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Ciberprocesso: processo eletrônico, máxima automação, extraoperabilidade, imaginalização mínima e máximo apoio ao juiz

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Agenda 19/06/2012 às 17:15

5. O princípio da máxima automação.

Tudo que for passível de automação, deve ser automatizado, respeitados os princípios jurídicos materiais e processuais.

A automação, viabilizada pelos avanços da cibernética e demais tecnologias da informação, é instrumento de barateamento da produção de qualquer trabalho e de aumento incomensurável da produtividade.

Há algumas décadas, uma pergunta básica para os homens de decisão era “o que automatizar?”. Os anos tornaram essa pergunta obsoleta. No âmbito jurídico-processual, principalmente e agora, a pergunta deve ser feita ao contrário: “o que não se deve automatizar?”. E a resposta, para ser aceita, deve ser bem justificada.

Por trás desse princípio, estão duas noções básicas:

  1. a ideia de que há - e haverá sempre -, atos processuais não automatizáveis, conforme a previsão wieneriana. Mas o comando de otimização para o processo eletrônico deve ser no sentido de se alcançar, um dia, as fronteiras do “não automatizável”, entregando às tecnologias digitais tudo aquilo que for passível de automação (automação máxima). Precisa-se desmontar os “espaços sagrados” e destravar a inventividade dos técnicos e

  2. a implicação óbvia da revisão dos procedimentos pois, segundo uma velha verdade da análise de sistemas, toda automação dever vir acompanhada da correspondente subotimização68.

O legislador, que sempre foi renitente e temeroso, agora abriu as portas amplamente para a tecnologia nos SEPAJ. Basta interpretar adequadamente, por exemplo, os artigos 11, 13 e 14 da Lei 11.419/2006, entre outros.

No artigo 11, o legislador menciona genericamente os documentos produzidos eletronicamente. Em interpretação adequada, cabe aí toda forma de dado digital passível de tratamento direito e imediato pelo sistema processual. No parágrafo 1º do mesmo artigo, são referidos extratos digitais ao lado de documentos digitalizados, duas coisas diversas.

O artigo 13, cuja redação se transcreve, dá ampla liberdade para os magistrados abandonarem formas inadequadas de representação dos dados e exigirem que os dados sejam trazidos de forma a permitir a máxima automação do SEPAJ: “O magistrado poderá determinar que sejam realizados por meio eletrônico a exibição e o envio de dados e de documentos necessários à instrução do processo.” Essa permissão completa-se com o disposto no parágrafo 1º, segundo o qual “consideram-se cadastros públicos, para os efeitos deste artigo, dentre outros existentes ou que venham a ser criados, ainda que mantidos por concessionárias de serviço público ou empresas privadas, os que contenham informações indispensáveis ao exercício da função judicante.”

Por outro lado, no parágrafo 2º, o legislador abre as portas para que o acesso aos dados seja feito com respeito aos princípios da eficiência e do menor custo, sem outros condicionamentos.

Finalmente, cabe ainda destacar o parágrafo único do artigo 14, pela absoluta novidade de sua disposição: “Os sistemas devem buscar identificar os casos de ocorrência de prevenção, litispendência e coisa julgada.” A permissão para a inteligência no processo e o avanço dos programas processuais a espaços até agora não cogitados é clara, claríssima. Está autorizada a perseguição do nível máximo de automação num SEPAJ.

Portanto, é o momento de se aceitar que a automação “[...] é fonte inesgotá­vel de melhoramentos em todas as esferas da vida, traz enorme aumento de produtividade, e está fadada a transformar, com o tempo, todos os aspectos da existência humana.”69 E de se exigir a máxima automação do sistema processual.

Isso tudo sem abandonar a responsabilidade final da decisão de introdução da tecnologia no processo. Isto é, demonstrada a possibilidade da automação, os juristas, considerados os princípios jurídicos materiais e processuais envolvidos, devem dar a palavra final sobre a utilização da inovação proposta.


6. Princípio da imaginalização mínima (ou da datificação pertinente).

O princípio pode ser explicitado por dois enunciados:

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Sem desprezar a “força de uma imagem”70, considere-se que uma imagem digitalizada é um dado de difícil tratamento, além de “pesado” para armazenar. O que um computador é capaz de extrair de uma imagem produzida num escâner, para produzir informação útil para o magistrado e o processo, é mínimo ou zero. Submeter os advogados à prática do escaneamento de envelopes de pagamento e cartões de ponto, por exemplo, para juntar ao processo, não se compatibiliza com o princípio da máxima automação em dois sentidos: a) a produção e a alimentação do dado continua mecânica e b) fecha-se o caminho para o tratamento inteligente das informações contidas no documento, uma condição necessária para a máxima automação.

Os autos virtuais poderão ser considerados “lixo eletrônico” expressivo no futuro. Já há quem manifeste preocupação nesse sentido. Fala-se em desmaterializar o processo, pelo fato de gravar imagens digitais das páginas dos autos em suporte físico diferente (discos rígidos, DVDs, fitas). Vale relembrar que quando, mediante escaneamento, ainda que com certa indexação, reduzem-se os autos a imagens digitais, o que é desmaterializado é o papel. Os autos são copiados para um outro suporte físico. Mas continuam praticamente no mesmo nível de entropia71, considerando-se que a obtenção das informações contidas nas imagens dependem dos sentidos humanos (ler as imagens na tela do computador).

Massas de dados nesse formato são “não processáveis automaticamente” para produzir informação e conhecimento. E o máximo que o computador pode fazer com elas é armazenar, ou esconder, e exibir para que o ser humano, olhando, extraia dali a informação necessária. Quando o juiz quiser ver o envelope de pagamento de determinado mês, não mais correrá as páginas ensebadas dos autos, umedecendo os dedos. Passará imagens na tela do computador – aliás, segundo alguns, numa das telas, pois terá de utilizar mais de uma - clicando no mouse ou com page-up e page-down.

A imaginalização, portanto, deve ser mínima, e a datificação deve ser adequada para a máxima automação. Haverá caminhos tecnológicos para isso? No ambiente virtual, no ciberespaço, os caminhos e as possibilidades ampliam-se drasticamente. É o que demonstra o próximo princípio.


7. Princípio da extraoperabilidade.

Um SEPAJ deve ser concebido como um subsistema autônomo e estruturalmente acoplado.

Permita-se relembrar rapidamente o enfoque sistêmico luhmanniano do processo e o procedimento. Ao teorizar a sociedade sob as luzes da teoria dos sistemas, Niklas Luhmann introduziu conceitos que são fundamentais quando se pensa nos sistemas eletrônicos de processamento de ações. À luz da teoria dos sistemas das décadas de 50 e 60, Luhmann afirmava que os subsistemas sociais, aos quais equipara expressamente o procedimento judicial, se formam por diferenciação funcional e são autônomos72.

O Niklas Luhmann que Alberto Febbrajo chama de segundo Luhmann absorveu, na década de 70, as novas ideias sobre sistemas autopoiéticos, e passou a referir-se a sistemas autorreferenciais, que têm sua sobrevivência condicionada pela heterorreferenciabilidade, ou seja, devem estar estruturalmente acoplados ao sistema total, ao ambiente73. “O sistema e o ambiente concorrem sempre para a realização de todos os efeitos [...] Não existem sistemas sem ambientes ou ambientes sem sistemas [...] “74[tradução livre]. Niklas Luhmann acentua, assim, o problema da conexão entre os subsistemas, elevando sobremaneira a importância da ideia de comunicação: “Se pode assim dizer que o conceito de comunicação tende não mais a se apoiar no conceito de função, mas a substituí-lo como conceito-guia [...] “75 [tradução livre], chegando a dois outros conceitos chaves: interpenetração e interação.

Veja-se agora a questão sob enfoque da tecnologia da informação. O palavrão interoperabilidade ganhou força, a partir do surgimento da internet, porque no mundo virtual todos os sistemas devem poder comunicar-se entre si. Essa comunicação é condição da sobrevivência dos milhões de sistemas presentes na rede. Esses sistemas devem ser capazes de comunicar-se entre si, segundo determinados padrões (protocolos), com fluxo de informação em geral bilateral76.

Ocorre que, no meio tecnológico-jurídico (entre os técnicos que trabalham em sistemas eletrônicos para processo), reduziu-se o alcance do termo interoperabilidade para significar a possibilidade de contato apenas entre os sistemas processuais – dos diferentes tribunais, das diferentes instâncias etc. Ainda hoje se pode dizer que ela é mínima e na documentação do SUAP – Sistema Único de Administração Processual da JT, antes referida, a interoperabilidade – com essa acepção reduzida – é posta como uma melhoria a ser perseguida (item 7, p. 14).

Isso exigiu o neologismo extraoperabilidade, aqui proposto, para referir a conexão dos sistemas processuais com o mundo, com os demais sistemas eletrônicos disponíveis na sociedade e nos quais se encontra a grande massa de informação necessária para as ações e decisões processuais77. Tem-se de quebrar o hermetismo secular cultuado pelo direito (o que não está nos autos não está no mundo). O paradigma novo, que se propõe para o ciberprocesso, é “o que não está nos autos, está no mundo ou num outro sistema.”. E um sistema processual, devidamente acoplado (conectado), deve estar habilitado a especificar e controlar o fluxo das informações de e para o seu interior, na forma adequada para o processamento e para o alcance da máxima automação.

Exemplo de pergunta simples e intrigante: por que um advogado deve escanear os envelopes de pagamento de um empregado, dos últimos cinco anos, para juntar aos autos, se o sistema de folha de pagamento pode gerar um arquivo pequeníssimo, digital, compactado, criptografado e certificado, para entregar ao sistema processual e pôr nos autos toda a riqueza de informação contida (mas não tratável) naquela maçaroca de imagens? A partir dessas informações digitais, geradas segundo os padrões definidos pelo Poder Judiciário, quanta resposta buscada pelos juízes, no ato de julgar, poderá imediatamente ser dada pelo computador? Recebeu insalubridade? Recebeu horas extras? Quantas e com que adicional? Em que meses? Quero um mapa histórico das horas extraordinárias pagas!

Lembre-se, por exemplo, que o Ministério do Trabalho e Emprego especifica como os sistemas de folha de pagamento devem produzir, anualmente, a RAIS (relação anual de informações sociais). Esses sistemas também podem ser legalmente obrigados a conter, por exemplo, um pequeno algoritmo gerador do arquivo FDPJ – Folhas Digitais para Processo Judicial, contendo os envelopes de um certo empregado e de um certo período. O mesmo se diga dos sistemas de ponto eletrônico. E dos dados funcionais. O poder judiciário especifica a forma e os sistemas externos geram o tal arquivo para juntada ao sistema processual.

Outros exemplos:

Os técnicos multiplicarão essas possibilidades ao infinito. A tecnologia é capaz disso tudo! Está aí disponível. Basta vontade e comando/abertura para que seja utilizada.


8. O princípio da prioridade à função judicante (ato de julgar).

Um SEPAJ deve orientar-se pelo apoio máximo à função judicante estrita (ato de julgar).

O ato de decidir está preocupando os técnicos e está sendo visto como o gargalo dos sistemas processuais78. Por isso, a parcela mais expressiva de funcionalidades inteligentes de um SEPAJ deve estar voltada para o apoio máximo aos juízes no momento solitário da elaboração da decisão. A função diretiva básica, norteadora do desenvolvimento de um SEPAJ, deve ser a função decisória. É a partir dela que deve ser feita a concepção do sistema. Apoiá-la maximamente deve ser o objetivo de todos os demais passos do desenvolvimento do SEPAJ – especificação dos dados de entrada, formato, alimentação e armazenamento e os procedimentos de tratamento (o programa em si). Afinal, segundo Eaton e Smithers, “a primeira revolução industrial aplicava a máquina para ampliar o poder dos músculos do homem, ao passo que a segunda vai aplicar a TI para ampliar o poder da mente do homem.”79

O juiz Hércules, concebido por Ronald Dworkin80, não existe! Mas qualquer juiz, com o apoio tecnológico adequado, pode "herculizar-se" e ser capaz de considerar imparcialmente todos os sinais característicos relevantes de uma situação, numa dimensão de tempo adequada, à luz dos grandes princípios do ordenamento jurídico, de modo coerente e indutor da integridade do sistema.

Aristóteles fazia depender o correto julgamento da faculdade de julgar – phrónesis, um dom, pois "proceder assim [decidir corretamente] em relação à pessoa certa, até o ponto certo, no momento certo, pelo motivo certo e da maneira certa, não é para qualquer um, nem é fácil"81 As tecnologias da informação podem colocar-ser ao lado do juiz para facilitar-lhes o exercício da função num nível de excelência superior.

Os técnicos precisam saber o que os juízes buscam nos autos (que perguntas se fazem e que buscas realizam) ao decidir. A partir delas, poderão desenvolver o SEPAJ para, sendo possível, o sistema dispor das respostas prontas quando forem necessárias. Uma imensidão delas poderá ser facilmente respondida se o SEPAJ estiver (i) preparado para isso (programado), (ii) adequadamente alimentado e (iii) estruturalmente acoplado com os demais sistemas do mundo virtual. Por enquanto, os sistemas têm se ocupado demais das “franjas do processo”.

Segundo Blaise Pascal, “é necessário conhecer as partes para entender o todo, mas é necessário conhecer o todo para entender as partes.” O juiz é aquele que entende o todo e as partes do processo. Está em suas mãos dizer onde quer a tecnologia, até onde quer a tecnologia e de que forma quer a tecnologia, sendo necessário, para isso, abrir-se para o entendimento do entorno do Direito ou, mais precisamente, para o entendimento das potencialidades das tecnologias digitais, colocando-a a seu serviço.

Da tarefa trivial de formatar originalmente a sentença, até o fornecimento de informações relevantes para a decisão, um SEPAJ pode ser o parceiro fiel do juiz.

Sobre o autor
S. Tavares-Pereira

Mestre em Ciência Jurídica pela Univali/SC e pós-graduado em Direito Processual Civil Contemporâneo. Autor de "Devido processo substantivo (2007)" e de <b>"Machine learning nas decisões. O uso jurídico dos algoritmos aprendizes (2021)"</b>. Esta obra foi publicada em inglês ("Machine learning and judicial decisions. Legal use of learning algorithms." Autor, também, de inúmeros artigos da área de direito eletrônico, filosofia do Direito, direito Constitucional e Direito material e processual do trabalho. Várias participações em obras coletivas. Teoriza o processo eletrônico a partir do marco teórico da Teoria Geral dos Sistemas Sociais de Niklas Luhmann. Foi programador de computador, analista de sistemas, Juiz do Trabalho da 12ª região. e professor: em tecnologia lecionou lógica de programação, linguagem de programação e banco de dados; na área jurídica, lecionou Direito Constitucional em nível de pós-graduação e Direito Constitucional e Direito Processual do Trabalho em nível de graduação. Foi juiz do trabalho titular de vara (atualmente aposentado).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, S. Tavares-. Ciberprocesso: processo eletrônico, máxima automação, extraoperabilidade, imaginalização mínima e máximo apoio ao juiz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3275, 19 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22047. Acesso em: 23 dez. 2024.

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