3. Estabelecimento de requisitos para se requerer isenção de imposto
Diversamente do que ocorre com a imunidade, o legislador ordinário pode especificar condições e requisitos para a concessão de isenção.
3.1. Estabelecimento de prazo
O legislador pode estabelecer prazo para que o interessado apresente o pedido de isenção a que entende ter direito. Trata-se de requisito que o interessado deve cumprir. No entanto, esse prazo tem de estar previsto em lei e não em norma geral e abstrata infralegal. Com mais razão, não pode o interessado ter ciência do prazo apenas na motivação do ato administrativo que indeferiu seu pedido. Por mais lógicos e justos que sejam os argumentos expendidos pela autoridade, eles não serão jurídicos, porquanto o prazo não está prescrito no consequente de norma geral e abstrata.
3.2. Estabelecimento de requisito não específico para o IPVA
Lei ordinária editada por Estado ou pelo Distrito Federal pode estabelecer requisito genérico para a concessão de isenção de tributo estadual ou distrital.
Por exemplo, a Lei do Estado de São Paulo 12.79917, de 11/01/2008, que dispõe sobre o Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de órgãos e entidades estaduais – CADIN ESTADUAL – e dá outras providências, no inc. IV do art. 6º, exige que órgãos e entidades da administração direta e indireta consultem o CADIN ESTADUAL, para conceder incentivos fiscais e financeiros. A existência de registro em referido Cadastro constituirá impedimento à concessão de incentivo fiscal ou financeiro (§ 1º do art. 6º).
Incentivos fiscais abrangem as isenções tributárias? Borges (1980, p. 68-69) fala na possibilidade de utilizar a isenção tributária para fins de intervencionismo econômico e social. Nesse caso, a exoneração tributária passa a exercer função regulatória, extrafiscal e intervencionista, de setores da vida social. Utilizadas a serviço de uma política econômico-social (ou seja, como estímulo fiscal), as isenções são denominadas de extrafiscais.
Há extrafiscalidade quando a composição da legislação de um tributo vem pontilhada de providências para prestigiar certas situações, tidas como social, política ou economicamente valiosas, a que o legislador dispensa tratamento mais confortável ou menos gravoso, perseguindo objetivos alheios aos meramente arrecadatórios (CARVALHO, 2008, p. 251-252).
Tanto a isenção de um único veículo utilizado no transporte público de passageiros na categoria aluguel (táxi), de propriedade de motorista profissional autônomo, por ele utilizado em sua atividade profissional (inc. IV do art. 13. da Lei 13.296/2008), quanto a isenção de ônibus ou microônibus empregados exclusivamente no transporte público de passageiros, urbano ou metropolitano, devidamente autorizados pelos órgãos competentes (inc. VI do art. 13), têm por objetivo reduzir o custo e, portanto, o preço do transporte público de passageiros (fins econômico e social). Isenção de um único veículo adequado para ser conduzido por pessoa com deficiência física (inc. III do art. 13) tem por objetivo incentivar o deficiente físico a adquirir veículo a ele especialmente adaptado e dirigi-lo para poder deslocar-se de um ponto a outro (fins econômico e social18).
Conforme se vê, várias isenções do IPVA são incentivos fiscais. Por essa razão, a Administração não tem concedido isenção do IPVA a interessado com débito registrado no CADIN ESTADUAL.
3.3. Fixação de requisito necessário ao preenchimento de condição
Também tem de estar previsto em lei requisito que o interessado deve cumprir a fim de preencher condição necessária à isenção. Por exemplo, na aquisição de veículo automotor novo, para obter isenção de ICMS prevista no art. 19. do Anexo I – Isenções – do RICMS/2000 (Decreto 45.490/2000), deve o interessado preencher duas condições: ser motorista portador de deficiência física, mas apto a dirigir veículo a ele especialmente adaptado; o veículo estar adaptado às suas condições. No entanto, se o veículo não sair de fábrica com as características discriminadas no laudo de perícia médica fornecido pelo DETRAN, a colocação do acessório ou a adaptação necessária deverá ser efetuada por oficina especializada ou por concessionária autorizada.
Requisito que o interessado deve cumprir para preencher a segunda condição é, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, apresentar à repartição fiscal da área de seu domicílio cópia autenticada da Nota Fiscal referente à colocação do acessório ou à adaptação efetuada (alínea “b” do item 2 do § 6º do art. 19).
Note-se que, embora a redação do art. 19. tenha sido dada pelo inc. II do art. 1º do Decreto Estadual 51.639, de 12/03/2007, o texto desta norma é a reprodução do da alínea “b” do inc. II do § 8º da Cláusula primeira do Convênio ICMS 3/2007, que tem força de lei19.
3.4. Fixação de prazos para requerer isenção do IPVA
Há razão para a Administração fixar prazos para o interessado requerer isenção do IPVA de determinado veículo? Sim. É que, sem a apresentação do pedido, não tem a Administração como saber se determinado veículo tem ou não direito à isenção, de modo que, vencido o prazo para pagamento espontâneo do imposto sem que o contribuinte tenha efetuado o recolhimento, a autoridade administrativa terá de providenciar o lançamento do imposto. Afinal, não se pode ficar aguardando a boa vontade do interessado em requerer a isenção, se a atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional (parágrafo único do art. 142. do CTN).
Em face de normas da Lei 13.296/2008 abaixo transcritas:
“Art. 16. - Verificado que o beneficiário não preenchia ou deixou de preencher as condições exigidas para a imunidade, isenção ou dispensa, o imposto deverá ser recolhido no prazo de 30 (trinta) dias contados da data da ocorrência do evento, observado o disposto no parágrafo único do artigo 11, e a base de cálculo do imposto será definida em conformidade com os artigos 7º ou 8º, todos desta lei”.
“Art. 21. - O imposto do veículo usado será devido anualmente na data da ocorrência do fato gerador, e deverá ser pago à vista no mês de fevereiro ou em três parcelas mensais, iguais e consecutivas, vencíveis nos meses de janeiro, fevereiro e março, desde que a primeira seja recolhida integralmente no respectivo vencimento no mês de janeiro e o valor de cada parcela seja equivalente a, no mínimo, 2 (duas) UFESPs do mês do recolhimento.
. . . ”.
“Art. 22. - O recolhimento do imposto, relativamente a veículo novo, deverá ser efetuado integralmente no prazo de 30 (trinta) dias contados:
I - da data da emissão da Nota Fiscal referente à sua aquisição;
( . . . )
§ 1º - Sobre o valor do imposto recolhido integralmente até o 5º (quinto) dia útil posterior à data da emissão da Nota Fiscal referente à aquisição do veículo novo, ou à data em que o mesmo tenha sido incorporado ao ativo permanente, poderá ser concedido desconto a ser fixado pelo Poder Executivo.
§ 2º - O imposto relativo a veículo novo poderá ser pago em 3 (três) parcelas mensais, iguais e consecutivas, desde que a primeira seja paga no prazo previsto no “caput” deste artigo, vencendo as demais no mesmo dia dos meses subseqüentes ao do vencimento da primeira”;
podemos construir logicamente as seguintes regras com a fixação de prazos para o interessado requerer isenção do IPVA:
a) aquisição de veículo usado:
a.1) sem isenção do IPVA na anterior relação de propriedade: pedido de isenção para o exercício seguinte ao de aquisição deverá ser protocolado até o último dia do mês de fevereiro daquele exercício; fundamento: como a data de vencimento do IPVA para pagamento à vista, sem desconto, é dia de fevereiro que varia de acordo com o final da placa do veículo (caput do art. 21. da Lei 13.296/2008, combinado com o art. 2º do Decreto Estadual 57.51720, de 11/11/2011), certamente a autoridade administrativa não efetuará o lançamento antes de março do exercício seguinte ao de aquisição;
a.2) com isenção do IPVA na anterior relação de propriedade: pedido de isenção para o exercício de aquisição deverá ser protocolado no prazo de 30 (trinta) dias contados da data da aquisição, data em que cessa a isenção (subjetiva) relativa ao anterior proprietário do veículo; fundamento: após esse prazo, se não houver recolhimento do IPVA relativo aos meses restantes do exercício, a autoridade administrativa deverá efetuar o lançamento do IPVA (art. 16. da Lei 13.296/2008, combinado com o art. 11. desta);
b) aquisição de veículo novo: pedido de isenção para o exercício de aquisição deverá ser protocolado no prazo de 30 (trinta) dias contados da data da emissão da Nota Fiscal referente à aquisição; fundamento: após esse prazo, se não houver recolhimento do imposto ou da primeira parcela deste, a autoridade administrativa deverá efetuar o lançamento do IPVA (inc. I do art. 22. da Lei 13.296/2008, combinado com o § 2º do artigo);
Cada uma dessas regras fixa prazo que o interessado deve observar (requisito que ele deve cumprir, na denominação do CTN), pena de ser negado seu pedido de concessão de isenção do IPVA. Embora lógicas, as regras devem ser postas no ordenamento jurídico por meio de lei ordinária, conforme está prescrito no caput do art. 176. do CTN.
3.5. Estabelecimento de requisito por norma infralegal
Se contribuinte cumprir requisito para a concessão de isenção do IPVA fixado por norma infralegal, não terá interesse jurídico em questionar o meio pelo qual a norma foi posta no ordenamento. No entanto, se o requisito for prazo para apresentação do pedido de isenção e ele não observá-lo, certamente verá indeferido o pedido para um ou mais exercícios. Inconformado, ele poderá questionar a validade da norma. O inconformismo será maior ainda se o prazo, que deveria estar previsto em norma legal, for indicado apenas na motivação do ato administrativo que indeferiu o pedido.
A Lei do IPVA do Estado de São Paulo (Lei 13.296/2008) não fixa prazo para o interessado requerer isenção do IPVA. O prazo não consta também de diploma normativo infralegal do Estado de São Paulo. Analogamente, leis do IPVA de outros Estados da Federação também não fixam esse prazo, como, por exemplo, a do Rio Grande do Sul (Lei 8.115, de 30/12/1985), a de Santa Catarina (Lei 7.543, de 30/12/1988), a do Paraná (Lei 14.260, de 22/12/2003), a de Minas Gerais (Lei 14.937, de 23/12/2003), a do Rio de Janeiro (Lei 2.877, de 22/12/1997).
Conforme vimos, ações ajuizadas por contribuintes paulistas (mandamentais, em sua maioria) serão favoráveis ora a estes, ora à Fazenda Pública do Estado de São Paulo. Assim, para haver segurança jurídica, os prazos para requerer isenção do IPVA em situações específicas deveriam estar previstos em normas legais, conforme determina a regra do caput do art. 176. do CTN. As razões que a autoridade tem invocado para indeferir pedido de isenção do IPVA para um ou mais exercícios não deveriam estar na motivação do ato administrativo, mas sim na exposição de motivos da lei que fixasse os prazos para o interessado requerer a isenção do IPVA.
4. Conclusões
A legislação do IPVA do Estado de São Paulo não fixa prazo para o interessado requerer a primeira isenção do IPVA de veículo de sua propriedade ou posse. No entanto, a Administração Tributária somente tem deferido isenção do IPVA: de veículo novo, para o exercício de aquisição, se o pedido foi protocolado até a data de vencimento do IPVA daquele exercício (como se a relação de propriedade fosse normalmente tributada); de veículo usado, com isenção do IPVA na anterior relação de propriedade, para o próprio exercício de aquisição, se o pedido foi protocolado no prazo de 30 (trinta) dias contados da data de aquisição; de veículo usado, sem isenção do IPVA na anterior relação de propriedade, para o exercício seguinte ao de aquisição, se o pedido foi protocolado antes de ocorrer o fato jurídico tributário relativo àquele exercício.
Apesar da natureza declaratória do ato administrativo que concede isenção do IPVA, entendemos que a Administração não só pode mas também deve fixar prazo para o interessado apresentar seu pedido de isenção, sob pena de este ver indeferido o benefício para o(s) primeiro(s) exercício(s) do pedido. Mostramos que a inércia do interessado traz prejuízos à Administração, que, de forma diligente, providencia o lançamento do imposto uma vez constatado o não-recolhimento espontâneo do IPVA pelo contribuinte no prazo previsto, e que tem ainda de arcar com o custo de tramitação do processo administrativo tributário formado em razão de eventual impugnação ao lançamento.
Demonstramos por que são adequados os prazos que a Administração tem exigido para a concessão de isenção do IPVA de veículo novo, para o exercício de aquisição, e de veículo usado, com isenção do IPVA na anterior relação de propriedade, para o próprio exercício de aquisição. No entanto, no caso de veículo usado, sem isenção do IPVA na anterior relação de propriedade, demonstramos não haver prejuízo à Fazenda do Estado se o termo final do prazo para requerer isenção do IPVA para o exercício seguinte ao de aquisição for o último dia do mês de fevereiro daquele exercício.
Não obstante a Administração tenha boas razões para fixar prazos para o interessado requerer a isenção do IPVA de veículo de sua propriedade ou posse, isso não basta. Para que os lógicos e justos fundamentos que a autoridade administrativa utiliza na motivação de seus atos sejam também jurídicos, os prazos para requerer concessão de isenção do imposto têm de estar previstos em lei, conforme determina a regra do caput do art. 176. do CTN. Somente com a fixação desses prazos por meio de lei haverá redução da quantidade de litígios sobre o termo inicial para fruição da isenção fixado pela autoridade administrativa, e segurança jurídica nas relações entre a Fazenda Pública do Estado e contribuintes interessados em requerer isenção do IPVA.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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______________________. Comentários ao Código Tributário Nacional (Vol. III). São Paulo: Atlas, 2005.