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Indenização por abandono afetivo.

As consequências causadas pelo abandono afetivo e a possibilidade de indenização como forma de assegurar os direitos da criança e do adolescente

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23/05/2012 às 18:31
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Diante da polêmica possibilidade de condenação ao pagamento de indenização por abandono afetivo dos filhos, analisam-se os argumentos favoráveis e desfavoráveis.

Resumo: O presente trabalho visa abordar um tema atual, a indenização por abandono afetivo, o qual disporá sobre as divergências acerca de indenizar ou não o filho abandonado moralmente pelo pai/mãe. Para melhor compreensão do assunto selecionado conceitua-se o instituto da família no sistema jurídico atual, analisando os princípios inerentes ao convívio familiar, bem como há o estudo do poder familiar e da responsabilidade civil. É neste contexto que se busca a compreensão do tema, discorrendo sobre o que ele representa atualmente. Para tanto, utilizou-se do método dedutivo, com pesquisa bibliográfica e documental, isso com escopo de verificar a viabilidade da indenização por abandono moral.

Palavras-chave: Família. Direito de Família. Princípios inerentes ao Convívio Familiar. Princípio da Afetividade. Responsabilidade Civil. Abandono Afetivo. Divergências.


1 FAMÍLIA: SUA ACEPÇÃO HISTÓRICA E SEU CONCEITO NO ORDENAMENTO JURÍDICO VIGENTE

1.1 HISTÓRICO

A expressão família traz em seu bojo uma acepção muito vasta, isto porque ao longo do tempo foram diversas as estruturas e conceituações que compunham a família, sendo mister realizar-se um apanhado histórico sobre a matéria.

[...] não se inicia qualquer locução a respeito de família se não se lembrar, a priori, que ela é uma entidade histórica, ancestral como a história, interligada com os rumos e desvios da história ela mesma, mutável na exata medida em que mudam as estruturas e a própria arquitetura da história através dos tempos. Sabe-se enfim, que a família é, por assim dizer, a história, e que a história da família se confunde com a história da própria humanidade. (HIRONAKA apud SILVA, 2006, p. 69-).

No princípio, mais especificamente na era dos primatas, os homo sapiens, historicamente assim conhecidos, viviam em bosques, mais precisamente na selva, isso explica porque continuaram a existir em meio as grandes feras selvagens. Alimentavam-se de raízes, nozes e o que a natureza poderia lhes oferecer. (MARCASSA, [ 2011?]).

Desta feita, surgiram também os primeiros sinais da linguagem, nenhum dos povos conhecidos no período histórico estava nessa fase primitiva de evolução e nenhum outro ser vivo teve tão grande evolução quanto à espécie humana. É neste período da evolução que o homem sentiu a necessidade de expandir sua espécie. (MARCASSA, [2011?]).

No início, viviam em completa promiscuidade, praticavam relações sexuais com entes de sua própria família, tendo assim descendentes de seu mesmo tronco, e acredita-se que foi assim por milhares de anos (MARCASSA, [2011?]).

Assim preceitua Rizzardo:

[...] Na fase primitiva, era o instituto que comandava os relacionamentos, aproximando-se o homem e a mulher para o acasalamento, à semelhança de espécies irracionais. Há quem fale em um promiscuidade primitiva, quando não ocorriam as uniões reservadas. (2006, p. 10).

No mesmo sentido Friedrich Engels, em sua obra sobre a origem da família, leciona que “[...] no estado primitivo das civilizações o grupo familiar não se assentava em relações individuais. As relações sexuais ocorriam entre todos os membros que integravam a tribo (endogamia) [...]”. (ENGELS apud VENOSA, 2005, p. 19).

Não se sabe ao certo quando o encesto deixou de ser praticado entre eles, porém, com a trajetória evolutiva, o encesto tornou-se proibido, fazendo com que o homem buscasse fora do seio familiar uma fêmea para reproduzir-se. (VENOSA, 2005, p.19)

Isso fez com que o homem dividisse suas tribos em agrupamentos menores, seguindo as regras que ali se estabeleciam, inclusive quem podia e quem não podia manter relações sexuais.

Segundo os antropólogos, acredita-se que cada tribo tinha um símbolo que as diferenciavam umas das outras, fazendo com que os indivíduos que pertenciam a um determinado grupo não podiam copular uns com os outros.

Com o passar do tempo, o homem foi sentindo a necessidade de criar normas para viver harmoniosamente dentro de sua tribo. Cada tribo criava suas regras conforme suas necessidades, as normas eram ditadas pelo costume de cada divisão de povo.

A monogamia desempenhou um papel fundamental na aplicação dessas normas, pois ensejou o exercício do poder familiar. (VENOSA, 2005, p.19)

Porém, sobre a era primitiva, pode-se afirmar poucas coisas e nada com grandes certezas sobre a família e os direitos ali estabelecidos. Pouco se consegue avançar pela trilha da certeza científica sobre a sua origem, porque nunca houve uma forma única de família.

Com a trajetória evolutiva, não existe mais a possibilidade de o homem continuar vivendo em uma sociedade sem normas, onde cada grupo cria a sua própria regra através do costume de cada “tribo”, sendo que ele sente a necessidade de colocar no papel os direitos.

Em que pese toda a evolução sofrida, e mesmo a relação de homem e mulher ter se tornado monogâmico através do casamento, na Babilônia, ainda existia a Endogamia, podendo o homem ter mais de uma esposa caso a primeira mulher não pudesse conceber filhos ou em caso de doença grave, pois a maior finalidade do casamento era a procriação da espécie, conforme podemos afirmar nos dizeres de Venosa:

Na Babilônia, por exemplo, a família fundava-se no casamento monogâmico, mas o direito, sob influencia semítica, autorizava esposas secundarias. O marido podia, por exemplo, procurar uma segunda esposa, se a primeira não pudesse conceber um filho ou em caso de doença grave. Naquela época histórica, a procriação surge como a finalidade principal do casamento. (2005, p. 20).

Noutro norte, no tocante a evolução da concepção de família, sabe-se que a família romana e canônica influenciaram em muito a acepção que atualmente é utilizada no Direito Brasileiro, pelo que passa-se a dar ênfase a estrutura das famílias desses povos. (WALD, 2002, p. 09).

Dito isto, sabe-se que no Direito Romano, independentemente de consanguinidade, o ascendente comum vivo mais velho é quem exercia o pátrio poder (ou pátria potestas) no conjunto de indivíduos que compunham a entidade familiar. (WALD, 2002, p. 09).

Para o povo romano, considerava-se que a família era uma unidade econômica, religiosa, política e jurisdicional. (WALD, 2002, p. 09).

Econômica porque o trabalho acontecia dentro da própria entidade familiar. Cada entidade produzia o que necessitava para sobreviver, como roupas, comidas e móveis. Dentro da família era fornecida a educação dos pequenos e a preparação do filho primogênito para a vida pública, valendo ressaltar que não havia escolas ou universidades. (COULANGES, 1961).

A família abrangia o conjunto de patrimônio e a totalidade dos escravos pertencentes ao pater.

Religiosamente, cada família tinha seu próprio núcleo, adorando seus próprios deuses, sendo o pater o sacerdote dos rituais religiosos. (VENOSA, 2005, p.20).

Coulanges, em sua obra “A cidade antiga”, muito bem discorre sobre a importância da religião no direito romano:

O que une os membros da família antiga é algo mais poderoso que o nascimento, que o sentimento, que a força física: é a religião do fogo sagrado e dos antepassados. Essa religião faz com que a família forme um só corpo nesta e na outra vida. A família antiga é mais uma associação religioso que uma associação natural. Assim, veremos mais adiante que a mulher será realmente levada em conta quando for iniciada no culto, com a cerimônia sagrada do casamento; o filho não será mais considerado pela família se renunciar ao culto, ou for emancipado; o filho adotivo, pelo contrário, será considerado filho verdadeiro, porque, se não possui vínculos de sangue, tem algo melhor, que é a comunhão do culto; o legatário que se negar a adotar o culto dessa família não terá direito à sucessão; enfim, o parentesco e o direito à herança serão regulamentados, não pelo nascimento, mas pelos direitos de participação no culto, de acordo com que a religião estabeleceu. Sem dúvida, não foi a religião que criou a família, mas foi certamente a religião que lhe deu regras, resultando daí que a família antiga recebeu uma constituição muito diferente da que teria tido se houvesse sido constituída baseando-se apenas nos sentimentos naturais.  (1961, p. 58 - 59).

Tocante ao caráter político tem-se que a família romana, como já mencionada, era regida pela figura masculina, chefiada pelo pai (chamado de pater famílias), sendo que o afeto natural podia até existir, mas não era o elo entre os seus membros. (VENOSA, 2005, p. 20).

O princípio da família não é mais o afeto natural, porque o direito grego e o direito romano não dão importância alguma a esse sentimento. Ele pode existir no fundo dos corações, mas nada representa em direito. O pai pode amar a filha, mas não pode largar-lhe os bens. As leis da sucessão, isto é, as que entre todas as outras atestam mais fielmente as idéias que os homens tinham da família, estão em contradição flagrante, quer com a ordem de nascimento, que com o afeto natural entre os membros de uma família. (COULANGES, 1961, p. 57).

Neste norte, mister enfatizar que o pater podia ter o mais profundo sentimento por seus filhos, mas a ligação maior era o culto familiar, este era mais importante que os próprios laços consanguíneos. (VENOSA, 2005, p. 20).

Por fim, era considerada como entidade jurisdicional porque o pater famílias era quem detinha todo o poder sobre seu grupo familiar, quem ditava as normas. Todos que compunham a família, ou seja, a esposa, a concubina, os filhos, as irmãs solteiras, a mãe do pater ou seus escravos, estavam sob seu domínio. Ressalta-se que os demais integrantes da entidade não tinham bens patrimoniais e podiam ser vendidos se assim o pater desejasse. (VENOSA, 2007, p.30).

Rizzardo cita a respeito do tema:

No Direito romano, o termo exprimia a reunião de pessoas colocadas sob o poder familiar ou o mando de um único chefe – pater famílias - , que era o chefe sob cuja as ordens se encontravam os descendentes e a mulher era considerada em condição análoga a uma filha. Submetiam-se a ele todos os integrantes daquele organismo social: mulher, filhos, netos, bisnetos e respectivos bens.(2006, p. 12)

Da mesma forma era a família Grega, onde o ancestral mais velho era o chefe de toda família investido de poder absoluto, dispondo das pessoas e dos bens.

No que tange a figura feminina no direito romano, tem-se que ela possuía um papel de subordinação. Primeiramente, em sua infância e puberdade, a mulher vivia subordinada ao pai, e após o casamento ao marido.

Venosa acrescenta:

A mulher romana apenas participava do culto do pai ou do marido, porque a descendência era fixada pela linha masculina. Durante a infância e a puberdade, era subordinada ao pai; após o casamento, ao marido. O pai tinha o direito de lhe designar um tutor ou marido para após sua morte. A viúva subordinava-se aos filhos, e na ausência destes, aos parentes próximos do marido falecido. (2005, p. 41).

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Como podemos ver a figura da mulher não tinha importância, esta servia apenas para procriar, cuidar da casa, dos filhos e viver toda a sua vida servindo ao marido.

Já no Direito Canônico, que teve vigência durante a Idade Média, uma das características da família era a indissolubilidade do matrimônio, tido, até então, como um sacramento firmado por Deus, e, por isso mesmo indissolúvel. (WALD, 2002, p. 12).

Nesta etapa evolutiva, ante a indissolubilidade do matrimônio, foi criado um sistema de impedimentos para a realização do casamento, o qual se dividia em nulidade ou anulabilidade. O primeiro se refere a impedimentos absolutos, ao passo que o segundo diz respeito a impedimentos relativos. Segundo Wald, “[...] a igreja se limitou a exigir para a validade do casamento o consenso dos nubentes e as relações sexuais voluntárias, relegando para um plano secundário o consentimento paterno [...]”. (2002, p. 12).

Complementa ainda o doutrinador:

Coube ao direito canônico destacar a importância das relações sexuais no casamento, só permitindo que a mulher recebesse o pretium virginitatis após ter tido relações sexuais com o marido. Assim, o casamento se realizava pelo consenso, declarando as partes a sua vontade, normalmente em público e na presença de sacerdote, tornando-se perfeito com a cópula carnal. Distingui-se, pois, entre o conjugium initiatium (consenso) e o ratum (cópula carnal), adimitindo-se a dissolução do primeiro, mas não a do segundo. (2002, p. 14).

Tem-se, pois, como caracterização deste período, a valorização da família constituída pelo casamento, vez que, como já mencionado, o cristianismo negava a instituição do divórcio e à realização de um segundo casamento, exceto no caso de falecimento de um dos cônjuges ou da existência do adultério. (LISBOA, 2004, p. 34).

Já no Direito Moderno e contemporâneo, mais especificamente no século XVI, a igreja católica deixa de ser a única representante dos preceitos cristãos, tendo em vista a reforma protestante ocorrida nesta época. Com significantes modificações ocorridas no “Concílio de Trento”[1], altera-se, em partes, a acepção da família. (SIQUEIRA, 2010). 

Desta feita, tem-se que para os cristãos a Igreja era a competente por disciplinar o casamento, ao passo que para os frequentadores de outra religião era o Estado o competente pela regulamentação dos atos núpcias. (SIQUEIRA, 2010).

Na idade moderna, percebeu-se a substituição do sistema feudal por idéias de Estado Nacional, retirando da família algumas funções, dentre elas a de defesa e assistência, vez que os indivíduos que compunham a sociedade podiam ser amparados pelo Estado, ao invés de recorrer a autotutela. (SIQUEIRA, 2010).

Seguindo o linear histórico, a Revolução Industrial foi também um marco importante na concepção da família, isso porque ela introduziu as famílias dentro das fábricas, modificando-a no que tange a atuação do chefe familiar, que passa a não ter mais o comando da entidade. (SIQUEIRA, 2010).

Noutro turno, a Revolução Francesa, com seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, rompeu com muitos dogmas tidos até então como absolutos, permitindo a existência de novos modelos de família. (SIQUEIRA, 2010).

Já no Direito Brasileiro, a evolução da família teve seus laços interligados, no início, com o Direito Português, isso porque em 1595 foi determinada a observância tanto em Portugal quanto no Brasil das Ordenações Filipinas, tendo Felipe II ratificado as disposições contidas no Sagrado Concílio de Tridentino, que diminuiu os prestígios eclesiásticos. (WALD, 2002, p. 17).

Em seu artigo 46, §§ 1º e 2º, as Ordenações Filipinas previam modalidades de casamentos distintas, quais sejam: a) por palavra de presente à porta da Igreja ou por licença do prelado fora dela, havendo cópula carnal (art. 46, §1º) e; b) aquele em que os cônjuges são tidos em pública voz e fama de marido e mulher por tanto tempo que, segundo direito, baste para presumir matrimônio entre eles, posto se não provem as palavras de presente. (WALD, 2002, p. 18).

As Ordenações Filipinas mantiveram, ainda, em suas disposições a indissolubilidade do vínculo conjugal, distinguindo o casamento entre “meramente consensual e o consumado em que houvera relações carnais”. Na primeira modalidade, se o casamento não fosse seguido de relações sexuais entre os cônjuges, era admitido a anulação em casos especiais. (WALD, 2002, p. 18).

Diversos outros direitos foram impostos pelas Ordenações Filipinas, dentre os quais: a) O regime de bens denominado carta metade (comunhão universal de bens), quando silenciada as partes; b) no contrato antenupcial, os cônjuges podiam fazer determinadas doações, com exceção da doação marital; c) necessidade de outorga uxória para venda de bens imóveis, qualquer que fosse o regime de bens, sob pena de nulidade. (WALD, 2002, p. 18-19).

Ademais, no que concernem as legislações brasileiras que versam sobre esse ramo do direito, tem-se que a Lei de 20 de outubro de 1823 ratificou e manteve em vigor a legislação portuguesa (Ordenações Filipinas, leis, regimentos, decretos e resoluções) até que não fosse criado um novo ordenamento brasileiro ou tais disposições não fossem revogadas. (WALD, 2002, p. 18-19).

Tem-se também o Decreto de 03 de novembro de1827 que declarou a observância do Concílio de Tridentino e a Constituição do Arcebispado da Bahia, determinando que “[...] os párocos recebessem em face da igreja os noivos, quando lhes requererem, sendo ambos do mesmo bispado ou ao menos um deles seu paroquiano e não havendo entre eles impedimentos [...]”. (WALD, 2002, p. 19).

Outrossim, a Consolidação das Leis Civis de Teixeira de Freitas também manteve os entendimentos realizados no Concílio Tridentindo, Wald, muito bem pontua as disposições contidas neste dispositivo:

A Consolidação das Leis Civis de Teixeira de Freitas se refere ao Concílio Tridentino (art. 95), punindo os casamentos clandestinos (art. 98) e determinando que a prova dos casamentos se faça pelas certidões extraídas dos Livros Eclesiásticos (art. 99), por outro qualquer instrumento público ou por testemunhas que reconheçam “que os cônjuges estiveram em casa teúda e manteúda, e em pública voz e fama de marido e mulher para tanto tempo quanto baste para presumir-se o matrimônio entre eles” (art. 10). O regime de bens continua sendo o da comunhão universal (art. 111), não se permitindo que o marido possa alienar bens de raiz ou direitos equiparados aos bens de raiz sem outorga uxória, qualquer que seja o regime de bens (Art. 119). As questões de divórcio, nulidade de casamentos e separação continuam da competência exclusiva do juízo eclesiástico (art. 158). (2002, p. 19-20).

Somente em 1861 a igreja perde força no que tange ao poder de disciplinar acerca dos direitos matrimoniais, isso porque a Lei nº 1.144 de 1861, reconhece os efeitos civis do casamento religioso realizado por outra religião diferente da católica, tendo o Decreto nº 3.069 de 1863 permitido outras formas de cerimônias de casamento diferente das que a igreja católica realizava. (SIQUEIRA, 2010).

Com a proclamação da república em 1890 e a separação dos poderes religiosos e estatais, o Decreto nº 181 de 1890 introduziu no país o casamento civil, fulminando o valor jurídico do casamento exclusivamente religioso, o que foi também disposto na Constituição Republicana de 1891, que somente reconhecia as uniões realizadas no casamento civil. (SIQUEIRA, 2010).

A regulamentação do casamento civil foi feita pelo Decreto n. 181, de 24-1-1890, de autoria de Rui Barbosa, em virtude do qual ficou abolida a jurisdição eclesiástica, considerando-se como único casamento válido o realizado perante as autoridades civis. O decreto permitiu a separação de corpos com justa causa ou havendo mútuo consenso, mantendo todavia a indissolubilidade do vínculo e utilizando a técnica canônica dos impedimentos. (WALD, 2002, p. 21).

Com o advento da Lei nº 3.071 (Código Civil de 1916), a família era constituída exclusivamente pelo casamento, no qual o modelo patriarcal e hierarquizado imperava. (GONÇALVES, 2008, p. 16).

A formação de patrimônio compreendia outro ponto essencial da entidade familiar, vez que os indivíduos se uniam com o intuito de formar patrimônio, para posteriormente transferi-los aos herdeiros, minimizando os laços de afeto.

[...] toma-se como ponto de partida o modelo patriarcal, hierarquizado e tranpessoal da família, decorrente das influências da Revolução Francesa sobre o Código Civil brasileiro de 1916. Naquela ambientação familiar, necessariamente matrimonializada, imperava a regra “até que a morte nos separe”, admitindo-se o sacrifício da felicidade pessoal dos membros da família em nome da manutenção do vínculo do casamento.

Mais ainda, compreendia-se a família como unidade de produção, realçados os laços patrimoniais. As pessoas se uniam em família com vistas à formação de patrimônio, para sua posterior transmissão aos herdeiros, pouco importando os laços afetivos. Daí a impossibilidade de dissolução do vínculo, pois a desagregação da família correspondia à desagregação da própria sociedade. Era o modelo estatal de família, desenhado com os valores dominantes naquele período da revolução industrial. (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 4)

Diversos outros direitos foram de forma expressa incluídos no texto do Código Civil de 1916, tais quais: a) “o homem mantém, com algumas pequenas restrições, a sua posição anterior de chefe de família, em oposição à mulher casada, que o direito inclui no rol dos relativamente incapazes, dependendo do marido para poder exercer uma profissão”; b) Mãe “bínuba” não tem mais o pátrio poder sobre a prole do primeiro casamento; c) adota o regime de comunhão universal de bens como oficial; d) no direito sucessório há um significativo aumento da legítima para os membros da entidade familiar; e) dificultou-se a adoção; f) permitiu-se o reconhecimento de filiação somente dos filhos naturais quando não forem adulterinos nem incestuosos. (WALD, 2002, p. 22).

Outrossim, após a vigência de da Lei 3.071 (Código Civil de 1916), diversos outros dispositivos versaram sobre os direitos envolvendo a família, todavia, ante a imensidade de normas, vale aqui grifar somente as de maior vulto, dentre elas: Constituição de 1937, que beneficiou o filho natural; a Lei nº 883, de 21/10/1949, que permitiu o reconhecimento e a investigação de paternidade; Lei nº 4.655/65, que introduziu a legitimação adotiva; Lei 4.121/62, que emancipou a mulher casada, concedendo-lhe direitos iguais aos do marido e situação jurídica análoga; Lei nº 6.515/77, que regulou os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento. (WALD, 2002, p. 22/23). 

Assim, feito um breve apanhado histórico, percebe-se que ao longo do tempo houve grandes transformações na história da família e, sendo esta uma entidade mutável, a família sempre mudou e continuará a mudar. (MILANO, 2006 p. 69),

1.2 CONCEITO DE FAMILIA NO ORDENAMENTO JURIDICO VIGENTE

Primeiramente necessário entender o conceito de família.

Etimologicamente o termo família segundo Pereira, tem sua origem em uma das mais antigas línguas clássicas da Índia, a qual foi convertida para a língua latina:

O radical fam corresponde àquele outro dhã, da língua ariana, que dá idéia de fixação, ou de coisa estável, tendo na mudança do ‘dh’ em ‘f’ surgindo, no dialeto do Lácio, a palavra faama, depois famulus (servo) e finalmente família, esta última a definir, inicialmente, o conjunto formado pelo pater famílias, esposa, filhos, e servos, todos considerados, primitivamente, como integrantes do grupo familiar, daí Ulpiano, no ‘Digesto’, já advertir que a palavra ‘família’ tinha inicialmente acepção ampla, abrangendo pessoas, bens e até escravos. (PEREIRA, apud  RIZZARDO, 2005, p. 11).

O Dicionário de Língua Portuguesa Aurélio conceitua família como sendo:

1.Pessoas aparentadas que vivem, na mesma casa, particularmente o pai, a mãe e os filhos. 2. Pessoas do mesmo sangue. 3. Origem, ascendência. 4. Art. Graf. O conjunto dos caracteres ou dos tipos com o mesmo desenho básico. 5. Biol. Reunião de gêneros [v.gênero (5)]. Família elementar ou família nuclear. Antrop. A que é constituída pelo casal e seus filhos. (2009, p. 396).

Cada ramo de estudo adota um conceito do que é família, como denota Coelho

Cada ramo do saber adota um conceito próprio de família. Para a história e a sociologia, ela é um conjunto de pessoas que habitam a mesma casa. A antropologia já a define em função de interdição de relações sexuais incestuosas. Na psicanálise, a definição parte dos papéis psicológicos desempenhados pelas pessoas. O pai e a mãe não são necessariamente os fornecedores dos gametas, mas aqueles que cumpriram determinadas funções na estruturação da psique da pessoa. O direito, por sua vez, adota a definição de família tendo vista certas relações jurídicas entre os sujeitos. (2009, p 10)

Assim, podemos perceber que é difícil definir com exatidão o termo “família”, porém sabe-se o quão importante a sua figura para o bom desenvolvimento da criança e do adolescente.

Como visto, até o advento da Constituição Federal de 1988, o termo tinha uma acepção diferente do que atualmente se conhece. As Constituições anteriores consideravam legítima e merecedora da proteção estatal a família oriunda do casamento, tutelando a legislação infraconstitucional, mais especificamente a legislação civil, protegendo somente as relações oriundas do matrimônio. (BARBOSA, 2008).

O ordenamento jurídico atual, mais precisamente a Constituição Federal de 1988, trouxe inúmeras inovações no que tange a família, dentre elas: a união estável entre homem e mulher, reconhecendo-a como entidade familiar; a igualdade entre os cônjuges no exercício dos direitos e deveres referentes ao casamento; o reconhecimento dos filhos tidos fora do casamento ou por adoção, sendo considerados filhos legítimos, vedando qualquer ato discriminatório relativo à filiação. (WALD, 2002, p. 25).

Sobre as alterações advindas com a promulgação da Constituição Federal de 1988, colhe-se dos ensinamentos de Dias:

Alargou-se o conceito de família, que, além da relação matrimonializada, passou a albergar tanto a união estável entre um homem e uma mulher como o vínculo de um dos pais com seus filhos. Para configuração de uma entidade familiar, não mais é exigida, como elemento constitutivo, a existência de um casal heterossexual, com capacidade reprodutiva, pois dessas características não dispõe a família monoparental. (2007, p. 66).

Desta feita, conclui-se que a família, base da sociedade, a qual tem especial proteção do Estado, conforme art. 226 da Constituição Federal, é a entidade constituída: “a) pelo casamento civil entre homem e mulher; b) pela União Estável entre homem e mulher; c) pela relação monoparental entre o ascendente e qualquer dos seus descendentes”. (LISBOA, 2004, p. 44)

Dias vai mais além ao conceituar a família atual:

O atual conceito de família prioriza o laço de afetividade que une seus membros, o que ensejou também a reformulação do conceito de filiação que se desprendeu da verdade biológica e passou a valorar muito mais a realidade afetiva. Apesar da omissão do legislador o Judiciário vem se mostrando sensível a essas mudanças. O compromisso de fazer justiça tem levado a uma percepção mais atenta das relações de família. As uniões de pessoas do mesmo sexo vêm sendo reconhecidas como uniões estáveis. Passou-se a prestigiar a paternidade afetiva como elemento identificador da filiação e a adoção por famílias homoafetivas se multiplicam. (2006)

Portanto podemos concluir que é na família o inicio da educação dos filhos, é o ponto de referência da criança e do adolescente, onde ela sente e aprende o que é o afeto, respeito mútuo, noção do certo ou do errado.

Crescer em um lar onde pai e mãe respeitam-se seria o ideal de família, mas nem sempre isso é possível. Hoje o mais comum é pai e mãe divorciados, vivendo em lares diferentes e constituindo uma nova família.

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Sobre a autora
Alliny Pamella Venancio

Bacharela em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VENANCIO, Alliny Pamella. Indenização por abandono afetivo.: As consequências causadas pelo abandono afetivo e a possibilidade de indenização como forma de assegurar os direitos da criança e do adolescente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3248, 23 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21837. Acesso em: 23 dez. 2024.

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