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A contribuição de melhoria no direito brasileiro: a teoria de seu posicionamento no sistema tributário nacional

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Agenda 03/07/2012 às 10:31

3. A prática da contribuição de melhoria

Como se percebe, a teoria geral da contribuição de melhoria demonstra um tributo diferente dos demais, cuja finalidade se encaixa perfeitamente com o atual modelo de Estado brasileiro, o Estado Social e Democrático Direito.

No entanto, a prática comprova que essa sintonia de ideologias não foi capaz de conferir à contribuição de melhoria relevante papel no sistema tributário nacional. Pelo contrário, o seu desuso sugere que se trata de mais uma fonte de arrecadação totalmente ignorada[91] pelo Estado brasileiro.

A pergunta que se impõe é: quais são as razões do seu insucesso no Brasil?

3.1. Razões do insucesso no direito brasileiro

Na doutrina estrangeira alguns afirmam que o insucesso da contribuição de melhoria, no Brasil, provém do fato de se haver entendido que sua cobrança apenas é possível depois de concluída a obra[92].

Esse entendimento constituiria um óbice para que ela desempenhasse sua finalidade como meio para se financiar obras públicas, além de causar problemas de aspecto prático nos casos de alienação de imóveis antes do lançamento do tributo[93].

Hugo de Brito Machado constata que a conclusão da obra, como condição para a cobrança da contribuição de melhoria, pode, sim, dificultar o seu uso como instrumento para financiamento de obras públicas[94].

Entretanto, nada impede que a Fazenda Pública adiante os recursos, para reembolso em momento posterior, ou até mesmo obtenha empréstimo junto a instituições financeiras, viabilizando, assim, a construção da obra pública.

Essa constatação, ressalte-se, não decorre apenas de interpretações doutrinárias, mas, também, do que expressa o art. 9º do Decreto-lei 195/67[95].

Ademais, as obras públicas de maior porte são, em geral, realizadas com recursos oriundos de instituições financeiras, inclusive internacionais.

Destarte, a exigência de conclusão prévia da obra não constitui um obstáculo efetivo, que, por si só, explica o insucesso da contribuição de melhoria no sistema tributário brasileiro[96].

Por outro lado, como já fora ressaltado anteriormente, a contribuição de melhoria não deve ser entendida como instrumento de captação e recursos financeiros. Ou seja, não pode ser encarada como um tributo dotado de finalidade meramente fiscal.

Sua finalidade principal é servir de instrumento, sim, mas para o retorno, aos cofres públicos, dos recursos gastos com a obra, na medida em que dessa decorra valorização imobiliária, constituindo uma barreira ao enriquecimento injusto dos proprietários dos imóveis valorizados em detrimento da coletividade, a qual financia a obra[97].

Com efeito, deve-se perfilhar o entendimento de Hugo de Brito Machado, no sentido de que, não descartando totalmente o entendimento anterior,

a verdadeira razão para a não cobrança da contribuição de melhoria, no Brasil, é a exigência legal de publicação do orçamento da obra, e do direito do contribuinte de impugnar o respectivo valor, porque as obras públicas em nosso país, desgraçadamente, são quase todas objeto de vergonhoso superfaturamento. Por isto mesmo a Administração Pública prefere não fazer as coisas com a transparência que a lei exige, como condição para a cobrança da contribuição de melhoria.[98]

Como já abordado, a contribuição de melhoria constitui mais um estímulo à disposição do contribuinte para que ele exerça a fiscalização dos gastos públicos. Sendo assim, ela configura um verdadeiro instrumento a ser utilizado contra o mau uso do dinheiro público. Em outras palavras, a existência da constituição de melhoria significa a existência de mais um nível de controle à Administração Tributária.

Daí, exercício lógico explica o insucesso da contribuição de melhoria.

Ora, caso o legislador proceda à instituição do tributo em questão, estará submetendo-se a mais uma esfera de controle, representada, aqui, pelo contribuinte, aquele responsável pela sua carreira política e de seus pares. Sendo assim, essa situação se demonstra no mínimo incômoda e explica a não utilização da contribuição de melhoria.

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Há quem diga que essa constatação prejudica, sobretudo, os Municípios, os quais cada vez mais assumem encargos sem a correspondente compensação financeira, o que tem desencadeado crises em relação a suas finanças[99].

Destarte, a instituição e a cobrança da contribuição de melhoria poderiam assumir importante papel no financiamento de obras públicas realizadas pelo governo municipal, tendo em vista o fato de, como já citado, o Município também ser dotado de competência para instituir tal tributo.

Nesse sentido, Cristina Padovani Mayrink afirma que:

por todo o exposto, é que se procurou jungir contribuição de melhoria ao Município, por ser este ente da federação o mais adequado para se concretizar, com melhor perspectiva, a contribuição de melhoria. Demais disto, a Lei nº 10.257/2001, autodenominada Estatuto da Cidade, apresentou como um dos instrumentos tributários destinados à ordenação da cidade, a contribuição de melhoria – art. 4º, IV, b.[100]

Isso significa que o legislador do Estatuto da Cidade quis conferir à contribuição de melhoria um papel de maior relevância no sistema tributário brasileiro, abrindo a possibilidade para que parte dos recursos gastos com obra pública que resultou, além do benefício geral, benefício especial para poucos, seja devolvida ao erário.

Por fim, ainda no que diz respeito ao insucesso da contribuição de melhoria, alguns autores colocam como a maior dificuldade para a sua cobrança a determinação do quantum debeatur[101].

Entretanto, como bem ressalta Cristina Mayrink, o problema de cálculo não pertence aos juristas. Isso sem falar da existência de conhecimentos técnicos especializados para sanar essa dificuldade que não se encontram na alçada do direito, ainda que se refiram a tributos.


Conclusões

Com o propósito de estudar a história para entender o presente, viu-se que a contribuição de melhoria é um tributo há muito tempo conhecido no direito estrangeiro, com especial destaque no direito norte-americano, cujo surgimento fundamentou-se na idéia de justiça reparativa, ou seja, na necessidade de se impedir o enriquecimento injusto de alguns em detrimento da coletividade.

O passeio histórico desde a sua caracterização geral, concedida pelo direito norte-americano em 1691, até o seu desenvolvimento no direito estrangeiro, que comprova o sentimento geral de insucesso na sua instituição e cobrança espalhado por todos os Estados Nacionais, salvo algumas exceções, tem o condão de oferecer instrumentos para que se possa entender a história e o desenvolvimento desse tributo no Brasil.

Além disso, serve, também, para se delimitar o conteúdo jurídico da contribuição de melhoria, caso analisado de acordo com outros fatores.

No que diz respeito ao Brasil, tem-se que o primeiro caso de utilização da contribuição de melhoria teria acontecido com a utilização do instituto das fintas em 1812 na Bahia, para a edificação de obras públicas, bem como no reparo de pontes em Minas Gerais, no ano de 1818.

Entretanto, em sede constitucional, a contribuição de melhoria, parecida com o que é hoje, foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição de 1934, em seu art. 124.

Ressalte-se que esse artigo reflete, inclusive, uma tendência do legislador brasileiro no sentido de definir constitucionalmente a contribuição de melhoria como tributo autônomo, que não se confunde com o imposto e nem com a taxa

Continuando a viagem na história constitucional brasileira, cumpre destacar que a Emenda Constitucional 18, de 1965, resultou na criação de um sistema constitucional tributário com contornos mais bem delimitados.

Após seu advento, as Constituições posteriores mantiveram um capítulo dedicado ao direito constitucional tributário, sendo que a Carta de 1967 classificava os tributos em: impostos, taxas e contribuição de melhoria, acabando com qualquer tipo de confusão entre esses dois últimos.

Por fim, a Constituição Federal de 1988 não estabeleceu grandes alterações no conceito da contribuição de melhoria. A realização de obra pública, a valorização imobiliária dela decorrente e os limites individual e total aos quais a Administração Tributária deve sujeitar-se continuam fundamentando o tributo em questão.

Ademais, passada a abordagem da sua história e de seu desenvolvimento, mister se faz uma análise acerca dos elementos jurídicos que integram o conceito da contribuição de melhoria, conferindo-lhe grande importância – deixada de lado, ressalte-se – no sistema tributário nacional.

Prima facie, são pressupostos da possibilidade jurídica da cobrança da contribuição de melhoria a obra pública e a valorização imobiliária que dela decorra.

Quanto à primeira, é importante deixar claro que a relação de obras públicas elaborada pelo Decreto-lei nº 195/67 é taxativa, ou seja, uma obra que não tenha sido ali elencada não justificará a cobrança dessa espécie tributária, pelo menos por parte da União. Contudo, essa relação é bastante abrangente, de forma a ser muito difícil que exista alguma obra pública nela não contida.

Além disso, vale ressaltar, também, que as obras públicas justificadoras da cobrança de contribuição de melhoria devem ser originais.

No entanto, a mera realização de obra pública, sem que ocasione a valorização de imóvel, não justifica a cobrança do tributo por faltar melhoria, requisito qualificado por alguns autores como sendo ínsito do tributo em questão.

Sendo assim, no que diz respeito ao segundo pressuposto da possibilidade jurídica da cobrança da contribuição de melhoria, qual seja, a valorização imobiliária, faz-se mister diferenciar a valorização de imóvel por fator extrínseco, decorrente de melhoramento público, da valorização por fator intrínseco, reflexo no melhoramento nos imóveis, pois aqueles ensejam a sua cobrança, mas, esses, não.

Nesse momento, cumpre destacar que a obra pública, não obstante sua benfeitoria alcance os contribuintes por meio de intensidades diferentes, deve ser financiada por toda a coletividade, tendo em vista essa benfeitoria geral se reverter em proveito de toda a coletividade.

Por sua vez, não obstante essa benfeitoria seja realizada em local público e com finalidade pública, é indiscutível que a obra afeta mais diretamente alguns imóveis do que outros.

Nesse sentido, caso os proprietários de imóveis circunvizinhos à obra pública recebem, além do benefício geral, um benefício especial, caracterizado pela valorização imobiliária, nada mais justo que contribuam para a reposição de pelo menos parte dos gastos realizados na execução da obra pública, por intermédio da contribuição de melhoria.

Prosseguindo, ao se ilustrar a base da aplicabilidade do tributo em foco, devem ser elencados como princípios fundamentais da contribuição de melhoria, nos termos dos ensinamentos de Geraldo Ataliba: (i) isonomia; (ii) enriquecimento sem causa; (iii) domínio eminente; (iv) princípio da devolução do indébito; e (v) instituto da gestão de negócios.

Quanto à sua natureza jurídica, não resta mais dúvida que a contribuição de melhoria é espécie do gênero tributo, sujeitando-se, portanto, ao regime jurídico tributário.

Por tudo exposto, define-se a contribuição de melhoria como sendo um tributo instituído em face da projeção dos efeitos de melhoria decorrente de obra pública, os quais se consubstanciam na valorização imobiliária aferida por contribuintes contemplados por esse benefício especial e que, por se posicionarem em situação de privilégio perante a coletividade, alcançada apenas pelo benefício geral da referida obra, devem restituir parte do valor gasto aos cofres do Estado, ente personificado da coletividade

Além disso, a análise da teoria geral da contribuição de melhoria demonstra um tributo diferente dos demais, cuja finalidade se encaixa perfeitamente com o atual modelo de Estado brasileiro, o Estado Social e Democrático Direito.

No entanto, a prática comprova que essa sintonia de ideologias não foi capaz de conferir à contribuição de melhoria relevante papel no sistema tributário nacional, não obstante a sua grande importância no direito tributário.

Isso pode ser explicado, dentre outros aspectos, pelo fato de a existência da constituição de melhoria significar a existência de mais um nível de controle à Administração Tributária. Ademais, a Administração Pública prefere não fazer as coisas com a transparência que a lei exige como condição para a cobrança da contribuição de melhoria.

Por fim, ressalte-se que quem mais perde com o seu desuso são os Municípios, os quais cada vez mais assumem encargos sem a correspondente compensação financeira, o que tem desencadeado crises em relação a suas finanças. Destarte, a instituição e a cobrança da contribuição de melhoria poderiam assumir importante papel no financiamento de obras públicas realizadas pelo governo municipal, beneficiando, assim, toda a coletividade.


Referências

CAMPOS, Dejalma de [coord.], Revista tributária e de finanças públicas, ano 12, nº 57, jul.-ago. 2004.

CARVALHO, Rubens Miranda de, Contribuição de melhoria e taxas no direito brasileiro, São Paulo: J. de Oliveira, 1999.

GIACOMOLLI, Nereu José [coord.], Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – AJURIS, ano XXXVI, nº 115, setembro de 2009.

MARTINS, Ives Gandra da Silva [coord.], Curso de direito tributário, 12. ed., São Paulo: Saraiva, 2010.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de direito administrativo, 27. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2010.

RODRIGUES, Priscilla Figueiredo da Cunha, Contribuição de melhoria, São Paulo: Malheiros Editores, 2002.

ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da, Manual de direito tributário, Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

REVISTA FÓRUM DE DIREITO TRIBUTÁRIO – RFDT, Belo Horizonte: Fórum, ano 1, nº 1, jan./fev. 2003.

REVISTA DE DIREITO MUNICIPAL – RDM, Belo Horizonte: Fórum, ano 5,  nº 12, abr./jun. 2004.

Sobre o autor
Rafael da Silva Santiago

Graduado em Direito pela Universidade de Brasília - UnB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTIAGO, Rafael Silva. A contribuição de melhoria no direito brasileiro: a teoria de seu posicionamento no sistema tributário nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3289, 3 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22144. Acesso em: 25 nov. 2024.

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