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O dano extrapatrimonial coletivo ambiental

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Agenda 25/03/2012 às 09:27

3. O DANO AMBIENTAL

3.1. NOÇÕES CONCEITUAIS

Como abordado no capítulo anterior, o dano se apresenta como um dos pontos nevrálgicos da responsabilidade civil, já que constitui um dos seus pressupostos. No âmbito da responsabilização ambiental, é imprescindível a conceituação do dano ecológico e, a bem da verdade é de extrema relevância para o desenvolvimento do presente trabalho, posto que, inevitavelmente, para a verificação da existência ou não do dano extrapatrimonial ambiental, deve-se perpassar pelo conceito, características e espécies do próprio dano ambiental.

O dano, conforme ensinamentos de Cavalieri Filho, constitui a “lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral.”[118] Representa, pois, uma modificação de uma situação jurídica, material ou moral, que deverá ser, de acordo com cada situação em especial, mensurada de forma a garantir um possível ressarcimento. É, assim, o elemento primordial no dever de reparar: sem prejuízo, não há indenização. Posta nesses termos, a questão aparenta ser simplória. Todavia, as mais significativas dificuldades do Direito Ambiental repousam nessa aparência de simplicidade.[119]

A problemática em elaborar um conceito genérico de dano ambiental, por parte da doutrina moderna, encontra justificativa no fato de a própria Carta Magna não trazer em seu bojo uma noção técnico-jurídica de meio ambiente. Ora, se a definição de meio ambiente é aberta, apenas preenchida casuisticamente, dependendo de cada situação real que se coloque ao intérprete, da mesma forma se apresenta a formulação do conceito de dano ambiental.[120]

A legislação brasileira não determinou de maneira expressa o que seja dano ambiental, porém, delimitou de forma essencial para o seu entendimento a noção de degradação ambiental e estabeleceu as hipóteses configuradoras da poluição.

Assim, a Lei Federal 6.938/81 em seu artigo 3º, inciso II, conceituou degradação ambiental como “a alteração adversa das características do meio ambiente” e a poluição como sendo:

Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

(...)

III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

Oliveira, em comentário ao presente artigo, expõe que os termos poluição e degradação ambiental poderiam ser apresentados de forma unitária, como “a alteração adversa das características e qualidades do meio ambiente, decorrente de atividade direta ou indireta do homem.”[121] Porém não foi esta a preferência do legislador brasileiro.

Cumpre observar na noção legal de poluição a presença de uma dupla face, podendo, assim, seus efeitos atingirem o ser humano – prova disso é o uso dos termos saúde, segurança, bem-estar e suas atividades econômicas e sociais –, como também se refletirem no meio ambiente propriamente dito representado pelas expressões biota, condições sanitárias e estéticas do ambiente.

Dessa forma, o dano ambiental tanto pode constituir uma violação empreendida sobre o bem ambiental, titularizado por toda coletividade, quanto pode afetar, adversamente, pessoas determináveis ou determinadas, que podem pleitear uma reparação pelas lesões materiais ou extrapatrimoniais sentidas, sendo este, pois, dano por ricochete ou, como comumente chamado pela doutrina, dano por intermédio do meio ambiente.

Nesse sentido, Morato Leite ao afirmar que dano ambiental constitui “uma expressão ambivalente, que designa, certas vezes, alterações nocivas ao meio ambiente, e outras ainda, os efeitos que tal alteração provoca na saúde das pessoas e em seus interesses.”[122]

Destarte, quanto à previsão na lei das alterações adversas do meio ambiente como definidora da degradação ambiental, deve-se ter em mente que nem todas as modificações negativas serão assim consideradas. Na verdade, apenas serão tidas como degradação ambiental e, por conseguinte, ensejarão responsabilidade civil aquelas alterações insuportáveis que ultrapassam os limites da tolerabilidade definidos pelo homem. Assim não poderia deixar de ser, já que toda conduta humana, em tese, é capaz de deteriorar o meio ambiente. Dessa forma, deve-se desprezar as repercussões irrelevantes.

A atual sociedade de consumo com vistas a estabelecer o equilíbrio entre progresso econômico e resguardo ambiental, e consequente consagração do desenvolvimento sustentável, admite a poluição ambiental previamente controlada, com danos aceitáveis à saúde e à integridade do homem. A Lei n. 6.938/81 apresenta a fixação de limites ambientais como um dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, em seu art. 4º, inciso III[123] e, dessa forma, consagra a aplicabilidade do princípio do limite no bojo do Direito Ambiental.[124]

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Destaque-se que esses limites de intervenção no meio ambiente deve sofrer influências das mais diferentes áreas, tais como o campo científico, a esfera legislativa e os próprios desejos da coletividade. Assim, há necessidade de uma definição anterior, técnica e também legal, dos índices admissíveis e toleráveis de alteração dos diversos ambientes e referentes às mais variadas ações poluidoras.

Após essas importantes considerações referentes à abordagem da legislação sobre o dano ambiental, cumpre concluir a noção conceitual deste tipo de dano trazendo a lume a definição de Morato Leite:

Toda lesão intolerável causada por qualquer ação humana (culposa ou não) ao meio ambiente, diretamente, como macrobem de interesse da coletividade, em uma concepção totalizante, e indiretamente a terceiros, tendo em vista interesses próprios e individualizantes e que refletem no macrobem.[125]

3.2. CLASSIFICAÇÃO DO DANO AMBIENTAL

A Lei n. 6.938/81, em seu artigo art. 14, § 1º[126] ao mencionar a existência de “danos causados ao meio ambiente e a terceiros”, prescreve de maneira explícita duas modalidades de dano ambiental, os quais podem ser denominados, de acordo com grande parte dos estudiosos, como dano ambiental propriamente dito e o dano ambiental reflexo ou por intermédio do meio ambiente.

No que atine às diferentes terminologias dessa segunda modalidade de dano, no presente trabalho, adotarei a utilizada por Mirra, já que de per si é esclarecedora, qual seja dano causado por intermédio do meio ambiente.[127] Nesse sentido, quando se atinge negativa e insuportavelmente o meio ambiente, por ricochete, reflete-se em interesses diversos de terceiros (integridade física, psicológica ou em seu patrimônio) podendo assim ser patrimoniais e/ou extrapatrimoniais.

Morato Leite leciona que, indubitavelmente essa, modalidade de dano pode ser elencada dentro do gênero dano ambiental, tendo em vista o fato de que a lesão patrimonial ou extrapatrimonial que sofre o proprietário, em seu bem, ou a doença que contrai uma pessoa, inclusive a morte, podem ser oriundas da lesão ambiental.[128]

Cumpre deixar claro nesse momento que quando se afirma que terceiros são atingidos de forma reflexa pelo dano ambiental, está se falando de tanto do indivíduo quanto da coletividade em seus aspectos material e extrapatrimonial. Contudo, conquanto a finalidade deste trabalho seja se dedicar apenas ao estudo do dano imaterial coletivo em matéria ambiental, pouco se relatará sobre o dano moral ambiental individual e sua efetividade.

Para identificar com mais clareza este tipo de dano, tome-se como exemplo o caso citado por Fabiano Macieywsi em sua dissertação de mestrado em Direito Social e Econômico na PUC do Paraná em que os moradores da cidade paranaense de Guaíra, os quais viviam exclusivamente do turismo ocasionado pela beleza natural de Sete Quedas, tiveram suas vidas, bem-estar, seu cotidiano, seu turismo, sua economia, sua auto-estima violados e viram sua cidade minguar ao se depararem com o alagamento da beleza natural de Sete Quedas pelo lago resultante da barragem da Hidroelétrica de Itaipu.[129] Nesse caso, não há dúvidas de que interesses transindividuais foram atingidos em sua dimensão extrapatrimonial por ricochete do dano ambiental.

Outro importante caso foi o de derramamento de óleo na Baía da Guanabara pela Petrobrás em 18 de janeiro de 2000 que causou diversos danos ao ecossistema e principalmente aos pescadores, que foram impedidos da extração de crustáceos e sua comercialização. Neste evento, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em julgamento de ação de reparação por danos morais e patrimoniais perpetrada por 5 pescadores, confirmou a presença de dano patrimonial a título de lucro cessante pelo tempo em que os pescadores ficaram impossibilitados de trabalhar na pesca, e o dano moral pela frustração e incertezas geradas pela ausência de salário decorrente da poluição causada.[130]

Quanto às reparações das lesões sofridas pelas vítimas, estas podem se fundar nas disposições gerais da responsabilidade civil e do direito de vizinhança, que vêm sofrendo atualizações com a adoção de novos princípios, a exemplo da função social da propriedade, se os interesses envolvidos forem individuais, tanto patrimonial quanto extrapatrimonial, podendo ser de pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, que usem os bens ambientais em proveito pessoal; ou ainda se fundamentar nas prescrições das normas presentes na Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) ou na Lei de Ação Civil Pública n. 7.347/85 se atingida for a coletividade, sendo os interesses passíveis de proteção os de natureza transindividual, sejam os coletivos, difusos ou individuais homogêneos.

Importante ressaltar que para fins de reparação dos danos causados a terceiros por intermédio do meio ambiente, mesmo no caso das ações privadas, aplica-se a responsabilidade objetiva a teor da redação do artigo 14, §1º da Lei n. 6.938/81, qual seja: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. (...)”, nesse sentido Krell.[131]

É de esclarecer que o objetivo imediato da tutela no dano por intermédio do meio ambiente é a proteção de bens de natureza diversa, individual ou transindividual, e não o meio ambiente em si, ainda que indiretamente este venha a ser protegido, afinal, com a paralisação de uma atividade ou obra danosa este também é atingido mesmo que mediatamente. Ademais, não se pode olvidar que as espécies de danos ambientais são independentes e inconfundíveis, por exemplo, o fato ocorrido em Bophal, Índia – onde um desastre ecológico de grande dimensão em uma fábrica de pesticida matou mais de duas mil pessoas e deixou duzentas mil prejudicadas, em seus bens patrimoniais e em sua qualidade de vida e saúde – revela um dano extrapatrimonial coletivo diferente e autônomo do dano ambiental propriamente dito. Porém o que esse último vem a ser?

Mirra em preciosa lição denota dano ambiental como:

Toda degradação do meio ambiente, incluindo os aspectos naturais, culturais e artificiais que permitem e condicionam a vida, visto como bem unitário imaterial coletivo e indivisível, e dos bens ambientais e seus elementos corpóreos e incorpóreos específicos que o compõem, caracterizadora da violação do direito difuso e fundamental de todos à sadia qualidade de vida em um ambiente são e ecologicamente equilibrado. [132]

Assim, sempre que uma ação humana provocar poluição ou alteração adversa dos elementos constituintes do meio ambiente, com consequente degradação do equilíbrio ecológico, haverá dano ambiental, necessitando-se restituir o equilíbrio do meio ambiente, principalmente por se tratar de bem autônomo e indivisível, titularizado por todos difusa e intergeracionalmente e ainda ser consagrado como um direito fundamental.

Não se pode esquecer que os elementos que compõe o meio ambiente possuem uma constante interação e que qualquer lesão em um desses elementos reflete nos demais, contudo, como já dito anteriormente, nem todo atentado ao meio ambiente e seus aspectos ocasiona obrigatoriamente um prejuízo à qualidade ambiental. O próprio meio ambiente tem a capacidade de suportar pressões adversas e se defender até certo um limite, além do qual ocorre degradação.[133]

No que se refere à reparação do dano ambiental propriamente dito, faz-se uso de instrumentos processuais voltados para a tutela de interesses coletivos latu sensu, como a ação civil pública ou demais medidas adequadas como a ação popular e o mandado de segurança coletivo. As indenizações nessas ações, quando solicitadas, se revertem para fundos e os recursos são usados para reconstituir os bens danificados e repor o equilíbrio ambiental, observe-se o art. 13[134] da Lei 7.347/85.

Uma importante anotação há de ser feita nesse momento, a saber: o dano ambiental propriamente dito pode acontecer sem interferência imediata no bem-estar e saúde da população. Ora, é o caso de um desmatamento em uma área de preservação permanente, afastada do núcleo populacional, sem reflexo na qualidade de vida da coletividade. Nesse evento, resta configurado o dano ambiental passível de reparação, porém, como será apreciado melhor no próximo capítulo, este apenas se configurará no seu aspecto material, e não extrapatrimonial, tendo em vista que a coletividade não teve violado seu direito à saúde e qualidade de vida.

Assim, há de se concluir que tanto o homem quanto o meio ambiente, que é um bem jurídico autônomo, podem ser vítimas do dano ambiental. É capaz de se vislumbrar, nos casos concretos, lesões a interesses individuais, coletivos ou individuas homogêneos, bem como os exclusivamente ambientais, que dão ensejo a indenizações diferentes. Outrossim, o dano ambiental tem a capacidade de atingir diferentes gerações: a presente e a vindoura.

3.3. AVALIAÇÃO DA AMPLITUDE DO DANO AMBIENTAL E SUAS FORMAS DE REPARAÇÃO

Como exposto no capítulo primeiro do presente trabalho, em matéria de direito ambiental deve-se ter como base o binômio preservação e restauração. Contudo, a bem da verdade, o controle preventivo nao é suficiente para eliminar os danos ambientais e, ademias, na grande maioria das vezes, a natureza degradada encontra-se impossibilitada de retornar ao statu quo ante, vindo a legitimar a indenização pecuniária, que traz consigo uma série de dificuldades, entre elas a avaliação da gravidade do dano e a fixação do montante da compensação pecuniária.

Examinando a Lei n. 6.938/91 em art. 4º, VII: “A Política Nacional do Meio Ambiente visará à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados”, infere-se que a recuperação e a indenização são as modalidades elencadas como forma de reparação do dano, contudo, não se deve entender que seria facultado ao poluidor a escolha por uma dessas formas, como deixa transparecer o legislador.

A recuperação in natura do meio ambiente, que consiste, segundo Ferreira e outros, na reparação do dano por meio da recuperação dos bens naturais afetados, devolvendo ao ecossistema o equilíbrio perdido com o advento do dano, deve ser a primeira opção na hora da escolha da forma de reparar o prejuízo, impossibilitada esta, buscar-se-á na indenização pecuniária a recuperação do dano.[135]

Nesse sentido BUTZKE, ZIEMBOWICZ e CERVI:

 O que se objetiva com a responsabilização do agente causador de dano ambiental é a recomposição, tanto quanto possível, do status quo ante, tanto do meio ambiente quanto das pessoas afetadas, sendo a indenização pecuniária apenas uma dessas formas de reparação, cabível somente quando impossível a restauração do meio agredido.[136]

Há de se destacar que a indenização em dinheiro não é capaz de recuperar a natureza lesada, não se devolve a esta suas reais condições físicas ou biológicas, o arbitramento de uma indenização pecuniária substitutiva se apresenta como uma forma de compensação ecológica, devendo-se buscar uma equivalência entre o bem jurídico ambiental agredido e o valor da indenização fixada.[137]

Contudo, não se pode olvidar dos sérios entraves técnicos e legais para se fixar o valor do bem jurídico ambiental. Willian Oliveira, em sua obra sobre o dano moral ambiental, cita alguns critérios para a avaliação econômica da lesão ambiental, tais quais o usado na Europa, onde é comum arbitrar um valor tarifado para cada espécie da flora ou fauna prejudicada e onde o montante final da indenização é influenciado pelo fato da atividade poluidora ter sido autorizada pelo Poder Público, além de elencar outros critérios. Acrescenta, ainda Oliveira, que em vários Estados Norte-Americanos, a legislação possibilita fazer uma pesquisa, com a população afetada, sobre o valor pecuniário que cada indivíduo estaria disposto a pagar ou receber para a não perder certo bem ambiental, o que se denomina como avaliação direta. No entanto, deixa claro o autor que nenhum desses critérios consegue dimensionar com exatidão o valor do bem ambiental.[138]

A bem da verdade, o magistrado, quando da fixação do valor da indenização, deve levar em conta uma série de fatores comuns no campo privado, tais quais a situação financeira do degradador, os custos para restaurar o bem lesado, a gravidade do dano, o status constitucional adquirido pelo bem ambiental, o caráter pedagógico e punitivo, com vistas a evitar novas infrações desta natureza, baseando-se, sempre, nas circunstâncias do caso concreto e nas provas colecionadas, de maneira que seja atendido o princípio da reparação integral.

É de se destacar que quanto ao dano extrapatrimonial em matéria ambiental, que, como se comprovará no capítulo seguinte, se encontra em perfeita consonância com o ordenamento jurídico pátrio, a reparação se dará por intermédio da compensação pecuniária de forma autônoma e diferenciada dos valores pagos a título de dano patrimonial.

Sobre a autora
Rafaele Monteiro Melo

Advogada. Servidora Pública do Ministério da Fazenda em lotação na Receita Federal do Brasil em Maceió. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Rafaele Monteiro. O dano extrapatrimonial coletivo ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3189, 25 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21350. Acesso em: 22 dez. 2024.

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