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A viabilidade do casamento civil entre os pares homoafetivos

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6.                  Princípios constitucionais importantes para a viabilidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo

Há vários princípios fundamentais para assegurar a proteção jurídica dos indivíduos formadores da sociedade. E, a eles, deve-se recorrer na falta do direito positivo. Para este trabalho, três são os mais importantes. São eles: o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o Princípio da Igualdade e o Princípio da Felicidade.

6.1.            Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

A Constituição Federal de 1988 proclama, expressamente, a dignidade da pessoa humana em seu artigo 1º, inciso III, vide abaixo:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...) Omissis;

III - a dignidade da pessoa humana. (grifei)

O fundamento constitucional foi a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha que foi a primeira a erigir a dignidade da pessoa humana em direito fundamental expressamente estabelecido no seu art. 1º, n. 1, declarando: “A dignidade humana é inviolável. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todos os Poderes estatais”. Fundamentou a positivação constitucional desse princípio, de base filosófica, o fato de o Estado Nazista ter vulnerado gravemente a dignidade da pessoa humana mediante a prática de horrorosos crimes políticos sob a invocação de razões de Estado e outras razões. Os mesmos motivos históricos justificaram a declaração do art. 1º da Constituição Portuguesa, segundo o qual: “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”; e também a Constituição Espanhola, cujo art. 10, n. 1, estatui: “A dignidade da pessoa, os direitos invioláveis que lhe são inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade, o respeito à lei e aos direitos dos demais são fundamentos da ordem política e da paz social”. E assim, também, a tortura e toda sorte de desrespeito à pessoa humana praticado sob o regime militar levaram o constituinte brasileiro a incluir a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, conforme o disposto no inciso III do art. 1º da CF de 1988 (SILVA, 2006, p. 37).

Oscar Vilhena Vieira (2006, p. 65) afirma que “a ideia de dignidade humana está, portanto, vinculada à nossa capacidade de nos conduzirmos pela nossa razão e não nos deixarmos arrastar apenas pelas nossas paixões”. E, segue dizendo que o princípio da dignidade, expresso no imperativo categórico, refere-se substantivamente à esfera de proteção da pessoa enquanto fim em si, e não como meio para a realização de objetivos de terceiros (VIEIRA, 2006, p. 67).

José Afonso da Silva (2006, p. 37) considera que a norma compreende dois conceitos fundamentais: a pessoa humana e a dignidade, citando a seguinte filosofia Kantiana:

O homem, como ser racional, existe como fim em si, e não simplesmente como meio, enquanto os seres desprovidos de razão têm um valor relativo e condicionado, o de meios, eis por que se lhes chamam coisas; ao contrário, os seres racionais são chamados de pessoas, porque sua natureza já os designa como fim em si, ou seja, como algo que não pode ser empregado simplesmente como meio e que, por conseguinte, limita na mesma proporção o nosso arbítrio, por ser um objeto de respeito.

De acordo com Roger Rios (2001, p. 89), o princípio jurídico da proteção da dignidade da pessoa humana tem como núcleo essencial a ideia de que a pessoa humana é um fim em si mesma, não podendo ser instrumentalizada ou descartada em função das características que lhe conferem individualidade e imprimem sua dinâmica pessoal. O ser humano, em virtude de sua dignidade, não pode ser visto como meio para a realização de outros fins.

Para Rios (2001, p. 90), as questões relativas à orientação sexual relacionam-se de modo íntimo com a proteção da dignidade da pessoa humana. Esta problemática se revela em face da homossexualidade, dado o caráter heterossexista e mesmo homofóbico que caracteriza a quase totalidade das complexas sociedades contemporâneas.

José Afonso Silva (2006, p. 37) entende que só o ser humano é pessoa, ou seja, que todo ser humano, sem distinção, é pessoa, um ser espiritual, o qual é, ao mesmo tempo, fonte e imputação de todos os valores, consciência e vivência de si próprio. Todo ser humano se reproduz no outro como seu correspondente e reflexo de sua espiritualidade, razão por que desconsiderar uma pessoa significa, em última análise, desconsiderar a si próprio. Por isso é que a pessoa é um centro de imputação jurídica, porque o Direito existe em função dela e para propiciar seu desenvolvimento.

A dignidade, para José Afonso Silva (2006, p. 38) é atributo intrínseco, da essência, da pessoa humana, único ser que compreende um valor interno, superior a qualquer preço, que não admite substituição equivalente. Assim, a dignidade entranha e se confunde com a própria natureza do ser humano. E, com relação a proteção constitucional da dignidade humana, a dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a princípio, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana. A Constituição, reconhecendo sua existência e sua eminência, transformou-a no valor supremo da ordem jurídica, quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito. Por ser fundamento, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é da ordem política, social, econômica e social, estando na base de toda vida nacional.

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6.2.            .Princípio da Igualdade

O princípio da igualdade está prescrito no caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, a segurança e a propriedade". É uma norma supraconstitucional com sede no texto constitucional, estando mencionada, inclusive, no Preâmbulo da Constituição. Este princípio tem status de princípio fundamental. Como descreve o autor Roger Raupp Rios (2001, pp. 63 e 64),

O direito de igualdade é entendido como princípio jurídico constitucionalmente vigente, na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais desenvolvida por R. Alexy. Segundo este autor, as normas de direitos fundamentais distinguem-se em normas do tipo princípio e normas do tipo regra. A partir da enumeração dos diversos critérios de distinção correntes, R. Alexy expõe três teorias acerca da distinção. A primeira afirma a impossibilidade de qualquer distinção definitiva, uma vez que a pluralidade de normas efetivamente existente possibilita infindáveis combinações de critérios. A segunda sustenta que a diferenciação entre princípios e regras é apenas de grau de generalidade, compartilhando princípios e regras da mesma realidade. A terceira – por ele adotada – distingue princípios e regras qualitativamente.

Para Marcelo Amaral da Silva (2003), o princípio da igualdade, é um princípio, direito e garantia, Por isso, todas as demais normas devem obediência. Segundo ele, no Direito, tal princípio assumiria um caráter de dupla aplicação, qual seja: uma teórica, com a finalidade de repulsar privilégios injustificados; e outra prática, ajudando na diminuição dos efeitos decorrentes das desigualdades evidenciadas diante do caso concreto. Assim, tal princípio constitucional se constitui na ponte entre o Direito e a realidade que lhe é subjacente. A igualdade de todos os seres humanos, proclamada na Constituição Federal, deve ser encarada e compreendida, basicamente sob dois pontos de vista distintos, quais sejam: o da igualdade material e o da igualdade formal.

O insigne José Afonso da Silva (2006, p. 39), já dizia que "porque existem desigualdades, é que se aspira à igualdade real ou material que busque realizar a igualização das condições desiguais", portanto, o fim igualitário, a muito já era buscado. Todavia, um desafio existe, qual seja: as efetivas desigualdades, de várias categorias, existentes e eventualmente estabelecidas por lei, entre os vários seres humanos, desafiam a inteligência dos juristas a determinar os conceitos de "iguais" e "iguais perante a lei". Assim, cumpre como papel do jurista a interpretação do conteúdo dessa norma, tendo em vista a sua finalidade e os princípios consagrados no Direito Constitucional, para que desta forma o princípio realmente tenha efetividade.

Marcelo Amaral da Silva (2003) entende que a igualdade de todos os seres humanos, proclamada na Constituição Federal, deve ser encarada e compreendida, basicamente sob dois pontos de vista distintos, quais sejam: o da igualdade material e o da igualdade formal.

Sendo o entendimento da igualdade material, deve ser o de tratamento equânime e uniformizado de todos os seres humanos, bem como a sua equiparação no que diz respeito a possibilidades de concessão de oportunidades. Portanto, de acordo com o que se entende por igualdade material, as oportunidades, as chances devem ser oferecidas de forma igualitária para todos os cidadãos, na busca pela apropriação dos bens da cultura. Já igualdade formal, que mais imediatamente interessa ao jurista, é a pura identidade de direitos e deveres concedidos aos membros da coletividade através dos textos legais, estando no art. 5º da CF/88, no qual está prescrito a "igualdade de todos perante a lei" (SILVA, 2003).

Segundo Roger Raup Rios (2001, p. 67), o direito brasileiro compreende o princípio da igualdade na dupla dimensão formal e material, estando presente no nosso direito constitucional positivo, pela simultânea afirmação da “igualdade perante a lei” e da “igualdade na lei”, expressões que encerram distintas e complementares compreensões do direito de igualdade, cuja convivência possibilita o entendimento desse princípio. Raupp (2001, p. 68) segue seu entendimento:

Concebido nestes termos, o direito de igualdade decorre imediatamente do princípio da primazia da lei no Estado de Direito, sem a consideração de quaisquer outros dados que não a abstrata e genérica formulação do mandamento legal, independentemente das peculiares circunstâncias de cada situação concreta e da situação pessoal dos destinatários da norma jurídica.

O objetivo do princípio da igualdade, na sua dimensão formal, é a superação das desigualdades entre as pessoas por intermédio da aplicação da mesma lei a todos, exigindo que se reconheça em todos, “independentemente da orientação homo ou heterossexual, a qualidade de sujeito de direito, o que significa não identifica-lo com a pessoa heterossexual” (RIOS, 2001. p. 69).

Roger Rios (2001, p. 70) faz a diferença entre a igualdade formal, a qual diz respeito à igual aplicação do direito vigente sem distinção com base no destinatário da norma jurídica, sujeito aos efeitos jurídicos decorrentes da normatividade existente, e a igualdade material, a qual exige a igualdade de tratamento pelo direito vigente dos casos iguais, bem como a diferenciação no regime normativo em face de hipóteses distintas.

Konder Comparato (1996) e  Alexandre de Moraes (2007, p. 31) afirmam que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal.

A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos (MORAES, 2007, p. 32).

Esta afirmativa do autor é muito pertinente para este trabalho monográfico, tendo em vista que os homossexuais tem sido tratados pelo legislador brasileiro de forma desigual frente aos heterossexuais, sem que haja a mínima justificativa objetiva, principalmente, razoável.

A não aplicação do direito ao casamento aos homossexuais tem criado ou aumentado desigualdades arbitrárias, principalmente, em relação do legislador brasileiro. E, quando esta desigualdade é sentida no caso em concreto, é o Poder Judiciário que tem resolvido tais lides. Neste sentido, Alexandre de Moraes (2007, p. 36), leciona que  “em especial o Poder Judiciário, no exercício de sua função jurisdicional no sentido de dar uma interpretação única e igualitária às normas jurídicas”.

E, hodiernamente, tem-se visto que assim o é, com as jurisprudências do Poder Judiciário no sentido de reconhecer a união estável entre os pares homoafetivos. Contudo, ainda não é suficiente, pois é necessário uma ampliação dos direitos aos pares homoafetivos.

6.3.             Princípio da Felicidade

O Dicionário Escolar da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras define que felicidade é: 1. Qualidade ou estado de quem é ou está feliz. 2. Bem-estar, satisfação, contentamento. 3. Cumprimento que se faz a alguém por algum acontecimento ou data importante.

Segundo Aristóteles, na obra Ética a Nicômaco (2004, p. 68), “a felicidade é a finalidade da natureza humana”. A felicidade é algo louvável e perfeito. Também parece ser assim porque ela é um primeiro princípio e causa dos bens é, conforme afirmamos, algo louvável e divino (2004, p. 36).

A felicidade pressupõe um subjetivismo inerente a cada indivíduo, acarretando certo conceito para cada indivíduo. Desta maneira, o Estado não tem como trazer a felicidade para todas as pessoas, mas deve oferecer condições mínimas para que cada um busque a sua própria felicidade da melhor maneira que lhe convém.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 não trouxe, em seu texto, o direito à busca da felicidade, a despeito de garantir a proteção da dignidade da pessoa humana, como também reconhecer, expressamente, uma série de direitos fundamentais. João Pedro da Silva Rio Lima (2011) disserta sobre a felicidade da seguinte maneira: “Sendo, por isso, um direito fundamental, universal, absoluto e que se alinha ao princípio-mor de dignidade da pessoa humana, o direito à busca da felicidade deve ser tratado de forma expressa em nossa Constituição”.

O Supremo Tribunal Federal, por meio do voto do Ministro Celso de Mello, na ADI 3300/DF de 03/02/2006, reconheceu, em um caso que discutia união estável homossexual, o direito à busca da felicidade como princípio fundamental.

Não obstante as razões de ordem estritamente formal, que tornam insuscetível de conhecimento a presente ação direta, mas considerando a extrema importância jurídico-social da matéria – cuja apreciação talvez pudesse viabilizar-se em sede de arguição de descumprimento de preceito fundamental -, cumpre registrar, quanto à tese sustentada pelas entidades autoras, que o magistério da doutrina, apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva, utilizando-se da analogia e invocando princípios fundamentais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não-discriminação e da busca da felicidade), tem revelado admirável percepção do alto significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual, de um lado, quanto a proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, de outro, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes consequências no plano do Direito e na esfera das relações sociais (grifei).

O Projeto de Emenda à Constituição (PEC) acerca do assunto, de iniciativa do senador Cristovam Buarque, tramita no Congresso Nacional, com o apelido de "PEC da Felicidade" e já aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, o projeto pretende incluir a "busca da felicidade" entre os direitos fundamentais do cidadão brasileiro. Pela proposta, o artigo 6º da Constituição Federal passaria a vigorar com a seguinte redação: Art. 6º. São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Sobre as autoras
Penélope Aryadne Antony Lira

Advogada Militante. Professora Universitária na Faculdade Metropolitana de Manaus – Fametro. Formada pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas – Ciesa. Pós-graduada em Finanças Coorporativas – IDAAM/Gama Filho. Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas - UEA.

Yonete Melo das Chagas

Bacharel em Direito e Contabilidade pela Universidade Federal do Amazonas. Pós-graduada em Contabilidade Pública e Tributária pela Centro Universitário do Norte – Uninorte/Laurate International Universities e Finanças Corporativas – IDAAM/ Gama Filho. Servidora Pública do Estado do Amazonas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIRA, Penélope Aryadne Antony; CHAGAS, Yonete Melo. A viabilidade do casamento civil entre os pares homoafetivos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3253, 28 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21879. Acesso em: 5 nov. 2024.

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