Noutro momento podemos externar a nossa inquietação sobre a
impossibilidade da auto-aplicação do § 3o, do art. 100 da CF, usando por
analogia o art. 128 da Lei 8.213/91, expressando as notas desta impossibilidade,
e que a mesma só poderia cessar no caso de existir lei regulamentando esta
especial modalidade executiva, dos chamados débitos judiciais de pequeno valor
contra a fazenda pública[1], tecendo naquela sede, em síntese dois
argumentos contra esta pororoca :
1- Especial natureza do processo executivo contra a Fazenda
Pública, que longe de configurar-se verdadeira invasão ao patrimônio público
pelo próprio Estado, é mecanismo de pagamento voluntário[2];
2- Decorrente desta especial natureza, o mecanismo atual dos
precatórios, regra geral do pagamento dos débitos fazendários, vem sendo
sistematicamente interpretado pelos Tribunais como procedimento meramente
administrativo, inclusive destacamos que o seu procedimento reflete o princípio
da harmonia dos poderes, previsto no art. 2o. da CF, e os princípios da
legalidade e impessoalidade que regem a administração pública;
Porém, ocorre que já temos alguns casos em que já está
ocorrendo a PENHORA de bens públicos, no caso, valores da conta única do
Estado, a fim de "garantir a execução". Logo, além de questionar a
viabilidade do processo em si, cumpre esclarecer este ato executivo, se ela é
possível conta a Fazenda Pública. Destaca-se, que não se trata de seqüestro,
onde estaria sendo garantida uma ordem de recebimento de débitos de pequeno
valor, mas sim, deste especial ato executório e contra a fazenda pública, e
que vamos abordar a sua possibilidade.
Com efeito, devemos destacar que por suposição que
admitamos a possibilidade da auto-aplicação do art. 100, §3o. da CF,
teríamos que verificar de como se realizaria tal execução, ou seja, o seu
procedimento. Seria uma espécie de execução por quantia certa contra devedor
solvente ?
Parece que esta é a mentalidade que procura vingar, mas como
sabemos, neste tipo de execução um de seus atos executórios é justamente a
penhora de bens no caso de não cumprimento voluntário por parte do executado
da sua obrigação de paga o crédito ao exeqüente. Fica claro, que o ato da
Penhora, somente se realiza após o não cumprimento da obrigação voluntária
por parte do devedor, como meio de coação do Estado, que invade o seu
patrimônio para assim, poder satisfazer o crédito devido.
Assim, neste procedimento, após a citação(notificação)
para o Estado pagar o devido, não o cumprindo, ou embargando a execução, e
sendo este julgado improcedente, seria o caso de Penhora dos Bens Públicos ?
Nem que fosse no último caso para seguir-se na execução provisória, após o
recurso da Fazenda?. E se não paga, ou deixa de Embargar a Fazenda, seria o
caso de seguir-se a Penhora ? Deveria a Fazenda Garantir a Execução oferecendo
bens à Penhora ?
Vemos logo que a questão não é simples, e vamos, aqui
centrar a nossa análise sobre se é possível o referido ato executivo
(Penhora) contra o ente público, pois se formos pela regra geral, e que
classicamente aprendemos, a Fazenda não garante, posto que seus bens são
impenhoráveis, daí a especial regulamentação do art. 730 do CPC. Como já
afirmamos, não se trata de invasão do patrimônio público, mas, pagamento
voluntário, logo este deve ser requerido de forma especialmente regulada para
que seja possível e compatível contra a Fazenda Pública, numa forma de pagar
prevista em Lei. Analisemos a seguir.
2
.Impenhorabilidade dos bens públicos –
Permanência da regra do artigo 67 do código civil – O § 3° do art. 100 da
CF, não revogou a natureza jurídica dos bens públicos.
De fato, o problema da execução sem lei específica, é
pretender transformar-se a execução de débitos judiciais de pequeno valor
contra a fazenda, numa especial modalidade de execução por quantia certa
contra devedor solvente, o que implica na possibilidade de se realizar a penhora
de bens públicos, especialmente dinheiro da conta única, por ser fácil de
localizar, que independente deste caso ser bem fungível, também é um bem
público, que o Estado usa para atender às necessidades da coletividade, como
todo bem público.
Devemos destacar, antes de tudo, a natureza jurídica da
Penhora e logo a impossibilidade deste ato, mesmo que fosse plenamente vigente a
regra do § 3ª do Art. 100 da CF, contra a Fazenda. Cediço dizer que a PENHORA
tem natureza jurídica de ato executivo que além de individualizar o bem,
consolida nele a obrigação sendo o objeto que será passível da
EXPROPRIAÇÃO PELO ESTADO JUIZ PARA A SATISFAÇÃO DO CRÉDITO DO EXEQUENTE.
Corolário desta natureza é que HUMBERTO THEODORO JUNIOR é expresso em dizer
que "só os bens alienáveis podem ser transmitidos e, conseqüentemente,
penhorados".[3]
O clássico Moacir Amaral dos Santos, ao estudar a natureza
jurídica do ato de penhora, leciona que :
"A penhora se
caracteriza por ser ato específico da execução por quantia certa contra
devedor solvente. È, assim, ato de execução, ato executório, pois produz
modificação jurídica na condição dos bens sobre os quais incide, e se
destina aos fins da execução, qual o de preparar a desapropriação dos mesmos
bens para pagamento do credor ou credores" (4)
No mesmo sentido, e com a sua peculiar agudeza, leciona
Cândido Rangel Dinamarco :
"A penhora é um
gravíssimo ato de constrição judicial, que, ao concentrar a responsabilidade
patrimonial sobre determinado bem e assim afeta-l à satisfação do crédito,
exclui a posse do devedor sobre ele e predispõe as coisas para que, mediante a
alienação em hasta pública o, no futuro o próprio domínio seja
perdido".[5]Como se percebe das lições dos mestres, o ATO DA
PENHORA, não é apenas um procedimento que visa garantir a execução, mas é
um ato que o fim precípuo é identificar o bem que será EXPROPRIADO pelo
Estado-Juiz, identificado mediante a invasão do patrimônio do executado, de
forma a satisfazer os créditos do exeqüente, regra geral mediante a
alienação judicial do bem.
Logo, fica evidente, que o ato da penhora sendo apenas
preparatório e sendo admitido contra a Fazenda Pública, se esta ipso facto
permitindo a expropriação e alienação de bens públicos. Decorrentes desta
lógica teriam um caso em que seria de se questionar se os bens públicos podem
ser expropriados e alienados, ainda que pelo Estado-Juiz ?.
Somos forçados a concluir que não. Com efeito, mesmo com a
EC/30, não existe qualquer norma no ordenamento jurídico que tenha revogado o
artigo 67 do Código Civil que, após o artigo 66, ter definido os bens
públicos, expressa que :
"Art.67. Os bens que
trata o artigo antecedente só perderão a inalienabilidade, que lhes é
peculiar nos casos e forma que a lei prescrever"
Por isso, que na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello
a inalienabilidade se aplica aos bens públicos em geral[6].Com
efeito, nem a referida Emenda Constitucional e nem a Lei 8.213/91, revogaram a
Inalienabilidade dos bens públicos, e nem dizem que esta é possível para o
pagamento de créditos de pequeno valor, com efeito, ainda que fosse o § 3o. do
Art. 100 da CF auto aplicável, como já demonstramos em outra sede não é,
teríamos que a sua satisfação teria de ser levado à realização não por
meio da penhora como um dos atos do processo executivo de execução por quantia
certa, pois os bens públicos são impenhoráveis, uma vez que inalienáveis,
logo este ato executório é incompatível contra o ente público.
Com efeito, é por isso que o art. 648, I do CPC, decreta
expressamente que são absolutamente impenhoráveis os bens inalienáveis, sendo
evidente que os bens públicos dado a sua afetação à satisfação dos
interesses da comunidade são inalienáveis pelo administrador que não pode
dispor deles, senão na forma prevista em lei, temos que eles são também
ABSOLUTAMENTE IMPENHORÁVEIS pelo Estado-Juiz, pois isto implicaria um caso em
que o poder judiciário poderia realizar a expropriação de bens do poder
executivo, e, portanto da coletividade que ele representa.
Válido é transcrever a lição de Cândido Rangel Dinamarco,
sobre a relação entre o direito administrativo e o direito processual como
meios de regular o exercício do poder, como função pública específica :
"Tanto o direito
administrativo, portanto, como o processual cuidam da forma e da medida do
exercício legítimo do poder pelo Estado; e as diferenças que os separam não
são bastantes para impedir a visão que esses dois ramos ficam muito próximo e
ambos se inserem na grande árvores jurídica no mesmo nível (direito
público), estando cada um deles exposto à mesma luz que ilumina o outro e não
podendo a vida de um permanecer indiferente aos sucessos da vida do
coirmão"[7]
Isto nos permite afirmar que não podem as regras de direito
processual violar ou serem interpretadas de forma a violar as regras muito
específicas e particulares do direito administrativo, ou que regem o atuar da
administração pública e, portanto, as especiais regras sobre a gerência e
natureza jurídica dos bens a que o administrador está obrigado e bem gerir
como dever-função na salvaguarda do interesse público.
Portanto, a penhora de bens públicos é incompatível com as
regras do direito administrativo, que ditam a sua inalienabilidade, que
alcançam o próprio estado-juiz que não pode realizar a expropriação de bens
públicos, posto isto viola regras básicas de compatibilidade entre os dois
ramos do direito público. Isto só faz reforçar a nossa convicção primeira
que sem lei específica não se torna possível cumprir a regra do § 3° do
Art, 100 da CF.
Seria o caso desta lei que urge, prever para o pagamento dos
débitos judiciais de pequeno valor, o dever do ente público ter um fundo ou
rubrica geral para daí retirar o valor a ser pago aos débitos judiciais de
pequeno valor quando requisitado pelo estado-juiz ? Isto é uma possibilidade
que pode o legislador prever.
Não realizando este pagamento, definiria a lei que o
administrador poderia ser enquadrado como ato de improbidade administrativa por
ausência de previsão do fundo, ou por simples negativa configurar-se-ia o
referido crime? Seria o caso de configurar-se poder judiciário coagido e logo a
possibilidade de Intervenção Federal ?. Neste último caso sabemos da pouca
eficiência deste tipo de expediente. O certo é que podemos perceber que
possibilidades legais e de configuração são possíveis, crê-se, mas tudo
isto, quando o legislador regular. Tudo no mais hoje é apenas ilegalidade é o
que podemos dizer e apenas falsa esperança de justiça expedita aos cidadãos
trabalhadores.
Concluímos, portanto, que é o caso de NULIDADE DA PENHORA
de bens públicos de qualquer natureza, para satisfação de débitos judiciais
de qualquer valor, por que incompatível com a natureza dos bens públicos,
especialmente quando esta decorre da aplicação analógica de procedimentos em
matéria que o legislador exige lei, como expresso no § 3o. do art. 100 da CF e
art. 73 Caput da Constituição Federal.
Notas
1.Síntese Jornal.Porto Alegre: Março/2001. Pág’s 11 a14.
2.DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 4 ed. São
Paulo : Malheiros. 1994. Pág. 300. Também no mesmo sentido de não existir
verdadeira execução contra a Fazenda Pública, texto do Ministro do Superior
Tribunal de Justiça Humberto Gomes de Barros: Execução Contra a Fazenda
Pública. In 1º. Congresso Brasileiro de Advocacia Pública.
Advocacia e Sociedade. Ano 2. n° II, IBAP. São Paulo : Max Limonad. 1998.
Pág. 197.
3.Processo de Execução.20ª ed. São Paulo: Leud.2000.
Pág. 299
4.Primeiras Linhas de Direito Processual Civil.3º.
Vol. São Paulo: Saraiva.1985.Pág.288.
5.Fundamentos do Processo Civil Moderno. Tomo II. 4ª.
ed.São Paulo: Malheiros.2001.Pág’s 1.199-1.200.
6.Curso de Direito Administrativo.10ed. São Paulo:
Malheiros.1998. Pág.568
7.Fundamentos do Processo Civil Moderno. Tomo I. 4ª.
ed.São Paulo: Malheiros.2001.Pág. 582
Sobre o autor
advogado, procurador do Estado do Pará, mestre em Direito pela UFPA, secretário do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública no Pará, ex-diretor do departamento jurídico do Instituto de Terras do Pará (ITERPA)
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
ROCHA, Ibraim José Mercês. Penhora de bens públicos na execução de débitos judiciais de pequeno valor?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2280. Acesso em: 5 nov. 2024.