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O leasing financeiro e sua tributação

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Agenda 28/11/2012 às 10:38

4.  A Lei complementar nº 101/2000 e a medida provisória 449/2008

Consubstanciado nas considerações feitas nos tópicos anteriores e partindo da premissa de que a interpretação sistemática do direito recomenda que as definições utilizadas por determinados ramos do direito sejam utilizadas com o mesmo sentido pelos demais ramos, como meio de evitarem-se incoerências ao sistema, tem-se a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, que em seu art. 29 assim dispõe:

Art. 29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são adotadas as seguintes definições:

(...)

III - operação de crédito: compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros;[26] (grifo nosso)

(...)

A conclusão que se pode tirar do acima exposto ruma no sentido de que a Lei de Responsabilidade Fiscal considerou a operação de arredamento mercantil como uma espécie de financiamento, a qual é pertencente ao gênero operação de crédito.

Somado a isso, destaca-se, ainda, que, justamente por tais operações estarem inseridas dentro do que se define como operações de crédito, conforme acima exposto, não existe a possibilidade de que o ISS incida, uma vez que o inciso III do artigo 2º da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003 excepciona a situação em tela, in verbis:

Art. 2º O imposto não incide sobre:

(...)

III – o valor intermediado no mercado de títulos e valores mobiliários, o valor dos depósitos bancários, o principal, juros e acréscimos moratórios relativos a operações de crédito realizadas por instituições financeiras.[27] (grifo nosso)

(...)

E não se diga que as empresas arrendadoras não se configurariam, em tese, como uma instituição financeira, pois conforme o já mencionado art. 4º da Resolução BACEN nº 2.309, de 28 de agosto de 1996,

(...) As sociedades de arrendamento mercantil devem adotar a forma jurídica de sociedades anônimas e a elas se aplicam, no que couber, as mesmas condições estabelecidas para o funcionamento de instituições financeiras na Lei nº 4.595, de 31.12.64, e legislação posterior relativa ao Sistema Financeiro Nacional (...)[28] (grifo nosso)

Considera-se relevante mencionar, também, sob o ponto de vista hermenêutico e levando em consideração a preponderância do caráter financeiro já destacado em tópico anterior, o art. 110 do Código Tributário Nacional, o qual dispõe o seguinte:

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.[29] (grifo nosso)

A importância do referido artigo reside justamente na seara interpretativa em razão da preponderância do aspecto financeiro do contrato de leasing, isto é, se a característica mais saliente do aludido contrato é a financeira (“conceitos e formas de direito privado”), não pode a lei tributária (v.g. LC 116/2003) deturpar, ou até mesmo contrariar, o mencionado atributo a fim de fazer incidir exação diversa daquela constitucionalmente prevista.

Prestados os esclarecimentos acima e seguindo a linha de desdobramento lógico do presente trabalho, cita-se a Medida Provisória 449, de 3 dezembro de 2008, a qual, dentre outras providências, trouxe em seu bojo importantes alterações que se relacionam a tributação das operações de leasing financeiro. São elas:

Art. 40.  A Lei no 6.099, de 12 de setembro de 1974, passa a vigorar acrescida do art. 1º-A: (Vigência)

“Art. 1º-A.  Considera-se operação de crédito, independentemente da nomenclatura que lhes for atribuída, as operações de arrendamento cujo somatório das contraprestações perfaz mais de setenta e cinco por cento do custo do bem

Parágrafo único.  No porcentual do caput inclui-se o valor residual garantido que tenha sido antecipado.” (NR) 

Art. 41.  O inciso I do art. 2º da Lei no 8.894, de 21 de junho de 1994, passa a vigorar com a seguinte redação: (Vigência)

“I - nas operações de crédito:

a) o valor total das contraprestações registrado pela pessoa jurídica arrendadora, na data da contratação, acrescido do valor residual garantido;

b) o valor do principal que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado, nas demais operações;” (NR)

Art. 42.  O inciso I do art. 3º do Decreto-Lei no 1.783, de 18 de abril de 1980, passa a vigorar com a seguinte redação: (Vigência)

“I - nas operações de crédito, as instituições financeiras ou as pessoas jurídicas arrendadoras;” (NR)

(...)

Art. 66.  Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação, exceto quanto ao disposto nos arts. 40 a 42, que passam a vigorar a partir da publicação do regulamento a ser editado pelo Poder Executivo.[30] (grifo nosso)

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Em relação à medida provisória acima transcrita, o Ministério da Fazenda, através de nota à imprensa, expos suas justificativas no tocante à novel tributação incidente sobre as operações de leasing financeiro, vejamos:

05/12/2008

NOTA À IMPRENSA - Medida Provisória nº. 449

Em relação aos artigos 40, 41 e 42 da Medida Provisória nº 449, de 4 de dezembro de 2008, que tratam da incidência de Imposto sobre Operações Financeiras - IOF, o Ministério da Fazenda esclarece: 

1. A inserção do art. 1º A na Lei nº 6.099, de 1974, foi efetuada visando corrigir uma distorção no mercado, que utiliza o instituto de leasing para, na verdade, efetuar operações de crédito direto ao consumidor. 

2. O leasing financeiro é de fato uma operação de crédito e, portanto, precisa ser submetido à regulação inclusive do ponto de vista tributário

3. Tratando-se de ajuste que visa aperfeiçoamento do sistema, não decorre disto o aumento automático e imediato da incidência do IOF, já que os efeitos das alterações dependem de regulamentação pelo Poder Executivo, nos termos do art. 66 da MP nº 449. 

4. Assim, os referidos artigos não tem eficácia imediata, não gerando quaisquer efeitos enquanto não regulamentados. A regulamentação por parte do Poder Executivo só ocorrerá no momento em que as condições macroeconômicas a exigirem. 

Fonte: Assessoria de Comunicação Social – GMF [31] (grifo nosso)

Logo após a edição de tal medida, embora necessitasse ela de regulamento do Poder Executivo para haver sua completa eficácia (denotando uma natureza extrafiscal, “pois além de servir para a arrecadação tributária federal, serve de instrumento para o controle e intervenção de setores da economia nacional”[32]), houve quem dissesse que está uma reles medida provisória desrespeitando uma lei complementar (a LC 116/2003).

Todavia, tais afirmações são deveras equivocadas, em razão de que, na verdade, caso de fato houvesse alguma espécie de desrespeito legal, seria a LC 116/2003 que teria desrespeitado a LC 101/2000, ou seja, mesmo havendo uma conceituação, especial e anterior, do que na verdade consistiria uma operação de arrendamento mercantil, vem uma lei, posterior e inespecífica, tributar determinada situação de forma indevida. 

Fala-se em suposto desrespeito legal, conforme acima citado, posto que a Lei Complementar nº 101/2000 não conflita, em princípio, com a Lei Complementar 116/2003 (antinomia). Antes disso, elas se complementam no ponto em que expressamente excepcionam as operações de crédito do âmbito de incidência do ISS. A primeira conceitua o que possa ser considerada uma operação de crédito. A segunda dispõe de forma explícita acerca da não incidência do imposto sobre referidas operações.

Há, por certo, uma contradição interna, no próprio corpo da Lei Complementar nº 116/2003, no ponto em que veio unicamente arrolar o contrato de leasing como fato gerador do ISS. Todavia, a fraqueza do enunciado reside justamente na impossibilidade de sua compreensão, dado que o legislador não expõe quais seriam os efeitos assemelhados entre o contrato de leasing e a atividade de prestação de serviços. Presume-se que o legislador tenha adotado como parâmetro o contrato de locação de bens móveis, contudo, a possibilidade de incidência do ISS nesta situação já foi rechaçada pela Suprema Corte[33][34].

No ponto, enfatiza-se o fato de que na LC 116/2003 não há, em todo o seu regramento, qualquer justificativa para a inclusão das operações de leasing (em especial o financeiro) como passíveis de tributação. Apenas há, de forma totalmente aleatória e desarrazoada, a inclusão do contrato aqui estudado em uma lista anexa a lei em comento.

Seguindo essa tônica, pontuais são as palavras de Rogério de Miranda Tubino:

No entanto, a mera existência de previsão legal de que o leasing sujeita-se ao ISS não é suficiente para legitimar referida cobrança, já que para fazer jus a tal tributação, deve haver necessariamente um serviço, conforme o conceito constitucionalmente construído.[35] (grifo nosso)

Acredita-se que a ausência de justificativa plausível se deve à total impossibilidade jurídica de enquadramento do leasing financeiro no conceito de prestação de serviço, posto que, segundo José Eduardo Soares de Melo, “O cerne da materialidade do ISS não se restringe a “serviço”, mas a uma prestação de serviço, compreendendo um negócio (jurídico) pertinente a uma obrigação de “fazer”, de conformidade com as diretrizes de direito privado”.[36] (grifo nosso)

O mencionado autor continua, dizendo o seguinte:

A exclusividade do ISS sobre a prestação de serviço deve apartar-se da incidência de outros tributos (como é o caso do ICMS ou do IOF), concernentes a específicas atividades, ainda que simultâneas ou complementares.

(...)

Entretanto, esta regra não deve ser aplicada no caso de o serviço ser considerado como atividade-meio (etapa de operação mercantil ou financeira), sem autonomia da obrigação principal. É a hipótese das entidades bancárias que tem finalidade a concessão de crédito (operação afeta ao IOF); situação em que a abertura de conta-corrente pertinente ao financiamento representa elemento integrante do mencionado negócio, não constituindo serviço distinto que possa sujeitar-se ao ISS.

Outra questão que poderia causar polêmica seria o fato de que a incidência de IOF estaria sendo instituída por medida provisória, situação que, em tese, afrontaria o princípio da legalidade. No entanto, nos dizeres de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, argumentos dessa natureza se configuram questão superada.

Embora muitos doutrinadores hajam defendido que as medidas provisórias não seriam instrumento válido para instituir ou majorar tributos, essa não foi a orientação trilhada pelo STF, que firmou posição no sentido de que “medida provisória, tendo força de lei, é instrumento idôneo para instituir e modificar tributos e contribuição sociais” (RE 138.284; AGRAG 236.976).[37] (grifo nosso)

Todavia, é cediço que a medida provisória em tela, quando de sua conversão na Lei 11.941, de 27 de maio de 2009, não carregou em seu texto os artigos 40, 41, 42 e 66 acima mencionados. Cumpre mencionar, inclusive, que não há justificativa legal, expressada na mensagem de veto constante na referida lei, capaz de explicar as razões de sua não inclusão no texto legal final.

A partir de tais dados, é possível inferir que pelo mesmo motivo que as operações de arrendamento mercantil ainda não são devidamente tributadas pela União, é que os artigos em questão foram, estrategicamente, retirados durante o trâmite legislativo, ou seja, por conveniência política, fiscal e econômica, as operações de arrendamento mercantil, na modalidade financeira, também não sofrem a incidência do IOF.

No ponto, reputa-se relevante esclarecer que a “não-incidência” “é a não-ocorrência de fato gerador, porque, ou não há lei, ou se há, então a lei não prevê a hipótese de incidência específica e precisa (lacuna) para o evento verificado.”[38] (grifo nosso)

E esta é a situação que se observa nas operações de arrendamento mercantil financeiro, ou seja, a Lei nº 6.099/74 (que dispõe sobre o tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil, especial, portanto) nada dispõe acerca da incidência do IOF ou ISS.

A premissa acima se confirma justamente pelo fato de que um dos objetivos da Medida Provisória 449/2008 era o de caracterizar precisamente a hipótese de incidência do IOF sobre as operações de arrendamento mercantil, incluindo definições exatas e claras na legislação específica atinente ao leasing e ao IOF.

E além de tudo o que já foi dito, conforme já mencionado alhures, por ser o leasing um negócio jurídico complexo (locação, venda e financiamento, sendo este último o preponderante) não se pode tencionar seu fracionamento a fim de fazer incidir diversas espécies tributárias, uma vez que eventual segregação, na verdade, repeliria a exigência de tributos diversos, no caso, o ISS e o IOF.

O correto é a verificação do caráter preponderante constante nas operações de arrendamento mercantil financeiro, a fim de que se torne possível aferir qual é a exação que deve incidir no caso em questão.

Nesse sentido, sendo certo que a característica de financiamento é a que mais se destaca nas operações de leasing financeiro, conclui-se que se o IOF não é atualmente aplicável em tais operações, isso ocorre por questões de política fiscal e econômica, razão pela qual não pode o ente municipal, aproveitando-se dessa proposital lacuna, fazer incidir o ISS, sob pena de, assim o fazendo, acabar imiscuindo-se em competência tributária alheia, situação vedada pelo ordenamento jurídico pátrio, conforme preceitua o art. 8º do Código Tributário Nacional (“O não-exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica de direito público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído.”[39]).

Sobre o autor
Tiago Rafael da Silva Balbé

Advogado do Banco do Brasil em Porto Alegre (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BALBÉ, Tiago Rafael Silva. O leasing financeiro e sua tributação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3437, 28 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23117. Acesso em: 25 nov. 2024.

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