7. A INSEGURANÇA JURÍDICA NA UNIÃO FORMADA POR PARES HOMOAFETIVOS CAUSADA PELA FALTA DE LEGISLAÇÃO
Neste capítulo, faz-se necessário conhecer alguns fatos que contribuíram para a insegurança jurídica na relação formada por pessoas do mesmo sexo. Primeiro, serão mencionadas histórias, todas elas da autora Silva Mendonça do Amaral, as quais demonstram de forma clara o quanto a falta de legislação brasileira já prejudicou indivíduos que resolveram caminhar de forma diferente dos padrões sociais. Depois serão mencionadas algumas medidas já realizadas pelos poderes Executivo e Judiciário.
7.1. Histórias de casais homoafetivos que não obtiveram a tutela jurídica
Silva Mendonça do Amaral (2010, pp. 19-44) conta várias histórias de casais homoafetivos que recorreram à Justiça Brasileira e não obtiveram a proteção necessária para a satisfação dessas relações familiares. Neste trabalho, serão apresentadas apenas três.
A primeira delas, ocorrida em 2007, é a história de João Carlos e Augusto, os quais viveram juntos durante sete anos, em uma relação de amor, afeto e muitos cuidados. Augusto adquiriu o vírus da HIV, permanecendo durante seus últimos três anos de vida numa rotina de internações e altas cada vez mais freqüentes. João cuidou de Augusto até o fim, só vindo a conhecer a família de Augusto no dia da morte de seu amado, a qual não se relacionava com João nem com Augusto devido à orientação sexual dos dois. Durante vários anos, Augusto viveu às custas de João, uma vez que não podia trabalhar. Após a morte de Augusto, a dita família requereu judicialmente que João Carlos desocupasse o imóvel no qual o casal residira durante todos aqueles anos de relacionamento, passando-lhes sua posse, tendo aberto o inventário dos bens de Augusto, que não eram poucos, contando um imóvel e uma boa soma em dinheiro aplicada e depositada em conta-corrente.
João resolveu buscar seus direitos utilizando: ingressou com uma ação de reintegração de posse; apresentou no inventário dos bens deixados por Augusto, informando ao juiz que era companheiro homoafetivo de Augusto; entrou, também, com uma ação objetivando o reconhecimento da união estável existente entre eles perante uma vara de família e sucessões. Para que João Carlos obtivesse qualquer dos direitos pleiteados (reintegração de posse, participação na herança deixada por Augusto e obtenção de pensão), era imprescindível que fosse reconhecida a existência de uma união estável entre eles.
João Carlos perdeu nessa demanda, pois o juiz que analisou o processo imediatamente entendeu que não poderia ser responsável por um processo que tinha como objetivo reconhecer a existência de união estável, já que para ele tal forma de relacionamento não era permitida entre casais homossexuais por ausência de previsão legal, entendendo que era uma sociedade de fato relacionada à vara cível, conforme Súmula 380 (de 1964), que assim diz: “Comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. Com o surgimento da união estável, os concubinos passaram a ser aqueles que mantêm relacionamento como amantes. São aqueles que não podem se casar, diferente do que ocorre na união estável, mas, evidente, podem construir patrimônio que, eventualmente, terá de ser partilhado.
João Carlos perdeu também em segunda instância, pois a sentença foi mantida. João Carlos perdeu a oportunidade de ver reconhecida sua união homoafetiva e de fazer parte da partilha dos bens deixados por Augusto, com quem viveu como se fosse o seu único familiar durante sete anos e de quem cuidou incansavelmente por três anos, abdicando de sua vida pessoal, inclusive profissional.
A segunda história ocorreu em 1998. Os protagonistas eram Marcelo e Jaime, os quais viveram juntos entre 1982 a 1989, quando Jaime faleceu vitimado por doença decorrente da AIDS. Durante o relacionamento, eles adquiriram um apartamento que foi registrado apenas em nome de Jaime por facilidades em relação ao financiamento bancário, porém houve participação financeira idêntica de ambos, ficando estabelecido entre o casal que quando o imóvel fosse quitado, Jaime passaria metade dele para o nome de Marcelo, além de terem montado três empresas, das quais eram sócios. Ocorre que antes de parte do imóvel ser passada para o nome de Marcelo, Jaime faleceu, o que acarretou a falência das três empresas, gerando dívidas trabalhistas, que foram quitadas por Marcelo, na condição de sócio (AMARAL, 2010, p. 48).
Após a morte de Jaime, João, o pai de Jaime, pleiteia para si a integralidade do imóvel adquirido pelo casal, porém registrado apenas em nome de seu filho, além de ter ingressado com uma ação para que Marcelo o desocupasse. O que levou Marcelo a entrar com uma ação requerendo para si metade do imóvel, além de pleitear a permanência no apartamento. Na ação, cobrou do pai de Jaime metade das dívidas trabalhistas deixadas pelas empresas e indenização por danos morais, já que João abandonara o próprio filho doente, cabendo a Marcelo todos os cuidados com ele. Eles ainda tornaram pública a causa da morte de Jaime, criando-se em torno dele imediata suspeita, tendo sido, por isso, isolado pela sociedade, e isso, somado ao seu sofrimento e angústia, teria ceifado sua capacidade produtiva (AMARAL, 2010, p. 49 a 50).
A ação foi julgada procedente em parte. Marcelo teria direito à metade do imóvel por ter contribuído em tal proporção para sua compra, garantindo-lhe a permanência no imóvel, porém perdeu em segunda decisão, tendo ficado estabelecido que João ficaria com a totalidade do imóvel, que Marcelo deveria desocupá-lo e, pior, pagar a João um valor a título de aluguel do imóvel durante o período que ficou lá residindo, sem poder tê-lo feito, já que não era seu proprietário (AMARAL, 2010, p. 51 e 52).
E, por último, (AMARAL, 2010, p.p 96 a 99), a terceira história ocorreu com Bianca e Marta. Elas viveram juntas por anos em união estável, porém Marta viu-se extremamente prejudicada, já que os bens constantes do inventário deveriam ter sido partilhados com ela antes de inventariados e partilhados entre os herdeiros. O entendimento de Marta era o de que não poderiam ser transmitidos para os herdeiros de Bianca todos os bens, já que ela havia contribuído para a aquisição deles, para a formação do patrimônio, sendo o mais justo seria, antes de proceder a partilha de todos os bens no inventário, separar o que caberia a Marta e somente a outra parte ser dividida entre os herdeiros de Bianca.
Marta pediu o reconhecimento e a dissolução de sociedade de fato, sem arriscar-se a pedir o reconhecimento da união estável, porém mesmo assim viu seu pedido negado no Tribunal de Justiça.
Ainda bem que atualmente, no Brasil, a maior fonte de concessão de direitos aos homossexuais advêm não das leis, e, sim, das decisões proferidas por uma pequena parcela dos julgadores do sistema judiciário brasileiro.
7.2. Algumas medidas realizadas pelos poderes Executivo e Judiciário acerca do reconhecimento da união estável entre homoafetivos, utilizando a analogia e a interpretação extensiva
É importante destacar algumas medidas tomadas pelos poderes Executivo e Judiciário, as quais são muito significativas para assegurar direitos aos casais homoafetivos. Elas ajudam a diminuir as injustiças sofridas por esse segmento da população brasileira.
7.2.1. Medidas do Poder Executivo para tutelar os casais homoafetivos
Segundo Maria Berenice (2009, p. 82), quer em decorrência de decisões judiciais com eficácia erga omnes, quer atendendo a pedidos formulados em sede administrativa, várias instâncias da iniciativa privada e da administração pública vêm baixando provimentos, instruções normativas e ofícios circulares garantindo direitos ou assegurando a concessão de benefícios a parceiros homossexuais. Assim, é dispensado o uso da máquina judiciária.
Em decorrência de decisão liminar proferida pela Justiça Federal de São Paulo, em ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal, a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP expediu Circular 257/2004, regulamentando o direito do companheiro sobrevivente homossexual à percepção do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre – Seguro DPVAT. O companheiro é reconhecido como beneficiário do seguro na mesma condição de dependente preferencial. Além da indenização por morte, o seguro dá cobertura para o caso de invalidez e cobre despesas médicas até determinado valor (DIAS, 2009, p. 83).
A Resolução Normativa 77/2008, do Conselho Nacional de Imigração, dispõe sobre os critérios para a concessão de visto temporário ou permanente, ou permanência definitiva, ao companheiro estrangeiro de um brasileiro, sem distinção de sexo, garantindo aos estrangeiros os mesmos direitos que o casamento assegura. A concessão de visto funda-se na dependência econômica e vinculação afetiva. Essas duas condições estão presentes no convívio de duas pessoas, sejam ou não elas do mesmo sexo (DIAS, 2009, p. 84).
Em decorrência de decisão, no âmbito da Justiça Federal, o Instituto Nacional de Seguro Social expediu a Instrução Normativa n. 25/2000, a qual estabelece a concessão de pensão por morte e auxílio reclusão para o companheiro homossexual (DIAS, 2009, p. 85).
De acordo com o sítio oficial da Fazenda Federal, a Receita Federal decidiu aceitar, em 2011, na entrega da declaração do Imposto de Renda, a inclusão de parceiros homossexuais como dependentes para fins de dedução. A Receita Federal se baseou no parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (Parecer 1530/10), a qual se mostra convicta da constitucionalidade da decisão da Receita de aceitar que homossexuais que tenha sua união estável reconhecida pela justiça incluam seus parceiros ou parceiras como dependentes para fins de dedução. O parecer da Procuradoria Geral da Fazenda leva em conta a Portaria 513/10 do Ministério da Previdência, que considerou os parceiros homossexuais, em caso de união estável reconhecida pela Justiça, como dependentes para fins previdenciários.
O site da Receita Federal do Brasil, ainda, informa que o Ministro fez isso não só amparado pelo artigo 87 da Constituição Federal, em cujo parágrafo único, inciso II, está claro que ao Ministro de Estado compete “expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos”, mas também amparado pelo Artigo 109 do Código Tributário Nacional, que deslegitima a transposição de conceitos do direito privado para o direito tributário. Ou seja, mesmo que o Código Civil, por enquanto, reconheça, para fins de proteção do Estado, apenas a União Estável entre homem e mulher, o Artigo 109 do Código Tributário Nacional é claro: “Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários”.
7.2.2. Jurisprudências favoráveis à união estável entre pessoas do mesmo sexo e decisão unânime do Supremo Tribunal Federal acerca do assunto
A Jurisprudência de 2ª Instância, ainda, encontra-se dividida sobre o tema, embora pareça ser minoritária a tese de reconhecimento da união estável homoafetiva tem se mostrado crescente. Seguem alguns exemplos:
HOMOSSEXUAIS. UNIÃO ESTÁVEL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. É possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais, ante os princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo. E é justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso país, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo serenidade científica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos. Sentença desconstituída para que seja instruído o feito. (TJ/RS, Apelação Cível No. 598362655, 8ª Câmara Cível, Relator Desembargador José Trindade, em 01/03/00, v.u. - sem grifos e destaques no original)
Constitucional. Civil. Família. União estável. Pessoas do mesmo sexo. Relação homoafetiva. Artigo 3o inciso IV, da Constituição Federal. A Constituição Federal é expressa no sentido de que constitui objetivo fundamental da República a promoção do bem de todos, tornando defeso qualquer tipo de preconceito ou discriminação ligada a condições que sejam inerentes à pessoa humana. (TJ/RJ, Apelação Cível No. 2006.001.06195, Relator Desembargador Marco Antonio Ibrahim, julgado em 04/07/06 - sem grifos e destaques no original)
UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DO PATRIMÔNIO. MEAÇÃO. PARADIGMA. Não se permite mais o farsaismo de desconhecer a existência de uniões entre pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados dessas relações homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o Judiciário não pode ignorar, mesmo em sua natural atividade retardatária. Nelas remanescem consequências semelhantes às que vigoram nas relações de afeto, buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito, relevados sempre os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Desta forma, o patrimônio havido na constância do relacionamento deve ser partilhado como na união estável, paradigma supletivo onde se debruça a melhor hermenêutica. Apelação provida, em parte, por maioria, para assegurar a divisão do acervo entre os parceiros. (TJ/RS, Apelação Cível No. 70001388982, 7ª Câmara Cível, Relator Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis, por maioria - sem grifos e destaques no original)
UNIÃO HOMOAFETIVA. PENSÃO. SOBREVIVENTE. PROVA DA RELAÇÃO. POSSIBILIDADE - À união homoafetiva que irradia pressupostos de união estável deve ser conferido o caráter de entidade familiar, impondo reconhecer os direitos decorrentes deste vínculo, pena de ofensa aos princípios constitucionais da liberdade, da proibição de preconceitos, da igualdade e dignidade da pessoa humana. (TJ/MG, Apelação Cível No. 1.0024.05.750258-5/002(1), Relator Desembargador Belizário de Lacerda, v.u., julgado em 04/09/07 - sem grifos no original)
As jurisprudências citadas demonstram claramente a possibilidade jurídica da união estável homoafetiva, por analogia e com base nos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana. Como se vê, um mínimo de bom senso e conhecimento de hermenêutica jurídica supera a lacuna legal para tanto, o que denota que a ausência de lei expressa não impossibilita o direito.
Atualmente, para casos tais, o art. 4º da LICC impõe ao juiz exercer a analogia quando da lacuna da lei, donde, por ser a relação homoafetiva análoga à união estável, embora dela diferente, em virtude do seu caráter estável, duradouro e afetivo, é cabível a aplicação da analogia para estender o regime jurídico da união estável às uniões homoafetivas.
A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica. (REsp 238.715/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA. STJ. Julgado em 07.03.2006, DJ 02.10.2006 p. 263). Diante do § 3º do art. 16 da Lei n. 8.213/91, verifica-se que o que o legislador pretendeu foi, em verdade, aligizar o conceito de entidade familiar, a partir do modelo da união estável, com vista ao direito previdenciário, sem exclusão, porém, da relação homoafetiva. (REsp 395.904/RS, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA. STJ. Julgado em 13.12.2005, DJ 06.02.2006 p. 365) (grifei)
Paulo Roberto Iotti Vecchiatti (2011), comenta sobre o REsp 395.904/RS acerca da concessão de pensão por morte a companheiros:
No REsp 395.904/RS, que versou sobre caso previdenciário, manifestou-se o Ministro Hélio Quaglia Barbosa no sentido de que não merece prosperar a tese no sentido de suposta impossibilidade de concessão de pensão por morte a companheiro homossexual em razão da ausência de previsão legal, na medida em que a matéria versa exclusivamente sobre Direito Previdenciário e não sobre Direito de Família, donde não é apenas o art. 226, §3o da CF/88 que deve ser analisado, mas também o princípio da igualdade, que jamais pode estar dissociado do princípio da justiça, em seu sentido mais puro. Ademais, apontou o Ministro que não há igualdade jurídica no não-direito, donde, a negativa de direitos fundamentais, entre eles o de sobrevivência, mediante percebimento de benefícios previdenciários a pessoas que, se fossem de sexos diferentes, lograriam êxito em auferi-los, implica o surgimento de um não-direito, situação que fere a isonomia constitucional. Apontou, ainda, que o teor do art. 226, §3o da CF/88 conceituou a união estável sem, contudo, excluir a relação homoafetiva, assim como inexiste tal espécie de exclusão no campo do Direito Previdenciário, que não se identifica com o Direito de Família. Assim, reconheceu a existência de uma lacuna que deve ser preenchida mediante acesso a outras fontes do Direito, nos termos do art. 4o da LICC, incumbindo ao Judiciário, através dos princípios hermenêuticos, preencher as lacunas existentes na lei, adequando-as às necessidades sociais. Apontou que pretender, com esteio em regras estratificadas, alijar parte da sociedade - inserida nas relações homoafetivas, da tutela do Poder Judiciário, por falta de previsão legal expressa, constituirá ato discriminatório, inaceitável à luz do princípio insculpido no art. 5o, caput, da Constituição Federal. Afirmou que, apesar do Direito não regular sentimentos, dispõe ele sobre os efeitos que a conduta determinada por esse afeto pode representar como fonte de direitos e deveres, criadores de relações jurídicas previstas nos diversos ramos do ordenamento, algumas interessando no Direito de Família, como o matrimônio civil e, hoje, a união estável, outras ficando a margem dele, lembrando que a própria mulher, por séculos a fio, era tratada pelo sistema jurídico como relativamente incapaz. Dessa forma, reconheceu como suficientemente preenchidas as exigências da Lei n. 8.213/91, comprovadas a qualidade de segurado do de cujus e a convivência afetiva e duradoura entre o segurado e o autor, donde, por analogia, negou provimento ao recurso. (grifei)
Ainda sobre o REsp 395.904/RS, Vecchiatti (2011) comenta sobre o voto-vista do Ministro Paulo Medina iniciou seu voto apontando da seguinte forma:
O recorrente apontou violação ao conceito de companheiro(a) disposto pelo artigo 16, §3o da Lei 8.213/91 que, por sua vez, se reporta ao artigo 226, §3o da Constituição Federal. Ato contínuo, seguindo a lição de Luís Roberto Barroso, apontou que toda interpretação é produto de sua época, donde entendeu que não se trata o conceito de companheiro de um conceito jurídico hermético, que não possa se interpretar de maneira extensiva para melhor atender a uma realidade que não foge aos olhos (a realidade homoafetiva), apontando ainda para a necessidade das normas infraconstitucionais serem interpretadas tendo em vista a Constituição Federal como uma unidade, ao passo que não se pode negar que se está diante de uma tensão e contradição com a negativa do reconhecimento da pensão por morte ao companheiro homoafetivo. Mas aponta que, de um lado, a Lei 8.213/91 adotou como conceito de entidade familiar o modelo da união estável entre homem e mulher, sem, entretanto excluir expressamente a união homoafetiva e, de outro, que há uma realidade em que o segurado contribuiu uma vida toda para a Previdência Social e tinha como seu dependente um companheiro do mesmo sexo, constituindo assim, de acordo com as provas carreadas aos autos, uma verdadeira entidade familiar. Assim, destacou que o princípio da igualdade impõe igual tratamento, além de ressaltar que onde o legislador não determinou uma exclusão expressa, não cabe ao intérprete do Direito fazê-la, sob pena de se descumprir preceito fundamental da Constituição, que é a igualdade entre homens e mulheres. Assim, concluiu que a Lei 8.213/91, deve ser interpretada conforme a Constituição, empregando-se uma interpretação extensiva, onde há uma verdadeira lacuna pelo legislador, razão pela qual também negou provimento ao recurso do INSS.
Outro caso em que o STJ se deparou com questões previdenciárias foi o REsp 820.475, no qual os ministros destacam que os precedentes classificam a união homoafetiva como mera “sociedade de fato”, mas cabe destacar que os mesmos indicam que tal entendimento deve evoluir. O Acórdão concluiu no sentido de que inexiste dita proibição no que tange à união homoafetiva e, dado o caráter análogo desta em relação à união estável constitucionalmente consagrada, aplicou a analogia para estender à união homoafetiva em questão os benefícios da legislação da união estável (VECCHIATTI, 2011).
RECURSO ESPECIAL Nº 820.475 - RJ (2006/0034525-4). RELATOR: MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO R.P/ACÓRDÃO: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO; RECORRENTE: A C S E OUTRO ADVOGADO: EDUARDO COLUCCINI CORDEIRO PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO. 1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar. 2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta. 3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito. 4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu. 5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada. 6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador. 5. Recurso especial conhecido e provido. Documento: 4231384 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJe: 06/10/2008 Página 1 de 2 Superior Tribunal de Justiça. (grifei)
Na análise do RE 406.837/SP, o Ministro Eros Roberto Grau afirmou que a norma da união estável não abarcaria a união homoafetiva, mas deliberadamente deixou de apreciar o mérito de alegação de afronta à isonomia por tal posicionamento por não ter considerado a questão devidamente prequestionada. A impressão que fica é a de que o Ministro adiantou sua pré-compreensão a respeito do tema, mas, como não se justificou perante a isonomia (trazendo a motivação lógico-racional que afastaria o "conflito aparente" oriundo desta sua posição), não pode ser sua tese seguida (VECCHIATTI, 2008).
Reconhecimento de união estável homoafetiva. Pedido juridicamente possível. Vara de Família. Competência. Sentença de extinção afastada. Recurso provido para determinar o prosseguimento do feito. (Apelação Sem Revisão 5525744400. Relator: Caetano Lagrasta; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo; Data do julgamento: 12/03/2008; Data de registro: 17/03/2008)
Uma vez presentes os pressupostos constitutivos da união estável (art. 1.723 do CC) e demonstrada a separação de fato do convivente casado, de rigor o reconhecimento da união estável homossexual, em face dos princípios constitucionais vigentes, centrados na valorização do ser humano. Via de consequência, as repercussões jurídicas, verificadas na união homossexual, tal como a partilha dos bens, em face do princípio da isonomia, são as mesmas que decorrem da união heterossexual. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70021637145, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 13/12/2007)
UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre duas mulheres de forma pública e ininterrupta pelo período de 16 anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Negado provimento ao apelo. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70012836755, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 21/12/2005)
Os casais homoafetivos obtiveram uma vitória significativa, pois, de acordo com o sítio do STF, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, por unanimidade, no dia 5-5-2011, a união estável entre casais do mesmo sexo como entidade familiar.
Com a mudança, o Supremo cria um precedente que pode ser seguido pelas outras instâncias da Justiça e pela administração pública. O presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, concluiu a votação pedindo ao Congresso Nacional que regulamente as consequência da decisão do STF por meio de uma lei. “O Poder Legislativo, a partir de hoje, tem que se expor e regulamentar as situações em que a aplicação da decisão da Corte seja justificada. Há, portanto, uma convocação que a decisão da Corte implica em relação ao Poder Legislativo para que assuma essa tarefa para a qual parece que até agora não se sentiu muito propensa a exercer”, afirmou Peluso.
Com essa decisão, as regras que valem para relações estáveis entre homens e mulheres poderão ser aplicadas aos casais gays no âmbito Judiciário, incitando, com isso, o Legislativo para que o mesmo elabore leis protetivas de direito a esse segmento, que é um fato social inegável.