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Reflexões sobre a responsabilidade judicial no Estado de Direito contemporâneo

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Agenda 23/06/2012 às 16:31

Conclusão

A responsabilidade judicial reside em um dos elementos que configuram o estatuto jurídico de juízes e magistrados no Brasil, além de uma exigência de todo Estado constitucional e democrático de direito. Contudo, ela não pode ser considerada um componente que limite ou obstaculize a independência e a imparcialidade judicial, uma vez que deve guardar comunhão com outras garantias (inmovilibilidade e submissão à lei) com o fim de articular o modo de ser do Poder Judiciário e de fixar os contornos atinentes ao exercício da função jurisdicional.

A importância do papel judicial nas democracias contemporâneas é inquestionável, posto que a atividade de interpretação e aplicação das normas levada a cabo por pelos profissionais da justiça – seja nos litígios entre particulares como nos processos em que o Estado é parte - assegura que os direitos e obrigações descritos nas leis sejam reconhecidos e sancionados. Desse modo, o resultado do trabalho judicial provoca, indiscutivelmente, um forte impacto sobre a sociedade no geral.

Entretanto, os juízes e magistrados também são seres humanos passíveis de incidir em condutas reprováveis durante a difícil tarefa de julgar e, assim sendo não escapam a um controle realizado pelos órgãos internos do Poder Judiciário. Busca-se de toda forma evitar a chamada “ditadura ou governo judicial” que não é compatível com os valores que norteiam uma sociedade democrática e, com isso, eles devem responder pelos prejuízos causados como qualquer outro funcionário do Estado.

  Um dos principais problemas ao que se encontra a responsabilidade judicial se refere ao estabelecimento dos limites da mesma e nisso os diferentes sistemas normativos ocidentais divergem. No Brasil, existem normas sobre a matéria com o claro propósito de salvaguardar a independência e a submissão dos juízes e magistrados à lei, mas não se pode negar a dificuldade quanto à identificação e punição dos comportamentos nefastos que afetam o Judiciário, pois quase sempre são imperceptíveis e possuem um caráter reservado, ou seja, fora do domínio público.

 Portanto, tão importante quanto falar na responsabilidade judicial pelos danos derivados do exercício da função judicante é apostar em uma formação de alto nível aos presentes e futuros juízes e magistrados. Desse modo, é imprescindível que o Poder Público crie condições necessárias para que esses funcionários obtenham todos os conhecimentos práticos e teóricos e que conheçam com bastante profundidade a realidade jurídica brasileira para, assim, administrar e solucionar os conflitos e manter a confiança dos cidadãos no braço forte da justiça.


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Abstract

This article presents an approach to legal responsibility which represents an important guarantee for the proper functioning of the judicial system. The growing development of judicial functions in several western countries in the 20th century, with a greater interference in the political-social issue, has a particular relevance, especially when judges and courts have autonomy and independence to make decisions that preclude their subsequent monitoring and review by the political powers of the state. In this sense, it is quite essential to create efficient mechanisms in order to determine responsibility for acts committed in the exercise of judicial functions, as well as to demand a contemporary rule of law with a focus on the quality of judicial services. It is also important to contribute to the strengthening of public confidence in the administration of justice. 

KEYWORDS: Contemporary Rule of law. Judicial Function. Responsibility.


Notas

[1] A compreensão acerca da concepção de Estado de direito tem suscitado constantes divergências na doutrina devido ao fato de que o termo sofreu várias conformações no seu significado ao longo do tempo, como resultado da inserção de valores e conteúdos originários de concepções liberais, sociais, democráticas e constitucionais. Por isso, se adota tão somente o vocábulo “Estado de direito contemporâneo” para se referir ao atual estágio de evolução jurídica do Estado.

[2] A tradicional doutrina da divisão dos poderes, método de distribuir e controlar o exercício do poder político que serviu como repressão ideológica do liberalismo político contra o absolutismo monárquico, adquiriu um forte caráter dogmático não mais sendo concebida nos dias de hoje como uma formulação imutável de um pensador e tampouco como um sistema perfeito, senão como o mais adequado para a organização de um determinado tipo de Estado moderno (RODRÍGUEZ-AGUILERA, 1980, p. 28).

[3] Essa concepção puramente mecânica ou redutiva da função judicial se correspondia com o pensamento de Montesquieu sintetizado na frase de que os juízes são a boca que pronunciam as palavras da lei, isto é, seres inanimados que não podem moderar nem a força nem o rigor daquela, precursora por outra parte de um positivismo jurídico e do mais falso mecanismo da função de julgar.

[4] A expressão “ativismo judicial” denota a eleição de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição pelos juízes e, assim, expandir o alcance e conteúdo das suas normas más além do estabelecido pelo legislador ordinário. Sua origem histórica se reporta ao período compreendido entre 1954-1969 nos Estados Unidos quando a Suprema Corte de Justiça, presidida pelo magistrado Earl Warren, se destacou pela intensificação e disseminação de práticas políticas conduzidas por uma jurisprudência progressista em temas de direitos humanos (BARROSO, 2011, p. 674).

[5] Tal fenômeno é conhecido no âmbito das ciências jurídicas e sociais como judicialização da política, o qual compreende uma maior inserção do Poder Judiciário no âmbito político para expressar o crescimento da sua importância e efetiva participação na vida social, econômica e política do Estado. Entre os casos que ilustram a presença do fenômeno no Estado brasileiro se pode citar aquele referente à proibição do nepotismo nos três poderes (ADC n° 12/DF), onde o Judiciário invocou uma nova responsabilidade para regulamentar um tema de caráter eminentemente político.

[6] A Espanha consagra o princípio da independência dos juízes no artigo 117.1 do seu ordenamento constitucional, ao igual que a Lei Fundamental da República da Alemanha (artigo 97) que determina que os juízes são independentes e somente submetidos ao império da legalidade.

[7]  Essas influências, tanto externas como internas e estranhas ao exercício da função judicial, podem ser provenientes de pressões exercidas pelos poderes Executivo e Legislativo, pelos próprios órgãos que integram o Poder Judiciário, o eleitorado ou a opinião pública.

[8] STF, Inq 2699 QO/DF, Tribunal Pleno, Rel Min. Celso de Mello, j. 12/03/2009, DJ 08-05-2009.

[9] Na verdade, o esquema de elaboração desses códigos possuem algumas dificuldades no campo prático. Uma delas é o conteúdo, pois a exposição dos critérios e princípios que devem nortear a atividade judicial quase sempre é feita de forma geral, abrindo margem para que cada profissional reflita sobre o que seria a ética de uma conduta.

[10] O Supremo Tribunal Federal, na ação direta de inconstitucionalidade n° 4.638, pôs fim a controvérsia sobre a competência do Conselho Nacional de Justiça para investigar e punir magistrados e servidores do Judiciário, sem depender das corregedorias locais. Por maioria de votos (6 a 5), os ministros decidiram manter os poderes do órgão e reconhecer a sua autonomia para levar a cabo investigações contra juízes e magistrados, consolidando o Estado de direito e enaltecendo os valores democráticos.  

[11] Na Inglaterra, os juízes dos Tribunais Superiores podem ser removidos pela Rainha por iniciativa das duas câmaras do Parlamento (Câmara alta e baixa), cujas decisões têm uma natureza essencialmente política e carece de conteúdo jurisdicional Nos Estados Unidos, o artigo II – seção 4 da Constituição preceitua que os juízes federais podem ser sancionados por intermédio de um juízo político (impeachment) quando incorrem em traição, suborno e outros delitos graves, mediante a acusação realizada pela Câmara de Representantes e julgamento pelo Senado. É imprescindível acrescentar que em alguns Estados americanos, a possibilidade o afastamento dos juízes estaduais eleitos através do “recall” é perfeitamente aceitável, apenas verificar a insatisfação dos cidadãos com a atuação daquele juiz e que, portanto, solicitem a remoção do mesmo antes do término do seu mandato.

[12] Na Argentina, o artigo 53 da Constituição (com a reforma de 1994) admite que os magistrados da Corte Suprema de Justiça possam vir a responder pelo desempenho irregular de suas funções ou pelo cometimento de delitos no exercício das mesmas, cuja acusação é formulada pela Câmara dos Deputados e julgamento levado a efeito pelo Senado. 

[13] Enquanto ao processo de seleção dos juízes brasileiros, o ingresso na carreira se dá obrigatoriamente por meio de concurso público de provas e títulos (artigo 93, inciso I, CF). O acesso aos cargos superiores ocorre de entrância para entrância, obedecidos aos critérios de antiguidade e merecimento (artigo 93, inciso II, CF), excluído qualquer ingerência das instâncias políticas do Estado.

[14] O artigo 39 da Lei n° 1.079/1950 enuncia expressamente que são crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal: 1) alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal; 2) proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa; 3) Ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo; 4) proceder de modo incompatível com a honra, dignidade, decoro de suas funções.

[15] Um dos frequentes argumentos utilizados para afastar a incidência da responsabilidade política de juízes e magistrados se baseia no fato de que eles não exercem funções de natureza política e que a sua investidura no cargo não se dá por meio de um procedimento político, o que não enseja o dever de responder perante as instâncias representativas do Estado.

[16] Para Ruy Rosado Aguiar Júnior (1997, p. 7): “a expressão ´crimes de responsabilidade` entrou para a Constituição brasileira sem o exato conceito técnico ou científico e decorre de defeito de linguagem que se insinuou na nossa legislação durante o Primeiro Reinado, servindo para designar indistintamente as infrações políticas, cometidas por autoridades políticas, e as infrações funcionais (crimes comuns) praticadas por funcionários públicos”.

[17] Artigo 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumí-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem – Pena de reclusão de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”.

[18] Artigo. 319 – Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de oficio, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal – Pena de detenção de 03 (três) meses a 01 (um) ano e multa”.  

[19] A definição de funcionário público trazida pelo Código Penal (art. 327, caput) é simples, porém amplia como se pode perceber: “Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”.

[20] Cabe esclarecer a diferença que entre a Constituição e as leis infraconstitucionais na regulação do da responsabilidade civil judicial: o texto constitucional trata sobre a tutela constitucional dos interesses de terceiros afetados por erros dos agentes estatais que relata a relação entre vítima e Estado (art. 37, § 6° CF); a legislação ordinária remete a relação entre vítima e juiz (Código de Processo Civil e a Lei Orgânica da Magistratura Nacional).

[21] Dois casos muito polêmicos e que tiveram grande repercussão tanto nacional como internacional, onde se pode muito bem constatar a evidente atuação dos veículos comunicativos sobre o Poder Judiciário foram os que envolveram: a) a disputa judicial, em 2009, pela guarda de Sean Richard Bianchi Carneiro Ribeiro Goldman entre seus parentes maternos e o seu pai norte-americano David Goldman que, inclusive, se converteu em um problema diplomático entre Brasil e Estados Unidos; b) e o assassinato da garota de cinco anos Isabela Nardoni, no ano de 2008, cuja autoria do crime foi atribuída a sua madrasta Anna Carolina Peixoto Jatobá e o seu pai Alexandre Nardoni.

[22] Em algumas situações, os magistrados e juízes chegam a receber fortes críticas pela sua atuação em um processo criminal, podendo estender-se até mesmo ao âmbito pessoal com o propósito de gerar nos cidadãos certa dúvida sobre a objetividade e imparcialidade daqueles profissionais.  

[23] Na Alemanha, não há registro de uma disposição constitucional ou legal que trate sobre o controle social dos meios de comunicação sobre o poder judicial, pelo que se analisa cada caso sempre levando em consideração o princípio da proporcionalidade e a ponderação dos interesses em conflito.

[24] STF, AI 690841 AgR/SP, 2ª Turma, Rel Min. Celso de Mello, j. 21/06/2011, DJ 05-08-2011.

Sobre o autor
João Marcelo Negreiros Fernandes

Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Mestre em Direito Público pela Universidade de Salamanca (Espanha) e doutorando pela mesma Universidade.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, João Marcelo Negreiros. Reflexões sobre a responsabilidade judicial no Estado de Direito contemporâneo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3279, 23 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22067. Acesso em: 22 nov. 2024.

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