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O dano extrapatrimonial coletivo ambiental

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Agenda 25/03/2012 às 09:27

2. RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Em decorrência da complexidade da sociedade atual, tornou-se indispensável que a teoria da responsabilidade civil ampliasse seus horizontes de maneira a prevenir e reparar largamente as diversas modalidades de danos decorrentes de condutas antijurídicas, que afetassem os interesses patrimoniais e morais dos indivíduos e da coletividade.

O desequilíbrio social e jurídico-econômico, gerado por condutas antijurídicas que lesionam de forma injusta interesses alheios, impulsiona o ordenamento a adotar instrumentos que visam reparar integralmente os efeitos do dano ocasionado e assim restabelecer a harmonia nas relações desenvolvidas no seio da coletividade.

O Direito com o objetivo geral de alcançar a ordem social impõe deveres que podem ser positivos, de fazer ou dar, ou negativos, de inação, a depender da natureza do direito correspondente. Cavalieri Filho fala até em um dever geral de não prejudicar ninguém, regra que encontra expressão na máxima latina do neminem laedere.[60]

Para conceituar responsabilidade, Cavalieri Filho baseia-se na diferenciação de dever originário e sucessivo, cita o autor que “A violação de um dever jurídico configura o ilícito, que, quase sempre, acarreta dano para outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de reparar o dano”. E ainda conclui que a responsabilidade civil “é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário.”[61]

Com efeito, o núcleo da responsabilidade civil consiste em obrigar aquele que violou o dever jurídico originário e ocasionou um dano a repará-lo, impondo sanções de natureza restitutivas, de maneira a recompor o equilíbrio econômico-jurídico afetado pela infração.

O descumprimento de um dever, ainda que decorrente de um único fato, pode acarretar uma tríplice responsabilização, qual seja civil, penal e administrativa, que são não excludentes entre si.

A responsabilidade administrativa é aquela decorrente da transgressão de normas de natureza administrativa, sujeitando-se o agente a sanção também administrativa, tais como multa, advertência, interdição de atividades e etc.[62] Tem como fundamento, em essência, o poder de polícia atribuído à Administração. De fato, perante a administração, encontra-se o administrado subordinado, podendo então aquela impor penalidades administrativas e disciplinares.[63]

A responsabilidade no âmbito penal volta-se para a punição do agente que cometeu uma conduta considerada ilícita. O foco recai sobre a ação do infrator, sendo o dano analisado apenas com o fim de agravar a pena. A função da tutela penal é, em tese, promover a ressocialização do infrator e restabelecer a paz social.[64]

A responsabilidade civil diferencia-se da penal na medida em que o foco daquela é voltado quase que inteiramente para o dano produzido, tanto no aspecto material, quanto extrapatrimonial. Como dito por Willian Oliveira mesmo havendo uma conduta contrária à ordem jurídica, se esta não ocasionar um prejuízo a terceiros, não se tratará de responsabilidade civil, mas sim de invalidade do ato.[65]

Como já mencionado, a infração de um dever imposto no ordenamento jurídico que acarrete dano para terceiros gera a obrigação de indenizar, porém, no que pertine ao fato gerador da responsabilidade civil, tem-se uma divisão desta em contratual ou extracontratual. Quando ocorre a inobservância de uma norma de conduta imposta pela lei ou preceito geral de direito, tal qual o dever geral de não causar lesão a alguém, diz-se que a responsabilidade é aquiliana ou extracontratual. De outro lado, existindo uma ligação obrigacional anterior com o lesado, cujo descumprimento, ou seja, ilícito contratual, é a causa do dever de indenizar, fala-se em responsabilidade contratual.

Essa divisão, contudo, não é sem abertura. Conforme as palavras de Cavalieri Filho “(...) há uma verdadeira simbiose entre esses dois tipos de responsabilidade, uma vez que as regras previstas no Código para a responsabilidade contratual (art. 393, 402 e 403) são também aplicadas à responsabilidade extracontratual.”[66] Dessa forma, tendo o presente trabalho o desígnio de estudar a responsabilidade na perspectiva da defesa do meio ambiente, será dada atenção maior à responsabilidade civil extracontratual.

Nas disposições do novo Código Civil, o legislador, efetuando uma profunda evolução na disciplina, contemplou duas modalidades de responsabilidade civil extracontratual: a subjetiva e a objetiva. Aquela sempre foi a regra, é a teoria clássica. No Código Civil de 1916 a sistemática da responsabilidade, praticamente em sua totalidade, gravitava em torno de seus fundamentos, a inovação no diploma de 2002 ficou por conta da estipulação da responsabilidade baseada na teoria do risco.

A cláusula geral da responsabilidade subjetiva é expressa na combinação dos artigos 927 e 186. Na redação do primeiro tem-se que “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” Por ato ilícito estipula o art. 186 “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Ou seja, resta reiterada a ideia da reparação por ato ilícito.

É de extrair, do acima mencionado, os elementos dessa teoria clássica: I – ação ou omissão culposa, II – dano, III – nexo causal. Ao lesado, então, para obter a reparação do prejuízo sofrido, era imprescindível a demonstração de que a conduta voluntária do agente causou um resultado que era previsto, ou ao menos previsível, em decorrência da ausência de cautela, atenção ou cuidado devido.

A noção de culpa, aqui empregada em seu sentido amplo, lato sensu, abrangendo tanto a culpa stricto sensu quanto o dolo, estava intrinsecamente ligada à responsabilidade, não se falava em censura ou juízo de reprovação, estando ausente o dever de cautela em seu agir.[67]

Conforme observações de Oliveira, esse elemento subjetivo extraído da ação ou omissão do agente: a culpa, como requisito do dano indenizável, correspondia a uma concepção individualista do Direito Civil, antes prevalecente, e à ideologia do catolicismo. Assim, a teoria da responsabilidade civil transpôs séculos sem se distanciar dessa sua essência subjetivista.[68]

Com o afloramento de sociedades complexas e dinâmicas e com o desenvolvimento socioeconômico, surgiram situações em que o dano encontrava-se à margem da possibilidade de reparação, tendo em vista a inviabilidade da comprovação da culpa do responsável, o que, sem dúvida, refletia em uma injustiça para o lesado que restava em desvantagem. Como consequência, um novo alicerce na responsabilidade civil surgiu ao lado da culpa, qual seja o fundamento baseado na ideia do risco, onde o elemento objetivo se faz dominante.[69]

Pela doutrina do risco, concebida principalmente pelos juristas franceses, qualquer dano deve ser imputado a quem o deu causa e, pelo menos, reparado independente de ter agido com culpa ou não. O agente que exerce uma atividade perigosa deve assumir os riscos e responder pelos prejuízos dela derivados.[70]

Assim, a nova modalidade de responsabilidade, qual seja a objetiva, passa a ter um pressuposto caracterizador a menos, restando apenas, para a configuração do dever de indenizar, a conduta ilícita, o dano e o nexo causal. A comprovação do elemento culpa torna-se dispensável para fins de responsabilizar o agente causador do dano, apesar de poder se fazer presente.

Em lição esclarecedora sobre o fundamento da responsabilidade objetiva Alvino Lima citado por Oliveira expõe:

Dentro do critério da responsabilidade fundada na culpa não era possível resolver um sem-número de casos que a civilização moderna criava ou agravava; imprescindível se tornava, para a solução do problema da responsabilidade extracontratual, afastar-se do elemento moral, da pesquisa psicológica do íntimo do agente, ou da possibilidade de previsão ou de diligência, para colocar a questão sob um ângulo até então não encarado devidamente, isto é, sob o ponto de vista exclusivo da reparação, e não interior, subjetivo, como na imposição da pena. Os problemas da responsabilidade são tão somente os da reparação de perdas.[71]

É de se ter em mente que a passagem da responsabilidade subjetiva para a objetiva, procedeu-se com lentidão, não foi imediata. No ordenamento jurídico brasileiro, progressivamente algumas leis foram adotando em seus dispositivos a sistemática da responsabilização sem culpa, cite-se como exemplos: a) Lei das estradas de ferro (Decreto-lei n. 2.681/1912); b) Decreto-lei n. 116/1967 sobre transporte marítimo; c) Decreto-lei n. 3.724/1919 que versava sobre acidente do trabalho, passando pelas lei n. 5.316/1967 e n. 6.367/1976, até as leis previdenciárias n. 8212/1991 e n. 8.213/1991; d) Decreto-lei da mineração n. 211/1967; e) Código Brasileiro da Aeronáutica (Lei n. 7.565/1986) e a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81) que prevê na primeira parte do parágrafo 1º do art. 14 “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.”[72]

A bem da verdade, a teoria do risco veio imperar como regra geral da responsabilidade civil com a entrada em vigor da Lei n. 8.078/90, ou seja, o Código de Defesa do Consumidor.

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Nesse sentido, com razão, Willian Oliveira, ao afirmar, em sua obra sobre o dano moral ambiental, que “a responsabilidade contratual, antes favorável ao fornecedor de bens e serviços, por considerar a culpa como elemento do dever de indenizar, prescindindo-a, somente, na responsabilidade extracontratual, sofreu duro golpe nas relações de consumo.”[73] A partir de então, como quase tudo na vida contemporânea tem relação com o consumo, não há inverdade em afirmar que a responsabilidade objetiva, que era exceção, passou a ser a regra e alcançou um campo mais amplo do que a responsabilidade subjetiva.[74]

Não se quer dizer que a responsabilidade subjetiva tenha sido abandonada, porém a modalidade objetiva ganhou um especial privilégio. O legislador do Código Civil brasileiro de 2002, atento a nova realidade, consagra essa última no parágrafo único do artigo 927 “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” e no artigo 931 “Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.” Assim, o risco inerente a certa atividade tornou-se fundamento para fins de responsabilização dos prejuízos causados.

2.2. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL

No âmbito do Direito Ambiental, cabe à Lei n. 6.938/81 da Política Nacional do Meio Ambiente apontar a sistemática da responsabilidade civil. Segundo o artigo 14, parágrafo 1º da referida lei “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade (...).” (Grifo nosso).

Conforme se observa na legislação ambiental brasileira, o modelo adotado foi o da responsabilidade civil objetiva para a reparação de danos ao meio ambiente. Assim, todo aquele que põe em prática atividade capaz de gerar riscos para o meio ambiente, saúde e incolumidade de terceiros, responderá pelo risco, sendo dispensável comprovar a culpa ou o dolo do agente.[75]

 De outra forma não poderia ser, tendo em vista as complexidades ambientais. A era tecnológica e o consumo em massa fazem com que os recursos da natureza sejam objeto de utilização desenfreada e desmedida, o que acarreta intensa degradação ambiental e prejudica a saúde e o bem estar da população.[76] Outrossim, é de se ter mente que, em geral, as lesões ambientais decorrem de atos lícitos. As atividades, na maioria das vezes, são chanceladas pelo Poder Público. Dessa forma, a adoção da responsabilidade baseada na teoria da culpa acarretaria às vítimas o desamparo total.

Com a adoção da teoria do risco, como fundamento do dever de reparar o dano ambiental, surgiram embates acirrados quanto ao limite da assunção deste risco por aquele que desenvolve a atividade e, assim, despontaram variações na teoria supradita, sendo as mais importantes a teoria do risco criado e a do risco integral. A discussão, em suma, gira em torno do nexo causal.

Sabe-se que a dificuldade em identificar os responsáveis pelas lesões ambientais teve como resultado a opção pela prevalência do princípio da solidariedade entre os empreendedores de atividades potencialmente poluidoras. Dessa forma, a reparação recai sobre todos aqueles que exercem a referida atividade na área afetada, sendo facultada a ação de regresso, pelas empresas responsabilizadas, em desfavor do poluidor comprovadamente reconhecido.[77]

Pela teoria do risco criado, respondem objetivamente pelos danos causados apenas os responsáveis por atividades que intrinsecamente geram qualquer tipo de perigo ou que possam efetivamente gerar dano ao meio ambiente. Contudo, quando a atividade não apresenta potencialidade de dano ambiental, é possível admitir-se excludentes de responsabilidade, como são, por exemplo, o caso fortuito e/ou a força maior.[78]

Nessa teoria resolve-se o nexo causal pela tese da causalidade adequada. Assim, a partir de uma análise de possíveis causas, seleciona-se a que apresenta uma probabilidade maior de ter causado o dano ou criado o risco socialmente inaceitável.[79]

Por outro lado, pela teoria do risco integral conforme lições esclarecedoras de Lucarelli “a indenização é devida somente pelo fato de existir a atividade da qual adveio o prejuízo, independentemente da análise da subjetividade do agente, sendo possível responsabilizar todos aqueles os quais possa de alguma maneira, ser imputado o prejuízo.”[80]

Assim, não há que se cogitar da vontade do agente ou licitude da atividade desenvolvida. Essa teoria é considerada extremada, tendo em vista que para a imputação do dever de indenizar se faz necessário apenas a concretização do dano e da atividade com potencial para poluir, não se admitindo nenhum tipo de exclusão do nexo causal, nem mesmo nos acontecimentos de caso fortuito, força maior, ação de terceiros ou da vítima.

A doutrina, em sua maioria, defende a aplicação da teoria do risco integral para as situações de danos ecológicos, apesar de grandes doutrinadores alegarem que a teoria do risco criado é aquela que se encontra adotada na legislação ambiental pátria. Entre estes jurista pode-se mencionar Mukai que assim leciona:

À semelhança do que ocorre no âmbito da responsabilidade objetiva do Estado, no Direito positivo pátrio, a responsabilidade objetiva por danos ambientais é a da modalidade do risco criado (admitindo as excludentes da culpa da vítima ou terceiros, da força maior de do caso fortuito) e não a do risco integral (que inadmite excludentes), nos exatos e expressos termos do § 1º do art. 14 da Lei n.º 6.938/81 – Lei da Política Nacional do Meio Ambiente.[81] (Grifos no original).

 Contudo, apesar do respeitável entendimento de renomado jurista, a teoria do risco integral coaduna-se melhor com a finalidade protetiva do Direito Ambiental. O meio ambiente, como já explanado, é um bem de todos e como tal não é passível de apropriação, dessa forma, não caberia falar em excludentes da responsabilidade.

Quando da ocorrência de um dano ambiental, deve ser imposto ao poluidor a obrigação de reparar de forma mais ampla possível, não se eximindo este de indenizar com a desculpa da dificuldade de comprovar o laço da causalidade entre a conduta e o evento danoso. Se o agente puder invocar as excludentes para não indenizar, a maioria dos prejuízos ambientais ficará sem reparação.[82]

2.3. O DANO: ASPECTOS ESSENCIAIS

Dentre os elementos da responsabilidade civil, o dano é, indubitavelmente, um dos mais importantes. Na verdade, não há o que se indenizar na ausência de dano.

 Inicialmente, a concepção de dano estava intrinsecamente relacionada com a diminuição patrimonial da vítima. Contudo, a doutrina, ao longo da sua evolução, passou a rechaçar essa teoria, em especial com o surgimento do dano extrapatrimonial. Assim, nova tese foi se corporificando, qual seja a de que o dano é lesão a interesses juridicamente protegidos.

Com efeito, incidindo algum prejuízo sobre um interesse que detenha proteção jurídica, seja no âmbito patrimonial ou não, será possível o ensejamento de tutela reparatória. Nesse sentido, Severo ensina que caso o ato ilícito não ocasione dano a um interesse juridicamente protegido, não terá importância na responsabilidade civil.[83]

No que se refere aos requisitos para a configuração do dano passível de reparação, Medeiros Neto aponta resumidamente como sendo: a) a lesão injusta[84] a um interesse jurídico, tanto patrimonial, quanto moral, de que seja titular uma pessoa (física ou jurídica) ou uma coletividade; b) a certeza do dano; c) a relação de causalidade entre a conduta e a lesão e a ausência de situações de exclusão da responsabilidade, tais quais a culpa exclusiva da vítima, de terceiros, o caso fortuito e a força maior.[85]

As lesões empreendidas a bens que possuem o manto protetor do ordenamento jurídico podem ser de duas naturezas: patrimonial ou extrapatrimonial.

A primeira espécie, também consagrada pela denominação dano material, representa as lesões que afetam o acervo patrimonial da vítima, entendido este como o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa apreciável em dinheiro.[86] Contudo, a bem da verdade, é preciso que se esclareça que nem sempre este tipo de dano resulta da lesão a bens de natureza patrimonial. Por vezes, direitos personalíssimos quando atingidos, por exemplo, imagem e nome podem repercutir no patrimônio do lesado, assim um supermercado mal falado pode perder seus clientes.

É de se destacar que a modalidade de dano patrimonial pode se revelar tanto como dano presente que atinge a vítima com a diminuição de seu acervo de bens, quanto também pela impossibilidade de angariar recursos no futuro. Assim, é que se divide este tipo de dano respectivamente em emergente e lucro cessante. O art. 402, do Código Civil de 2002, estabelece a essência destes institutos: “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.”

Cavalieri Filho busca explicar o dano emergente classificando-o como a “diferença do valor do bem jurídico entre aquele que ele tinha antes e depois do ato ilícito”, deixando claro que a indenização deve ser fixada em um montante capaz de restituir integralmente o prejuízo. Já no que atine ao lucro cessante, ressalta o autor que este não pode ser confundido com o dano hipotético, somente ocorrendo quando há perda de ganho esperável. [87]

De outro modo, quanto ao dano moral, a questão que se impõe na atualidade não se refere a sua admissibilidade e reparabilidade, nem tampouco à possibilidade de cumulação com o dano patrimonial – já que todas essas questões restaram resolvidas com a edição da Constituição Federal de 1988 e da súmula 37[88] do Superior Tribunal de Justiça –, mas, sim, ao que de fato vem a ser o dano moral e sua amplitude, o que, por consequência, perpassa pela própria distinção entre as duas espécies.

A maioria dos doutrinadores define que a natureza patrimonial ou moral do dano decorre dos efeitos que a lesão ocasiona. De forma diversa, outra corrente defende que a diferença está estampada na índole do direito prejudicado. Para os adeptos do primeiro pensamento, o dano moral apresenta-se quando os reflexos da lesão a bem protegido pelo direito não têm repercussão no patrimônio, mas se filiam à dor, tristeza e ao sofrimento da vítima. Já na segunda teoria, esses danos são derivados da lesão a interesse jurídico sem concepção econômica, tais quais os direitos ditos personalíssimos.

Aguiar Dias, defensor da corrente de que os danos morais são verificados pelos efeitos desencadeados nos lesados, argumenta que: “o dano moral é o efeito não patrimonial da lesão de direito e não a própria lesão, abstratamente considerada. (...). Os efeitos da injúria podem ser patrimoniais ou não, assim a divisão dos danos em patrimoniais e não.”[89] Nesse sentido, também Medeiros Neto[90], Oliveira[91] e Diniz[92].

Em suma, os autores que se filiam a esta corrente, ao conceituarem o dano moral como reflexo de natureza não patrimonial do prejuízo, filiando-se a noção de dor, tristeza e sofrimento da vítima, o fazem, principalmente, justificando que só com base nesse pensamento é que se admitiria a cumulação dos tipos de danos. Acrescentando, também, que a natureza do direito violado não tem o condão de explicar esse fato.

Contudo, permitindo-me discordar desse pensamento, essa corrente não exprime com razão o que seja o dano moral. A verdade é que a possibilidade de existir os dois danos simultaneamente não é decorrência de um mesmo direito lesionado, mas sim de um mesmo evento danoso.

Tome-se como exemplo a seguinte hipótese: uma empresa teve seu nome registrado no CADIN por ato indevido de instituição bancária, e os fornecedores de material, tomando conhecimento de tal fato, cancelam contratos com essa pessoa jurídica. A partir de então, com a deficiência de produtos em seu estoque, a clientela deixa de frequentar o estabelecimento e, consequentemente, a empresa passa a ter perda patrimonial no sentido de que deixa de lucrar. O dano material, na modalidade de lucro cessante, encontra-se bastante claro e pode ser comprovado pelos livros de escrituração contábil da empresa, porém, não é o único dano existente. Indubitavelmente, a empresa teve violado seu nome e, assim, sua honra objetiva, restando presente também o dano moral.[93]

Enfim, a justificativa dos autores para desprezar a tese da natureza do direito violado não merece prosperar, posto que foi possível observar que a violação a direitos diferentes, um na órbita patrimonial e o outro de ordem moral, foi decorrente do mesmo evento: a inclusão indevida no CADIN. Na verdade, lesionou-se, também, um interesse jurídico desprovido de concepção econômica, tal qual a honra objetiva. Fundamentar o dano moral com base na dor e sofrimento sentido pela vítima conduz a um subjetivismo exacerbado, e restaria impossibilitado de se manifestar no caso acima colecionado.

Nessa linha de pensamento, o grande jurista Cavaliere Filho afirma que o dano moral é a violação do direito à dignidade. E continua:

Nessa perspectiva, dano moral não está necessariamente vinculado a alguma reação psíquica da vitima. Pode haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame, sofrimento, assim como pode haver dor, vexame e sofrimento sem violação da dignidade. Dor, vexame, sofrimento e humilhação podem ser conseqüências, e não causas. Assim como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, a reação psíquica da vitima só pode ser considerada dano moral quando tiver por causa uma agressão á sua dignidade.[94] (Grifo nosso).

Paulo Lôbo, também em defesa da teoria da natureza do direito violado, ainda que de forma mais restrita, destaca que “não há hipótese de danos morais além das violações aos direitos da personalidade (...). A dor é uma consequência, não é o direito violado.” [95]

Como é sabido, com a Carta Magna de 1988 a dignidade humana foi enaltecida a alicerce do nosso Estado Democrático de Direito (artigo 1º, inciso III). Tem-se, assim, o que Cavalieri Filho chama de direito subjetivo constitucional à dignidade, que modificou os parâmetros de entendimento do dano moral, já que a dignidade humana passa a ser a essência dos direitos personalíssimos. [96] Esse raciocínio é de vital importância para o entendimento do dano moral coletivo em matéria ambiental.

2.4. O DANO MORAL: CARACTERIZAÇÃO E REPARAÇÃO

É usual utilizar as expressões dano moral e extrapatrimonial como se possuíssem o mesmo significado. Contudo é de se observar que, levando em consideração apenas o aspecto terminológico, a primeira expressão é bastante limitativa, já que invoca o sentido de dor e sofrimento, visão já ultrapassada como dito. Por sua vez, o termo extrapatrimonial aponta para uma ampliação nas situações capazes de ensejar reparação do dano de natureza não material. Apesar disso, pela consagração da denominação dano moral, no presente trabalho será ela utilizada como se sinônimo fosse do termo extrapatrimonial.

 Mediante as considerações feitas, chega-se à conclusão de que o dano moral é aquele que, independente do prejuízo material, agride os direitos da personalidade ou o direito à dignidade.

Deda aduz que os direitos da personalidade são aqueles que possuem como objeto os interesses inerentes a qualquer indivíduo, como expressão de sua própria dignidade, traduzindo os atributos e a qualidade que lhe são próprias.[97] Cavalieri Filho faz um alerta ao dizer que há direitos de personalidade, principalmente os novos, tais como bom nome, imagem e reputação, que não estão diretamente ligados à dignidade. Porém que de qualquer forma, merecem proteção a título de dano moral, já que, em uma visão atualizada, este abrange todas as ofensas à pessoa, envolvendo os diversos graus de lesão dos direitos de personalidade, ainda que sua dignidade não seja afetada[98]. Moares já dizia que:

(...) em sede de responsabilidade civil, e mais, especificadamente, de dano moral, o objetivo a ser perseguido é oferecer a máxima garantia à pessoa humana, com prioridade, em toda e qualquer situação da vida social em que algum aspecto de sua personalidade esteja sendo ameaçado ou tenha sido lesado.[99]

Cumpre adicionar, nesse momento, a correta observação de Morato Leite, em sua obra: “O direito de personalidade é uma categoria que foi idealizada para satisfazer exigências da tutela da pessoa, que são determinadas pelas contínuas mutações das relações sociais, o que implica a sua conceituação como categoria apta a receber novas instâncias sociais.”[100]

Destarte, a evolução da teoria do dano revela que restou ultrapassada a concepção subjetiva de dano moral, traduzido na dor, sofrimento, angústia, para expandir-se para um novo campo de ocorrência, de aspecto objetivo, relacionado aos valores exteriorizados na sociedade, que ensejam prejuízo à honra, ao bom nome, prestígio e credibilidade alcançados na comunidade. Diante disso, e considerada as novas características da sociedade moderna, massiva, complexa e multifacetária, com a configuração de novos interesses protegidos pelo ordenamento jurídico, e a ampliação da concepção da dignidade humana, sinaliza-se para uma nova fase cada vez mais expansiva do dano moral, titularizado por pessoas jurídicas e coletividades diversas.[101]

Cabe salientar que o dano moral não prescinde de prova para a sua configuração. Cavalieri Filho define que o “dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si.”[102]

Quanto à reparação do dano moral, é de se ter mente que essa se dá precipuamente com o objetivo de satisfação compensatória, porém, conforme a jurisprudência pátria atual, também a depender de cada caso concreto, possui uma função de desestímulo para o lesante, sem patrocinar, contudo, o enriquecimento sem causa.

Como explicado por Medeiros Neto a satisfação de ordem compensatória para o lesado, neste tipo de dano, é uma consequência lógica da impossibilidade de equivalência econômica na recomposição do bem lesado como acontece com o dano material.[103] É uma impossibilidade óbvia tendo em vista a essência do dano extrapatrimonial.

Via de regra, a reparação dá-se pelo instrumento do dinheiro. Como o ordenamento jurídico não tem regra específica quanto à apuração deste dano, a missão recai sobre os ombros do magistrado, que o deve fazer com prudência e arbítrio, de maneira a não ingressar em uma fase de banalização do dano moral e, assim, na sua industrialização.

Oliveira, tecendo considerações sobre a definição do quantum indenizatório, aduz que deve o juiz atentar para alguns requisitos tais quais a repercussão, duração e extensão do dano (Código Civil, art. 944[104]), a possibilidade econômica e condição social e política do ofensor, além de outros critérios de acordo com cada caso.[105]

É importante salientar que, a depender de cada situação, o valor a ser fixado não pode ser nem tão ínfimo, em que nada compense o lesado ou não signifique desestímulo para o ofensor ou, preventivamente, para terceiros, nem tampouco com excessiva onerosidade que leve o lesante a ruína econômica.[106] O exemplo em percentuais de Oliveira ajuda no entendimento da questão: a condenação de uma empresa de exploração de petróleo em 1% de seu faturamento líquido mensal pelo protesto indevido de título é um descalabro. Já para uma pequena empresa é insuficiente.[107]

Infere-se, daí, a outra função da reparação pecuniária pelo dano moral, que, em determinados casos, é imprescindível, qual seja a de desestímulo para o ofensor e prevenção para terceiros, no sentido de evitar o cometimento de lesões semelhantes.

Oliveira destaca o surgimento, na doutrina norte-americana, do instituto denominado exemplary ou punitive damages, ou seja, indenizações exemplares ou punitivas, segundo o qual se deve punir de forma realmente marcante, com valor propositalmente alto, o agente responsável pelo dano, com o fim de torná-lo um exemplo, uma referência, para que outros dentro da sociedade sintam-se desestimulados a realizarem comportamentos iguais e, assim, não enveredarem pelo mesmo caminho.[108]

Moraes alude que os danos punitivos no local de surgimento desta tese, os Estados Unidos, tomando por base a finalidade de pacificação social, objetivam principalmente: “punir o ofensor por seu mau comportamento; evitar possíveis atos de vingança por parte da vítima; desestimular, preventivamente, o ofensor e a coletividade de comportamentos socialmente danosos (...).”[109]

Oliveira explica que as exemplary ou punitive damages se encontram em posição de destaque no direito norte-americano quanto à responsabilidade civil por danos ambientais, possuindo ampla aceitação. Salienta que, no Brasil, a doutrina que trata do dano moral tem mostrado interesse em implementar as punições exemplares, sendo crescente nas decisões judiciais que fazem menção à presente teoria[110], embora destaque, Medeiros Neto, que os montantes das condenações estejam refletindo o caráter satisfativo em primeiro lugar e, secundariamente, o caráter punitivo.[111]

O Supremo Tribunal Federal, no bojo do Agravo de Instrumento n. 455846, utilizou-se desta doutrina norte-americana para impor indenização com dupla finalidade – compensatória e sancionatória – a hospital público por danos causados a um menor quando do seu nascimento.[112] Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento recente de pedido de indenização por dano moral, deixou claro que o proprietário que teve o seu veículo apreendido em uma blitz, em decorrência de erro no ano da expedição do certificado de registro e licenciamento de veículo, sofreu desconforto e constrangimento bastante para se impor uma compensação pelo infortúnio, que deve ter finalidade compensatória e punitiva, sem patrocinar o enriquecimento sem causa.[113]

Não se quer defender, no presente trabalho, que as punitive damages têm compatibilidade com o ordenamento brasileiro e devem ser aqui aplicadas nos moldes em que o é em seu ordenamento de origem; aliás, não constitui objeto do presente trabalho o aprofundamento deste tema, contudo, algumas observações fazem-se necessárias para que a questão não passe em branco.

É de destacar que os dados jurídicos norte-americanos são sabidamente diferentes dos adotados no Brasil. A análise do cabimento e quantificação do instituto da exemplary damages nos Estados Unidos é função imposta aos júris populares, formados por cidadãos, em regra, leigos em ciências jurídicas e, além disto, as indenizações apresentam nítido caráter vingativo, de punição. No Brasil, a atribuição de analisar o cabimento e a quantificação do valor indenizatório é reservada aos Juízes de Direito, Desembargadores dos Tribunais e Ministros das Cortes superiores – profissionais com formação técnico-jurídica – e assume uma posição desvinculada da ideia de vingança, indicando a necessidade de compensação, através da elaboração condenatória motivada.[114]

Contudo, não se pode olvidar que com a consagração dos direitos transindividuais, em especial do meio ambiente ecologicamente equilibrado – bem difuso, de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida –, resta imperioso a criação de instrumentos com aptidão para desestimular danos graves e de natureza metaindividual ou comunitário. A relevância social destes interesses justifica uma tutela efetiva e real que se traduz, principalmente, no princípio da prevenção e precaução, onde se busca evitar o dano a todo custo.

Dessa forma, essa função pedagógica, punitiva e preventiva da responsabilidade civil deve estar presente em situações excepcionais, consideradas de extrema importância dentro da sociedade, como é o caso dos interesses transindividuais.

Em estudo precioso sobre o uso e abuso da função punitiva na responsabilidade civil, Costa e Pargendler são categóricos ao estipular a necessidade de diferenciar o caso em que a fixação da indenização pelo dano moral tome por base a real posição da vítima, a natureza do prejuízo causado, inclusive, a conveniência em dissuadir o ofensor, com o arbitramento de uma indenização alta, da outra situação em que se adota as punitives damages, que ultrapassam a ideia de compensação, significando efetivamente, e de maneira exclusiva, a imposição de uma pena, como é característico do direito punitivo.[115]

Costa e Pargendler de maneira esclarecedora sobre a indenização exemplar lecionam que:

Há exemplo, no ordenamento, de um saudável meio termo entre o intento de tornar exemplar a indenização e a necessidade de serem observados parâmetros mínimos de segurança jurídica, bem se diferenciando entre a “justiça do caso” e a “justiça do Khadi: Trata-se da multa prevista na Lei 7.347/85 para o caso de danos cuja dimensão é transindividual, como os danos ambientais e ao consumidor. Essa multa deve ser recolhida a um fundo público, servindo para efetivar o princípio da preservação que hoje polariza o direito ambiental (...).[116] (Grifos no original).

Assim, como o valor da indenização não tem destinação individual, mas finalidade coletiva, resta evidente a possibilidade de admitir o caráter punitivo da responsabilidade civil.

Dessa forma, tendo a reparação da lesão a interesses alheios, essencialmente no âmbito extrapatrimonial, a função de compensar o prejuízo sofrido pela vítima e também em determinadas situações, punir o agente responsável pelo dano e assim restabelecer o equilíbrio econômico-jurídico nas relações sociais, exsurge, como ponto nevrálgico da teoria da responsabilidade civil, o princípio da reparação integral, ou seja, a busca pela máxima proteção quando interesses juridicamente protegidos são lesionados.

Isso tem como resultado, de um lado, a reparação de todas as espécies de lesões, ou seja, uma ampliação da tutela, e de outra maneira, a utilização de medidas reparatórias que se coadunem com os interesses da vítima e o imperativo da paz social.[117]

A constante evolução dos direitos básicos dos indivíduos desembocou na necessidade de respeito amplo e integral à pessoa humana. Evidente é que, com o surgimento de novos interesses tutelados pelo direito, inovadoras situações conflituosas surgiram, novos danos injustos se perpetuaram, cuja reparação e defesa das vítimas, seja pessoa física ou jurídica, grupos, categorias ou até toda coletividade, se faz realidade em virtude da nota característica da constante expansividade da teoria da responsabilidade civil.

Em suma, a necessidade de reparação de quaisquer danos de caráter extrapatrimonial, principalmente quando da violação de interesses tutelados pela coletividade, corresponde a um desejo íntegro e legítimo hodiernamente. Ganha destaque, assim, no ordenamento jurídico, o dano moral coletivo, ou seja, os reflexos de índole não patrimonial aos direitos difusos e coletivos, em especial em sede de matéria ambiental, como será mostrado nos capítulos seguintes.

Sobre a autora
Rafaele Monteiro Melo

Advogada. Servidora Pública do Ministério da Fazenda em lotação na Receita Federal do Brasil em Maceió. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Rafaele Monteiro. O dano extrapatrimonial coletivo ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3189, 25 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21350. Acesso em: 22 dez. 2024.

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