A proteção do consumidor conduz à necessidade de analisar a teoria contratual a luz de novos princípios, resta portanto, fragmentado o principio pacta sunt servanda, em face da parte hipossuficiente na relação de consumo.
A sociedade atual é consumista, caracterizada por um crescente número de produtos e serviço à disposição das pessoas, sob égide do domínio de crédito e marketing.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) visa reequilibrar a relação de consumo, fornecendo ao consumidor subsídios para a defesa de seus interesses, além de proibir práticas abusivas e prejudiciais.
Entretanto, deve ser afastada a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de locação comercial, vez que contam com mecanismos próprios de proteção. Como exemplo a regra insculpida no artigo 45 da lei 8.245/91 que estabelece que: "São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem elidir os objetivos da presente lei, notadamente as que proíbam a prorrogação prevista no art. 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto".
No tocante aos contratos de shopping, há quem considere, a exemplo do Professor Ladislau KARPAT(1), parafraseando, que entre o lojista e o empreendedor, excepcionalmente, pode ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor, em casos específicos, quando se tratar das normas complementares regidas pela Escritura Declaratória, pela Convenção Condominial, acompanhada do Regimento Interno ou Estatuto da Associação dos Lojistas.
Entende que a Lei 8.078 (CDC), por ser de ordem pública e de grande interesse social gera reflexo em tais documentos, posto que admitido todo o tipo de defesa, quer contra produtos, quer contra serviços, quer contra contratos.
As Normas Gerais Complementares e o Estatuto da Associação de Lojistas, não se enquadram em nenhuma lei especial, para ver inaplicável o CDC, fundamentam alguns autores.
Com ressalvas a quem assim não entende, inexiste relação de consumo entre empresários (lojista x empreendedor) em uma relação locatícia atípica.
Em razão disso o CDC é inaplicável, mesmo com relação as normas complementares: a um, porque não se trata de relação de consumo; a dois, porque o lojista possui capacidade empresarial, poder de discernimento e de alteração do pacto na fase pré-contratual.
A prática mostra, não raras as vezes, o pleito do lojista por benefícios na fase pré-contratual, como: não pagamento da cessão de uso de espaço; que o valor do aluguel recaia somente sobre o percentual e não sobre a parte fixa, até a adequação da loja no complexo empresarial; levantamento de benfeitorias quando da rescisão ou no término do contrato, entre outras vantagens.
Deste modo ficando consignado no contrato determinadas garantias ou vantagens, logicamente, fica sem efeito as normas complementares que tratem da mesma matéria de forma diversa. Tais questões são típicas da capacidade empresarial do lojista, descaracterizando destarte, a relação consumerista, pois ambos os pólos estão em nível de igualdade.
Supondo a hipótese, comum nos empreendimentos de estilo, do lojista (empresário) inadimplente. Os motivos da inadimplência normalmente não é de responsabilidade do empreendedor, mas do lojista, posto que não houve adequação da loja ou do produto comercializado, além da eventual ausência de viabilidade econômica, ou ainda, diante da inabilidade de angariar clientela, da ingenuidade e ausência de criatividade no aproveitamento das diversas promoções existentes, diga-se comum em todos os shopping centers, não caberá, portanto, face a relatada impropriedade, o amparo das normas protecionistas do CDC.
O saudoso Ministro Cláudio SANTOS, ao tratar da matéria (in Locação de Espaço em Shopping Center) citando a Professora Cláudia Lima Marques, esclarece que são contratos de consumo "todas aquelas relações contratuais ligando um consumidor a um profissional fornecedor de bens e serviços".
"Tratando-se de locação comercial a aplicação do CDC fica afastada (...), e em sendo o contrato de locação de espaço em shopping center uma locação comercial, inclusive com a proteção do fundo de comércio, seguindo o raciocínio exposto, não está o contrato em evidência subjugado àquela lei(2)".
É certo afirmar que a relação locatícia em shopping center não é regida pelo CDC, mas pela lei 8.245/91 (artigo 54 e seguintes), sendo impossível vislumbrar o empresário como parte hipossuficiente em qualquer relação.
Corroborando com este entendimento, sem risco da orientação pragmática dos tribunais, vez que o tema praticamente foi sedimentado pela doutrina, faz-se alusão a seguinte ementa: "LOCAÇÃO COMERCIAL. SHOPPING CENTERS. CLÁUSULAS CONTRATUAIS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. São legítimas as cláusulas de aluguel percentual e em dobro no mês de dezembro, que somente poderão ser modificadas em acordo das partes. Os lojistas dos shopping centers não gozam da proteção do Código de Defesa do Consumidor, por sua capacidade empresarial. (TARJ - AC 8569/95 - Reg. 58-1) 7ª c. - Rel. Juiz Gualberto Gonçalves de Miranda - j. 13.12.1995) Fonte Juris Síntese - Ementa 41820" (sem grifo no original).
Considerando a narrativa, não há como negar que os princípio que norteiam o contexto do CDC, tornam a fragmentar o princípio da autonomia da vontade, entretanto, em relação ao hipossuficiente na relação de consumo. Logo, os lojistas de shopping centers, não integram a referida relação, não gozam portanto, da proteção do Código de Defesa do Consumidor, por sua capacidade empresarial, entre outros fundamentos já elencados. Se assim não fosse ocorreria a generalização do instituto que se tornaria aplicável a toda e qualquer convenção de vontade, o que não seria lícito, nem ao menos moral.
Notas
1.KARPAT, Ladislau. Shopping Centers - Manual Jurídico. 1 ed. São Paulo: Hemus, 1993. p. 95-101.
2. TORRES DE ALBUQUERQUE, J.B. Prática e Jurisprudência das Locações e Despejos. Campinas-SP: Bookseller, 1997. V. III. p. 948-949.