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O modelo de proteção social brasileiro

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Agenda 21/05/2012 às 07:05

3 O MODELO SECURITÁRIO BRASILEIRO

No Brasil, desde o marco inicial do sistema securitário, outrora chamado apenas de “sistema previdenciário”, atribuído à Lei Eloy Chaves (Decreto Legislativo nº 4.682, de 21/01/1923), e até mesmo antes disso, predominaram características dos ideais e métodos do modelo bismarckiano, porém, com a adição de características próprias do modelo que posteriormente constaria do Plano Beveridge, ou seja, como regra, exigia-se a contribuição do segurado para a correspondente concessão do benefício, mas também havia situações de concessão de benefício sem uma correspondente contribuição.

Efetivamente, o período anterior à Constituição Federal de 1988 é marcado por grande instabilidade do sistema securitário brasileiro, sobretudo em face da pluralidade de subsistemas securitários, predominando a fragmentação securitária entre as diversas categorias de trabalhadores, umas gozando de maiores privilégios perante outras, ou seja, não se cogitava da necessária isonomia securitária. Com a vigência da CF/88 esse panorama restou alterado, estabelecendo-se regras mais bem definidas, tanto no tocante ao financiamento quanto em relação à concessão de prestações.

3.1 O regime de financiamento adotados no Brasil

Nosso sistema securitário, em relação ao seu financiamento, toma como regra básica o regime de repartição simples, que vai sofrendo ajustes de acordo com a espécie de prestação securitária. Assim, temos que observar três situações quanto à incidência do regime de financiamento:

a) Em relação às prestações de Saúde, de Assistência Social e benefícios previdenciários não programados

Sendo estas prestações suportadas por toda a sociedade, o método de financiamento orientador neste caso é o regime de repartição social.

No tocante aos benefícios previdenciários não programados também haver incidência do regime de repartição profissional, eis que, em regra, há custeio individual do segurado, embora quase sempre em montante insuficiente para lhe garantir o benefício, no caso um evento imprevisível, ocorrendo então a socialização do evento.

a) Em relação a prestações securitárias em geral

Em geral, os benefícios previdenciários são financiados com base no regime de repartição simples, na sua modalidade híbrida ou mista, reunindo, pois, características do regime de repartição profissional e do regime de repartição social, porquanto há custeio tanto da sociedade, mediante os tributos genéricos, quanto dos segurados, mediante contribuição específica.

Tudo é fruto do princípio da solidariedade, consistindo no esforço de uns para o gozo de outros, criando-se um círculo sistemático e contínuo, de modo que, quem hoje é economicamente ativo contribui para custear os benefícios daqueles que já não o são, mas que também já foram contribuintes. É a regra adotada pelo nosso legislador pátrio, mantida com ressalva pela Emenda Constitucional nº 20/1998, que deu nova redação ao art. 201 da CF:

Com efeito, a participação individual do segurado no custeio é exigida, pelo menos em tese[3], para todos os benefícios concedidos no âmbito da Previdência Social. Entretanto, os valores contribuídos, apesar de serem teoricamente individualizados, não o são na forma verificada no regime de capitalização puro, não sendo os seus valores levados a efeito com rigor e exclusividade quando da concessão dos benefícios imprevisíveis, porquanto nesta hipótese o segurado conta com a garantia de cobertura do evento, em face do princípio da solidariedade, efetivando-se com a socialização dos riscos, cujos ônus serão suportado pelo Estado, mediante recursos do orçamento da seguridade social, fruto de arrecadação dos tributos em genéricos.

b) Em relação à aposentadoria por tempo de contribuição

Efetivamente, com a reforma introduzida pela referida Emenda Constitucional nº 20/98, no que toca à Previdência Social, manteve-se, como regra, o regime de repartição simples, que já predominava desde antes. Todavia, em relação à aposentadoria por tempo de contribuição, foi estabelecida uma nova fórmula de cálculo da renda mensal do benefício, descaracterizando-se e regime genérico de financiamento (repartição simples) e a ele acrescentando-se características do regime de capitalização.

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Com efeito, na nova fórmula passou-se a exigir a obrigatória inclusão do chamado fator previdenciário. Daí em diante a base para o cálculo do valor do benefício deixou de ser a simples contabilização dos valores recolhidos pelo segurado, para também ser considerado o tempo de contribuição, a idade, a expectativa de sobrevida, dentre outros elementos, caracterizando-se a individualização própria do regime de capitalização.

Pois bem, em relação à mencionada espécie de aposentadoria, passou-se a combinar o regime de repartição simples com o regime de capitalização, surgindo o que se passou a chamar de repartição em contas notoriais ou capitalização escritural, também nominado de capitalização escritural ou virtual, uma vez que a renda mensal passou a ser calculada com base na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário, conforme dispõe a Lei nº 9.876, de 26.11.99, que alterou a redação do art. 29 e inciso I da Lei nº 8.213/91.

Isto se deu por força da alteração introduzida no art. 201 da CF, pela EC nº 20/98, prevendo o rigor da observância de critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.

Em suma, ao segurado é atribuída uma conta nocional ou imaginária, na qual virtualmente são depositadas as suas contribuições sociais, cujos valores serão corrigidos, na forma da lei, quando do cálculo de valor do benefício. Efetivamente, não há qualquer depósito em conta alguma, daí a expressão virtual o imaginária, indo os valores recolhidos compor os recursos que custearão os benefícios dos atuais inativos, na forma da solidariedade intergeracional.

3.2 Regimes de concessão de benefícios adotados no nosso sistema securitário

Em relação à concessão de benefícios, historicamente tem predominado entre nós a adoção do regime de benefício definido. E isto por conta das características tradicionais do nosso sistema brasileiro, regido pelo princípio da solidariedade e a preferência pelo regime de financiamento do tipo repartição simples, que não combina muito bem com o regime de contribuição definida.

Entretanto, há quem defenda que a implantação do fator previdenciário no cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição acabou combinando os dois regimes básicos de concessão de benefício, tendo a importância da cotização do segurado no cálculo de benefício.

Mas mesmo no caso da aposentadoria por tempo de contribuição, regida pelo regime de financiamento da espécie capitalização escritural ou virtual, a predominância do regime de benefício é patente, embora não se negue algumas características do regime de contribuição definida, pois são levados em consideração fatores individuais, como a idade do segurado, o tempo de contribuição etc. O fato é que a solidariedade suplanta essas particularidades, sendo evidente também o pré-estabelecimento da metodologia de cálculo, bem como um valor estimado do benefício, de modo a prevalecer o regime de benefício definido.

3.3 O modelo de proteção social resultante no nosso sistema securitário

Analisados os pormenores que envolvem um modelo de seguridade social, com as necessárias conjugações entre regime de financiamento e regime de concessão de prestações, bem como as suas possíveis variações, e uma vez identificado o comportamento do nosso sistema de seguridade social tanto no tocante ao seu financiamento quanto no tocante à concessão dos benefícios, resta identificarmos qual o modelo securitário adotado entre nós.

Efetivamente, o sistema de seguridade brasileira não segue um modelo exclusivo. Note-se que no tocante à Saúde e à Assistência Social, para cujos benefícios não há a previsão de uma participação individual dos segurados no custeio, prevalecendo o caráter universal da cobertura, segue-se o modelo beveridgiano, com uma notável aproximação do modelo social-democrata dos países nórdicos.

Já no que toca ao Regime Geral de Previdência Social e aos Regimes Próprios, temos características tanto modelo alemão quanto do modelo inglês. A semelhança ao modelo inglês se verifica especialmente em relação aos benefícios previdenciários fundados em eventos imprevistos, os chamados benefícios imprevisíveis. Em tais hipóteses, embora seja obrigatória a contribuição individualizada, característica do modelo alemão, os riscos podem ser socializados, caso o segurado ainda não tenha contribuído o bastante para alcançar um benefício mínimo por suas próprias contribuições, característica esta do modelo inglês.

Noutro giro, em relação a todos os demais benefícios previdenciários, predominam características do modelo bismarckiano, eis que o segurado só terá um benefício se contribuir individualmente, e o valor do seguirá a medida das suas cotas recolhidas, imitando, pois, o modelo liberal adotado pelos países anglo-saxões.

Já em relação à previdência complementa, seja a complementar privada como também aquela destinada aos servidores públicos participantes de regimes próprios, predomina o modelo bismarckiano, na sua clássica versão liberal, mediante a conjugação do regime de financiamento do tipo capitalização e do regime de concessão de benefício do tipo contribuição definida.


4 CONCLUSÃO

O modelo concebido pelo inglês William Beveridge, entre 1.942 a 1.946, conhecido como “Plano Beveridge”, foi fruto dos mais avançados estudos sobre a matéria previdenciária até então experimentados. Desse modelo surgiria o complexo securitário ao qual o nosso Constituinte de 1988 denominou seguridade social. O modelo beveridgiano inspirou os modelos que o sucederam, a exemplo do social-democrata, preferido pelos países nórdicos.

Faz face ao modelo social-democrata o modelo liberal ou residual, inspirado no modelo concebido por Otto Von Bismarck, caracterizado pela individualização dos riscos sociais, sendo similar ao adotado no nosso regime de previdência complementar privado, no qual predominado o regime de capitalização combinado com o regime do contribuição definida.

Diversos países da América do Sul implantaram políticas sociais inspirados no modelo liberal, destacando-se o Chile. O chamado modelo chileno, adotado em 1981, fundou-se na ideia de capitalização dos valores arrecadados pelos fundos de pensão, fazendo com que os investimentos em ações e bens permitissem o crescimento do bolo previdenciário sem a incidência de tributos específicos. O governo cuidaria apenas de gerir essa capitalização, ficando cada segurado responsável pela cobertura de seus próprios riscos, de acordo com os valores por si recolhidos, individualizando-se os riscos sociais, sob a lógica capitalista da “privatização dos lucros e socialização dos prejuízos”

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 positivou um novo modelo de proteção social inspirado na filosofia do Lorde Beveridge, denominado seguridade social, sistema instituído com o objetivo de dar a todos a devida proteção em relação à Saúde, à Previdência social e à Assistência social.

Apesar da grande conquista da sociedade, alguns equívocos são apontados na elaboração desse importante instrumento de cidadania. Conquanto a expressão “seguridade social” remeta à filosofia beveridgiana, cujos ideais são de universalidade da proteção social, com todos sendo alcançados pela proteção social, independentemente de estar contribuindo ou não, verifica-se que somente a Saúde e a Assistência Social se inserem nessa filosofia de universalidade, porquanto em relação à Previdência Social ainda se conserva a filosofia de “seguro social”, introduzida por Bismarck há mais de um século, exigindo-se que o segurado faça a sua contribuição, sem a qual fica excluído do sistema protetivo previdenciário.

Em suma, para o direito comparado o Brasil adotou um sistema de seguridade social, mas apenas de forma parcial, eis que a Previdência Social ainda conserva a ideia de seguro social.

Dito isso, podemos afirmar que adotamos hoje um modelo de seguridade misto por excelência, porquanto traz características diversas quanto ao financiamento e também quanto à concessão dos benefícios, abrangendo os dois modelos básicos de proteção social, o alemão e o inglês. Se de um modo as prestações de Saúde e Assistência Social são gratuitas e universais, distribuídas as todos os que delas necessitem, noutro giro temos as prestações previdenciárias concedidas apenas mediante o custeio individual do segurado, conhecido ente nós como custeio direito.

Enfim, o nosso modelo securitário mantém estreitos laços com o modelo Beveridgiano, conjugado às principais características do regime social-democrata, sobretudo no que toca à total assunção dos riscos sociais pelo Estado, o que torna nosso modelo sui generis. É verdade que somente quem contribui individualmente faz jus a benefícios previdenciários, entretanto, aqueles que não podem contribuir não ficam totalmente a descoberto, sendo alcançados pela Assistência Social, cuja filosofia é de Seguridade Social, que independe de contribuição.


5 REFERÊNCIAS

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FELIPE, Jorge Franklin Alves. Curso de Direito Previdenciário. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

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IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário, 10. ed. Niterói-RJ: Impetus, 2007.

JORGE, Társis Nametala. Manual dos Benefícios Previdenciários. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

KERTZMAN, Ivan Mascarenhas. Curso Prático de Direito Previdenciário. 3. ed. Salvado: JusPODIVM, 2007.

RIGOLIN, Ivan Barbosa. O servidor público nas reformas constitucionais. Belo horizonte: Fórum, 2003.

TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

TSUTIYA, Augusto Massayuki. Curso de Direito da Seguridade Social. São Paulo: Saraiva, 2007.


Notas

[1] Referência a Otto von Bismarck, o assim chamado chanceler de ferro, estadista mais importante da Alemanha do século XIX, a quem a atribuído o marco inicial da Previdência Social, com a criação de uma séria de normas de caráter securitário entre 1863 e 1869

[2] William Henry Beveridge, criou o chamado Plano Beveridge, implantado na Inglaterra a partir de 1946.

[3] Diz-se em tese porque, no que toca aos segurados especiais, embora a Lei exija o recolhimento de contribuições sociais sobre a venda de seus produtos, esse recolhimento é muito pouco observado, tratando-se mais de uma “ficção da norma”.

Sobre o autor
Clemilton da Silva Barros

Advogado da União. Mestre em Direito e Políticas Públicas. Especialista em Direito Processual Civil, em Direito do Trabalho e em Direito Processual do Trabalho, Professor da Universidade Estadual do Piauí. Autor jurídico e literário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Clemilton Silva. O modelo de proteção social brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3246, 21 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21775. Acesso em: 21 nov. 2024.

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