Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Indenização por abandono afetivo.

As consequências causadas pelo abandono afetivo e a possibilidade de indenização como forma de assegurar os direitos da criança e do adolescente

Exibindo página 4 de 5
Agenda 23/05/2012 às 18:31

4. ABANDONO AFETIVO

4.1 CONCEITO

Como já visto no início deste trabalho, ocorreram inúmeras mudanças no que tange a família.

Na história antiga, mais especificamente em Roma, o pai era a lei, a autoridade maior e tinha um poder quase que divino. Os filhos eram abandonados afetivamente pelo pai, sendo criados quase que exclusivamente pela figura materna, isso era algo considerado válido na forma da Lei.

Hoje, observada toda a evolução histórica, os homens têm uma maior participação afetiva na criação de sua prole, não representam o poder absoluto e tem o dever de acompanhar o desenvolvimento dos filhos. (PEREIRA, 2004, p. 385).

Ademais, a legislação atual veda qualquer distinção entre os filhos biológicos e advindos de outras circunstâncias, tais como, por adoção, fecundação artificial ou filhos concebidos fora de uma relação matrimonial. O pai que educa e sustenta não é necessariamente o biológico.

Neste norte Pereira sintetiza que:

[...] o pai, ou melhor, “um “ pai que exerça a função de representante da lei básica e primária, essencial para que todo ser possa harmonizar-se através da linguagem e tornar-se sujeito. Esse pai, insista-se, não é necessariamente o genitor, mas aquele que empresta o seu nome para interferir e interditar a simbiótica relação mãe-filho. (2004, p. 386)

Acerca da questão afetiva prestada pelos pais em relação aos filhos, surge hoje uma discussão acerca da indenização dos pais que abandonam afetivamente sua prole.

Hironaka conceitua o abandono afetivo como: “[...] omissão dos pais, ou de um deles, pelo menos relativamente ao dever de educação, entendido este na sua acepção mais ampla, permeado de afeto, carinho, atenção, desvelo [...]” (2006, p. 136)

Assim podemos perceber que a Constituição Federal reconhece que o afeto é o principal elemento que leva as pessoas a formarem uma família, não havendo espaço para as discriminações no que se refere a sexo ou origem, ao filho legitimo ou advindo de outras circunstâncias. (MARAFELLI, 2009)

Portanto, não há como negar que os filhos menores dependem emocionalmente de seus pais, pois são vulneráveis às instabilidades afetivas e emocionais ocorridas entre seus genitores, podendo sofrer abalos psíquicos irreparáveis no seu desenvolvimento. Aos pais, cabem, independentemente de terem ou não a guarda dos filhos, proporcionarem total assistência material e moral à sua prole. (MADALENO, 2006, p. 163)

Neste norte Silva, muito bem discorre em sua obra Guarda Compartilhada ao citar Pereira, o qual aduz:

[...] Sua função básica (do pai) estruturadora e estruturante do filho como sujeito, está passando por um momento histórico de transição, de difícil compreensão, onde os varões não assumem ou reconhecem para si o direito/dever de participar da formação, convivência afetiva e desenvolvimento de seus filhos. Por exemplo: o pai solteiro, ou separado, que só é pai nos fins de semana, ou nem isso; o pai, mesmo casado, que não tem tempo para seus filhos; o pai que não paga, ou boicota a pensão alimentícia e nem se preocupa ou deseja ocupar-se com isso; o pai que não reconhece seu filho e não lhe dá o seu sobrenome na certidão de nascimento. Enfim, a ausência do pai e dessa imagem paterna, em decorrência de um abandono material ou psíquico, tem gerado graves consequências na estruturação psíquica dos filhos e que repercute, obviamente, nas relações sociais (...). O mais grave é o abandono psíquico e afetivo, a não presença do pai no exercício de suas funções paternas, como aquele que representa a lei, o limite, segurança e proteção. (2006, p. 149)

Situações desse tipo podem causar na criança e no adolescente um sentimento de abandono, de desprezo daquele que eles aprenderam a amar, a respeitar, a confiar, desde muito pequenos, prejudicando dessa forma o seu desenvolvimento, a formação de sua índole. (CALDAS apud SILVA, 2006, p. 80)

Neste norte assevera Dias “[...] a falta de convívio dos pais com os filhos, em face do rompimento do elo de afetividade, pode gerar severas sequelas psicológicas e comprometer o desenvolvimento saudável da prole [...]”. (2007, p. 407).

É na família que a criança tem a primeira experiência de ser acolhida e amada, sem dar nada em troca, recebe carinho gratuitamente, sem condições prévias, desde que é concebida e nas diversas etapas do seu desenvolvimento. É neste instituo que ela sente o que é pertencer a pai e mãe, não como um objeto, mas como pessoa que tem direito ao respeito, ao diálogo a liberdade no contexto afetivo. (PETRINI, 2004, p. 57).

A família é o lugar da primeira socialização, desempenhando assim a função de socializar os seus membros, constituindo um ponto crucial para que o indivíduo possa conviver de forma digna na sociedade. (PETRINI, 2004, p. 58)

Dessa forma, a família é considerada a entidade tendente a promover o desenvolvimento da personalidade dos seus membros, fundada no afeto e na solidariedade.

Neste norte sintetiza Vilella:

[...] as relações de família, formais ou informais, indígenas ou exóticas, ontem como hoje, por muito complexas que se apresentem, nutrem-se, todas elas, de substâncias triviais e ilimitadamente disponíveis a quem delas queira tomar: afeto, perdão, solidariedade, paciência, devotamento, transigência, enfim, tudo aquilo que, de um modo ou de outro, possa ser reconduzido à arte e à virtude do viver em comum [...] a teoria e a prática das instituições de família dependem, em última análise, de nossa competência em dar e receber amor. (apud FARIAS, 2010, p. 84).

Portanto, o afeto caracteriza a família como uma entidade solidária e não consente que seus membros violem a natural confiança depositada no outro, garantindo assim a dignidade da pessoa humana, assegurada pela Constituição Federal. (FARIAS, 2010, p. 85).

Porém, sabe-se que muitas famílias não cumprem com o papel que lhe cabe na sociedade. A todo o momento podemos ver nos noticiários nacionais e internacionais o desprezo e abandono que muitos pais têm para com seus filhos.

Diante dessa realidade, os juristas trabalham cada vez mais na busca de impor de alguma forma que a família cumpra sua função, qual seja, a de educar, socializar, respeitar, amar entre muitas outras obrigações já expressa no presente trabalho.

Desta forma, a atenção dos juristas é voltada aos aspectos pessoais da pessoa humana, com a primordial importância que a família tem no desenvolvimento de sujeitos de direito, mais completos psiquicamente e melhor estruturados. (HIRONAKA, 2006, p. 131)

Assim, a família atual, com todas as mudanças que ocorrem no dia a dia, merecem cuidados harmônicos por parte de todas as autoridades, determinando os papéis que cada membro do grupo familiar deve ocupar.

Neste sentido Tependino sintetiza a respeito da função de cada membro da família:

[...] ganham destaque: a) a funcionalização das entidades familiares, que devem tender à realização da personalidade de seus membros, com especial destaque para a pessoa dos filhos; b) a despatrimonialização das relações estabelecidas entre os membros do casal conjugal, bem como as relações havidas entre os membros do casal parental e sua prole e c) a desvinculação entre os direitos atribuídos aos filhos da espécie de relação que, composta por seus pais, deram-lhe a origem, fazendo-o, simplesmente, ocupar o lugar de filho. (apud HIRONAKA, 2006, p. 132)

Tais elementos, conforme o autor,é de grande valia para a análise a respeito de indenizar ou não o pai que abandona afetivamente o filho, observando, independentemente da relação existente entre os genitores e da origem dos filhos, os direitos e os deveres que estão sendo violado. (HIRONAKA, p. 132, 2006)

Desta forma surge a dúvida se é cabível ou não a indenização por este abandono moral e se o valor pecuniário advindo de uma indenização devolve ao filho abandonado a convivência, o amor, a companhia, o afeto que ele deixou de ganhar por toda sua infância ou adolescência.

Os juristas vêm trazendo cada vez mais estudos sobre o tema, porém existem inúmeras divergências a respeito de indenizar ou não o filho abandonado.

4.2 DIVERGÊNCIAS

Acerca do tema, alvo do presente trabalho, surge duas posições distintas sobre a indenização por abandono afetivo. Os que se posicionam favoravelmente a indenização invocam as teses de que há a violação do Artigo 227 da Carta Magna, o qual elenca os deveres dos pais para com seus filhos e consequentemente o descumprimento dos artigos 3º, 4º 5º, 7º e 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Invocam também que pai/mãe comete ato ilícito ao descumprir com suas obrigações, alegando que tal atitude causa danos irreparáveis a criança e ao adolescente por estar em fase de desenvolvimento, além da função pedagógica, qual seja, a de alertar a sociedade de que condutas similares aquela do ofensor não serão aceitas pelo ordenamento jurídico (deixar de prestar assistência moral ao filho menor), desestimulando dessa forma condutas semelhantes.

Os que se posicionam desfavoravelmente a indenização por abandono afetivo, sustentam que afeto não é algo que possa ser imposto, ou que tenha um valor pecuniário e sim algo que nasce naturalmente, e que ao conceder uma indenização por abandono afetivo corre-se o risco de afastar ainda mais pai/mãe e filho.

Outros aduzem que o pai/mãe pode ser punido com a perda do poder familiar e que, portanto não cabe punição por abandono afetivo.

Há ainda, os que alegam que o simples fato de não cumprir com uma das obrigações impostas na legislação vigente não gera dano a outrem, tendo este que ser grave o suficiente para caracterizar o dano e consequentemente sua reparação através de uma indenização.

4.2.1 – Entendimentos Favoráveis a Possibilidade de Indenizar.

Baseados na Lei maior - Constituição Federal, a qual expressa os deveres dos pais para com seus filhos menores, mais especificamente no artigo 227 e na Lei 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente, os quais acolhem a doutrina da proteção integral. 

Muitos doutrinadores e juristas defendem a idéia de punir os pais que deixam de cumprir com suas obrigações, dentre elas, a falta de visita, a ausência do pai privando a criança e o adolescente de sua companhia, entre outros, através de uma possível ação de indenização por abandono afetivo, pois não se trata aqui da privação da criança com relação a alimentos, estes, já esta muito bem assegurados em nossas normas jurídicas, mas sim, do afeto, do carinho, do amor, que esta deixou de ganhar, sentindo-se de alguma forma abandonada pela pessoa que ela ama seu pai/mãe. (DIAS, 2007, p. 406).

Dias afirma que “a falta da figura do pai desestrutura os filhos, tira-lhes o rumo de sua vida e debilita-lhes a vontade de assumir um projeto de vida. Tornam-se pessoas inseguras, infelizes. (2007, p. 407)

Ainda aduz a autora:

A lei obriga e responsabiliza os pais no que toca aos cuidados com os filhos. A ausência desses cuidados, o abandono moral, viola a integridade psicofísica dos filhos, bem como o princípio da solidariedade familiar, valores protegidos constitucionalmente. Esse tipo de violação configura dano moral. Quem causa dano é obrigada a indenizar. A indenização deve ser em valor suficiente para cobrir as despesas necessárias, para que o filho possa amenizar as seqüelas psicológicas mediante tratamento terapêutico. (2007, p. 408).

Como já muito discutido, é através das experiências diárias que a criança e o adolescente formarão sua personalidade, não podendo ser o lar um ambiente que acarrete danos ao desenvolvimento psíquico do menor, mas sim um ambiente harmonioso.

É de suma importância que a criança e o adolescente cresçam na companhia dos pais, pois dessa forma o filho cresce mais feliz e completo.

Neste sentido a psicóloga e terapeuta familiar Seixas aduz:

O pai deve entrar no cotidiano do filho quando ele é bebê, pois, do contrário, ficará mais difícil fazer isso à medida que o pequeno cresce, explica. “Com a ausência dele nessa primeira fase da vida, a criança cria um vínculo muito forte com a mãe e, depois, pode ter dificuldade em aceitar a figura paterna, nessa altura praticamente um desconhecido para ela. (apud SILVA, 2006, p. 146)

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Ainda que o casal já não conviva no mesmo lar, aos pais, cabe a obrigação de respeitar o filho que um dia geraram juntos, pois estes não deixarão de serem filhos pelo simples fato de ter havido a dissolução da sociedade conjugal. Os filhos ficarão na guarda de um dos genitores, e ao outro compete o dever de continuar a conviver com sua prole, porém insista-se, isso muitas vezes não acontece.

Neste caso a separação surge como um campo fecundo para abandono afetivo do pai não guardião.

Assim muito bem sintetiza Madaleno sobre o tema:

[...] lembra que nesses casos há a possibilidade de reparação  de danos, quando a frustração das visitas decorre da rejeição afetiva do progenitor não convivente, causando sofrimento ao descendente que se sente diminuído e menosprezado por quem tinha a missão legal e moral de promover o seu sadio desenvolvimento psíquico, sem qualquer sombra de dúvida, que deve concorrer para com o ressarcimento financeiro pelo dano moral causado na estima do seu filho menor. (apud DILL, 2011)

A indenização por abandono afetivo pode desempenhar um importante papel pedagógico nas relações familiares, pois sendo esta reconhecida como um bem tutelável, havendo o seu descumprimento, deve sim gerar uma sanção ao ofensor. (DIAS, 2007, p. 409).

Neste vértice Hironaka leciona:

Assim, pode ser imputado ao não-guardião,por exemplo, a responsabilidade pelos danos oriundos de afastamento decorrente da despreocupação com a educação da prole, tendo em vista ou a sua própria posição falha na conformação do casal parental [...] (2006, p. 138)

É certo que um relacionamento mantido sob forma de recompensa pecuniária não é a forma mais apropriada de se estabelecer um vinculo afetivo, porém, ainda que o pai visite o filho apenas por medo de ser punido financeiramente é melhor e menos danoso do que gerar ao filho o sentimento de desprezo.

Neste norte discorre Dias

Claro que o relacionamento mantido sob pena de recompensa financeira não é a forma mais correta de se estabelecer um vínculo afetivo. Ainda assim, mesmo que o pai só visite o filho por medo de ser condenado a pagar uma indenização, isso é melhor do que gerar no filho o sentimento de abandono. Ora, se os pais não conseguem dimensionar a necessidade de amar e conviver com os filhos que não pediram para nascer, imperioso que a justiça imponha coactamente essa obrigação. (2007, p. 409)

Foi pensando em toda divergência que o polemico tema tem gerado que levou o senador Marcelo Crivella a criar o projeto de Lei nº. 700/2007, atualmente seguindo os tramites legais, o qual tem por finalidade solucionar o problema do desamor em relação a pais e filhos. O presente projeto se aprovado acarretará aos pais que abandonam afetivamente seus filhos menores a ser penalizados civil e penalmente.

A possível aprovação reformará alguns dispositivos da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, os quais passarão a vigorar nos seguintes termos:

Art. 1º O art. 4º da Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 2º e 3º, renumerado o atual parágrafo único como §1º:

"Art. 4º ..................................................................

§1º .......................................................................

§ 2º. Compete aos pais, além de zelar pelos direitos de que trata o art. 3º desta Lei, prestar aos filhos assistência moral, seja por convívio, seja por visitação periódica, que permitam o acompanhamento da formação psicológica, moral e social da pessoa

em desenvolvimento.

§ 3º. Para efeitos desta Lei, compreende-se por assistência moral devida aos filhos menores de dezoito anos:

I - a orientação quanto às principais escolhas e oportunidades profissionais, educacionais e culturais;

II - a solidariedade e apoio nos momentos de intenso sofrimento ou dificuldade;III - a presença física espontaneamente solicitada pela criança ou adolescente e possível de ser atendida. (NR)”

Art. 2º Os arts. 5º, 22, 24, 56, 58, 129 e 130 da Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, passam a vigorar com as seguintes alterações:"Art. 5º.  ...........................................................

Parágrafo único. Considera-se conduta ilícita, sujeita a reparação de danos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, a ação ou a omissão que ofenda direito fundamental de criança ou adolescente previsto nesta Lei, incluindo os casos de abandono moral. (NR)""Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda, convivência, assistência material e moral e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais (NR).""Art. 24. A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que aludem o art. 22. (NR)""Art. 56 ...........................................................

IV - negligência, abuso ou abandono na forma prevista nos arts. 4º e 5º desta Lei. (NR)”

"Art. 58. No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, morais, éticos, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura. (NR)""Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:..Parágrafo único. Na aplicação das medidas previstas nos incisos IX e X deste artigo, observar-se-á o disposto nos arts. 22, 23 e 24. (NR)""Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, negligência, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor ou responsável da moradia comum.

Art. 3º A Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 232-A:

"Art. 232-A. Deixar, sem justa causa, de prestar assistência moral ao filho menor de dezoito anos, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 4º desta Lei, prejudicando-lhe o desenvolvimento psicológico e social.Pena – detenção, de um a seis meses.”

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. (BRASIL, 2007)

Não se trata aqui em monetarizar o afeto, a convivência familiar, ou de dar preço ao amor, mas sim de lembrar aos pais que estes tem responsabilidades perante seus filhos. (MARAFELLI, 2009)

A reparação civil tem atribuído uma nova função, a função pedagógica e educativa, indo muito além de indenizar a vítima pelo dano sofrido, mas sim alertar a sociedade que condutas similares aquela do ofensor não serão aceitas pelo ordenamento jurídico, tendo como função principal a de desestimular condutas semelhantes. (MARAFELLI, 2009)

Porém sabe-se que para configurar a indenizar por abandono afetivo necessário se faz comprovar a existência da culpa e o nexo causal,além dos demais requisitos previstos na legislação vigente, dessa forma imprescindível provar que o genitor se ocultou a convivência com o filho, privando-o de sua companhia, seu amor, se negando a participar do seu desenvolvimento e sua personalidade de forma negligente e imprudente. (HIRONAKA, 2006, p. 143)

No que concerne ao nexo de causalidade ainda que se comprove a culpa do genitor tem-se que comprovar que o dano causado ao menor realmente foi da conduta omissiva ou comissiva de um dos genitores, configurando-se assim o ato ilícito, qual seja, o principal requisito para indenização, conforme preceitua artigo 186 e 927 do Código Civil. (HIRONAKA, 2006, p. 144).

Madaleno preceitua que:

Há negligencia do genitor que se omite injustificadamente em prover as necessidades físicas e emocionais de um filho menor, seja por espírito emulativo; aja por dar mais atenção a filhos de um novo relacionamento ou motivando a propiciar pesar e transtornos à antiga esposa ou companheira. (2006, p. 163)

Desse modo constitui-se o dano moral, o qual lesiona a personalidade da criança e do adolescente, afetando sua dignidade como pessoa humana, causando-lhe dor, sofrimento, humilhação, causando intensas interferências no seu comportamento psicológico, desta forma, resta configurado o ato ilícito e consequentemente o dever de indenizar do genitor. (MADALENO, 2006, p. 167)

Portanto, pode-se concluir que a presente corrente vai muito além de buscar a reparação com a indenização pecuniária, como muito bem aduz Madaleno “[...] a dilaceração da alma de um filho em fase de formação de sua personalidade, cujos pais se abstêm de todo e qualquer contato e deixam os seus filhos em total abandono emocional [...] ”, mas também para servir como forma de evitar que os pais abandonam seus filhos, não prestando a assistência moral aquele que se quer pediu para vir ao mundo. (DIAS, 2007, p. 409)

É controversa a questão na jurisprudência pátria, vez que alguns julgados se posicionam favoravelmente à concessão da indenização por abandono afetivo e outros contra.

Como já exposto, o fundamento para o reconhecimento da indenização se baseia no entendimento de que o pai/mãe, além da obrigação de prestar assistência material ao filho, deve dar-lhe amparo moral, e daí resulta o ato ilícito para fins de indenização.

O Ministro Barros Monteiro do Superior Tribunal de Justiça, em que pese ter sido voto vencido no Resp. 757.411/05, aduz que ao pai cabe, além da assistência material, prestar assistência moral à sua prole. Impende transcrever alguns pontos de seu entendimento:

O Tribunal  de Alçada  de Minas Gerais  condenou  o  réu a  pagar  44 mil reais por entender configurado nos autos o dano sofrido pelo autor em sua  dignidade,bem como por reconhecer a conduta ilícita do genitor ao deixar de cumprir seu dever familiar  de  convívio  e  afeto  com  o  filho,  deixando  assim  de  preservar  os  laços  da paternidade. Esses fatos são incontroversos. Penso que daí decorre uma conduta ilícita da parte do genitor que, ao lado do dever de assistência material, tem o dever de dar assistência  moral  ao  filho,  de  conviver  com  ele,  de  acompanhá-lo  e  de  dar-lhe  o necessário afeto. (BRASIL, 2005).

E ainda, sobre os requisitos necessários à configuração da responsabilidade versa o julgador:

Como se sabe, na norma do art. 159 do Código Civil de 1916, está subentendido o prejuízo de cunho moral, que agora está explícito no Código novo. Leio o art. 186:

"Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

Creio que é essa a hipótese dos autos. Haveria, sim, uma excludente de responsabilidade se o réu, no caso o progenitor, demonstrasse a ocorrência de força maior, o que me parece não ter sequer sido cogitado no acórdão recorrido. De maneira que, no caso, ocorreram a conduta ilícita, o dano e o nexo de causalidade. O dano resta evidenciado com o sofrimento, com a dor, com o abalo psíquico sofrido pelo autor durante todo esse tempo. (BRASIL, 2005)

Ademais, rebatendo o argumento que envolve a destituição do poder familiar, afirma o Ministro que:

Penso também, que a destituição do poder familiar, que é uma sanção do Direito de Família, não interfere na indenização por dano moral, ou seja, a indenização é devida além dessa outra sanção prevista não só no Estatuto o da Criança e do Adolescente, como também no Código Civil anterior e no atual. (BRASIL, 2005)

Um dos primeiros juristas favoráveis a indenização por abandono afetivo foi o magistrado Mario Romana Maggioni, da Comarca de Capão da Canoa/RS, que condenou o pai a pagar, a título de dano moral por abandonar afetivamente sua filha, uma indenização de 200 salários mínimos. O juiz evocou como razões de decidir, o seguinte argumento:

[...] aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos (art. 22, da lei nº 8.069/90). A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a presença do pai ajude no desenvolvimento da criança [...] a ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao filho recém nascido, ou em desenvolvimento, violam a sua honra e a sua imagem. Basta atentar para os jovens drogados e ver-se-á que grande parte deles derivam de pais que não lhes dedicam amor e carinho; assim também em relação aos criminosos. (apud MELO, 2011).

No mesmo sentido, o magistrado Luis Fernando Cirillo, lotado na 31ª Vara Cível de São Paulo, condenou nos autos de Processo nº 000.01.036747-0 o pai a pagar uma indenização de 190 salários mínimos a sua filha, por a ter abandonada afetivamente. Em síntese, afirmou o juiz que “a paternidade não gera apenas deveres de assistência material, e que além da guarda, portanto independentemente dela, existe um dever, a cargo do pai, de ter o filho em sua companhia”. (MELO, 2011).

Assegurou, ainda, que

[...] não se pode rejeitar a possibilidade de pagamento de indenização do dano decorrente da falta de afeto simplesmente pela consideração de que o verdadeiro afeto não tem preço, porque também não tem sentido sustenta que a vida de um ente querido, a honra e a imagem e a dignidade de um ser humano tenham preço, e nem por isso se nega o direito à obtenção de um benefício econômico em contraposição à ofensa praticada contra esses bens. (apud MELO, 2005).

Outro julgado que se faz mister destacar, é o proferido pela Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais (AC nº 408.550-5, de 01.04.2004), o qual traz em sua ementa as seguintes afirmações: 

INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE.

A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. (MINAS GERAIS, 2004)

Alguns trechos do voto do Desembargador merecem ser aqui conferidos:

A relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade possui fundamento naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar compensação indenizatória em face de danos que pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o que, por si só, é profundamente grave.

Esclareço, desde já, que a responsabilidade em comento deve cingir-se à civil e, sob este aspecto, deve decorrer dos laços familiares que matizam a relação paterno-filial, levando-se em consideração os conceitos da urgência da reparação do dano, da re-harmonização patrimonial da vítima, do interesse jurídico desta, sempre prevalente, mesmo à face de circunstâncias danosas oriundas de atos dos juridicamente inimputáveis.

No seio da família da contemporaneidade desenvolveu-se uma relação que se encontra deslocada para a afetividade. Nas concepções mais recentes de família, os pais de família têm certos deveres que independem do seu arbítrio, porque agora quem os determina é o Estado.

Assim, a família não deve mais ser entendida como uma relação de poder, ou de dominação, mas como uma relação afetiva, o que significa dar a devida atenção às necessidades manifestas pelos filhos em termos, justamente, de afeto e proteção.

Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência e não somente do sangue.

No estágio em que se encontram as relações familiares e o desenvolvimento científico, tende-se a encontrar a harmonização entre o direito de personalidade ao conhecimento da origem genética, até como necessidade de concretização do direito à saúde e prevenção de doenças, e o direito à relação de parentesco, fundado no princípio jurídico da afetividade.

O princípio da efetividade especializa, no campo das relações familiares, o macro-princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal), que preside todas as relações jurídicas e submete o ordenamento jurídico nacional.

No estágio atual, o equilíbrio do privado e do público pauta-se exatamente na garantia do pleno desenvolvimento da dignidade das pessoas humanas que integram a comunidade familiar.

No que respeita à dignidade da pessoa da criança, o artigo 227 da Constituição expressa essa concepção, ao estabelecer que é dever da família assegurar-lhe "com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária", além de colocá-la "à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". Não é um direito oponível apenas ao Estado, à sociedade ou a estranhos, mas a cada membro da própria família.

Assim, depreende-se que a responsabilidade não se pauta tão-somente no dever alimentar, mas se insere no dever de possibilitar o desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana.

No caso em comento, vê-se claramente, da cuidadosa análise dos autos, que o apelante foi, de fato, privado do convívio familiar com seu pai, ora apelado. [...]

Assim, ao meu entendimento, encontra-se configurado nos autos o dano sofrido pelo autor, em relação à sua dignidade, a conduta ilícita praticada pelo réu, ao deixar de cumprir seu dever familiar de convívio e educação, a fim de, através da afetividade, formar laço paternal com seu filho, e o nexo causal entre ambos.

Desta forma, fixo a indenização por danos morais [...].

Com base em tais considerações, dou provimento ao recurso, para julgar procedente o pedido inicial, modificando a r. decisão ora objurgada.(MINAS GERAIS, 2004)

Por fim, imprescindível mencionar que o Superior Tribunal de Justiça, em decisão datada em 24.04.2012 no REsp 1159242/SP, concedeu a indenização por abandono afetivo a uma jovem por ter sofrido abandono material e afetivo durante sua infância e juventude.

A ementa do acórdão vem assim transcrita:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.

1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.

2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.

3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.

4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.

5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes - por demandarem revolvimento de matéria fática - não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial.

6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.

7. Recurso especial parcialmente provido. (BRASIL, 2012).

Alguns trechos da decisão da Ministra relatora Nancy Andrighi merecem ser aqui colacionadas:

Vê-se hoje nas normas constitucionais a máxima amplitude possível e, em paralelo, a cristalização do entendimento, no âmbito científico, do que já era empiricamente percebido: o cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente; ganha o debate  contornos mais técnicos, pois não se discute mais  a  mensuração  do  intangível  –  o  amor  –  mas,  sim,  a  verificação  do cumprimento, descumprimento, ou parcial  cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar.

Negar ao cuidado o status de obrigação legal importa na vulneração da membrana constitucional de proteção ao menor e adolescente, cristalizada, na parte  final  do  dispositivo  citado:  “(...)  além  de  colocá-los  a  salvo  de  toda  a forma de negligência (...)”.

Alçando-se,  no  entanto,  o  cuidado  à  categoria  de  obrigação  legal supera-se  o  grande  empeço  sempre  declinado  quando  se  discute  o  abandono afetivo – a impossibilidade de se obrigar a amar. 

Aqui  não  se  fala  ou  se  discute  o  amar  e,  sim,  a  imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos.

O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se,  pela sua subjetividade  e  impossibilidade  de  precisa  materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião.

O  cuidado,  distintamente,  é  tisnado  por  elementos  objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento,  que  exsurge  da  avaliação  de  ações  concretas:  presença;  contatos, mesmo  que  não  presenciais;  ações  voluntárias  em favor  da  prole;  comparações entre  o  tratamento  dado  aos  demais  filhos  –  quando  existirem  –,  entre  outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes.

Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever.

A  comprovação  que  essa  imposição  legal foi  descumprida  implica. por certo, a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão, pois na hipótese o  non  facere que  atinge  um  bem  juridicamente  tutelado,  leia-se,  o  necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal. (BRASIL, 2012).

Desta feita, percebe-se que são alguns os entendimentos nas cortes brasileiras que reconhecem a indenização por abandono afetivo.

4.2.2 – Entendimentos Desfavoráveis a Possibilidade de Indenizar.

Há versões doutrinárias e jurisprudenciais que vão de encontro com a indenização por abandono afetivo, pois acreditam que o fato de o filho buscar no âmbito judicial uma condenação pecuniária ao pai/mãe que lhe negou afeto, possa afastá-los ainda mais, gerando revolta e repulsa e, portanto, de nada adiantaria a indenização para devolver o amor. (MADALENO, 2006, p. 164).

Neste sentido sintetiza o Desembargador Saul Steil, na Apelação Cível nº. 2009.011649-6 do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina:

Por certo um litígio entre as partes reduziria drasticamente a esperança do filho de se ver acolhido, ainda que tardiamente, pelo amor paterno. O deferimento do pedido, não atenderia, ainda, o objetivo de reparação financeira, porquanto o amparo nesse sentido já é providenciado com a pensão alimentícia, nem mesmo alcançaria efeito punitivo ou dissuasório, porquanto já obtidos com outros meios previstos na legislação civil [...] (SANTA CATARINA, 2011)

Outros entendem que a indenização só deve ocorrer se ficar caracterizado o ato ilícito, conforme previsto na legislação vigente.

Neste sentido:

[...] a responsabilidade civil no seio familiar estaria associada, necessariamente, ao conceito geral de ilicitude, não havendo dever de indenizar sem a caracterização da cláusula geral de ilicitude (arts. 186 e 187, CC) (FARIAS; RESENVALD, 2010, p. 88).

Outro não é o entendimento jurisprudencial, extraindo-se do julgamento da apelação civil nº. 70036776078 do Estado do Rio Grande do Sul que:

[...] não bastam condutas (ação ou omissão) que podem levar à responsabilização do seu autor. Ou seja, a ausência de afeto ou abandono emocional do pai para com o filho não gera, por si só, o dever de indenizar. Há que restar demonstrado o dano (ou grau de dano) que sofre ou sofreu a criança ou o adolescente em razão dessa omissão dos pais. É o nexo causal. (RIO GRANDE DO SUL, 2011)

E ainda extrai-se da Apelação Cível nº 20050610110755 do Distrito Federal:

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO AFETIVO POR PARTE DO GENITOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE.1. "A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL PRESSUPÕE A PRÁTICA DE ATO ILÍCITO, NÃO RENDENDO ENSEJO À APLICABILIDADE DA NORMA DO ART. 159 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 O ABANDONO AFETIVO, INCAPAZ DE REPARAÇÃO PECUNIÁRIA... (RESP 757411 / MG, 4ª TURMA, RELATOR MINISTRO FERNANDO GONÇALVES, DJ 27.03.2006 P. 299)". 2. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. (DISTRITO FEDERAL, 2008)

O afeto, pois, não é um sentimento que pode ser dado um preço. Ninguém pode dar ao outro um amor que não sente, e torna-se pior se compelido a demonstrar através de uma imposição judicial e condenação pecuniária.

O amor nasce naturalmente, com o convívio diário, não é algo que se sente do dia para a noite, não sendo viável penalizar alguém pelo fato de não senti-lo.

Justamente por isso não cabe a indenização pela violação do afeto, apenas se esta conduta ficar caracterizada como ilícita ou se realmente tiver gerado um dano grave a pessoa do filho, pois, insista-se, não se pode dar um valor pecuniário ao afeto. (FARIAS, 2010, p. 89)

Carinho, amor são valores espirituais, dedicados ao outro por vontade própria e não por uma imposição jurídica. Adotar esta indenização seria dar preço aos sentimentos pessoais e ao amor, tanto entre pais e filhos como por qualquer outro ser. (FARIAS; RESENVALD, 2010, p. 89)

Além do mais, mister ponderar que a penalização do pai/mãe que abandona afetivamente seu filho já encontra-se amparada no âmbito do direito de família através da perda do poder familiar. Determinado argumento confronta a posição de que a indenização por abandono moral teria como finalidade a punição do pai/mãe uma vez que mais cabível seria a punição através da destituição do poder familiar

Acerca dos julgados que defendem esse posicionamento, é forte o entendimento de que não será devido a indenização por abandono afetivo haja vista a não configuração do ato ilícito para ensejar a indenização, a impossibilidade de condenação pela ausência de amor, bem como o fato de já haver punição para o pai que abandona afetivamente seu filho, qual seja, a perda do poder familiar.

O Ministro Fernando Gonçalves ao expressar seu voto no Resp 757411/05, elucida os pontos desfavoráveis acerca da indenização por abandono afetivo, valendo transcrever a maior parcela de seu julgamento:

A matéria é polêmica e alcançar-se uma solução não prescinde do enfrentamento de um dos problemas mais instigantes da responsabilidade civil, qual seja, determinar quais danos  extrapatrimoniais,  dentre  aqueles  que ocorrem ordinariamente,  são  passíveis  de  reparação  pecuniária.  Isso  porque  a noção do que seja dano se altera com a dinâmica social, sendo ampliado a cada dia o conjunto dos eventos cuja  repercussão é tirada daquilo que se considera inerente  à  existência  humana  e  transferida  ao  autor  do  fato.  Assim  situações anteriormente  tidas  como  "fatos  da  vida",  hoje  são  tratadas  como  danos  que merecem  a  atenção  do  Poder  Judiciário,  a  exemplo  do  dano  à  imagem  e  à intimidade da pessoa. [...].

No caso de abandono ou do descumprimento injustificado do dever de sustento, guarda e educação dos filhos, porém, a legislação prevê com punição a perda do poder familiar, antigo pátrio-poder, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 24, quanto no Código Civil, art. 1638, inciso II.

Assim, o ordenamento jurídico, com a determinação da perda do poder familiar a  mais  grave  pena  civil  a  ser  imputada  a  um  pai,  já  se  encarrega  da  função punitiva  e,  principalmente,  dissuasória,  mostrando  eficientemente  aos indivíduos que o Direito e a sociedade não se compadecem com a conduta do abandono,  com  o  que  cai  por  terra  a  justificativa  mais  pungente  dos  que defendem a indenização pelo abandono moral.

Por outro lado, é preciso levar em conta que, muitas vezes, aquele que fica com a guarda isolada da criança transfere a ela os sentimentos de ódio e  vingança  nutridos contra  o ex-companheiro,  sem  olvidar ainda a  questão  de que  a  indenização  pode  não  atender  exatamente  o  sofrimento  do  menor,  mas também  a  ambição  financeira  daquele  que  foi  preterido  no  relacionamento amoroso.

No  caso  em  análise,  o  magistrado  de  primeira  instância  alerta, verbis :

"De  sua  vez, indica  o estudo  social  o sentimento  de indignação  do autor  ante  o  tentame  paterno  de  redução  do  pensionamento alimentício,  estando  a refletir,  tal quadro  circunstancial,  propósito pecuniário  incompatível  às  motivações  psíquicas  noticiadas  na Inicial  (fls. 74) [...]

Tais  elementos  fático-probatórios  conduzem  à  ilação  pela  qual  o tormento  experimentado  pelo  autor  tem  por  nascedouro  e vertedouro  o  traumático  processo  de  separação  judicial vivenciado  por  seus  pais,  inscrevendo-se  o sentimento  de  angústia dentre  os  consectários  de  tal  embate  emocional,  donde  inviável inculpar-se  exclusivamente  o  réu  por  todas  as  idiossincrasias pessoais  supervenientes  ao crepúsculo  da paixão."  (fls. 83) [...]

Nesse  contexto,  inexistindo  a  possibilidade  de  reparação  a  que alude o art. 159 do Código Civil de 1916, não há como reconhecer o abandono afetivo como dano passível de indenização.

Diante do exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento para afastar a possibilidade de indenização nos casos de abandono moral. (BRASIL, 2005)

Seguindo a mesma linha de raciocínio, expõe o Juiz Saul Steil na Apelação Cível nº 2009.011649-6, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que “nem tudo pode ser resolvido pela solução simplista da indenização, pois afeto não tem preço, e valor econômico nenhum poderá restituir o valor de um abraço, de um beijo [...]”. (SANTA CATARINA, 2011)

Assegura ainda o julgador que não é “[...] possível compelir uma pessoa a amar a outra. A convivência familiar somente é possível quando existe amor. E amor não pode ser imposto, nem entre os genitores, nem entre pais e filhos [...]”. (SANTA CATARINA, 2011)

Outros também são os julgados que versam sobre a impossibilidade da concessão de indenização por abandono moral, dentre os quais a Apelação Cível nº 70032449662 da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

ALIMENTOS. FILHO MAIOR E CAPAZ. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ABALO EMOCIONAL PELA AUSÊNCIA DO PAI. 1. Sendo o filho maior, capaz, apto ao trabalho e com receita própria, com plenas condições de prover seu próprio sustento, descabe impor ao genitor encargo alimentar ou mesmo a obrigação de custear-lhe os estudos ou visando, ainda, o pagamento de prestações pretéritas da sua faculdade. 2. O pedido de reparação por dano moral no Direito de Família exige a apuração criteriosa dos fatos e o mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui situação capaz de gerar dano moral, nem implica ofensa ao (já vulgarizado) princípio da dignidade da pessoa humana, sendo mero fato da vida. 3. Embora se viva num mundo materialista, nem tudo pode ser resolvido pela solução simplista da indenização, pois afeto não tem preço, e valor econômico nenhum poderá restituir o valor de um abraço, de um beijo, enfim de um vínculo amoroso saudável entre pai e filho, sendo essa perda experimentada tanto por um quanto pelo outro. Recurso desprovido. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (RIO GRANDE DO SUL, 2010).

No mesmo sentido dispõe a Apelação Cível nº. 2010.023344-2 da Segunda Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALEGADO ABANDONO AFETIVO DO FILHO PELO PAI. QUADRO NÃO CARACTERIZADO. INDENIZAÇÃO INCABÍVEL. RECLAMO CONHECIDO E DESPROVIDO. É imprescindível ter cautela e reflexão ao analisar um pedido de indenização por danos morais por abandono afetivo de pai ao filho, pois constitui dever do Poder Judiciário tentar, de todas as formas, preservar a relação familiar entre pai e filho e, em caso de estar ela abalada, evitar o agravamento ou o fosso que separa genitor e gerado. Assim, uma eventual condenação à indenização por danos morais poderia afastar definitivamente o pai do filho, acarretando prejuízo de relevante monta para o convívio futuro das partes ¿ ou pela falta deste. Ademais, não se pode incentivar o nexo direto entre as relações afetivas e a sua patrimonialização, pelo simples fato de que as primeiras são muito mais valiosas e não merecem ser reduzidas a um valor meramente pecuniário, principalmente quando se vislumbram traços de ânimo de caráter vingativo, ou de represália. (SANTA CATARINA, 2010)

E ainda a Apelação Cível nº. 1.0499.07.006379-1/0021 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

A questão trazida à baila de indenização por danos morais em razão da ausência afetiva do pai em relação a seu filho traz consigo o choque de dois conflitos: de um lado a liberdade do pai, de outro, a solidariedade familiar e a integridade psíquica do filho, inerentes da dignidade da pessoa humana.

De sorte que a liberdade do pai, referida acima, divide-se em duas subespécies: a) uma de caráter objetivo, que engloba os direitos e deveres paternais, dos quais não se pode eximir sob pena de, no campo material, sofrer ação de alimentos, e no, extrapatrimonial, ser destituído do pátrio poder; b) outra de caráter subjetivo, que consiste na liberdade afetiva, isto é, no desejo inconsciente de dar afeto ao filho.

Ora, em razão do enorme caráter subjetivo da liberdade afetiva paternal, a meu ver, ela não pode ser imposta, exigida ou obrigada, não se tratando, portanto, de dever, mas sim de uma opção, até mesmo inconsciente, do pai de sentir ou não carinho por seu filho, e, assim, lhe dar afeto. (MINAS GERAIS, 2008)

Percebe-se, pois, a grande divergência existente acerca da matéria de indenização por abandono afetivo, havendo diversos pontos atualmente entre os que defendem a indenização e os que não a aceitam.

Portanto, cabe ao Poder Judiciário, ao ser acionado, a análise de cada caso, verificando se estão presentes os pressupostos necessários à configuração da indenização, observando ainda todos os argumentos que abrangem o tema abordado neste trabalho, seja ele favorável ou contra a concessão da indenização por abando moral.

Sobre a autora
Alliny Pamella Venancio

Bacharela em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VENANCIO, Alliny Pamella. Indenização por abandono afetivo.: As consequências causadas pelo abandono afetivo e a possibilidade de indenização como forma de assegurar os direitos da criança e do adolescente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3248, 23 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21837. Acesso em: 23 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!