Resumo: O estudo proposto tem como finalidade principal o pleno entendimento do que se pode chamar de teoria geral da contribuição de melhoria, procedendo-se, em um primeiro momento, a uma viagem histórica em relação a esse tributo, definindo as bases de seu surgimento e desenvolvimento, tanto no direito estrangeiro quanto no direito nacional. A posteriori, é realizada uma análise minuciosa acerca dos elementos jurídicos que fundamentam a sua instituição e a sua cobrança pela Administração Tributária, estabelecendo, em linhas gerais, o significado de cada uma dessas peças no quebra-cabeça por ela protagonizado. Em final, reunidos os elementos fáticos e jurídicos decorrentes das fases já mencionadas, tem-se a elaboração de breves considerações relativas ao insucesso da contribuição de melhoria no sistema tributário nacional. Ressalte-se que essas considerações são realizadas de maneira breve em virtude de a finalidade principal do estudo assentar-se sobre o entendimento das noções gerais de direito tributário que se referem à contribuição de melhoria.
Palavras – chave: Contribuição de melhoria. Administração Tributária. Teoria. Prática. História. Sistema tributário brasileiro. Insucesso.
Abstract: The main purpose of this study is the full understanding of what can be called the general theory of special assessment tax. At first, a historic journey will be done over this tribute, setting the foundations for its appearance and development in foreign law and national law. Subsequently, a detailed analysis is performed on the elements that support its legal institution and its collection by the Tax Administration, establishing the meaning of each piece in the puzzle starred by the tribute. In the end it is made a brief review about the failure of the tribute in Brazilian tax system. It should be noted that this is a short review, considering that the purpose of the study is based on the understanding of the general notions about the special assessment tax.
Keywords: Special assessment tax. Tax Administration. Theory. Practice. History. Brazilian tax system. Failure.
Introdução
A contribuição de melhoria é um tributo de caráter muito especial no sistema tributário brasileiro. Apesar de sua finalidade principal guardar total harmonia com o atual estágio de desenvolvimento do Estado nacional, ela não costuma ser utilizada por nenhuma das entidades políticas com competência para a sua instituição e sua cobrança.
Apesar dessa constatação fática, não se pode retirar a importância desse tributo para a Administração Tributária. Isso porque é possível se falar que a contribuição de melhoria constitui uma fonte de recursos que, nesse momento, vem sendo desprezada pelo legislador, no entanto, guarda total possibilidade de ser explorada ao máximo, trazendo mais benefícios à coletividade.
Sendo assim, faz-se mister, para qualquer operador do direito tributário, o estudo de sua história e seu desenvolvimento no direito estrangeiro, com o intuito de entender seu atual papel na seara tributária brasileira.
Destarte, essa é a primeira fase do trabalho. Ressalte-se que se procederá à análise do histórico da contribuição de melhoria e de seu desenvolvimento no direito estrangeiro em primeiro momento, para que se possa entender seu histórico e desenvolvimento no direito nacional.
Posteriormente, é necessário um estudo completo no que se refere às bases jurídicas do tributo em questão, para que, por fim, se possa entender, de maneira breve, as possíveis razões de seu insucesso no ordenamento tributário brasileiro.
1. Histórico da contribuição de melhoria
Prima facie, analisar o aspecto histórico da contribuição de melhoria enseja a reunião de elementos que constituem verdadeiros subsídios para compreender suas tendências atuais e futuras, configurando importante exercício para se delimitar a abrangência do papel a ser exercido pelo tributo em questão no ordenamento jurídico pátrio.
Então, qualquer estudo que pretenda posicionar a contribuição de melhoria na sistemática do direito brasileiro contemporâneo deve assentar suas bases em institutos históricos, com o objetivo de estudar o passado para entender o presente.
Sendo assim, a contribuição de melhoria é um tributo conhecido há muito tempo no direito estrangeiro, com especial destaque no direito norte-americano, onde visava à correção de uma anomalia corriqueira no Estado patrimonialista: o fato de recursos públicos serem utilizados para custear a realização de obras que traziam benefícios a um reduzido grupo de pessoas, muito embora seu pagamento se desse a partir do concurso de todos os contribuintes[1].
Os poucos beneficiários viam o aumento de seu patrimônio em face do esforço da maioria, o que configurava verdadeiro uso privado do patrimônio público. Destarte, a exigência da cobrança da contribuição de melhoria surge como uma medida necessária para impedir o enriquecimento injusto em detrimento da coletividade[2].
Nesse sentido, o fundamento do aludido tributo pode ser encontrado na idéia de justiça reparativa ou corretiva, isto é, na noção de que a sua imposição tem um sentido excepcional de vedar que ocorram vantagens de alguns em detrimento da coletividade. Em outras palavras, cabe à contribuição de melhoria corrigir uma falha no sistema de financiamento de obras públicas que ocasionam uma valorização imobiliária[3].
1.1. Seu desenvolvimento no direito estrangeiro
A origem da contribuição de melhoria não é entendida de forma uníssona na doutrina especializada.
Para alguns, ela nasceu com a cobrança para a reconstrução dos diques do rio Tâmisa, em Londres, no ano de 1250. Para outros, sua origem remonta à Florença de 1296, na Itália, onde fora cobrada contribuição pelas obras de ampliação de uma praça[4].
A par dessa divergência, deve-se constatar que a contribuição de melhoria apenas recebeu uma caracterização geral e aplicável a todos os tipos de obras públicas no direito norte-americano, em 1691[5].
Sendo assim, o special assessment é uma modalidade de tributo criado por intermédio de um ato legislativo da Câmara da cidade de Nova York em 1691 e, diferentemente do direito brasileiro, não encontrou uniformidade ou generalidade, espalhando-se para diversas cidades a partir dessa experiência[6].
Apenas após a 4ª Conferência Nacional de Urbanismo, realizada em Washington no ano de 1912, que o special assessment foi apresentado como um modelo de política fiscal para todas as cidades norte-americanas, com regras gerais claras a serem observadas por essas cidades como forma de financiarem o desenvolvimento urbano. Nesse contexto, Nelson P. Lewis apresentou a contribuição chamada de Paying the bills for City Planning, que fora aprovada por unanimidade e diretamente aplicada por outras cidades[7].
Naquela época, dois eram os modelos principais quanto ao critério de cálculo do montante das contribuições: os (i) assessment de custo e os (ii) assesment de benefício[8].
Os assessment de custo seriam aqueles que tinham como finalidade a remuneração dos gastos públicos sem tomar em consideração os benefícios gerados diretamente para o contribuinte em função da obra realizada e não apenas dos benefícios gerais que a obra trazia para toda a coletividade[9].
Bilac Pinto ressalta que essa espécie de assessment tem como característica a realização do poder de polícia, tendo em vista seu elemento marcante não ser a arrecadação de tributos, mas o exercício do poder de polícia na preservação da ordem pública. No seu caso, não importa o benefício, pois o objetivo da arrecadação é realizar a remuneração do exercício do poder de polícia[10].
Por sua vez, os assessment de benefício seriam contribuições cobradas em virtude de um benefício imediatamente proporcionado para o contribuinte em função da realização da obra pública[11].
Ressalte-se, em conclusão, que os assessment podem ser distinguidos pelo critério da extensão do melhoramento em função da área beneficiada, podendo ser: locais, de zona e gerais. Eles deveriam proceder a uma determinação da área mais beneficiada pelo melhoramento[12].
Sua importância no direito norte-americano é tamanha que
ainda hoje em dia este é um tributo muito importante para o financiamento de obras públicas no modelo norte-americano de financiamento da atividade estatal; conforme Bilac Pinto, em 1923, 91 das 248 cidades com mais de 30 mil habitantes utilizava o sistema de special assessments para cobrir seus gastos correntes.[13] (grifo nosso)
Ainda no cenário do direito comparado, tem-se que o sucesso alcançado pela contribuição de melhoria no direito norte-americano não se alastrou pelo mundo afora.
Na Inglaterra, a chamada betterman tax, considerada, inclusive, por alguns autores, como sendo anterior ao similar norte-americano[14], perdeu sua importância, sendo absorvida pelos impostos locais. Recentemente fora até rejeitada quando das obras de um aeroporto[15].
Quanto à contributi di migliora do direito italiano, a sua prática faliu. Contudo, suas características despertaram grande interesse na doutrina, situação semelhante à que ocorre hoje no Brasil[16].
Frise-se, inclusive, que, como já citado, alguns afirmam ter sido a contribuição de melhoria utilizada pela primeira vez na Itália, no ano de 1296, na cidade de Florença, a fim de se viabilizar a ampliação da praça em que se encontrava a Igreja de S. Giovanni e S. Reparata. Seu fundamento foi a valorização das casas dos proprietários em decorrência da obra pública preparatória da construção de S. Maria Del Fiore[17].
Prosseguindo, na França, a contribution sur lês “plus value” occasionnes par dês travaux publics não adquiriu grande importância no sistema de finanças públicas, nunca tendo sido aplicada com sucesso, em virtude das formalidades exigidas e por não ter se adaptado no país[18].
Ainda na Europa, o Estado Nacional que vem tendo relativo sucesso com a instituição da contribuição de melhoria é a Alemanha, onde sua cobrança é realizada desde muito tempo. Vale ressaltar, entretanto, a sua forma especial e diferenciada, que prescinde de vantagem e da mensuração da valorização. Duas são as suas espécies: (i) a erschliessungsbeitrag (contribuição de urbanização) e (ii) a strassenanliegerebeitrag (contribuição dos confinantes de uma rua), muito semelhante à taxa cobrada no Brasil[19].
Ademais, passando à América Latina, duas são as experiências, além da brasileira, cujo destaque se impõe: na Colômbia e no Peru.
Na Colômbia, a contribuição de melhoria tem aplicação constante, cobrada dos proprietários de imóveis beneficiados. Esse benefício é entendido como o maior valor econômico que os imóveis adquirem ou venham a adquirir pelas obras, descontada a desvalorização da moeda[20].
Por sua vez, no Peru, a cobrança é realizada, também, em face dos proprietários de imóveis beneficiados, e a sua quantia não poderá ser superior ao aumento do valor que experimente acima do que corresponder a prédios comparáveis, situados fora da área de benefício[21].
Portanto, nos dois casos a valorização é o fundamento buscado, mas com limite no custo da obra, assim como no Brasil. Entretanto, o sucesso lá alcançado não foi para cá estendido. Edgard Neves da Silva constata que
o sucesso nesses países decorre de uma característica idêntica, representada por uma intensa participação dos interessados em todos os momentos, desde a escolha da obra até a cobrança; no Peru, por meio de um Conselho de Contribución de Mejoras e de uma Junta de Determinação, e na Colômbia por intermédio de representantes especialmente escolhidos para intervir.[22]
Nesse momento, após uma passada com vias tanto histórica quanto contemporânea, deve-se proceder à construção histórica da contribuição de melhoria no ordenamento jurídico pátrio, com o intuito de se reunir mais elementos acerca de suas características.
1.2. Seu desenvolvimento, sobretudo constitucional, no direito brasileiro
O primeiro caso de utilização da contribuição de melhoria teria acontecido no Brasil com a utilização do instituto das fintas em 1812 na Bahia, para a edificação de obras públicas, bem como no reparo de pontes em Minas Gerais, no ano de 1818[23].
Seus antecedentes históricos remontam para uma aplicação de orientação semelhante à contribuição de melhoria nas leis sobre desapropriação. Nesse sentido, o Decreto nº 816, de 1825, determinava a dedução da valorização imobiliária no montante da indenização decorrente de desapropriação de imóveis. Por sua vez, o Decreto nº 353, de 1845, regulava os casos de desapropriação e determinava a dedução do quantum indenizatório da valorização ocasionada pela obra pública sobre o restante da propriedade[24].
Ademais, em sede constitucional, a contribuição de melhoria, parecida com o que é hoje, foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição de 1934, em seu art. 124, ao determinar que “provada a valorização do imóvel por motivo de obras públicas, a Administração, que as tiver efetuado, poderá cobrar dos beneficiados contribuição de melhoria”.
Ao contrário do sistema atual, o referido art. 124 não estabelecia limites à cobrança da contribuição de melhoria, sendo suficiente a prova da valorização para que a Administração responsável pela obra cobrasse o tributo dos beneficiários.
No entanto, a exemplo do que estabelece a Constituição atual, algumas restrições à contribuição de melhoria foram impostas, como a necessidade de se atender ao princípio da igualdade, por exemplo[25].
Em resumo, o art. 124 da Constituição de 1934 logrou uma série de méritos:
deixa claro que deve haver uma valorização, a qual deve estar de fato comprovada, para que o Poder Público fique autorizado a “cobrar” a contribuição de melhoria. [...] O artigo em foco tem outro grande mérito, na medida em que não deixa dúvida sobre ser a obra pública o motivo da valorização.[26]
Ressalte-se que a constatação desses elementos abarcados pela Constituição de 1934 é importante na verificação de uma tendência do legislador pátrio no sentido de definir constitucionalmente a contribuição de melhoria como tributo autônomo, que não se confunde com o imposto e nem com a taxa[27].
Prosseguindo na história constitucional brasileira, a Constituição de 1937, de maneira curiosa, não aborda a possibilidade de o Poder Público exigir a contribuição de melhoria dos proprietários de imóveis valorizados por obras públicas.
Isso, inclusive, gerou reflexos na doutrina da época, que elaborou uma classificação dos tributos de modo que a contribuição de melhoria fosse considerada uma espécie de taxa[28].
Por sua vez, a Constituição Federal de 1946 adota, novamente, a possibilidade de instituição da contribuição de melhoria, quando verificada a valorização do imóvel, em consequência de obras públicas (art. 30, I).
Um grande avanço nesse diploma constitucional se deu quando o constituinte decidiu tornar explícitas as limitações para a determinação da base de cálculo do tributo em questão, ao estabelecer, no parágrafo único do aludido dispositivo constitucional, que a contribuição de melhoria não poderia “ser exigida em limites superiores à despesa realizada, nem ao acréscimo do valor que da obra decorrer para o imóvel beneficiado”[29].
A Emenda Constitucional 18, de 1965, resultou na criação de um sistema constitucional tributário com contornos mais bem delimitados.
Após seu advento, as Constituições posteriores mantiveram um capítulo dedicado ao direito constitucional tributário, sendo que a Carta de 1967 classificava os tributos em: impostos, taxas e contribuição de melhoria, acabando com qualquer tipo de confusão entre esses dois últimos[30].
No que diz respeito aos limites da contribuição de melhoria, a Constituição de 1967 extinguiu seu limite individual, que foi retomado por meio da Emenda Constitucional 1, de 1969, e novamente extinto pela Emenda 23, de 1983, em flagrante retrocesso político[31].
Em final, a Constituição Federal de 1988 não estabeleceu grandes alterações no conceito de contribuição de melhoria. Suas bases permanecem as mesmas. A realização de obra pública, a valorização imobiliária dela decorrente, os limites individual e total aos quais a Administração Tributária deve sujeitar-se continuam fundamentando o tributo em questão, o que resulta na recepção da legislação infraconstitucional que trata da matéria.
No entanto, vale ressaltar que o fato de a Constituição atual não ter mencionado algumas dessas notas de forma expressa não significa a impossibilidade de sua extração do texto constitucional pela interpretação dos enunciados que compõem sua regra de incidência[32].
2. A teoria geral da contribuição de melhoria
Depois da abordagem histórica realizada sobre a contribuição de melhoria, o leitor pode começar a visualizar alguns dos elementos que, necessariamente, devem integrar a sua composição. Nesse momento, portanto, impõe-se a tarefa de limitar seu conteúdo, com o intuito de se definir de maneira exata qual é o seu papel no sistema tributário nacional.
Com efeito, mister se faz o estudo desses elementos para que, ao final, se chegue a uma conclusão embasada acerca da conceituação do tributo em questão, o que auxiliará, bastante, na sugestão que se pretende fazer sobre os motivos pelos quais ele não vem sendo efetivamente utilizado no Brasil.
2.1. Pressupostos da possibilidade jurídica da sua cobrança
Para se delimitar o conteúdo da contribuição de melhoria e, assim, chegar-se a uma conclusão quanto ao seu conceito, é possível, em primeiro lugar, escolher como ponto de partida o que dispõe o Código Tributário Nacional – CTN sobre o assunto.
Assim, o artigo 81[33] do aludido diploma legal explicita que a contribuição de melhoria, a ser cobrada pelos entes governamentais, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que provenha valorização imobiliária.
Embora não seja de boa técnica legislativa a definição de conceitos a partir de diplomas legais, as disposições do CTN que versam sobre a contribuição de melhoria instituem dois daqueles que configuram a sua base: (i) as obras públicas e (ii) a valorização imobiliária.
Mister se faz, portanto, entender um pouco dessas bases, as quais são referidas como pressupostos da possibilidade jurídica da cobrança da contribuição de melhoria[34], para que se possa definir, precisamente, o seu conceito.
2.1.1. Obra pública
2.1.1.1. Linhas gerais e sua diferença do serviço público
A obra pública, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, é “a construção, reparação, edificação ou ampliação de um bem imóvel pertencente ou incorporado ao domínio público”[35] (MELLO, 2010).
Nesse sentido, é importante que se destaque a diferença entre obra pública e serviço público, de forma a deixar claro que são elementos que não se confundem.
Dentre outros aspectos, a diferença entre esses dois conceitos pode ser delimitada a partir da seguinte comparação:
a) a obra é, em si mesma, um produto estático; o serviço é uma atividade, algo dinâmico; b) a obra é uma coisa: o produto cristalizado de uma operação humana; o serviço é a própria operação ensejadora do desfrute; c) a fruição da obra, uma vez realizada, independe de uma prestação, é captada diretamente, salvo quando é apenas o suporte material para a prestação de um serviço; a fruição do serviço é a fruição da própria prestação; assim, depende sempre integralmente dela; d) a obra, para ser executada, não presume a prévia existência de um serviço; o serviço público, normalmente, para ser prestado, pressupõe uma obra que lhe constitui o suporte material.[36]
Tais diferenças são de grande importância para a Administração Tributária. Cumpre ressaltar que elas devem ser respeitadas quando da imposição de tributos como a taxa, por exemplo.
Isso porque o STF nega validade a taxas instituídas em decorrência da realização de obras públicas, as quais só podem ensejar contribuição de melhoria, caso ocorra a hipótese de sua incidência[37]. E nada mais lógico.
Como bem se sabe, a taxa é um tributo vinculado e, por isso, a sua hipótese de incidência definida em lei só é valida caso dependa de uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte. Em outras palavras, a taxa depende de uma ação estatal que ocasione ao contribuinte o gozo individualizado do serviço público[38].
Sendo assim, só há que se falar em instituição de taxa na situação decorra de uma atividade estatal, como, p. ex., a prestação de serviços públicos. Caso esteja se falando em realização de uma obra pública, o tributo adequado a ser instituído é a contribuição de melhoria.
Em outras palavras, constata-se que a hipótese de incidência da contribuição de melhoria é a valorização de imóvel do contribuinte, que decorra de obra pública realizada.
Voltando ao espectro específico das obras públicas, constata-se que elas podem ser executadas de maneira direta pelo Poder Público ou por suas entidades administrativas, tenham elas personalidade jurídica de direito público ou de direito privado[39].
Por sua vez, é possível que se contrate terceiros a fim de que realizem, para o Poder Público ou suas entidades administrativas, as aludidas obras. Essa é a forma indireta de execução de obra pública[40].
A cobrança da contribuição de melhoria, inclusive, deve estar diretamente relacionada à execução, ou seja, à realização de obras públicas. Isso porque ela só é admitida após o término do empreendimento e da verificação de que tal melhoria resultou em valorização imobiliária. Destarte, o tributo não pode ser cobrado para custear obra pública a ser realizada[41].
Entendidas, então, as linhas gerais referentes às obras públicas, é imprescindível que se delimite quais são as obras que ensejam a cobrança da contribuição de melhoria. Seriam todos os tipos de obra pública ou apenas realizações específicas?
2.1.1.2. Obras públicas e contribuição de melhoria: delimitando sua incidência.
Em matéria de exame dos tipos de obras públicas que justificam a cobrança da contribuição de melhoria, é necessário que se analise o art. 2º do Decreto-lei nº 195/67[42], que dispõe sobre o aludido tributo. Vale ressaltar que, prima facie, a tarefa que se impõe é definir pela taxatividade ou não desse rol de obras públicas.
Nesse sentido, poder-se-ia falar que não são quaisquer obras que permitem a cobrança da contribuição de melhoria, tendo em vista o art. 2º do mencionado dispositivo legal ter elencado, expressamente, os tipos de obra que ensejam a recuperação de seu custo por intermédio da cobrança da contribuição de melhoria[43].
Com efeito, alguns autores caracterizam esse rol que lista os tipos de obras públicas como sendo taxativo[44], de tal forma que em se tratando de obra pública que não estivesse nele listado não haveria que se falar em contribuição de melhoria.
No entanto, existe posicionamento defendido, dentre outros autores, por Aliomar Baleeiro, no sentido de que a enumeração de obras do art. 2º do Decreto-lei nº 195/67 é taxativa, mas com um grande detalhe: abarca, pela compreensão, tudo quanto nela se contém ou a integra por conexão[45].
Em resumo, pode-se definir que a mencionada relação das obras públicas é taxativa, ou seja, uma obra que não tenha sido ali elencada não justificará a cobrança dessa espécie tributária, pelo menos por parte da União. Contudo, essa relação é bastante abrangente, de forma a ser muito difícil que exista alguma obra pública nela não contida[46].
Ademais, ressalte-se que alguns autores, inclusive, criticam essa enumeração de obras públicas. Nesse sentido, Rubens Miranda de Carvalho afirmou entender
desnecessário e inconveniente o arrolamento das obras possíveis de gerar a contribuição de melhoria, visto que, malgrado estarem várias delas no rol das possíveis, nem sempre isso ocorrerá, considerando-se que algumas delas poderão até mesmo gerar desvalorização para os imóveis circunvizinho, como é o caso de um viaduto que passe ao lado de uma mansão residencial, ou de um prédio de apartamentos, tirando-lhes a luz e trazendo para o local um aumento de ruído indesejável[...].[47]
Além dessa limitação disposta pelo dispositivo legal anteriormente citado, vale ressaltar que as obras públicas justificadoras da cobrança de contribuição de melhoria devem ser originais[48].
Essa orientação se impõe pelo fato de a conservação ou o refazimento parcial da obra pública, sem acarretar na sua ampliação, não justificarem a cobrança desse tributo. Em regra, portanto, a obra pública deve ser nova[49].
No entanto, a execução de um projeto de reurbanização de um local público já existente e que esteja deteriorado, p. ex., revitalizando-o, é capaz de ensejar a cobrança da contribuição de melhoria, a menos que caracterize mera conservação ou maquiagem do local em questão[50].
Da mesma forma, a obra de restauração de edifícios antigos, p. ex., cuja deterioração ocasionasse desvalorização para os imóveis vizinhos, poderá resultar na sua valorização e, portanto, justificar a imposição da contribuição de melhoria[51].
Ressalte-se, por fim, que, como regra, as obras públicas podem ter o seu custo recuperado por meio do tributo em questão, qualquer que seja o seu volume físico. Isso porque caso a obra não corresponda a algo razoável certamente não ocorrerá o aumento de valor nos imóveis, com o que faltará um dos pressupostos da possibilidade jurídica da cobrança desse tributo, qual seja, a valorização imobiliária[52].
Isso significa que a mera realização de obra pública, sem que ocasione a valorização de imóvel, não justifica a cobrança do tributo por faltar melhoria, requisito qualificado por alguns autores [53]como sendo ínsito do tributo em questão.
É imprescindível, destarte, que haja uma contemporaneidade entre a valorização do imóvel e a obra pública, que àquela deve anteceder, com o intuito de que possa existir uma relação de causa e efeito entre as duas.
Sendo assim, que se prossiga à realização da análise dessa tão necessária valorização imobiliária para a cobrança da contribuição de melhoria.
2.1.2. Valorização imobiliária
Prima facie, cumpre ressaltar que o aumento do valor de determinado imóvel pode ser originado por fatores que lhe são intrínsecos ou extrínsecos[54].
O aumento como decorrência de um fato intrínseco ao bem pode ser exemplificado com as benfeitorias realizadas em um imóvel particular, por seu proprietário. Elas se incorporam ao imóvel, tornando-o melhor. Em consequência, haverá um aumento de seu valor. Como foi o próprio bem que se transformou, passando de um estado pior para um estado melhor, a sua valorização se deu em virtude de fator intrínseco[55].
Isso não acontece com a obra pública, em virtude de os melhoramentos por ela proporcionados não se incorporarem aos imóveis particulares, mas permanecerem no âmbito público. Esses melhoramentos tão-somente repercutem neles, modificando-lhes o valor.
Como regra, portanto, a consequência desses melhoramentos é a valorização, que se dá por um fator extrínseco ao bem[56].
Sendo assim, para fins de contribuição de melhoria, faz-se mister diferenciar a valorização de imóvel por fator extrínseco, decorrente de melhoramento público, da valorização por fator intrínseco, reflexo no melhoramento nos imóveis. Aqueles ensejam a sua cobrança, esses, não.
2.1.2.1. Benfeitoria geral versus benfeitoria especial
No momento em que o Poder Público realiza uma obra pública, tem-se, por consequência, a transformação física de um bem público, seja pela pavimentação de ruas ou estradas, seja pela canalização de córregos, por exemplo. Ressalte-se que essa transformação não é feita nos bens imóveis de particulares[57].
Muito embora a benfeitoria seja realizada em local público e com finalidade pública, é indiscutível que a obra afeta mais diretamente alguns imóveis do que outros. Destarte, como tais melhoramentos repercutem de maneira positiva nos imóveis particulares, aumentando-lhes o valor, seus proprietários estarão recebendo, além do benefício geral, atinente a toda coletividade, um benefício especial, constituído pela valorização imobiliária[58].
Em face dessas duas categorias de benfeitorias, geral e especial, é importante que sua distinção seja realizada da maneira mais clara possível.
Alguns autores entendem que o benefício geral, proporcionado pela mera execução da obra pública, já seria suficiente para que o Poder Público estivesse autorizado a instituir e cobrar a contribuição de melhoria[59]. Entretanto, tal entendimento não merece prosperar.
A partir do momento em que o Poder Público realiza uma obra pública, ou seja, movimenta sua estrutura no sentido de implicar benfeitorias para a coletividade geral, ele nada mais está fazendo do que o seu papel na sociedade, cumprindo com a sua finalidade pública. Essas atividades, inclusive, integram o exercício da função administrativa.
Instituir contribuição de melhoria em face da mera execução de obra pública, ou seja, em face de benfeitoria geral, atinente à coletividade, mas que afeta os contribuintes com intensidade diversa, significa deixar ao relento um dos pressupostos da possibilidade jurídica da cobrança da contribuição de melhoria, qual seja, a valorização imobiliária, que se refere à benfeitoria especial já mencionada.
Nesse sentido, Priscilla Figueiredo da Cunha Rodrigues afirma que a benfeitoria geral
tem um fim público. Incumbe ao Poder Público promover o bem-estar social, gerando utilidades e comodidades materiais aos administrados. Tais atividades são decorrência natural do exercício da função administrativa. O fato de a obra pública afetar cada administrado com intensidades diferentes não tem o condão de lhe desnaturar a finalidade. Assim, uma vez que a obra pública só pode ter finalidade pública, não importa se alguns são afetados mais intensamente do que outros porque, a final, o benefício reverte em prol de toda a coletividade[60]
Isso significa, em outras palavras, que a obra pública, não obstante sua benfeitoria alcance os contribuintes por meio de intensidades diferentes, deve ser financiada por toda a coletividade, tendo em vista essa benfeitoria se reverter em proveito de toda a coletividade.
Nesse sentido, a confusão da melhoria representada pelo melhoramento público com a melhoria representada pelo valorização imobiliária deve ser afastada, pois não é a mera execução de obra pública que justifica a instituição da contribuição de melhoria. É imperativo para a sua cobrança que exista a benfeitoria especial, ou seja, a valorização imobiliária.
2.1.2.2. Imperativo para sua cobrança
Não existem dúvidas quanto ao fato de a valorização imobiliária, decorrente de obra pública, integrar a natureza da contribuição de melhoria, constituindo mais um pressuposto da possibilidade jurídica de sua cobrança.
Isso porque, em primeiro lugar, já decidiu o STF que, ausente a valorização imobiliária, decorrente de obra pública, não há contribuição de melhoria, tendo em vista a sua hipótese de incidência ser a valorização e a sua base de diferença entre dois momentos: o anterior e o posterior à obra, isto é, a quantia da valorização imobiliária[61].
Ressalte-se ser esse, também, o entendimento do STJ, que vem decidindo no sentido de que a Administração Tributária, ao exigir o pagamento de contribuição de melhoria, deve demonstrar a existência, dentre outros aspectos, da valorização imobiliária[62].
Que fique bem claro, nesse momento, a proibição de se exigir a contribuição de melhoria com fundamento, apenas, em uma presunção de valorização, pois essa deve estar comprovada e quantificada[63].
Além disso, a importância da referida valorização é tamanha para a contribuição de melhoria que ela é considerada como sendo o seu fato gerador, desde que essa valorização decorra de obra pública.
Isso significa que, no direito pátrio, há a predominância do critério do benefício. Ou seja, não é a realização da obra pública que gera a obrigação de pagar contribuição de melhoria. Tal obrigação se origina, apenas, se da obra pública decorrer valorização, isto é, se da obra pública decorrer aumento do valor do imóvel do contribuinte. Essa constatação é retirada do art. 1º do já mencionado Decreto-lei nº 195/67[64].
Ademais, a leitura do dispositivo em apreço pode ocasionar a conclusão de que o acréscimo do valor do imóvel localizado nas áreas beneficiadas direta ou indiretamente por obras públicas constituiria fato gerador da contribuição de melhoria, ainda que tal acréscimo não decorresse de obra pública, mas de outro fator qualquer.
No entanto, essa interpretação não encontra base no ordenamento jurídico pátrio. Além de não guardar compatibilidade com o art. 2º do r. Decreto-lei, ela é afastada também pelo art. 81 do CTN, segundo o qual a valorização imobiliária, que possa gerar contribuição de melhoria, deve ser uma decorrência de obra pública[65].
Acrescente-se, inclusive, que, se a valorização imobiliária é um efeito da obra pública, ela só pode ser verificada após sua execução, ou seja, em momento lógica e cronologicamente posterior ao término da execução da obra. Dentre outros aspectos, esse entendimento se impõe pelo fato de só ser possível a realização do cálculo de seu custo ao término da sua execução[66].
2.2. Princípios fundamentais
A par das várias críticas que podem ser feitas em relação a esses princípios tidos como fundamentais para a contribuição de melhoria, ressalte-se que a sua breve análise tem o condão de, apenas, ilustrar a base da aplicabilidade do referido tributo, com elementos gerais, afim de que o leitor possa delimitar a sua abrangência.
Com efeito, são cinco os princípios fundamentais da contribuição de melhoria elencados por Geraldo Ataliba, a saber: (i) isonomia; (ii) enriquecimento sem causa; (iii) domínio eminente; (iv) princípio da devolução do indébito; e (v) instituto da gestão de negócios.
No que diz respeito à isonomia, seu fundamento assenta-se na necessidade de conferir tratamento igual aos iguais, e desigual aos desiguais, à medida de suas desigualdades. Esse princípio, ressalte-se, tem como destinatário tanto o legislador quanto o administrador.
Sua aplicação à contribuição de melhoria é muito importante. O Estado, promovendo o bem-social, executa obras públicas que tenham por finalidade atender ao interesse público. Tal atividade, inclusive, é obrigação do Estado, inserindo-se no bojo de suas funções administrativas[67].
Como essa atividade estatal é praticada para a consecução de fins públicos, os respectivos ônus devem ser repartidos por toda a comunidade que recebe o benefício geral, sem prejuízo da existência de benefícios especiais, que devem ter tratamento diferente. Como bem ressalta Priscilla Figueiredo da Cunha Rodrigues,
se o Estado fizer com que o ônus decorrente das despesas com a obra pública recaia apenas sobre os proprietários de imóveis a ela adjacentes, exigindo-lhes contribuição de melhoria mesmo quando não haja valorização imobiliária, estará, inequivocamente, ferindo o princípio da isonomia.[...] Desde logo percebe-se que não havendo benefício especial todos recebem, igualmente, o mesmo benefício geral. [...] Por outro lado, se houver valorização imobiliária decorrente de obra pública e não houver exigência de contribuição de melhoria, também restará violado o princípio em tela.[68]
Nesse sentido, caso os proprietários de imóveis circunvizinhos à obra pública recebem, além do benefício geral, um benefício especial, caracterizado pela valorização imobiliária, nada mais justo que contribuam para a reposição de pelo menos parte dos gastos realizados na execução da obra pública[69].
Ainda no que diz respeito à relação do princípio da isonomia com a contribuição de melhoria, Rubens Gomes de Sousa acrescenta que, não sendo cobrada a contribuição de melhoria,
o custo da obra seria arcado pela arrecadação dos impostos gerais, pagos, portanto, por todos, e beneficiaria, assim, os proprietários cujos imóveis foram valorizados, acrescentando: “pagando, entretanto, carga fiscal idêntica a todos os demais, com evidente sacrifício do princípio de igualdade da repartição das cargas fiscais”.[70]
Em relação ao enriquecimento sem causa, cujo fundamento está na teoria geral do direito, sua ocorrência se faz presente quando alguém está ganhando e outrem está perdendo, sendo que esse ganho não guarda como suporte a justa causa[71].
Assim, a observância desse princípio se faz necessária pelo fato de haver acréscimo no valor do imóvel decorrente de obra pública, arcada, portanto, com os recursos oriundos de toda a coletividade. Dessa forma, aqueles que, ao se posicionarem em situação de vantagem tendo em vista os benefícios especiais aferidos, se aproveitariam dessa posição sem a devida justa causa[72].
Nesse sentido, pode-se constatar que todos devem contribuir para o atendimento das necessidades públicas, na medida da sua capacidade econômica, incluindo-se, aí, os investimentos em obras públicas, dos quais muitas vezes decorre valorização de imóveis[73].
Não é justo, portanto, que o proprietário do imóvel valorizado por consequência da obra pública se privilegie, sozinho, dessa vantagem para a qual contribuiu toda a sociedade.
Por esse fato, ao proprietário do imóvel, cujo valor fora acrescido, é imposto o pagamento da contribuição de melhoria, por meio da qual, de certa forma, haverá a reposição aos cofres públicos do valor total – ou parte – aplicado na obra[74].
Quanto ao domínio eminente, seu fundamento está no fato de que o Estado teria um domínio eminente sobre todos os bens, e que, por causa disso, predominaria em face da propriedade, bastando, para tal, que o interesse público o exigisse. Vale ressaltar, no entanto, que essa corrente já teve muita força em tempos anteriores, sendo que hoje muitos doutrinadores afirmam a sua não validade[75].
Por sua vez, a devolução do indébito tem fundamento imediato em determinação do Código Civil, artigo 876, no sentido de que “todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir”.
Esse princípio fundamental guarda relação direta com a vedação ao enriquecimento sem justa causa, que, conforme já visto, também baliza a instituição e a cobrança da contribuição de melhoria.
Ora, se o proprietário de imóvel valorizado por obra pública, além do benefício geral, que alcança toda a coletividade, é privilegiado com os efeitos de benefícios especiais, sem, no entanto, pagar aos cofres públicos quantias superiores em relação àqueles que não são alcançados pelos efeitos desses benefícios, ele recebeu, em primeiro momento, algo que não lhe é devido, qual seja, os benefícios especiais decorrentes da valorização imobiliária.
Para se restaurar a relação de isonomia com a coletividade, o proprietário do imóvel valorizado deve restituir ao Estado (personificação da coletividade) se não todo, mas parte do custo realizado com a obra pública, por intermédio do pagamento da contribuição de melhoria. Em outras palavras, deve restituir benefício individual que não lhe era devido, por ter sido aferido em detrimento da coletividade.
Por fim, no que tange à gestão de negócios, seu fundamento também é encontrado no direito privado, ao estabelecer que, por um ato voluntário, alguém, sem o devido mandato, age no interesse de outrem. Adaptando-se tal princípio ao cenário do direito público, a Administração, ao realizar a obra valorizadora do imóvel do contribuinte, nada mais faria do que gerir o seu interesse, espontaneamente[76].
2.3. Natureza jurídica
A natureza jurídica da contribuição de melhoria já fora tema de muita discussão doutrinária. No entanto, como se percebe do que fora até aqui exposto, resta pacífico[77] o entendimento de que a contribuição de melhoria é espécie do gênero tributo.
Isso porque ela se encaixa de maneira perfeita no conceito de tributo definido pelo art. 3º do CTN.
Sendo assim, está submetida ao regime jurídico de direito público, mais especificamente ao regime jurídico tributário, sujeitando-se a todos os princípios que integram o âmbito desse ramo do direito, como, p. ex., o já mencionado princípio da isonomia, o princípio da legalidade e o princípio da capacidade contributiva.
2.4. Conceito
Hugo de Brito Machado afirma que a contribuição de melhoria é um tributo com qualificações muito especiais, a partir de sua finalidade.
Isso porque enquanto os demais tributos têm como finalidade a arrecadação de recursos financeiros, a finalidade da contribuição de melhoria é a efetiva realização da justiça, impedindo que o proprietário de imóvel valorizado, como consequência de obra pública, tenha benefício maior que os demais integrantes da coletividade[78].
Ressalte-se, no entanto, a existência de respeitável posição doutrinária no sentido de que a contribuição de melhoria tem finalidade fiscal, por visar à obtenção de recursos para cobrir os custos da obra[79].
Contudo, o entendimento anterior é o mais correto. Nesse sentido, Aliomar Baleeiro sustenta que a contribuição de melhoria
visa à recuperação do enriquecimento ganho por proprietário de bem imóvel em virtude de obra pública concretizada no local de sua situação, sendo seu fundamento, pois, o enriquecimento injusto auferido pelo proprietário do imóvel em razão da realização da obra pública, para a qual pode até não ter contribuído, sendo a mesma obra custeada por toda a coletividade.[80]
Ademais, outro aspecto que diferencia a contribuição de melhoria dos demais tributos em geral “reside no estímulo que de sua cobrança decorre para o contribuinte exercer a fiscalização dos gastos com obras públicas” (MACHADO, 2003)[81], o que Hugo de Brito Machado aponta, inclusive, como causa do desinteresse dos governantes por essa espécie de tributo.
Continuando, sua distinção do imposto decorre da sua dependência por uma atividade estatal específica. Por sua vez, distingue-se da taxa pelo fato de a atividade estatal que depende ser diversa. Enquanto essa está ligada ao exercício regular do poder de polícia ou a serviço público, a contribuição de melhoria está ligada à realização de obra pública[82].
Sendo assim, Hugo de Brito Machado separa o conceito jurídico de contribuição de melhoria, qual seja, “o tributo vinculado cujo fato gerador consiste na valorização imobiliária decorrente de obra pública” (MACHADO, 2003)[83], do conceito finalístico, que a relaciona como “o tributo destinado a evitar uma injusta repartição dos benefícios decorrentes de obra públicas” (MACHADO, 2003)[84].
Ao final, que se destaque a definição de contribuição de melhoria elaborada pelo professor Bernardo Ribeiro de Moraes, nos termos da Constituição de 1988, como sendo a
prestação pecuniária, compulsória, exigida pelo Estado, em razão de obra pública, relacionada ao imóvel do contribuinte, que recebe melhoria. Assim como a atualização, efetiva ou potencial, de serviço público dá lugar a taxas. A execução de obra pública, dá lugar a contribuições de melhoria, desde que ligada ao imóvel do contribuinte[85]
Apesar de muito bem elaborada, a referida definição acabou por realizar uma pequena confusão.
Com a devida vênia, não é o imóvel do contribuinte, em geral, que irá receber a melhoria. Pelo contrário, ele se beneficiará da melhoria implantada pela obra no âmbito público. Esse benefício, portanto, se consubstanciará na sua valorização, a qual configura um dos pressupostos da possibilidade jurídica de sua cobrança.
Tome-se, como exemplo, a construção de uma ponte em lugar longínquo de uma cidade.
Ora, a melhoria, em si, não é realizada efetivamente nos imóveis beneficiados. O que acontece é a projeção dos efeitos da melhoria para esses imóveis, resultando em um aumento de seu valor.
Sendo assim, a contribuição de melhoria deve ser definida como um tributo instituído em face da projeção dos efeitos de melhoria decorrente de obra pública, os quais se consubstanciam na valorização imobiliária aferida por contribuintes contemplados por esse benefício especial e que, por se posicionarem em situação de privilégio perante a coletividade, alcançada apenas pelo benefício geral da referida obra, devem restituir parte do valor gasto aos cofres do Estado, ente personificado da coletividade.
2.5. Características: referências tributárias
A contribuição de melhoria é um tributo de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
No entanto, essa competência apenas pode ser exercida no âmbito de suas respectivas atribuições (CTN, art. 81), que estão abrangidas pelas Constituições Federal e Estaduais, bem como pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios.
Isso significa que a competência administrativa para executar a obra pública precede à competência tributária para instituição da contribuição de melhoria, de tal forma que é competente para instituir o tributo o ente público que tiver a atribuição administrativa para executar a obra pública[86].
Assim, o ente público que instituir a contribuição de melhoria apenas poderá exigi-la em decorrência de obras públicas por ele executadas e que valorizem imóveis situados no seu território, nunca em território de outro ente político[87].
Vale ressaltar que o tributo em questão é qualificado como vinculado, visto que seu fato gerador é a valorização de imóvel decorrente de obra pública, o que depende, portanto, de uma atuação estatal.
Não obstante a Constituição Federal de 1988 ter se silenciado acerca da sua base de cálculo, é necessário que se observe a norma do art. 82, § 1º, do CTN.
Sendo assim, a contribuição de melhoria relativa a cada imóvel é estabelecida tomando-se como base a parcela do custo da obra a ser suportada pelos proprietários dos imóveis valorizados, sendo dividida pelos imóveis situados na área atingida pelo benefício especial, em função dos respectivos fatores individuais de valorização[88].
Como bem ressalta Luiz Emydgio, esse é o motivo da ilegitimidade
da contribuição de melhoria em que a base de cálculo adota apenas o custo da obra, rateada proporcionalmente segundo a testada de cada imóvel, porque o CTN exige que se leve em conta a valorização individual de cada imóvel, em decorrência da realização da obra pública.[89]
Em conclusão, na fixação da base de cálculo devem ser observados os limites total e individual estabelecidos no artigo 81 do CTN, tendo em vista a sua recepção pela Constituição de 1988.
Destarte, a Administração Tributária não pode erigir como base de cálculo valor superior ao custo da obra (limite total), para não enriquecer sem causa, e nem exceder o valor do benefício acrescido a cada imóvel (limite individual), a fim de que o tributo não tenha efeito confiscatório[90].
O artigo 4º do Decreto-lei nº 195/67, inclusive, considera não apenas o custo direto da obra, mas também o indireto, abarcando “as despesas de estudos, projetos, fiscalização, desapropriações, administração, execução e financiamento, inclusive prêmios de reembolso e outras de praxe em financiamento ou empréstimos e terá a sua expressão monetária atualizada na época do lançamento mediante aplicação de coeficientes de correção monetária”.
Ademais, outro limite à contribuição de melhoria é estabelecido pelo artigo 12 do referido Decreto-lei, ao determinar que esse tributo será pago “pelo contribuinte da forma que a sua parcela anual não exceda a 3% (três por cento) do maior valor fiscal do seu imóvel, atualizado à época da cobrança”.