Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Restituição de comissão de corretagem

Agenda 09/09/2012 às 10:01

Mesmo tendo sido prestado o serviço de corretagem e a apólice emitida pela seguradora, caso o segurado deixe de pagar uma das parcelas do prêmio, o corretor é obrigado a devolver à seguradora a comissão que recebeu, de forma proporcional.

O mercado de seguros brasileiro cresce de forma impressionante. Em 2011, as seguradoras brasileiras faturaram cerca de 105 bilhões de reais, volume 16,6% superior a 2010 [1].

Entretanto, uma área que cresce paralelamente está sendo objeto de deslealdade e injustiça há anos – a corretagem de seguros.

O Código Civil regulamenta a corretagem e a lei nº 4.594/64 conceitua a profissão do corretor de seguros, mas é no artigo 725 daquele código que se encontra o critério para sua remuneração:

“A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes.”

No entanto, o que se verifica é que muitas vezes, por mais que o corretor tenha praticado todos os atos de mediação, a comissão lhe é tolhida pela companhia seguradora. Isto ocorre, principalmente, quando o segurado deixa de pagar alguma parcela do prêmio estipulado pela seguradora.

Para facilitar a transação, as seguradoras recebem o prêmio com o acréscimo da comissão e a repassa para o corretor quando o contrato é finalizado, isto é, quando ocorre a emissão da apólice.

Ocorre que, na prática, mesmo tendo sido prestado o serviço de corretagem e a apólice emitida pela seguradora, caso o segurado deixe de pagar uma das parcelas do prêmio, o corretor é obrigado a devolver à seguradora a comissão que recebeu, de forma proporcional.

Nada mais desleal se apresenta, pois o serviço de corretagem foi feito e o contrato foi celebrado. Não há o que se confundir: a função da seguradora é garantir o segurado, mediante pagamento de prêmio e a função do corretor é intermediar a contratação do seguro, e uma vez emitida a apólice, encerra a função do corretor. Caso o segurado não pague o prêmio, é o segurador quem deve agir de forma a recebê-lo ou suspender a garantia oferecida até que o segurado pague o restante devido.

O corretor não pode ser obrigado a cobrar cada segurado que estiver em atraso com as parcelas do prêmio, pois esta função é da seguradora. Por outro lado, se ninguém cobrar o segurado e ele não pagar a parcela do prêmio, o corretor não receberá sua comissão, o que o força a cobrar o segurado em nome da seguradora.

Ora, é cediço que a pessoa jurídica responsável pelo recebimento e cobrança de prêmio é a seguradora e não a corretora de seguros. Se assim não fosse, o corretor poderia ser confundido como um empregado da seguradora, infringindo a lei 4.594/64. Portanto, no que tange ao corretor, sua função é atingida pela assinatura da proposta e emissão da apólice ou certificado do seguro.

Não se pode esquecer que a comissão é a remuneração dos serviços prestados pelos corretores, é a fonte de renda de seu trabalho e não pode ser devolvida em caso de inadimplência de qualquer das partes que ele aproximou.

É de conhecimento geral que a remuneração pelos serviços prestados pelo corretor é constituída por uma porcentagem do valor do prêmio pago pelo segurado. Mas também sabe-se que a garantia securitária lhe será suspensa ou até cancelada caso atrase ou não efetue o pagamento do prêmio à seguradora, deste modo, é a própria seguradora quem deve buscar o recebimento do prêmio ou então suspender e/ou cancelar a apólice. Jamais o corretor poderá responder pelo descumprimento da obrigação do segurado.

A restituição da comissão fere a dignidade do corretor de seguros, mas as companhias de seguro assim o fazem até hoje, sem o menor pudor. Tal restituição tinha respaldo legal – Art. 19 da Circular SUSEP nº 429/2012[2]. Mas, diante do absurdo que este artigo trazia, tanto com relação ao seu conteúdo, quanto pela desconformidade legal, uma vez que afrontava o Código Civil, foi revogado pela própria SUSEP na circular  nº 436, de 31 de maio de 2012:

Circular SUSEP 436, de maio de 2012:  R E S O L V E:

“Art. 1º Revogar o artigo 19 da Circular Susep nº 429, de 15 de fevereiro de 2012.”

Nada mais justo com relação à profissão do corretor, que contribui imensamente para o crescimento deste mercado tão promissor.

Ainda, sob o aspecto legal, imperioso se faz analisar a questão das circulares que foram emanadas pela SUSEP, confrontando-as com a lei 4.594/64.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

As Circulares da SUSEP não são leis ordinárias ou complementares, aliás, nem lei são. Deste modo, não podem restringir direitos, que somente podem ser dispostos por lei. A circular SUSEP sequer pode aumentar o texto de uma lei, pois elas só prestam para regular e fiscalizar o mercado. Vale ressaltar que regular é diferente de legislar.

Com a revogação do artigo que permitia a restituição da comissão em caso de cancelamento da apólice, volta-se ao texto legal que disciplina a matéria a respeito da restituição de comissão de corretagem, sendo este o parágrafo 1º, do artigo 13 da lei 4.594/64, que tem a seguinte redação:

Nos casos de alterações de prêmios por êrro de cálculo na proposta ou por ajustamentos negativos, deverá o corretor restituir a diferença da corretagem.” (grifamos)

Com base nesta redação, não há dúvidas com relação ao termo “erro de cálculo na proposta”, mas o mesmo não ocorre com a segunda hipótese “ajustamentos negativos”, que dá margens a diversas interpretações.

Em que pese o respeito ao conhecimento jurídico de pareceristas que escrevem sobre o assunto, como o ministro aposentado Eros Grau, que emanou opinião em um parecer à CNSeg entendendo ser possível a restituição de comissão de corretagem em caso de não pagamento de prêmio por parte do segurado, entendemos que, data vênia, o ex ministro não proferiu o melhor entendimento ao assunto.

Sobre a interpretação do termo “ajustamentos negativos”, temos que se trata de uma redução do prêmio em virtude de uma modificação ocorrida na apólice. É o que ocorre quando o prêmio fixado na apólice é reajustado para um valor menor do que foi inicialmente pactuado, por mudanças nas condições do contrato que gerem esta diminuição.

O endosso é sabidamente o meio de modificação da apólice em vigência. Assim, somente se admite a restituição de comissão de corretagem em caso de endossos que modifiquem a apólice, gerado, por exemplo, pela diminuição da importância segurada que, consequentemente, reduzirá o prêmio e assim reduzirá a comissão devida ao corretor.

É simples a questão de interpretação, o que pretendeu a SUSEP, órgão que tem a função de regular e fiscalizar o sistema de seguros, é garantir ao corretor a justa remuneração pelos serviços prestados ao segurado. Ou seja, se por algum motivo ocorrer a diminuição do prêmio, por exemplo a troca de um automóvel que custava R$ 100.000,00 por um que custa R$ 60.000,00, o prêmio diminuirá e a comissão também. Logo, neste caso, haverá o reajuste negativo de prêmio, consequentemente a comissão poderá ser restituída ou abatida de um próximo contrato intermediado pelo corretor.

Aliás, imperioso se faz informar, ainda, que as Circulares da SUSEP (revogadas) que admitiam a restituição da comissão mencionavam que somente ocorreria em caso de “cancelamento” ou “devolução de prêmio”,  hipóteses bem diferentes de “êrro de cálculo na proposta” e “ajustamentos negativos” – únicas hipóteses que constam da lei de 4.594/64.

Percebe-se que se o próprio legislador não se referiu a cancelamento ou devolução de prêmio, não há que se aumentar o alcance das palavras da lei. Assim, a restituição somente é possível em caso de erro de cálculo na proposta e por ajustamento negativo de prêmio (obtido através de endosso), jamais em caso de cancelamento da apólice ou devolução de prêmio.

Diante do exposto, percebe-se que a restituição da comissão é um ato abusivo, desleal e imoral, quando originado pela simples inadimplência do segurado, que deixa de pagar uma das parcelas do prêmio. Sendo certo que o adimplemento do contrato de seguro não é função do corretor de seguro.

Por fim, uma sugestão que se mostra viável ao mercado de seguros, no intuito de aclarar a situação dos corretores é que o segurador estipule na primeira parcela do prêmio o acréscimo da comissão integral do corretor, pois se não houver pagamento das demais parcelas, a comissão pelos serviços prestados está garantida a quem de direito.


Notas

[1] Fonte: Jornal Folha São Paulo – Mercado - São Paulo, sábado, 25 de agosto de 2012.

[2] Circular SUSEP 429 de fevereiro 2012 - Art. 19. “No caso de cancelamento ou de devolução de prêmio, deve o corretor ou corretora restituir comissão à seguradora, proporcionalmente ao valor devolvido ou não recebido pela seguradora."

Sobre o autor
Felipe Galesco

Advogado, sócio do escritório Galesco Advogados Associados, pós graduado em Direito Processual Civil pela PUC/SP, cursa MBA em Direito de Seguro e Resseguro na Escola Nacional de Seguros, membro da Associação Internacional de Direito Securitário – AIDA e professor de direito securitário na FMU.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GALESCO, Felipe. Restituição de comissão de corretagem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3357, 9 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22575. Acesso em: 23 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!