Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A Advocacia Pública Federal e suas peculiaridades.

Do regime jurídico às atribuições constitucionais. Da ética à proteção jurídica do interesse público

Exibindo página 1 de 2
Agenda 11/11/2012 às 13:55

O papel do Advogado Público é realizar a mediação entre a vontade democrática e o direito, compreendendo a política pública que se deseja implementar e buscando estabelecer os mecanismos que viabilizem a realização dessa vontade estatal.

Sumário: 1. Do regime jurídico da Advocacia Pública Federal – 2. Dos limites éticos da atuação do advogado público – 3. Das competências constitucionais e legais da Advocacia-Gera da União – 3.1 Da recorribilidade a todo custo: visão distorcida da atuação postulatória – 3.2 Da defesa do gestor: atuação pautada na busca pelo interesse público normativamente indexado – 3.3 Da consultoria e do assessoramento jurídicos – 4. Conclusões parciais sobre uma Advocacia Pública no Estado democrático de direito – 5. Referências.


1. Do regime jurídico da Advocacia Pública Federal:

A Advocacia Pública é por determinação legal[1] uma das espécies do gênero “advocacia”, só que adjetivada pelo termo “pública”. Não deixa de integrar, portanto, em face dessa qualificação, o mencionado gênero[2][3].

O fato é que essa afirmação gera consequências práticas relevantes aos Advogados Públicos, não se restringindo a um cunho eminentemente acadêmico ou posicionamento associativo institucional. Com efeito, ao sustentar-se que os Advogados Públicos são, antes de tudo, “Advogados” impomos à categoria uma tripla vinculação legislativa: à Lei Complementar n. 73/93, lei orgânica da Advocacia-Geral da União, à Lei n. 8.112/90 (arts. 26 e 27[4] da LC n. 73/93), estatuto jurídico dos servidores públicos federais, e à Lei n. 8.906/94 (art. 3º, §1º), estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (EOAB).

Registre-se, nesse ínterim, que o art. 3º, § 1º da Lei n. 8.906/94 foi, por um lado, redigido de forma redundante e, por outro lado, disse menos do que pretendia. É que ao afirmar que exercem a advocacia, subordinando-se ao regime dessa lei, além do seu regime próprio, os membros da AGU, desnecessário seria afirmar que os membros da Procuradoria da Fazenda Nacional também o são, já que por dicção expressa da Lei Complementar n. 73/93 (portanto, anterior à Lei n. 8.906/94) esses últimos integram a Advocacia-Geral da União. Por outro lado, ao sustentar que as Procuradorias e Consultorias Jurídicas das entidades de administração indireta e fundacional dos Estados, Distrito Federal e Municípios exercem a advocacia, a lei deixou, por um lapso, de mencionar as entidades da administração indireta autárquica e fundacional da União.

É que as Procuradorias e Consultorias Jurídicas da Administração Indireta Federal, em razão de uma conjuntura político-estrutural que predominava na época da edição da Lei Complementar n. 73/93, não integraram diretamente a Advocacia-Geral da União, mas a ela se ligaram por meio de uma “vinculação” (Órgão Vinculado) prevista inclusive Constitucionalmente. Assim, restringindo-se a interpretação do dispositivo à sua literalidade, chegar-se-ia a uma conclusão absurda[5], já que se teria os Advogados da União e Procuradores da Fazenda Nacional como integrantes de carreiras que exercem a atividade advocatícia e os Procuradores Federais e do Banco Central, que exercem o mesmo mister (defesa judicial e extrajudicial e consultoria e assessoramento) no âmbito da Administração Indireta Federal, não sendo considerados Advogados para os fins da Lei n. 8.906/94.

Por essas razões é que se sustenta, por um lado, uma redundância e, por outro, uma omissão inseridos no mesmo dispositivo legal do EOAB.

Ultrapassada essa dificuldade inicial, e fixada a premissa de que os membros da AGU e seus órgãos vinculados exercem a atividade advocatícia em defesa do Estado brasileiro, chega-se, a fortiori, a uma outra conclusão, qual seja, a de que os membros da AGU e seus órgãos vinculados submetem-se ao Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil. De todo modo, ainda que dúvida houvesse quanto à conclusão propugnada nesta passagem, tal submissão encontra esteio na disposição normativa veiculada por meio do art. 33[6] do EOAB, o que afastaria eventual contradita.


2. Dos limites éticos da atuação do advogado público:

Com efeito, dentro dos limites éticos da atuação do Advogado, e consequentemente do Advogado Público, está a questão do sigilo profissional, prevista no texto dos artigos 25, 26 e 27 do Código de Ética e Disciplina da OAB[7]. Referidas disposições impõem o sigilo profissional ao Advogado, a fim de resguardar sua atividade profissional bem como os interesses mais íntimos e caros do seu eventual cliente[8].

Noutra seara, tem-se conhecimento de que a Lei n. 8.112/90[9] dispõe serem deveres do servidor, dentre outros, levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo. Esta é a dicção expressa do art. 116, VI do referido diploma legal. Prosseguindo, o art. 143 da Lei n. 8.112/90 assevera que a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, observadas as garantias do contraditório e ampla defesa.

Com efeito, todas as informações que chegarem aos Advogados Públicos para que possam exercer o seu dever constitucional, lhes serão repassadas em razão do cargo. Nesse sentido, é encargo do Advogado Público, enquanto autoridade pública, promover a apuração da irregularidade ou, no mínimo, levá-la ao conhecimento do seu superior hierárquico[10].

Os dispositivos do Código de Ética e Disciplina da OAB e os dispositivos da Lei n. 8.112/90 numa primeira leitura parecem estar em clara antinomia, já que a diretriz ética posta para a manutenção do sigilo profissional vai de encontro ao dever do servidor (Advogado Público) em combater irregularidades que venha ter conhecimento em razão do cargo. Contudo, entendemos que não existe qualquer incongruência, antinomia ou conflito normativo no presente caso.

O fato é que ao intérprete é dada a tarefa de tentar conciliar o dever ético de sigilo e o dever legal de defesa do interesse público, do patrimônio público e da probidade administrativa. Esse ponto de equilíbrio é a coluna de sustentação central da ideia que se está desenvolvendo. A Advocacia Pública Federal encontra-se inserida num regime híbrido, e a ele deve adaptar-se para melhor desempenhar seu papel constitucional e legal.

Não se pode exigir que os Advogados Públicos Federais fechem os seus olhos diante de irregularidades administrativas que impliquem em malversação do dinheiro público por meio de práticas ilícitas ou ímprobas, sob a alegação do dever ético do sigilo em face de sua vinculação ao seu cliente[11]. Todavia, é de se frisar que não se deve confundir as atribuições e competências da Advocacia Pública com as do Ministério Público, mesmo porque a reunião de ambas as atribuições e competências em um único órgão foi a razão fundamental para o fracasso do modelo adotado antes da Constituição de 1988, tendo se constituído no maior pilar para justificar a necessidade da cisão que terminou por criar a Advocacia-Geral da União. Nesse contexto, tem-se de buscar o caminho do equilíbrio entre os deveres impostos ao Advogado Público Federal pela lei n. 8.112/90 e as disposições do Código de Ética e Disciplina da OAB.

Então, poder-se-ia questionar: como se alcança esse mencionado equilíbrio? No nosso entender, não há fórmula prévia e certa para se assegurar a atuação (ou restringi-la) dos Advogados Públicos dentro dos estritos limites de suas atribuições, mesmo porque a separação das competências entre o Ministério Público e Advocacia-Geral da União não se deu de forma absoluta, sendo que algumas competências, antes exclusivas do MP, hoje são concorrentes com as demais Funções Essenciais à Justiça, especialmente com a Advocacia Pública Federal[12].

Contudo, não se pode esquecer que os artigos 4º, VIII, 11, V e 18 da Lei Complementar n. 73/93 afirmam ser atribuição dos órgãos da AGU, vinculados ou não, assistir à autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica, norte este a apontar para a não observância cega a um sigilo que somente beneficiará o gestor público.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Assim, buscando o controle interno da legalidade e constitucionalidade dos atos administrativos, sempre que houver conflito de interesses entre a vontade do gestor e a vontade legal e constitucionalmente declinada pelo Estado, o Advogado Público deve guiar-se na defesa deste último, ainda que para isso tenha de quebrar o sigilo preconizado pelo Código de Ética e Disciplina da OAB.

Especificamente no que toca ao combate à improbidade administrativa e à corrupção, Fernando Luiz Albuquerque Faria[13] destaca (ainda no ano de 2008) a atuação da Procuradoria-Geral da União, aduzindo que:

Com relação à ação de improbidade administrativa, cabe destacar que se trata de instrumento judicial que, ultimamente, tem sido amplamente utilizado pela Procuradoria-Geral da União, tanto que, recentemente, se constituiu, por meio da Portaria n. 21, de 8 de outubro de 2008, do Procurador-Geral da União, força tarefa destinada à preparação e à adoção de medidas judiciais visando o combate à corrupção e à improbidade, e, em 1º de janeiro de 2009, será, conforme a Portaria n. 15, de 25 de setembro de 2008, do Procurador-Geral da União, constituído um Grupo Permanente de Combate à Corrupção e à Improbidade Administrativa.

Além disso, a Procuradoria-Geral da União tem atuado em conjunto, não só com a Controladoria-Geral da União, que tem encaminhado os resultados de fiscalizações que indicam o mau uso de recursos federais por agentes públicos federais, estaduais ou municipais, ou terceiros à AGU, mas também com o Tribunal de Contas da União, o qual, tão logo verifica haver indícios de desvio de recursos públicos federais, encaminha a questão imediatamente à Procuradoria-Geral da União, para esta ajuizar ação cautelar visando o bloqueio de bens dos agentes ou terceiros envolvidos e, em seguida, propor ação principal de improbidade administrativa contra esses.

Vê-se, portanto, que o compromisso jurídico da Advocacia Pública deve conviver simultaneamente com o compromisso democrático, o que implica na imposição de limites jurídicos à vontade do gestor, seja no exercício da consultoria, seja no exercício da representação judicial, sendo essa uma das características principais a diferenciar as atuações da advocacia pública e privada[14].

Assim agindo, e tendo em mente o regime jurídico híbrido ao qual se encontra submetido, o Advogado Público não estará atuando de modo antiético, muito pelo contrário, já que seu compromisso maior não é com as pessoas que ocasionalmente compõem um dado governo, mas com o Estado que esse governo representa.


3. Das competências constitucionais e legais da Advocacia-Gera da União:

Conforme já pontuado, as competências constitucionais da Advocacia-Geral da União encontram-se estampadas no caput do art. 131 da Constituição, que está assim redigido: “A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo”[15].

Importante, contudo, compatibilizar as funções elencadas no texto do artigo 131 com o Estado Democrático de Direito e ter em mente que a Advocacia Pública, embora tenha o mesmo status constitucional, não se confunde com a Defensoria Pública, com o Ministério Público, nem muito menos com a Advocacia privada.

Na verdade, a Advocacia Pública tem características particulares próprias, que não encontram similaridade com nenhuma outra Função Essencial à Justiça: ela tem como uma de suas missões mais relevantes promover a viabilização jurídica de políticas públicas, ou seja, cabe ao Advogado Público fazer uma ponte de ligação entre a vontade democrática manifestada legitimamente pelo governo eleito e o direito, compreendendo a política pública desejada e buscando estabelecer mecanismos jurídicos que sejam aptos a viabilizar sua realização[16].

Para uma correta compreensão da extensão das atividades da AGU, mister transcrevermos (notas de rodapé) as atribuições finalísticas tanto do seu dirigente máximo, o Advogado-Geral da União, consignadas no art. 4º da LC n. 73/93[17], quanto dos órgãos que integram a AGU, ainda que de forma vinculada.

Nesse sentido, dentre as principais funções atribuídas ao Advogado-Geral da União estão as de representar a União perante o Supremo Tribunal Federal, defender a norma legal impugnada nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, Assessorar o Presidente da República em assuntos de natureza jurídica, propondo, inclusive a edição de normas, medidas e diretrizes, assistir o Presidente da República no controle interno da legalidade dos atos da Administração e sugerir ao Presidente da República medidas jurídicas reclamadas pelo interesse público.

De igual modo, a Lei Complementar n. 73/93 prevê em seus dispositivos as competências e atribuições dos demais órgãos que compõem a AGU, tanto na esfera de atuação judicial quanto na esfera de atuação consultiva, conforme constante do seu Título II[18], Capítulos IV (Procuradoria-Geral da União), V (Consultoria-Geral da União), VI (Consultorias Jurídicas), VII (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) e IX (Órgãos Vinculados[19]).

Com efeito, a atuação judicial dos órgãos da AGU abrange todas as instâncias e esferas do Poder Judiciário[20], havendo uma certa “privatividade” quanto à atuação dos seus órgãos junto aos tribunais pátrios, especialmente os Tribunais Regionais Federais, Tribunais Superiores e Supremo Tribunal Federal. Sendo que o Advogado-Geral da União[21] e o Procurador-Geral Federal[22] poderão atuar em quaisquer juízos e Tribunais.

3.1 Da recorribilidade a todo custo: visão distorcida da atuação postulatória:

Ponto que merece destaque é o de que na atuação contenciosa ou postulatória uma das ideias atualmente mais combatidas, inclusive internamente dentro das carreiras que compõem a Advocacia Pública Federal, é a cultura da recorribilidade a todo custo[23]. O fato é que tal cultura, que reflete uma imaturidade institucional, nem sempre produz bons frutos ao Estado, pois muitas vezes se posterga o cumprimento de decisões judiciais (pela utilização legal do aparato recursal posto à disposição dos que litigam em juízo), as quais, ao final, impactarão de forma muito mais lesiva às contas públicas em razão do valor dos juros incidentes, bem como de eventuais multas pela utilização de recursos com caráter eminentemente protelatórios.

Isso não significa dizer que na dúvida não se deve defender os interesses – ainda que interesses públicos secundários – do Estado em juízo. Absolutamente. Se assim o fosse, estar-se-ia negando ao Estado o próprio direito à defesa a todos garantido pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Sob esse aspecto, interessante registrar o pensamento de Carvalho Fernandes, ao sustentar que inclusive quando o Estado efetivamente erra, ele ainda assim deverá ser defendido em juízo[24]; contudo, não para negar, ocultar ou mascarar seu erro, mas para se buscar uma decisão judicial justa. Assim procedendo, estará o Advogado Público exercendo o seu papel constitucional de forma plena, pois a um só tempo garantirá a aplicabilidade do artigo 5º, LV e defenderá o erário ao buscar uma indenização razoável e condizente com o prejuízo efetivamente causado pela atuação estatal.

Noutro turno, como defensor do interesse do público, ao Advogado Público deve ser dada a possibilidade de avaliar a viabilidade da tese defendida, e ponderar se uma composição judicial, por exemplo, não seria mais benéfica ao Estado do que simplesmente se insistir no embate judicial.

Combatendo a “cultura recursal” desarrazoada, destaca Aldemário Araújo Castro (2007):

[...] é preciso superar as equivocadas visões arraigadas na linha da defesa “a todo custo” ou da defesa “contra tudo e contra todos”. Ademais, nesse campo, a Advocacia Pública pode contribuir de forma decisiva para a redução dos níveis de litigiosidade que chegam ao Poder Judiciário.

Importa consignar, com a ênfase devida, a missão fundamental da Advocacia Pública: sustentar e aperfeiçoar o Estado Democrático de Direito (interesse público primário). Isso significa que a defesa do interesse público secundário, meramente patrimonial ou financeiro, pressupõe compatibilidade com o interesse público primário. O conflito inconciliável entre as duas manifestações do interesse público resolve-se, com afastamento do secundário, em favor do primário.

De fato, não se pode esquecer que o Poder Público consta em grande parte das ações judiciais que tramitam no Judiciário Pátrio, em todas as suas esferas, conforme pesquisa do CNJ divulgada em março de 2011[25]. Muito embora a leitura dos dados postos pelo Conselho Nacional de Justiça não informem se o Estado é litigante ou litigado, nem muito menos destaque claramente as demandas que são objeto de maior irresignação, tanto por parte do particular quanto do Poder Público, difícil negar que o Estado tenha de chamar para si a responsabilidade de contribuir para a redução do volume de feitos que efetivamente chegam às portar do Judiciário[26].

As iniciativas declinadas na nota de rodapé n. 27 apontam para um esforço que vem sendo estimulado e desenvolvido pela Advocacia-Geral da União e suas unidades na busca pela redução da litigiosidade judicial[27].

3.2 Da defesa do gestor: atuação pautada na busca pelo interesse público normativamente indexado:

Registre-se ainda, nessa atuação contenciosa ou postulatória, que por força do art. 22, da Lei 9.028/95, a Advocacia-Geral da União e os seus órgãos vinculados ficam autorizados a representar judicialmente os titulares e os membros dos Poderes da República, das Instituições Federais referidas no Título IV, Capítulo IV, da Constituição, bem como os titulares dos Ministérios e demais órgãos da Presidência da República, de autarquias e fundações públicas federais, e de cargos de natureza especial, de direção e assessoramento superiores e daqueles efetivos, inclusive promovendo ação penal privada ou representando perante o Ministério Público, quando vítimas de crime, quanto a atos praticados no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou regulamentares, no interesse público, especialmente da União, suas respectivas autarquias e fundações, ou das Instituições mencionadas, podendo, ainda, quanto aos mesmos atos, impetrar habeas corpus e mandado de segurança em defesa dos agentes públicos de que trata esse artigo.

Referida competência dos membros da AGU, segundo disposto no § 1º, I e II do mesmo art. 22 também se estende aos ex-titulares dos cargos mencionados, bem como aos designados para a execução dos regimes especiais previstos na Lei n. 6.024/74, nos Decretos-Leis n. 73/66, e n. 2.321/87; e aos militares das Forças Armadas e aos integrantes do órgão de segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, quando, em decorrência do cumprimento de dever constitucional, legal ou regulamentar, responderem a inquérito policial ou a processo judicial.

Contudo, equivoca-se quem pretende enxergar nessa atuação um desvirtuamento da finalidade precípua da AGU conferindo-lhe um viés axiologicamente pejorativo ou enquadrando-a como “advocacia de governantes (gestores) e ex-governantes (ex-gestores)”[28], eis que o próprio dispositivo legal acentua que tal representação só se dará quando os atos impugnados judicialmente tenham sido praticados no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou regulamentares, no interesse público, especialmente da União, suas respectivas autarquias e fundações.

Esse registro é relevante, mesmo porque a Advocacia-Geral da União, escudada na dicção do § 2º do referido artigo 22, disciplinou a mencionada representação[29], asseverando que os membros da instituição poderão negar o pedido de representação formulado especialmente caso se observe: a) não terem sido os atos praticados no estrito exercício das atribuições constitucionais, legais ou regulamentares; b) ter sido o ato impugnado praticado em dissonância com a orientação, se existente, do órgão de consultoria e assessoramento jurídico competente, que tenha apontado expressamente a inconstitucionalidade ou ilegalidade do ato, salvo se possuir outro fundamento jurídico razoável e legítimo; c) incompatibilidade do ato praticado com o interesse público no caso concreto; d) que a conduta foi praticada com abuso ou desvio de poder, ilegalidade, improbidade ou imoralidade administrativa, especialmente se comprovados e reconhecidos administrativamente por órgão de auditoria ou correição; e) que a autoria, materialidade ou responsabilidade do requerente tenha feito coisa julgada na esfera cível ou penal; e f) ter sido o fato levado a juízo por requerimento da União, autarquia ou fundação pública federal, inclusive por força de intervenção de terceiros ou litisconsórcio necessário.

Assim, é que a atuação judicial deve estar atrelada primordialmente à defesa do interesse público[30], já que a própria legislação dispõe que compete ao Advogado-Geral da União sugerir ao Presidente da República medidas de caráter jurídico reclamadas por dito interesse[31].

Tal entendimento também se encontra consignado no art. 1º Ato Regimental n. 08, de 27 de dezembro de 2002[32], da Advocacia-Geral da União assim como no art. 6º, § 3º da Lei n. 4.717/65, lei da ação popular[33].

Não é por outra razão que em Costa et al (2009, p. 91) se sustenta que entre conflitos de interesses primários e secundários, o Advogado público tem por dever observar os primeiros, “por corresponder aos interesses da coletividade não somente do governante ou do Estado.” E, em complemento arremata:

É por essa razão que a AGU não se vincula funcionalmente (mas apenas organicamente) ao Poder Executivo, pois está dotada de prerrogativas que lhe garantem certa independência funcional e permitem sua atuação na defesa dos interesses públicos primários.

Além de atuar na defesa do interesse público, a Advocacia-Geral da União também desempenha suas funções buscando a salvaguarda da cidadania. Exemplos dessa natureza podem ser encontrados nas manifestações consultivas sobre o reconhecimento de comunidades tradicionais e quilombolas, ou no reconhecimento administrativo da união homoafetiva, geradora de direitos civis e de outras garantias.

Ambos os exemplos denotam a expressão da Justiça da Administração, seguindo normas constitucionais e gerais, de princípios, sem que se tenha qualquer espécie de atuação judicial ou contenciosa.

3.3 Da consultoria e do assessoramento jurídicos:

As funções de consultoria[34] e assessoramento jurídico, por sua vez, significam a conformação prévia dos atos administrativos, que o Poder Executivo pretende praticar, aos preceitos constitucionais e legais de nosso Ordenamento.

Registre-se que há quem aponte diferenciações entre as atividades de consultoria e assessoramento[35]. Costa et al (2009, p. 88-90), descrevendo as características de cada uma das atividades, sustenta que:

Em relação à consultoria jurídica, encarregada do controle preventivo de legalidade e legitimidade, pode-se dizer que não se encontra vinculada aos interesses político-partidários adotados pelo Governo. Nesse mister, é objetivo da instituição zelar pelo cumprimento dos princípios constitucionais e dos dispositivos de lei de forma ampla, independentemente da vontade e dos interesses daqueles que estejam, momentaneamente, na chefia do Poder Executivo Federal.

A função consultiva da AGU é desempenhada por uma série de unidades de execução que tem no topo o Advogado-Geral da União, considerado o mais elevado órgão de assessoramento jurídico do Poder Executivo (art. 3º, § 1º, LC n. 73/1993). Este é seguido pela Consultoria-Geral da União, composta por dez Consultores da União, e auxiliada pelas Consultorias Jurídicas dos ministérios e pelos Núcleos de Assessoramento Jurídico [hoje Consultoria Jurídicas da União nos Estados] situados nos Estados. Todos os agentes têm por missão atender, por meio do assessoramento ou por meio da atividade consultiva, os órgãos do Poder Executivo.

[...]

Em suma, a consultoria ao Poder Executivo tem por objetivo resguardar os princípios constitucionais da Administração Pública e os valores do Estado Democrático de Direito, dentre esses “a supremacia da vontade popular; obediência à isonomia e à liberdade; submissão ao império da lei e da moral; indisponibilidade do patrimônio público; atuar com eficiência; publicidade; conduta proporcional e razoável; respeito aos direitos fundamentais”.

[...]

Como dito, não há perfeita paridade entre as tarefas de consultoria e as de assessoramento, sendo a consultoria voltada para o órgão e o assessoramento dirigido principalmente para o agente público.

O Advogado-Geral da União é o mais elevado órgão de assessoramento jurídico do Poder Executivo (art. 3º, LC 73/1991). Em seu auxílio, a Consultoria-Geral da União está incumbida, principalmente, de colaborar no assessoramento jurídico ao Presidente da República. Produz pareceres, informações e demais trabalhos jurídicos que lhes sejam solicitados pelo chefe da instituição (art. 10, LC 73/1993). Ressalte-se, contudo, que a Lei 10.683/2003, art. 2º, conferiu competência à Casa Civil da Presidência para prestar assessoramento jurídico ao Presidente da República, sobretudo na verificação prévia da constitucionalidade e legalidade dos atos presidenciais.

O assessoramento a que se refere o texto constitucional visa compatibilizar as políticas públicas formuladas pelos dirigentes de Governo com as normas e princípios vigentes, para a perfeita satisfação dos interesses públicos.

É por meio do assessoramento jurídico ao Presidente da República que o Advogado-Geral da União tem o dever, dentre outros, de: (a) orientar na elaboração do plano político e no controle interno da legalidade dos atos da Administração; (b) elaborar pareceres e estudos; prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos jurídicos da Administração Federal (art. 4º, LC 73/1993). (grifo nosso)

Via de regra, essa atuação é a que se encontra mais sujeita a possíveis pressões externas[36], já que os órgãos de consultoria da União encontram-se subordinados administrativamente aos Ministros de Estado, de acordo com expressa dicção do art. 11 da LC n. 73/93, o mesmo ocorrendo com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (Art. 12 c/c Art. 13, da LC n. 73/93)[37], além de situarem-se fisicamente dentro das sedes dos referidos ministérios.

Sem discrepar, os órgãos de consultoria e assessoramento da Procuradoria-Geral do Banco Central, não sendo vinculados à Procuradoria-Geral Federal[38], são administrativamente subordinados à referida Autarquia já que integram carreira própria daquela entidade, conforme reza o art. 1º da Lei 9.650/1998, ao passo que os órgãos correspondentes da Procuradoria-Geral Federal, embora não tenham vinculação ou subordinação direta com qualquer Autarquia ou Fundação Pública Federal, também estão sujeitos a ditas intervenções, uma vez que os Procuradores Federais responsáveis pela consultoria e assessoramento jurídico encontram-se exercendo suas funções fisicamente dentro das referidas entidades descentralizadas.

Em que pese o dado fático declinado, por ser a atividade consultiva encarregada do controle preventivo da constitucionalidade, legalidade e legitimidade, não se encontra normativamente vinculada aos interesses político-partidários eventualmente adotados pelo Governo. “Nesse mister, é objetivo da instituição zelar pelo cumprimento dos princípios constitucionais e dos dispositivos de lei de forma ampla, independentemente da vontade e dos interesses daqueles que estejam, momentaneamente, na chefia do Poder Executivo Federal” (COSTA et al, 2009, p. 88).

Resumindo tudo o que foi dito sobre as funções consultiva e de assessoramento jurídico, pode-se concluir que ambas têm por objetivo resguardar os princípios constitucionais da Administração Pública e os valores do Estado Democrático de Direito, tais como a supremacia da vontade popular; obediência à isonomia e à liberdade; submissão ao império da lei e da moral; indisponibilidade do patrimônio público; além de visar uma eficiente atuação estatal, primando pela publicidade dos seus atos e por uma conduta proporcional e razoável, com amplo respeito aos direitos fundamentais (COSTA et al, 2009, p. 89).

Sobre o autor
Filipo Bruno Silva Amorim

Procurador Federal, atualmente exercendo o cargo de Vice-Diretor da Escola da Advocacia-Geral da União. Bacharel em Direito pela UFRN. Especialista em Direito Constitucional pela UNISUL. Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Filipo Bruno Silva. A Advocacia Pública Federal e suas peculiaridades.: Do regime jurídico às atribuições constitucionais. Da ética à proteção jurídica do interesse público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3420, 11 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22990. Acesso em: 5 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!