8. A VIABILIDADE DO CASAMENTO CIVIL ENTRE OS PARES HOMOAFETIVOS
No último capítulo, comenta-se a Lei Maria da Penha, a qual faz referência às famílias homossexuais. Neste capítulo, também, é feito referência aos países que já legislaram acerca das relações homoafetivas. Enfim, fica evidenciada a viabilidade do casamento civil entre os pares homoafetivos, principalmente, no tocante à decisão unânime do Supremo Tribunal Federal acerca da união estável entre pessoas do mesmo sexo.
8.1. A Lei Maria da Penha e a Legalização das Uniões Homoafetivas
Maria Berenice Dias, em seu artigo sobre as Uniões Homoafetivas na Justiça (2010), entende que o advento da legislação visando coibir a violência doméstica teve mais um mérito. A Lei nº 11.340/06, que passou a ser chamada Lei Maria da Penha, é o primeiro marco legal que faz referência expressa às famílias homossexuais, ao proibir discriminação por orientação sexual. Diz o seu art. 2º: "Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual (...) goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana". O parágrafo único do art. 5º reitera que independem de orientação sexual todas as situações que configuram violência doméstica e familiar. O preceito tem enorme repercussão. Como é assegurada proteção legal a fatos que ocorrem no ambiente doméstico, isso quer dizer que as uniões de pessoas do mesmo sexo são entidades familiares. Violência doméstica, como diz o próprio nome, é violência que acontece no seio de uma família. Assim, a Lei Maria da Penha ampliou o conceito de família, alcançando as uniões homoafetivas.
A mesma autora (2008), em seu outro artigo Violência doméstica e as uniões homoafetivas, discorre sobre a Lei Maria da Penha, quando afirma que a mulher está sob o abrigo da lei, sem distinguir sua orientação sexual, assegura proteção tanto às lésbicas como às travestis, às transexuais e os transgêneros do sexo feminino, as quais mantêm relação íntima de afeto, num ambiente familiar ou de convívio.
De acordo com Maria Berenice Dias (2010), a lei define como família qualquer relação íntima de afeto (art. 5º, III), o que não permite excluir as homoafetivas deste conceito. Às claras que os vínculos constituídos por pessoas do mesmo sexo são uma sociedade de afeto.
Assim, é imperioso reconhecer que as uniões homoafetivas constituem uma entidade familiar. Quer as uniões formadas por um homem e uma mulher, quer as formadas por duas mulheres, quer as formadas por um homem e uma pessoa com distinta identidade de gênero, todas configuram famílias. Ainda que a lei tenha por finalidade proteger a mulher, fato é que ampliou o conceito de família, independentemente do sexo dos parceiros. Se também família é a união entre duas mulheres, igualmente é família a união entre dois homens. Basta invocar o princípio da igualdade. A partir da nova definição de entidade familiar, não mais cabe questionar a natureza dos vínculos formados por pessoas do mesmo sexo. Ninguém pode continuar alegando omissão legislativa, para deixar de emprestar-lhes efeitos jurídicos (DIAS, 2010).
Já no artigo sobre a violência doméstica e as uniões homoafetivas, Maria Berenice (2008), fala do um avanço significativo sobre a questão da união homoafetiva, visto que, para a autora, a Lei Maria da Penha coloca um ponto final à discussão que entretém a doutrina e divide os tribunais.
A eficácia da nova lei é imediata, passando as uniões homossexuais a merecer especial proteção do Estado. Sequer de sociedade de fato cabe continuar falando, subterfúgio de conotação nitidamente preconceituosa, pois nega o componente de natureza sexual e afetiva dos vínculos homossexuais. Agora, não mais é possível excluir as uniões homoafetivas do âmbito do Direito das Famílias, sob pena de se negar vigência à Lei Federal. Consequentemente, as demandas não devem continuar tramitando nas varas cíveis, impondo-se sua distribuição às varas de família.
No mesmo artigo, ela continua acredita que, diante da definição de entidade familiar, não mais se justifica que o amor entre iguais seja banido do âmbito da proteção jurídica, visto que suas desavenças são reconhecidas como violência doméstica. A realidade demonstra que a unidade familiar não se resume apenas a casais heterossexuais. As uniões homoafetivas já galgaram o status de unidade familiar. A legislação apenas acompanha essa evolução para permitir que, na ausência de sustentação própria, o Estado intervenha para garantir a integridade física e psíquica dos membros de qualquer forma de família.
Segundo a autora (2010), com a Lei Maria da Penha, as uniões homoafetivas estão reconhecidas como entidade familiar. Entretanto, não existe a concessão de direitos, como ocorre com os cônjuges e os partícipes de uma união estável. Diante das lacunas no Código Civil brasileiro, fica a cargo da jurisprudência fazer justiça, o fim maior de um Estado Democrático de Direito. Porém, nem sempre os magistrados se despem de preconceitos na hora de julgar e tratar a matéria sob a ótica da justiça.
9. Direito Comparado sobre o tema: os países que já legislaram a favor dos pares homoafetivos e a situação da falta de legislação no ordenamento brasileiro.
Maria Berenice (2009, p. 62) disserta, em seu livro, sobre a polêmica que envolve o reconhecimento da homossexualidade, a qual se estende a todos os países do mundo. Para a conceituada autora, condicionada ao grau de desenvolvimento social e cultural de cada sociedade, diferentes posturas ensejam tratamentos diferenciados. De acordo com a autora (2009), “estudos comprovam que os países que alcançam um mais alto nível socioeconômico-cultural promovem a integração de suas minorias. A legislação de muitos países vem inserindo as uniões homossexuais no âmbito do conceito de família, quer admitindo o casamento, quer nominando de outra forma”.
Segundo Félix López Sánchez (2009), o governo espanhol deu um passo decisivo ao aceitar, em igualdade de condições com os heterossexuais, o casamento entre homossexuais e a possibilidade deles adotarem filhos, formando casais parentais, isto é, com pais do mesmo sexo.
A Dinamarca, em junho de 1989 (DIAS, 2009, p. 63), foi o primeiro país a reconhecer a homossexualidade, permitindo aos casais homossexuais o registro da união civil e estendo-lhes os mesmos direitos dos parceiros heterossexuais, inclusive a troca de nome.
Na Holanda, a união civil existe desde o ano de 1998, conferindo direito à saúde, à educação e aos benefícios trabalhistas iguais aos dos heterossexuais. Lá, a partir de 2001, tornou-se possível o casamento (DIAS, 2009, p. 63).
A Bélgica, em 1-2-2003, foi o segundo país a autorizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo (DIAS, 2009, p. 67).
A Cidade do México aprova a união civil de homossexuais desde 2007, passando a permitir o casamento em 2009, concedendo ao casal os mesmos direitos conferidos aos heterossexuais, inclusive o direito de adotar (AMARAL, 2010, p. 28).
Em dezembro de 2009 houve o primeiro casamento homossexual da América Latina, em Ushuaia, no extremo sul da Argentina, realizado graças a um decreto provincial (AMARAL, 2010, P. 28).
A Áustria passou, em 1º de janeiro de 2010, a legalizar a união de homossexuais por meio do parlamento. Todos os direitos referentes à seguridade, herança e processos judiciais foram concedidos, devendo as uniões serem registradas em secretarias municipais, e não em cartórios (AMARAL, 2010, p. 28).
De acordo com Maria Berenice (2009, p. 65), nos Estados Unidos, as uniões homoafetivas possuem direitos em Massachusetts, Connecticut, New Hampshire, Iowa, Vermont e a Capital Washington.
Enquanto nos citados países já se fala em direitos para o segmento homoafetivo, no Brasil, o Projeto de Lei n. 1.151, o qual pretende regulamentar a parceria civil registrada, data do ano de 1995, está emperrado no Congresso Nacional desde então, sem qualquer chance de ser aprovado. O substitutivo alterou o nome para “Parceria Civil Registrada”. Trata-se de legislação que já se encontra defasada, pois os direitos que pretendia assegurar não mais correspondem aos anseios da comunidade LGBTT (DIAS, 2009, p. 66).
De acordo com o sítio do Congresso Nacional, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a maior instituição do país voltada ao estudo da família, no ano de 2007, elaborou o Estatuto das Famílias, o qual é um Projeto de Lei n. 674/2007 em tramitação no Congresso Nacional. Trata de proposta legislativa que visa positivar o Direito das Famílias mais adequado às necessidades e à realidade da sociedade contemporânea, regulando os aspectos cíveis e processuais das relações familiares, insere a união homoafetiva no âmbito de proteção legal, reconhecendo-a como entidade familiar merecedora da tutela jurídica, equiparada às união estável. O Estatuto das Famílias normatiza e reconhece deveres e direitos dos diferentes tipos contemporâneos de relações da convivência familiar no país. O Projeto de Lei 674/2007 está tramitando no Senado, depois de ser aprovado em duas comissões da Casa – a Seguridade Social e Constituição e Justiça, em dezembro de 2010.
Sobre Emendas Constitucionais, Maria Berenice (DIAS, 2009, p. 79) informa que a Projeto de Emenda Constitucional - PEC 70/2003 a qual pretende alterar o § 3º do art. 226 da Constituição Federal de 1988, afastando a expressão “entre um homem e uma mulher” do dispositivo que prevê a união estável. Já a PEC 66/2003 dá nova redação aos arts. 3º e 7º da Constituição Federal, incluindo entre os objetivos fundantes do Estado a promoção do bem de todos, sem preconceitos de orientação sexual, motivo de orientação sexual.
10. Reconhecimento de União Estável entre pessoas do mesmo sexo e a conversão para o casamento civil
A União estável está prevista no Código Civil de 2002 no artigo 1723, o qual prevê que: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, continua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. O reconhecimento deste instituto foi uma das principais inovações trazidas com o Digesto Civil, trazendo inclusive alguns direitos aos companheiros. Doutrinariamente César Fiúza (2006, p. 969) conceitua este instituto jurídico como:
União estável é a convivência pública, contínua e duradora sob o mesmo teto ou não, entre homem e mulher não ligados entre si pelo casamento, com a intenção de constituir família. O entendimento mais moderno é que seja dispensável o mos uxoruis, ou seja, a convivência idêntica ao casamento. Bastam a publicidade, a continuidade e constância das relações, para além de simples namoro ou noivado (...). Pode haver, portanto, união estável sem que haja coabitação e vida idêntica à do casamento, embora deva estar presente a intenção de constituir família. Esta intenção traduz-se na prática de viver juntos, compartilhando o dia a dia, criando uma cumplicidade, uma comunhão de vida, amparando-se e respeitando-se reciprocamente (...).
Paulo Lôbo (2008, p. 22) explica em sua obra que ao excluir a expressão “constituída pelo casamento”, constante da Constituição de 1967/69, o Constituinte de 1988 eliminou a cláusula de exclusão relativamente ao reconhecimento jurídico das entidades familiares, donde deixaram de ser juridicamente legítimas apenas as famílias enumeradas pela Constituição, no que se consagra o princípio da pluralidade de entidades familiares no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.
Raphael Peixoto de Paula Marques (2010, p. 51) expõe que a Constituição de 1988 prevê no seu art. 5º, § 2º, dispositivo que remonta à Constituição de 1934 – uma cláusula de abertura de forma a abranger, para além das positivações concretas, todas as possibilidades de direitos que se propõem no horizonte da ação humana. A Constituição não se resume apenas à literalidade dos seus textos, pois textos constitucionais sozinhos significam muito pouco, eles apenas inauguram o problema do direito. Com efeito, Paulo Luiz Netto Lôbo (2002, p. 32) observa o seguinte:
Os tipos de entidades familiares explicitamente referidos na Constituição brasileira não encerram numerus clausus. As entidades familiares, assim entendidas as que preencham os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade, estão constitucionalmente protegidas, como tipos próprios, tutelando-se os efeitos jurídicos pelo direito de família e jamais pelo direito das obrigações, cuja incidência degrada sua dignidade e das pessoas que as integram.
O princípio da igualdade e da proibição de discriminação foram ideais expressamente protegidos pelo art. 1º, I e III, pelo art. 3º I e IV, e pelo art. 5º, X e XLI, da Constituição Federal de 1988. Raphael Peixoto de Paula Marques (2010, p. 58) lembra que os tratados internacionais de Direitos Humanos possuem estatura supralegal, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal. Se antes da Emenda Constitucional n. 45/04 havia discussão a respeito da natureza jurídica desses tratados, não obstante a defesa de autores de peso acerca da tese constitucional, atualmente o tema encontra-se pacificado. O art. 26 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e os art. 24 e 29 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), ambos incorporados pelo ordenamento brasileiro.
Art. 26
Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação alguma, a igual proteção da lei. A este respeito, a lei deverá proibir qualquer forma de discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação.
Art. 24
Igualdade Perante a Lei
Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei.
Art. 29
Normas de Interpretação
Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de:
a) Permitir a qualquer dos Estados Partes, grupos ou pessoas, suprimir o gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista;
b) Limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados;
c) Excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo;
d) Excluir ou limitar o efeito que possa produzir a Declaração Americana dos direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza.
E Marques (2010, p. 58) afiram que:
Embora tais tratados não tratem textualmente do direito à orientação sexual, tal fato, no decorrer dos anos, não foi um obstáculo para o reconhecimento desse direito no plano internacional. A Comissão de Direitos Humanos da ONU, órgão responsável pelo monitoramento do cumprimento do Pacto pelos Estados, em pelo menos duas decisões, reconheceu que a proteção contra discriminação prevista no art. 26 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos inclui a discriminação baseada na orientação sexual. Em Tooney contra Austrália (1994), a Comissão entendeu que a criminalização das relações homossexuais viola o direito à privacidade (art. 17º do Pacto) e a proteção contra a discriminação (arts. 2º e 26 do Pacto). Em Young v. Austrálida (2003), a Comissão entendeu que o indeferimento de pensão a homossexual em decorrência da morte de seu companheiro veterano de guerra viola a proteção contra a discriminação prevista no art. 26 do Pacto.
O autor Marques (2010, p. 55) lembra a iniciativa do Brasil em 2003, na 59ª sessão do Comitê de Direitos Humanos da ONU, ao introduzir uma proposta de resolução sobre a orientação sexual e os direitos humanos. Em outra ocasião, o Brasil deu suporte para que a ONU adotasse uma Carta Global (Princípios de YogyarKarta) sobre o direito à livre orientação sexual e à identidade de gênero. Em 2008, o Conselho de Direitos Humanos da ONU editou uma resolução, assinada pelo Brasil, no intuito de combater a criminalização da homossexualidade.
Segundo Mário Rodolfo Arruda (2010. p. 20) “(...) a Legislação deve se moldar aos tempos contemporâneos, às transformações visivelmente ocorridas no mundo empírico, como instrumento hábil a proporcionar uma aproximação, cada vez maior, entre as decisões judiciais e a verdadeira justiça”.
A autora Maria Berenice Dias (2009, p. 75), argumenta que o Código Civil regulamenta o casamento, dedicando-lhe 110 artigos, porém não define o casamento e, entre os impedimentos para casar, não está previsto que os noivos não podem ser do mesmo sexo. Limita-se a afirmar que o casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz a vontade de estabelecer vínculo conjugal. O Código Civil reconhece a capacidade para o casamento ao homem e à mulher com dezesseis anos e afirma que, pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família. Estas são as únicas referências na lei civil ao sexo dos cônjuges, não havendo em nenhuma delas a previsão de que o casamento é exclusivamente entre um homem e uma mulher.
Desta forma, a autora anteriormente citada não observa qualquer vedação expressa ao matrimônio de parceiros do mesmo sexo. E, realmente, não se pode observar, tendo em vista que, compreende-se que não se vive mais sob a égide de um formalismo positivista, o qual pregava que somente era juridicamente possível aquilo que os enunciados normativos reconheciam expressamente, pois, o fato da Constituição Federal de 1988 mencionar, expressamente, apenas a união entre o homem e a mulher como entidade familiar, não exclui a família homoafetiva de sua proteção, considerando o art. 5º, II, da CF 1988, segundo o qual ninguém será obrigado a deixar de fazer algo senão em virtude de lei, tem-se que inexistem proibições implícitas no Direito Brasileiro.
Acerca do que o Código Civil determina acerca do casamento e união estável, Tavares et alli (2009) diz que:
Conclui-se que o Código Civil de 2002 não trouxe os avanços pertinentes ao Direitodas Famílias, estando em desacordo com o artigo 226 da Constituição da República de 988, pois não prevê a união homossexual e outras formas de entidades familiares, tais como a monoparental, formada por qualquer dos pais, e a anaparental, formada pelos seus descendentes. Afinal, o referido artigo de nossa Constituição é uma cláusula aberta, não excluindo qualquer forma de entidade familiar.
A decisão unânime do Supremo Tribunal Federal acerca da aprovação da união estável entre pessoas do mesmo sexo foi uma vitória muito importante para o segmento homoafetivo, uma vez que concorre para a viabilização do casamento civil entre esses casais, pois, além de não haver nenhum impedimento e nenhuma letra inconstitucional ou infraconstitucional capaz de proibir esse tipo de casamento, a partir desse reconhecimento na última instância, fica mais fácil entender a viabilidade jurídica do casamento civil.
Na referida decisão, de acordo com o sítio oficial do STF, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo. As ações foram ajuizadas na Corte, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. O sítio informa que o julgamento começou no dia 04/05/2011, com a fala do relator das ações, ministro Ayres Britto, o qual votou no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, o qual se apresenta com a seguinte redação: É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Segundo o sítio, o ministro Ayres Britto argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, “ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual”. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3º da CF. Os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie, acompanharam o entendimento do ministro Ayres Britto, pela procedência das ações e com efeito vinculante, no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
Considerando que não há nenhum impedimento, nem uma proibição expressa, pois o que há é uma interpretação literal de alguns juízes a qual não atende aos anseios contemporâneos, uma vez que a família homoafetiva é uma realidade, o casamento civil entre os pares homoafetivos é perfeitamente viável, podendo advir da conversão da união estável entre pessoas do mesmo sexo, conforme § 3º do art. 226 da Constituição Federal de 1988: Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
O fato é que projetos de lei permanecem engavetados por tantos anos que acabam ultrapassados, como é o casão do Projeto de Lei nº 1.151, de 1995, de autoria da deputada Marta Suplicy, o qual já foi modificado de tal monta descaracterizando a parceria civil. O que se sabe é que poucos são os políticos com interesse em discutir, no sentido da aprovação, esse tipo de projeto corajoso voltado para os homossexuais, pelo contrário, muitos políticos preferem modificá-lo adequando-os aos seus preconceitos.
Por tudo isso e para não haver nenhum tipo de interpretação errônea, anacrônica ou mesmo reacionária dos textos constitucionais e do Código Civil acerca dos sujeitos que podem contrair matrimônio e unir-se em união estável, há a necessidade de uma nova lei alterando o artigo 1514 do Código Civil, como também alterando uma Emenda Constitucional alterando o parágrafo 3º do artigo 226, os quais passam a ter as seguintes redações, respectivamente: O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher, ou entre duas pessoas do mesmo sexo, manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados; Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher ou entre pessoas do mesmo sexo, como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Como está bem escrito no abaixo-assinado pela criminalização da homofobia, no sítio do conhecido Grupo Arco-Íris Cidadania LGBT: “Alguns preconceitos só terminam por lei”.