3 Responsabilidade política no Judiciário: juízes responsáveis?
O significado desse modelo de responsabilidade pode ser explicado, em linhas gerais, como aquele ocorre perante os órgãos políticos (Legislativo ou Executivo) através de procedimentos de natureza política que não se fundamentam em violações legais, senão em comportamentos (que inclusive podem ser extrajudiciais) avaliados com base em critérios igualmente políticos (CAPPELLETTI, 1988, p. 42).
Os países de tradição do Commom Law (casos de Inglaterra e Estados Unidos), em geral, fornecem os melhores exemplos da manifestação da responsabilidade política judicial, onde juízes e magistrados podem ser destituídos de seus cargos quando não mantenham um bom comportamento no exercício de suas funções[11]. No entanto, se tem registro que países do sistema Civil Law (entre eles Argentina) também mostraram indícios da presença desse tipo de responsabilidade[12].
No sistema jurídico brasileiro, seguindo a tradição do modelo Civil Law, a regra geral é a da ausência de responsabilidade política no âmbito da magistratura. Juízes e magistrados são imunes ao controle dos poderes políticos do Estado e por esse mesmo motivo não respondem perante a eles, haja vista que se submetem a um sistema de responsabilidade (penal, civil e disciplinar) exigível pelos órgãos internos que compõem o Poder Judiciário[13].
Contudo, a exceção está no artigo 52 - inciso II da Lei Maior - que admite a responsabilização política dos ministros do Supremo Tribunal Federal pelos crimes de responsabilidade (ou crimes políticos) nos termos da Lei Federal n° 1.079 de 10.04.1950. Após definir os delitos de responsabilidade em que podem incorrer o Presidente da República e os Ministros de Estado com o respectivo procedimento competente, a lei dita as situações nas quais os ministros do STF responderão perante o Senado Federal, cujas penas podem ir desde a inabilitação para o exercício de qualquer função pública durante cinco anos até a perda do cargo[14].
Apesar de antiga, a legislação referida é a única que trata sobre o “impeachment” de magistrados, exclusivamente dos membros do Supremo Tribunal Federal. Mesmo assim, não passou despercebida aos comentários críticos de alguns autores como Paulo Bonavides (2011, p. 336) para quem o instituto do “impeachment” é “um processo de formas criminais (ainda que não seja um procedimento penal estrito), repressivo, a posteriori, seu manejo é difícil, lento, corruptor e condicionado à prática de atos previamente capitulados como crimes”. A continuação o autor cita:
“Sobre o impeachment, esse ´canhão de cem toneladas` (Lord Bryce), que dorme ´no museu das antiguidades constitucionais` (Boutmy) é ainda decisivo o juízo de Rui Barbosa, quando assevera que ´a responsabilidade criada sob a forma de impeachment se faz absolutamente fictícia, irrealizável e mentirosa`, resultando daí no ´presidencialismo um poder irresponsável e por consequência, ilimitado, imoral, absoluto`.
Um exemplo prático que ilustra o tema da responsabilidade política dos ministros do Supremo Tribunal Federal foi o que envolveu a instauração de processo de “impeachment” contra Gilmar Ferreira Mendes. O pedido formulado pelo advogado Alberto de Oliveira Piovesan, com fundamento na lei n° 1.079/1950, foi apresentado perante o presidente do Senado Federal. A acusação que pesava sobre Mendes se referia, em síntese, a uma suposta relação de favorecimento pessoal que ele mantinha com alguns escritórios de advocacia.
Não obstante o referido processo ter sido arquivado pelo Senado, Alberto Piovesan impetrou a ação de Mandado de Segurança (MS n° 30672/DF) junto ao Supremo Tribunal Federal para o fim de decretar nula a decisão de arquivamento proferida pelo presidente daquela casa legislativa e o normal seguimento do pedido de “impeachment”. Contudo, em sessão do Pleno do STF o ministro relator Ricardo Lewandowski negou provimento ao mandado, o que resultou na posterior interposição de um agravo regimental contra tal pronunciamento.
Diante do clima desconfortável e tenso nos corredores do órgão de máxima instância do Poder Judiciário brasileiro em virtude da apuração de suposto crime responsabilidade praticado por Gilmar Mendes, uma solicitação de vista dos autos formulada por Marco Aurélio de Mello postergou uma decisão final sobre o assunto. Os ministros, então, se reuniram em outra oportunidade e com um julgamento marcado por votação unânime, entenderam pela manutenção da decisão do Senado e o encerramento definitivo do processo com o seu consequente arquivamento.
Como se pode verificar, o caso anteriormente relatado torna evidente que o debate sobre a responsabilização política dos ministros do Supremo Tribunal Federal se encontra, efetivamente, sob um esquema de controle interno levado a cabo pelo próprio Poder Judiciário e não sob uma fiscalização externa realizada por um órgão político estranho a seara jurisdicional (no caso do Legislativo)[15].
A Constituição ainda se preocupou em determinar que os membros dos Tribunais Superiores serão julgados por crimes de responsabilidade pelo Supremo Tribunal Federal (art. 102, inciso I, CF); os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, assim como os membros dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Ministério Público da União pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 105, inciso I, a, CF); os juízes estaduais, do Distrito Federal e os membros do Ministério Público respondem perante os Tribunais de Justiça (art. 96, inciso III, CF)[16].
A implantação de um sistema de responsabilidade político judicial no Brasil parece ser incompatível com a noção de um Estado democrático que preconiza a separação harmônica e equivalente das três funções estatais. Além disso, a ideia de responsabilizar politicamente juízes e magistrados se esbarra com o principio da independência judicial ao admitir um controle externo sobre a atuação deles e com o principio da inamovibilidade ao submetê-los a uma sanção de caráter política que prevê o afastamento temporário da função pública ou até a perda do cargo.
4 Responsabilidade penal: juízes no banco dos réus
O fundamento desse tipo de responsabilidade versa sobre o abuso da função judicial e a violação dos pressupostos constitutivos do Estado de direito, entre eles a submissão ao império da lei. O desvio da finalidade institucional do Poder Judiciário por atos comissivos ou omissivos exercidos pelos seus funcionários abala não somente a estrutura política do Estado, como contribui imensamente para provocar um total descrédito dos cidadãos com relação à imagem da justiça.
A responsabilização penal judicial surge a partir da comprovação do abuso ou exercício desviado da função de julgar com violação das leis penais e não se confunde em nada com o erro judiciário, que gera efeitos no campo civil. Sobre esse tema, Bacigalupo (2002, p. 1192) aduz que a responsabilidade penal se baseia na frustração do ideal de vigência efetiva do direito, ainda que existam frustrações que, por sua natureza, não desvirtuam o sistema jurídico como nos casos de aplicação errônea do direito derivado de falha humana.
O tratamento dos códigos penais de vários países sobre os delitos cometidos pelos funcionários judiciais abrange um rol extenso de possibilidades. Entretanto, se pode muito bem distinguir duas classes comuns em praticamente todos eles: a) crimes de corrupção passiva que se configura por uma aplicação imprópria do direito; b) crimes que refletem o distanciamento de juízes e magistrados com a lei no momento de julgar um caso concreto (exemplo da prevaricação judicial).
No ordenamento jurídico brasileiro, esses dois delitos se encontram previstos no Código Penal (Decreto-lei n° 2.848 de 07.12.1940) nos artigos 317[17] e 319[18]. Ainda que esses dispositivos não estabeleçam de modo expresso que juízes e magistrados poderiam figurar como sujeitos ativos, ao inserir-lhes na categoria dos agentes que desempenham funções ou atribuições de caráter público (serviço da administração da justiça) lhes cabe a imputação pela prática dos mesmos[19].
Não obstante a dificuldade em catalogar todos os delitos nos quais juízes e magistrados poderiam incorrer como sujeitos ativos, o estudo alude apenas aos crimes mais comuns atribuídos a eles tais como a corrupção passiva e a prevaricação, figuras que atentam contra a independência e imparcialidade judicial. A este respeito Cappelletti destaca que (1999, p. 62): “tudo o que a independência e a imparcialidade reclamam é o uso prudente, mas certamente não a total exclusão, das sanções penais contra juízes, que não podem ocultar atrás da toga de magistrado crimes pelos quais outros funcionários públicos estarão sujeitos à condenação”.
5 Responsabilidade civil dos juízes: o custo do erro judicial
A responsabilidade civil dos juízes e magistrados ainda hoje suscita grandes discussões no âmbito da doutrina, jurisprudência e leis. A expansão do instituto nas democracias modernas se relaciona não só com o crescente do protagonismo adquirido pelo Poder Judiciário durante o século XX, mas também com a aceitação da responsabilidade do Estado quando do cometimento de danos ocasionados pela atuação dos agentes estatais e, finalmente, pela própria importância atribuída ao tema dentro do universo do direito privado.
Inicialmente, a responsabilidade civil judicial dentro do contexto de um Estado de direito contemporâneo pode ser compreendida desde duas perspectivas: a) como um dos elementos-chave que compõe o estatuto dos juízes e magistrados ao lado da independência judicial no que diz respeito à configuração do Poder Judiciário e da função jurisdicional; b) como importante garantia que assegura o direito dos cidadãos à restituição integral dos prejuízos causados em decorrência do exercício de um trabalho judicial anômalo (aplicação de preceitos derrogados, inconstitucionais ou interpretações de lei insustentáveis).
A instituição teve uma influência significativa nas legislações de vários países. Na realidade, o mundo ocidental esteve bem dividido quanto a regulação do assunto: enquanto que os países europeus aceitaram a existência do modelo de responsabilidade civil e somente se preocuparam em fixar a configuração e os limites do mesmo em observância à independência judicial e da atividade do Poder Judiciário, a cultura anglo-saxão consagrou a imunidade da responsabilidade de juízes e magistrados como mecanismo de proteção da independência judicial.
Na Legislação Brasileira, o fundamento constitucional que introduz o dever jurídico do Estado a reparar os danos injustamente causados pelos atos pelos de seus funcionários (onde se incluem os juízes) está no artigo 37, parágrafo sexto, da Constituição da República que tem a seguinte redação: “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito de privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Diante da constatação da responsabilidade objetiva do Estado se nota que verbo “causar” antevê que só o comportamento positivo pode gerar o dever de indenizar, mediante a demonstração da relação de causalidade entre o ato levado a efeito pelo agente e do dano efetivamente produzido. Do contrário, se estaria em presença de uma responsabilidade do tipo subjetiva que se baseia na culpa do agente e requer a sua comprovação para que surja a obrigação de indenizar, pois não basta apenas o comportamento humano causador do prejuízo.
Em se tratando da responsabilidade dos juízes e magistrados em função das sentenças e providências injustas contrárias ao bom funcionamento do serviço de justiça, esta está regulada pelo Código de Processo Civil (Lei Ordinária n° 5.869 de 11.01.1973) que, no artigo 133 - caput preceitua: “Responderá por perdas e danos o juiz, quando: I) no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II) recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deve ordenar de ofício, ou a requerimento das partes”[20].
A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar n° 35/1979) também trata sobre o assunto da responsabilidade civil dos juízes e magistrados no artigo 49 - caput e o faz reproduzindo integralmente o texto do Código de Processo Civil de 1973: “Responderá por perdas e danos o magistrado, quando: I) no exercício de suas funções proceder com dolo ou fraude; II) recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento das partes”.
A partir do exposto, se pode afirmar que o ordenamento jurídico brasileiro experimentou uma real evolução na medida em que prevê alguns mecanismos tendentes a responsabilização civil da função judicial. Com base no princípio elementar da convivência social de que aquele que lesiona um direito alheio deve suportar as consequências dos danos ocasionados, os indivíduos que ostentam o cargo de juízes e magistrados, igual que aos demais funcionários do Estado, também são chamados a recompor os prejuízos originários das falhas ocorridas no processo de formação do seu livre convencimento sobre os fatos do processo e pela aplicação errônea do Direito no momento de solucionar uma controvérsia.
6 Responsabilidade social do Poder Judiciário e a influência dos meios de comunicação
O controle e pressão exercidos pela sociedade sobre o Poder Judiciário propiciou o debate sobre uma importante modalidade de responsabilidade: a responsabilidade social de juízes e magistrados. A obrigação desses profissionais em responder perante o público pelos atos que pratica encontra amparo nas bases constitutivas do Estado democrático de direito, assim como nas garantias processuais da oralidade, publicidade, motivação e fundamentação das sentenças, além de cumprir com a missão de manter a confiança dos cidadãos na justiça.
A Carta Magna brasileira estabelece aos tribunais: a) a obrigatoriedade de motivar as decisões administrativas (art. 93, inciso X, CF), isto é, indicar os motivos que, com base na lei, autoriza tais decisões; b) que todos os julgamentos serão públicos como forma manter toda a coletividade informada das suas atividades (art. 93, inciso IX, primeira parte, CF); c) que todas as decisões devem ser fundamentadas e reveladas as razões que levaram os julgadores a proferirem suas sentenças sob pena de nulidade das mesmas (art. 93, IX, segunda parte).
Importante advertir que ainda que esse modelo de responsabilidade não gere a imposição de uma sanção jurídica, ele funciona como um indicador que serve para informar a opinião pública sobre o desempenho da função judicial. Enquanto ao seu fundamento, este está inserido no artigo 5° da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei n° 4.657 de 04.09.1942) que enuncia: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
No entanto, se observa que na vida prática a responsabilidade social da magistratura é mais bem compreendida como a importância de que durante o processo de interpretação e aplicação da lei a um caso concreto, juízes e magistrados guardem uma conduta digna, honesta, recatada, humana e que sejam conscientes das implicações que suas decisões possam provocar sobre um dado setor econômico-social ou sobre a execução de um serviço público, sob o risco de sofrerem um violento juízo ético de reprovação.
Além do mencionado anteriormente, merece especial atenção a questão da influência dos meios de comunicação no julgamento dos processos judiciais. Amparados pelo argumento do exercício de liberdade de manifestação de pensamento e informação constitucionalmente assegurados (incisos IX e XIV do artigo 5°, CF), eles muitas vezes emitem valorações sobre um assunto sub iudice, contribuindo para formar um juízo de inocência ou culpabilidade sobre o acusado com a consequente instalação de um poderoso estado de opinião pública.
No entanto, estas valorações ou pré-julgamentos emitidos principalmente por muitos programas de televisão do Brasil, onde os apresentadores se colocam no papel de verdadeiros especialistas e investigadores na discussão de casos judiciais de grande repercussão social[21] não se limitam a tecer apenas singelos juízos valorativos, pois como bem esclarece Quintana-Carretero (2008, p. 39):
“eles vão muito mais além tanto é que neles se procede à realização de investigações paralelas sobre a base da desconfiança, acompanhadas de um seguimento escandaloso do sumario e a busca de contradições no mesmo, duplicando-se o juízo, com a vontade de dirigir a opinião pública com respeito à determinada direção, como se ao lado da verdade judicial existisse uma verdade popular”.
De tal modo, essa interferência dos meios de comunição não se coaduna com o direito à liberdade de expressão e informação do artigo 5° da Constituição. Isso porque, em muitas ocasiões ao fazerem uso de uma linguagem objetiva distinta do vocabulário jurídico, se valem de informações gratuitas e não contrastadas com aquelas presentes nos autos, o que acaba por afetar o direito do acusado a um processo com todas as garantias penais, além de comprometer o seu direito a presunção de inocência (art. 5°, inciso LVII, CF). Ainda que a influência dessas valorações não devesse causar um impacto sobre a conduta judicial no processo, realmente não se pode ignorar que nenhum tribunal ou juiz é absolutamente inatingível a um concreto estado de opinião pública, o que põe em dúvida a sua liberdade no momento de resolver um caso[22].
Embora não haja no Brasil uma regulamentação específica com o fim de restringir a atuação negativa dos meios de comunicação, no momento em que se constata que o pressuposto da imparcialidade do julgador foi comprometido pelos juízos prévios paralelos dos veículos jornalísticos cabe, por força dos artigos 312 e seguintes do Código de Processo Civil, o traslado dos autos a um juiz substituto[23].
A jurisdição penal também adota a orientação de que ao reconhecer-se uma circunstância que afete o livre convencimento do julgador motivado pelas opiniões jornalísticas, o processo deve ser enviado a um juiz substituto legalmente estabelecido para que, desse modo, possa seguir o seu curso normal (artigo 97 e seguintes do Código de Processo Penal – Decreto-Lei n° 3.689 de 03.10.1941).
Nessa perspectiva, Lopes Jr (2005, p. 183) observa que:
“A atividade probatória, antes dirigida a formar uma convicção racional, também tem que derrubar uma esfera emotiva (pré-constituida) e também o pré-julgamento (forjado pela imprensa e seus juízos paralelos). É imenso prejuízo pelo pré-juizo gerado pela intermediação midiática, com patente comprometimento da imparcialidade e da independência do julgador”.
Em decisão do Supremo Tribunal Federal em sede de Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n° 690.841/SP, no intuito de regular o comportamento profissional da imprensa aquele tribunal firmou o entendimento de que não se caracteriza abuso da liberdade de informação a divulgação de opiniões mesmo em tom de crítica dirigidas a pessoas públicas (e a figuras notórias) por razões de interesse coletivo, conforme se desprende no voto do ministro relator Celso de Mello:
“(...) o conteúdo da matéria jornalística que motivou o ajuizamento da presente causa, longe de evidenciar prática ilícita contra a honra subjetiva do suposto ofendido (parte ora agravante) traduziu, na realidade, o exercício concreto, pelo profissional da imprensa (ora agravado), da liberdade de expressão, cujo fundamento reside no próprio texto da Constituição da República, que assegura, ao jornalista, o direito de expender crítica, ainda que desfavorável e mesmo que em tom contundente, contra quaisquer pessoas ou autoridades. Ninguém ignora que, no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão estatal ao pensamento, ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse coletivo e decorra da prática legítima, como sucede na espécie, de uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional (CF, art. 5°, IV c/c o art. 220)”[24].
Com referência ao direito europeu, países como Itália, Espanha e Portugal estabeleceram alguns instrumentos com o claro propósito de impedir um controle social desgovernado e abusivo por parte dos meios de comunicação sobre os processos judiciais e, com isso, evitar a vulneração dos valores basilares do Estado de direito contemporâneo, tales como a independência e imparcialidade judicial.
No direito italiano existe uma proibição legal que veda a publicação das atuações dos juízes até que sejam finalizadas as diligências preliminares ou as audiências preliminares no processo criminal. Caso idêntico ocorre em Portugal, onde na fase de instrução criminal é defeso aos profissionais da comunicação realizar investigações paralelas e divulgar comentários ou pareceres sobre os resultados obtidos. Por último, o Tribunal Constitucional espanhol acompanhou o posicionamento do Tribunal Europeu de Direitos Humanos que admite a legalidade dos juízos paralelos dos meios de comunicação, desde que estes não atuem em desfavor do trabalho judicial (STC 136/1999, de 20 de julho).
Em matéria de direitos humanos, a redação do artigo 10 do Convênio Europeu de Direitos Humanos adotado pelo Conselho da Europa no ano de 1950, confere proteção ao direito a liberdade de expressão e de opinião, mas por outro lado não descarta a possibilidade de que possa sofrer restrições ou limitações legais, entendidas como medidas necessárias concernentes à garantia da autoridade e imparcialidade do poder judicial.
Vê-se, portanto, que as informações provenientes da imprensa jornalística que questionam fatos discutidos em juízo e causam óbices ao desenvolvimento regular do processo, mediante um sensacionalismo injustificado e com vistas a distorcer a realidade judicial, devem ser limitados a fim de garantir o respeito aos bens e valores constitucionais em conflito, o direito das partes a um processo justo e, por último, manter a confiança dos cidadãos no sistema de Justiça.
Mesmo diante da ausência no sistema jurídico brasileiro de mecanismos específicos para limitar e sancionar os abusos de expressão e informação, assim como a cessação de qualquer tipo de valoração jornalística que possa influenciar negativamente a função de julgar, resta imperioso o compromisso ético e deontológico dos inúmeros profissionais de autorregularem o seu trabalho informativo com o propósito de não comprometer ou mesmo impedir o desenvolvimento natural dos órgãos e instituições estatais (entre eles o Judiciário).