5. Responsabilidade social da empresa no combate ao trabalho infantil.
A responsabilidade social pode ser conceituada como “a obrigação de responder por suas ações passadas, presentes e futuras, inclusive de todos os atores da sociedade que de alguma forma sofreram ou sofrerão os influxos de seus efeitos”[3].
Atualmente, não se pode conceber que as empresas estejam organizadas apenas para atender aos anseios da produtividade, consumidores, empregados e Estado. A responsabilidade de uma empresa deve objetivar o desenvolvimento sustentável e a melhor qualidade de vida da sociedade.
Responsabilidade social não vem a ser o mesmo que filantropia, uma vez que esta tem cunho assistencialista e temporário. A responsabilidade, ao contrário, tem a ver com obrigação e perenidade, pois a empresa deve sempre estar voltada para atender os direitos dos consumidores, empregados, meio ambiente, desenvolvimento e cidadania.
A atuação dos empresários de forma socialmente responsável pressupõe ações éticas e compromissadas com toda a sociedade e seu desenvolvimento produtivo. Assim, não basta que uma empresa gere empregos e arrecade tributos. É necessário que ela participe do desenvolvimento da sociedade de forma sustentável, por meio de ações que inibam a destruição do meio ambiente, que não estimulem o desrespeito à legislação trabalhista e que não incentive a utilização do trabalho infantil e em condições análogas à de escravo.
No caso do trabalho infantil, a criação de restrições aos produtos que tenham, de alguma forma, incorporado o trabalho precoce em sua produção, é uma das formas de atuação socialmente responsável da empresa.
No Brasil, a Fundação Abrinq criou um programa denominado “Empresa Amiga da Criança”. Por meio dele, a Empresa Amiga da Criança é aquela que não explora economicamente a força de trabalho infantil, bem como desenvolve ações e projetos de apoio à formação das crianças e à capacitação de adolescentes.
A viabilização de tal programa se deu com a criação do selo “Empresa Amiga da Criança”. Tal selo é concedido para as empresas que não empregam e nem são clientes de instituições que exploram o trabalho infantil. Esta exploração indireta do trabalho infantil pode se dar por meio da utilização de embalagens dos produtos, material de divulgação ou artigos publicitários que tenham utilizado a mão-de-obra precoce.
Para a obtenção do selo, a empresa deve se comprometer, formal e publicamente, a não utilizar o trabalho infantil, a divulgar o compromisso assumido para os seus fornecedores e clientes, bem como desenvolver ou apoiar programas sociais de formação de crianças e adolescentes.
Assim, “o selo funciona como uma espécie de prêmio, ao mesmo tempo em que legitima e difunde as ações desenvolvidas no âmbito da responsabilidade social da empresa. O segundo motivo está relacionado ao propósito de melhorar a imagem da empresa, especialmente naquelas atividades produtivas que, de certa forma, não eram bem vistas por determinados segmentos sociais, como é o caso do setor sucroalcooleiro.(...) O terceiro motivo refere-se ao atendimento de consumidores mais exigentes. Os empresários estão percebendo que, no contexto internacional, há um tendência do desenvolvimento de uma consciência dos consumidores, no sentido de saber a origem dos produtos disponibilizados no mercado para, então, consumir os produtos associados às empresas comprometidas com programas sociais e ambientais, em detrimento dos vinculados às empresas que exploram crianças ou degradam o meio ambiente”[4].
Além do selo, a Abrinq promove a inserção de cláusulas sociais nos contratos comerciais de redes de empresas. Tais cláusulas são compromissos assumidos pela empresa, no sentido de combater a exploração do trabalho infantil na cadeia produtiva em que atuam. Por meio desses compromissos, há possibilidade jurídica de desobrigação de compra dos produtos e serviços, caso algum estágio da cadeia produtiva tenha incorporado o trabalho infantil.
E a efetivação de tais políticas pode ser demonstrada com a assinatura das cláusulas pelas indústrias de veículos automotores. Tais empresas eram suspeitas de utilizarem mão de obra precoce na produção do carvão vegetal, que compõe uma das cadeias de sua produção. Outro setor mobilizado pela adoção das cláusulas sociais foi o sucroalcooleiro, citrícola e fumageiro.
A adoção das cláusulas sociais e obtenção do selo Empresa Amiga da Criança faz com que as empresas não sofram boicotes comerciais, uma vez que o mercado internacional, em especial dos países desenvolvidos, não utilizam produtos ou mercadorias que possuam denúncias de exploração do trabalho escravo ou infantil.
Chega-se à conclusão de que a responsabilidade social da empresa não é apenas uma opção, mas deve ser considerada como estratégia e objetivo organizacional da empresa, sob pena de se perder espaço considerável no mercado externo e interno. Ademais, concretiza a atuação econômica de forma sustentável, uma vez que a obtenção do lucro se dará com a efetiva preocupação com os trabalhadores envolvidos na cadeia de produção.
6. Conclusão.
A erradicação do trabalho precoce é medida necessária para o pleno desenvolvimento do Brasil, uma vez que acabará com o círculo vicioso de famílias que se mantêm sob extrema miséria, durante gerações, alijadas de qualquer direito ou garantia trabalhista e inseridas na completa ignorância causada pela falta de estudos ou perspectivas de melhora da condição sócio econômica.
Além disso, verifica-se que o trabalho precoce é muito mais árduo do que o mesmo trabalho realizado por um adulto. Além de venderem a força de trabalho, as crianças e jovens vendem a sua infância, direito fundamental indisponível, que nunca mais será recuperada. Os danos físicos e emocionais, em sua maioria, não são possíveis de reparação, criando uma geração de adultos inapta ao desenvolvimento máximo de sua força de trabalho.
E tal situação somente poderá ser modificada, com a erradicação gradual (e, por fim, total) do trabalho precoce, com a atuação conjunta do Estado e sociedade. O primeiro, por meio de políticas públicas que efetivamente retirem as crianças e adolescentes do trabalho, mantenha-os na escola, bem como forneça meios para a subsistência plena das famílias, a fim de que estas não mais precisem da complementação da renda com o trabalho de seus filhos e vislumbrem ser possível a sobrevivência independentemente do trabalho de suas crianças. Além disso, o Estado precisa adotar políticas de fiscalização que sejam capazes de inibir a utilização desses trabalhadores pelas empresas.
A atuação da sociedade deve se dar, primeiramente, pela consciência da solidariedade de cada cidadão. Cada um de nós é responsável pela diminuição das desigualdades sociais, por meio de atuação filantrópica e assistencial. Além disso, as empresas devem assumir um papel socialmente responsável no desenvolvimento de suas atividades, por meio de restrições àqueles fornecedores e produtores que se utilizem de trabalho precoce.
Por fim, a erradicação do trabalho precoce contribuirá para o pleno desenvolvimento do país no âmbito interno e externo. No primeiro caso, o Brasil ganhará jovens cada dia mais capacitados para o mercado de trabalho, eliminando-se a triste realidade de pessoas que também colocarão os seus filhos para trabalhar, sem qualquer perspectiva de uma vida digna. E, no cenário internacional, o país poderá ser visto como uma verdadeira nação que luta para o pleno desenvolvimento sustentável, respeitando-se a dignidade de todos de seus jovens cidadãos.
Esther Regina Corrêa Leite Prado, Advogada da União em exercício no Departamento Trabalhista da Procuradoria-Geral da União, em Brasília.
Notas
[1] José Claudio Monteiro de Brito Filho, Trabalho Decente, LTr, 2ª Edição, pag. 25.
[2] Maria Adriana Torres, Trabalho Infantil - Trabalho e Direitos, Ed. UFAL, pag. 77.
[3] Joel Orlando Bevilaqua Marin e Eriberto Francisco Bevilaqual Marin, Responsabilidade social empresarial e combate ao trabalho infantil in Direito, Estado e Sociedade, n. 34, Jan/Jun 2009, pag. 115.
[4] Joel Orlando Bevilaqua Marin e Eriberto Francisco Bevilaqual Marin, Responsabilidade social empresarial e combate ao trabalho infantil in Direito, Estado e Sociedade, n. 34, Jan/Jun 2009, pag. 133/134.