao gesto de retirar, de afastar, de pegar para si, a coisa alheia. O mais antecedente a isso, mesmo o gesto de bater à porta da casa visada, há de ser mero ato preparatório impune, salvo se caracterizar infração autônoma, independente" (21). "Inexistente início de execução, mas mera aceitação de oferta para a compra de motor de motocicleta roubada, ficou-se na esfera dos atos preparatórios, impuníveis, entre os quais o mero ajuste, para delinqüir"(22). "Diferenciam-se o ato executivo, ou de tentativa, e o ato preparatório; enquanto aquele ataca efetiva e imediatamente o bem jurídico, este possibilita, mas não é ainda, sob o prisma objetivo, o ataque ao bem jurídico"(23). "O simples fato de tencionar alguém adquirir substância entorpecente e pôr-se aos aprestos, sem, contudo, dar início à transação delituosa, não ultrapassa a zona cinzenta dos atos preparatórios, indiferentes sob o ponto de vista repressivo penal"(24). "Atos preparatórios não configuram tentativa. Quando há dúvida se os atos não passaram de início de execução, e se estes foram contidos, não há como punir o agente"(25). "Ré que é induzida a contratar falso `pistoleiro´ - Prisão em flagrante quando do pagamento de parte do dinheiro pelo agente provocador. Atos meramente preparatórios. `Se a ré tencionava matar o ex-esposo, mas quando das prévias tratativas com o agente policial, que se fazia ardilosamente passar por matador de aluguel, surpreendida vem de ser por ele presa em flagrante - deixa este de prevalecer - porquanto não indo o proceder incriminado além de simples atos preparatórios, a tentativa de homicídio não se tipicou, ademais de se ter para a hipótese verdadeiro crime impossível´."(26).
IV.1.c Do início da execução
O estágio de realização do crime que está de permeio entre a preparação e a consumação do delito é o da execução, denominado também tentativa. Segundo Wessels(27), "é a manifestação da resolução para o cometimento de um fato punível através de ações que se põem em relação direta com a realização do tipo legal, mas que não tenham conduzido à sua consumação".
O esforço dogmático no sentido de traçar as linhas divisórias da execução em relação à preparação e à consumação logrou parcial sucesso. Se é exato que o limite entre a execução e a consumação pode ser suscetível de fácil verificação, não é menos exato que se mostra indefinido e nebuloso no que se refere à preparação. A locução "começo de execução", empregada comumente como uma expressão mágica, idônea a separar os dois conceitos, mostra-se, quando colocada diante da realidade fática, plena de equivocidades. Daí a necessidade de um exame mais demorado do conteúdo de significado da referida locução o que será objeto de consideração no item imediato.
Damásio(28), no intento de detectar o divisor de águas existente entre os derradeiros atos de preparação e o início da execução, elaborou didática tese:
"A diferença entre atos preparatórios e de execução, segundo a doutrina, baseia-se em dois critérios:
a) critério material: há ato executório quando a conduta do agente ataca o bem jurídico;
b) critério formal: existe ato de execução quando o comportamento do agente dá início à realização do tipo.
O critério material não satisfaz, pois o perigo ao bem jurídico também pode apresentar-se em face da realização dos atos preparatórios. Pode ser um elemento secundário, não exclusivo, para a solução do problema quando se apresenta um fato duvidoso. De acordo com o segundo critério, só há começo de execução quando o sujeito inicia a realização da conduta descrita no núcleo do tipo, que é o verbo. Esse sistema não está livre de crítica. Há casos em que, embora o autor ainda não tenha iniciado a realização de um comportamento que se adapte ao núcleo do tipo, não se pode deixar de reconhecer o início de atos executórios do crime e a existência da tentativa. Assim, suponha-se que o ladrão, em franca atividade, seja surpreendido no quintal da residência onde pretende penetrar e subtrair bens. Não se pode dizer que, estando no quintal, iniciou a realização de um ato que se encaixe no núcleo ‘subtrair´. Estar no quintal não significa ‘começar a subtrair´. Além disso, se se exige, para a existência da tentativa, que requer a prática de atos executórios, que a conduta se amolde ao núcleo do tipo, não haveria tentativa de crime de mera conduta, como a violação de domicílio. Quando o sujeito começasse a ‘entrar´, por exemplo, já teria consumado o delito. Em face disso, estamos hoje abandonando as teorias material e formal-objetiva e aceitando a objetiva-individual, defendida por Welzel e Zaffaroni. Para ela, é necessário distinguir-se ‘começo de execução do crime´ e ‘co- meço de execução da ação típica´. Se o sujeito realiza atos que se amoldam ao núcleo do tipo, certamente está executando a ação típica e o crime. Mas, como começo de execução da conduta típica não é o mesmo que começo de execução do crime, o conceito deste último deve ser mais amplo. Por isso, o começo de execução do crime abrange os atos que, de acordo com o plano do sujeito, são imediatamente anteriores ao início de execução da conduta típica. Nosso CP, no art. 14, II, fala em início de execução do crime, não se referindo a início de execução da ação típica. Diante disso, é perfeitamente aceitável o entendimento de que também são atos executórios do crime aqueles imediatamente anteriores à conduta que se amolda ao verbo do tipo.
A distinção é importante, uma vez que só se cogita da tentativa a partir da realização de atos executórios do crime. Antes, havendo atos preparatórios, em regra, como vimos, a conduta é atípica."
Resta observar, no momento, que a tentativa se caracteriza por ser um tipo manco, truncado, carente. Se, de um lado, exige o tipo subjetivo completo correspondente à fase consumativa, de outro, não realiza plenamente o tipo objetivo. O dolo, próprio do crime consumado, deve iluminar, na tentativa, todos os momentos objetivos do tipo. Mas a figura criminosa não chega a ser preenchida, por inteiro, sob o ângulo do tipo objetivo. Bem por isso, Zaffaroni(29) e Pierangelli observaram que a tentativa "é um delito incompleto, de uma tipicidade subjetiva completa, com um defeito na tipicidade objetiva". Daí falar-se, na doutrina, em relação à tentativa de "tipo subordinado", conforme Beling, na medida em que não é punível como crime autônomo, ou de "tipo dependente", de acordo com Jescheck (30) "na medida em que seus elementos não são compreensíveis por si mesmos (...) mas devem ser referidos ao tipo de uma determinada forma de crime (não há uma `tentativa em si´, mas apenas, por exemplo, a tentativa de homicídio, de furto ou de estelionato)".
A falta de autonomia tipológica da tentativa conduz, por isso, à conclusão de que a regra do art. 14 do CP representa uma norma de extensão do tipo do delito consumado que, deste modo, tem ampliado o seu raio de incidência para abarcar também a sua realização incompleta, sob o enfoque do tipo objetivo.
Para dar unia nítida separação entre os atos preparatórios não puníveis e os atos de execução puníveis o legislador recorreu ao conceito de "início de execução", mas não procurou defini-lo, de forma que a delimitação de sua área de significado foi relegada à doutrina.
José Frederico Marques(31) que dá ao conceito de início de execução um enfoque nitidamente objetivo, ensina que a atividade executiva é típica. Assim sendo, o princípio de execução tem de ser compreendido também como início de uma atividade típica. E, apoiando-se em Jiménez de Asúa, conclui que há começo de execução quando se penetra no núcleo do tipo. Destarte, o apelo ao tipo bastaria para identificar o princípio de execução. Não obstante a autoridade inconteste de José Frederico Marques, não parece que a questão possa encontrar o necessário equacionamento na exclusiva invocação do tipo. Tal impostação acarreta um sensível estreitamente da esfera de incidência da tentativa, pois, como observa Rodríguez Mourullo(32), "a realização objetiva, do tipo compreende com freqüência apenas atividades que representam já o último ato da ação" (como no caso do art. 155 do CP em que o subtrair se traduz no assenhoreamento da coisa alheia móvel, ou seja, no ato final da ação delitiva).
Assim, acolhendo-se o critério apresentado por José Frederico Marques, diversos atos de bastante significado, e já merecedores de pena, cairiam no âmbito da preparação impune. Além disso, o critério exclusivo de correspondência formal com o tipo mostra-se totalmente ineficaz, em face de tipos que não apresentam uma forma vinculada, isto é, não oferecem uma descrição pormenorizada da conduta criminosa. A falha desse critério revela-se evidente diante dos tipos de forma livre, ou tipos abertos, como no caso do furto.
Na busca de critério mais adequado, deslocou-se o elemento diferenciador e um momento externo para um momento interno, dando-se ênfase à resolução do autor. Não interessaria mais verificar se os atos executados pelo agente correspondem a uma realização parcial do tipo, mas apenas examinar tais atos em função do ponto de vista do respectivo autor do plano que tinha em vista pôr em prática.
O que o agente entende ser o ponto inicial de uma cadeia causal, desencadeada conforme seu plano, deve aí, ser considerado "começo de execução". Mas um critério subjetivo puro não pode também merecer acolhida. O agente é apontado, cedo demais, como delinqüente, correndo-se a risco de dilatar ao infinito o esquema de incriminação, de forma que ponha em perigo o próprio princípio da legalidade.
Daí a necessidade de composição dos dois critérios - o da correspondência formal com o tipo e o do plano do autor - para efeito de estabelecer, com maior clareza, a linha demarcatória entre a preparação e a execução. Uma fórmula de compromisso que atenda a um critério reitor objetivo mas que leve também em conta uma cuidadosa observação do plano do autor. Conforme Baumann, "existe começo de execução nas ações do autor que, uma vez conhecido seu plano, aparecem, segundo a concepção natural, como partes integrantes do comportamento típico".
Fragoso(33), no âmbito de sua peculiar magnitude, elucida que, "tendo em vista o sistema de nossa lei, prevalece na doutrina um critério objetivo de distinção, sendo irrelevante, em princípio, o plano delituoso do agente. Materialmente constitui ato de execução aquele que inicia o ataque ao bem jurídico tutelado; formalmente, tal ato distingue-se pelo início de realização da ação típica prevista pela lei. Ato preparatório é o que possibilita, mas não constitui, ainda, a execução".
O critério compositivo constitui, sem dúvida, um inquestionável avanço rumo à elucidação da área de significado do conceito de "começo de execução". Não significa, no entanto, a solução final de todas as questões, por vezes complexas, que surgem sobre a distinção entre atos preparatórios e atos de execução. Na definição do ato que deve receber a qualificação de executivo, mesmo depois de perfeitamente identificado o plano de autor, podem incidir critérios mais subjetivos ou critérios mais objetivos. Neste diapasão, cabe registrar a importante contribuição de Bacigalupo(34) dispensada à matéria:
"Com a utilização de critérios mais subjetivos, é possível sustentar que o aguardo da vítima do roubo com a decisão de executar o delito, e com os instrumentos que segundo o plano do autor são necessários para o fato, constitui já um perigo imediato para o bem jurídico e, portanto, um, começo de execução do roubo. Neste caso, considera-se que entre a ação de aguardo e o aparecimento da vítima, com o que se concretiza a ação planejada, não há necessidade de nenhuma outra ação intermediária. Ao contrário, pensa-se, a partir de critérios menos subjetivos, que, enquanto a situação definida no plano não se tenha concretizado plenamente (para o que se exige a presença da vítima), o autor poderia desistir dá idéia de executar o delito e não se deveria privá-lo desta oportunidade, anterior ao começo de execução: o autor, por exemplo, poderia não ter a energia necessária para começar o fato em face da presença da vítima".
Urzua(35) abona e complementa:
"As ações são multiformes e, por esta razão, podem prolongar-se mais ou menos, segundo se exteriorizem desta ou daquela forma. É possível matar-se alguém empregando um procedimento complexo e dilatado ou assestar-lhe uma punhalada por causa da ira que provoca, de súbito, sua atitude. É possível subtrair-se uma coisa mediante um só movimento que aproveita a ocasião inesperada ou recorrendo-se a recursos complicados que exigem uma sucessão de operações preconcebidas. Como é lógico, a lei não pode - nem pretende - descrever separadamente todas as formas de exteriorização possíveis. O tipo, em conseqüência, limita-se a apresentar um esquema de conduta que, na prática, pode adotar modos de realização, díspares, cada um dos quais, não obstante, satisfaz as linhas gerais por ele, contempladas. Resulta daí a conclusão de que o conteúdo executivo dos tipos é muito variável e depende da forma em que o agente se proponha consumá-lo. Assim, o que o determina, em cada caso concreto, é o plano individual do autor. A tentativa começa com aquela atividade com a qual o autor, segundo seu plano delitivo, se põe em relação imediata com a realização do tipo delitivo".
De qualquer modo, no entanto, na atual dogmática penal, é fora de discussão o entendimento de que o "começo de execução" não pode permanecer atrelado a um critério lógico-formal que se satisfaz apenas com a consideração de que o ato executivo é aquele que realiza uma parte da ação típica.
Sobre a questão, os mais brilhantes arestos(36) pretorianos tratando da matéria:
"No caso concreto, a ideação, a formulação do plano, a escolha de parceiros, o recrutamento de executores, a aquisição de armas e de intercomunicadores, o aprestamento de carros, a escolha da data para a concretização do projeto criminoso, a apresentação dos executores no local, a disposição estratégica dos agentes diante da casa da vítima, a vigilância exercida no local, tudo isto, dentro de um critério de pura correspondência formal com o tipo, não tem, realmente o menor significado. Diante de tal critério, a inclusão de qualquer ato no esquema típico traduz-se, em verdade, numa mera indagação gramatical. Importa apenas em verificar se tal ato é expressão do verbo empregado para a descrição da ação típica total. E é evidente que o núcleo do tipo - subtrair - não se acomoda a nenhum dos atos mencionados.
Mas se se acolhe, para clarificar a área de significado do conceito de `princípio de execução´ a fórmula transacional dá correspondência formal com a tipo e do plano de autor, a conclusão se modifica por inteiro. O plano de autor pode, no caso, ser identificado com facilidade; dos primeiros aos últimos atos detectados, há um fio condutor que denuncia o projeto global: a prática de um roubo. Todos os atos que se encadearam até a marcação da data do assalto foram, sem dúvida, atos preambulares, preparatórios da conduta criminosa. No entanto, à luz do plano traçado, o comparecimento dos executores, armados de fuzis, no local, a distribuição tática diante da residência da vítima, a armação de um esquema de vigilância e de cobertura, já se mostram como atos que ultrapassam a esfera da mera preparação e se incluem no terreno da execução. Conhecido o plano de autor, tais ações aparecem, sem dúvida, como partes que integram o comportamento típico da subtração. É óbvio, neste caso que a presença de policiais representou uma interrupção da ação criminosa já desencadeada e a violência executada contra estes configurou, em concreto, a hipótese de roubo qualificado".(37)
E mais adiante:
"A nossa lei penal exige, para a configuração da tentativa, um começo de execução, mas não definiu o que seja começo de execução. Executar um crime é, antes e acima de tudo, realizar uma conduta típica. Começar a executar o crime é começar a realizar conduta típica. Crime tentado é o crime começado e inacabado, é o tipo truncado, cortado. É a realização incompleta do tipo. É fragmento de crime. Se crime consumado é a realização do tipo penal por inteiro, a tentativa, que é um pedaço de crime, não pode situar-se fora do tipo. Aliás, a tentativa, que é uma porção do crime, é crime. E não se admite crime sem tipicidade, seguindo-se daí que a atividade integradora da tentativa há de ser atividade típica. Início de execução, dessa maneira, há de ser início de conduta típica. Admitir que atos atípicos possam corporificar tentativa de crime conduz, forçosamente, a meu aviso, à aceitação de crime sem tipicidade, pelo menos, em sua forma tentada. Cuida-se sem dúvida, de critério que realmente aperta o âmbito de incidência da tentativa, mas menos certo não é que o do plano do autor enseja o seu alargamento a limites intoleráveis, com ofensa ao princípio da legalidade. Mesmo a composição dos dois permite essa exagerada ampliação da órbita da tentativa, viabilizando o seu reconhecimento em atos em momentos anteriores ao princípio da ação típica, com violação do princípio do nullum crimen sine lege. Possibilita, a meu sentir, a atuação do arbítrio, representando sério perigo à liberdade individual. Prefiro ficar com o critério formal objetivo".(38)
A despeito das divergências traçadas, de se admitir que à execução se dá início, no momento em que a conduta perpetrada pelo agente passa a se subsumir ao tipo, configurando-se, destarte, o começo do preenchimento da hipótese punível, consoante a regra vencedora do critério formal.
IV.1.d Da consumação
Não é objeto da presente discorrer sobre o crime consumado, entretanto, cabe aqui registrar algumas anotações sobre este instituto.
Segundo Damásio(39), "a noção da consumação expressa a total conformidade do fato praticado pelo agente com a hipótese abstrata descrita pela norma penal incriminadora".
De conseguinte, nota-se que a consumação é a última fase do iter criminis.
No momento em que ocorre o momento consumativo da infração, o tipo se encontra plenamente subsumido pelo conteúdo fático percebido, não restando nenhuma outra fase a se percorrer no iter criminis.
O exaurimento não é fase integrante do crime, e com ele não se confunde. É meramente acontecimento posterior que, quando muito, configura a efetiva lesão do bem jurídico que a norma incriminadora pretendia evitar.
Exaurido ou não o delito, o agente por ele responderá em toda a sua amplitude – exaurimento é fase externa e de pouca, ou nenhuma, importância para o Direito Penal.
Cada infração tem o seu momento consumativo, algumas não prescindem do resultado para que se consumem (homicídio, lesão corporal, etc.), outras atingem a consumação com a mera conduta descrita no normativo penal, ao passo que os ilícitos formais exigem a conduta, o dolo específico, mas desprezam a efetiva lesão do bem jurídico para se consumarem.
Em suma, cada crime tem a sua própria exigência, o que deverá ser objeto de um estudo à parte.
IV.2 Outros elementos
Vale anotar, nesta altura, que não só o iter criminis integra o instituto da tentativa, há ainda outros elementos que, embora de somenos importância para o estudo vertente, estão a merecer algumas considerações. São eles: a ação; interrupção da execução por circunstâncias alheias ao agente; o elemento subjetivo.
Como bem assevera Noronha(40), "para haver tentativa é necessário início de execução - o commencement d´exécution dos franceses - ou seja, ação traduzida em atos executórios, parecendo-nos dispensável voltar a este ponto.
Iniciada a execução, deve ela interromper-se em qualquer momento, antes da consumação. Essa interrupção não se pode vincular à vontade do agente; ao contrário, deve ser-lhe estranha, isto é, provir de fatores que lhe são alheios.
Tal seja o momento em que se dê a interrupção da execução, a tentativa se dirá perfeita ou acabada e imperfeita ou inacabada. A perfeita é também chamada crime falho.
Verifica-se, esta, quando o agente fez tudo quanto lhe era possível, para alcançar o resultado, v. g., se ministra dose mortal de veneno a seu inimigo, porém este, por qualquer circunstância, se salva.
A tentativa é imperfeita quando a ação não chega a exaurir-se, quando o sujeito ativo não esgotou em atos de execução sua intenção delituosa. A distinção entre as duas espécies de tentativa tem toda a oportunidade, quando se trata da desistência voluntária e do arrependimento eficaz (n.º 77)."
Mais adiante, discorrer-se-á melhor sobre a ação - elemento definidor da conduta do agente. No momento, importante assinalar que seu exame é imprescindível para detecção da tentativa, haja vista que ação interrompida é uma das hipóteses em que a tentativa subsiste em detrimento da consumação.
De outra banda, observa-se ter a tentativa um elemento subjetivo, que, consoante a lição precisa de Noronha(41), "é o dolo do agente. É o mesmo do crime consumado, por isso já dissemos que o crime tentado se distingue daquele só no plano físico" (n.º 71). A representação subjetiva e a vontade, na tentativa, não discrepam das existentes no delito consumado. Quem mata age com o mesmo dolo daquele que tentou matar, simplesmente porque a tentativa de homicídio é apenas o homicídio mutilado, sem a consumação. Conseqüentemente, vão seria buscar um elemento subjetivo diverso no crime tentado. Não existe dolo de tentativa."
Com efeito, inexistem crimes culposos tentados (Cf. n.º 11, da Exposição de Motivos do CP de 1.940), muito embora haja ainda um pequeno ramo doutrinário que pugna pela possibilidade do "crime impropriamente culposo tentado".
Inobstante, até nesse caso o dolo é imprescindível, haja vista que, apesar de aplicar-se a pena do crime culposo, crimes cometidos com culpa imprópria reclamam uma conduta intencional, e não traduzem mera negligência, imprudência ou imperícia por parte do agente.
Assim, não há tentativa de negligência, de imprudência ou de imperícia, até porque inimaginável casos em que o agente "tente ser imperito": ou ele comete a imperícia e atinge o bem jurídico, ou ele não causa qualquer dano ao objeto penalmente protegido e externa louvável perícia em seus atos.
Por tal razão o dolo é sempre o elemento subjetivo a que a tentativa reclama.
A tentativa é causa de diminuição da reprimenda, destarte, comina-se a pena dos crimes tentados diminuindo a do crime consumado correspondente de 1 (um) a 2 (dois) terços.
Proclama a posição vencedora nos pretórios pátrios que "dar-se-á a redução da reprimenda de acordo com o maior ou menor grau que o agente logrou se aproximar da consumação delitiva", em outras palavras, o decréscimo reger-se-á pelo iter criminis – tanto maior a satisfação do tipo, tanto menor será o benefício, e vice-versa.
A tentativa é obrigatória, não podendo ser ignorada pelo aplicador da reprimenda. Sem embargo, incumbe ao julgador estabelecer o quantum da redução dentre os limites prescritos no art. 14, inciso II, do Estatuto Repressivo, fundamentando a sua escolha.