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Pensão por morte previdenciária: o recolhimento das contribuições previdenciárias do segurado contribuinte individual após o óbito

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Agenda 04/01/2013 às 09:53

Apenas o próprio segurado contribuinte individual pode efetuar o recolhimento de contribuições em atraso para auferir os benefícios cujo fato gerador provenha de contingência social cuja ocorrência seja certa.

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo trazer considerações sobre a contribuição pos-mortem realizada pelos dependentes do contribuinte individual falecido, para que tenham direito ao recebimento do benefício previdenciário de pensão por morte, buscando demonstrar a impossibilidade de tal prática, por flagrante violação aos princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais da Previdência Social. Para esse fim, faz uma breve análise dos princípios, beneficiários e prestações do Regime Geral de Previdência Social, bem como da pensão por morte e da sua concessão ao segurado contribuinte individual, enquanto permanecer com essa qualidade. Por derradeiro, apresenta os argumentos para se infirmar as pretensões dos dependentes que assim pretendem proceder.

Palavras-chave: Contribuição; Dependentes; Pos-mortem; Contribuinte Individual.


1 INTRODUÇÃO

O presente artigo trata da divergência existente quanto a possibilidade dos dependentes do contribuinte individual falecido verterem contribuições, após o óbito deste, a fim de perceberem o benefício previdenciário de pensão por morte.

Inicialmente, trata brevemente sobre a os principais princípios e características do Regime Geral de Previdência Social, buscando situar a matéria dentro do contexto da legislação previdenciária.

O contribuinte individual tem a peculiar atribuição de verter, por sua conta, as contribuições ao sistema previdenciário, isso decorre do próprio caráter compulsório do sistema, sendo que caso não cumpra com a obrigação legalmente imposta, ou seja, caso não verta das devidas contribuições em tempo oportuno, a consequência lógica será a perda da qualidade de segurado e a perda do direito às prestações previdenciárias.

Entretanto, passou-se a questionar no âmbito do poder judiciário a possibilidade dos dependentes do contribuinte individual falecido e em débito com a Previdência Social, recolher as contribuições em atraso, pois só assim teriam direito ao benefício de pensão por morte. Argumenta-se, que o vínculo com o RGPS se dá com o exercício da atividade remunerada e não com o recolhimento da contribuição em si, de forma que o contribuinte individual que não arca com as suas contribuições seria apenas um devedor que poderia, a qualquer tempo, mesmo após o óbito, por seus dependentes, verter contribuições ao sistema e ainda assim gozar das prestações.

Não obstante tais argumentações serem acatadas por alguns tribunais, a mesma encontra óbice nas previsões legais e constitucionais sobre a matéria previdenciária, as quais serão apresentadas no presente trabalho, considerando inadmissível tal hipótese, por violar os princípios, normas e a própria lógica de um sistema protetivo como a Previdência Social.

O método utilizado para a formulação do presente foi a pesquisa literária, com base na análise bibliográfica, jurisprudencial e normativa atinente à temática, buscando-se tanto na literatura, quanto na análise jurisprudencial e da legislação os substratos necessários para se conferir legitimidades às conclusões encontradas.


2 SEGURIDADE SOCIAL

Inicialmente, cumpre trazer considerações as características e princípios estruturantes da Seguridade Social e da Previdência Social para situar o tema do presente trabalho.

Nos termos do caput do artigo 194 da Constituição Federal de 1988, a seguridade social “compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

Trata-se de um modelo de proteção que a sociedade proporciona aos seus membros, por meio de uma série de medidas voltadas a prevenir privações econômicas e sociais decorrentes dos riscos sociais, tais como velhice, invalidez, gravidez, dentre outras (MARTINEZ, 2009, p. 23).  

O sistema da Seguridade Social fundamenta-se nos princípios estabelecidos no parágrafo único do artigo 194 da Constituição Federal, sendo os seguintes: a) universalidade da cobertura e do atendimento; b) uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; c) seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; d) irredutibilidade do valor dos benefícios; e) eqüidade na forma de participação no custeio; f) diversidade da base de financiamento; g) caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

O §5º do artigo 195 da Constituição Federal ao dispor que “nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”, consagra o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, o qual visa garantir a manutenção e solidez do sistema.

Tendo em vista que a Previdência Social é uma das políticas componentes do sistema de Seguridade Social, os princípios e fundamentos desta lhe são igualmente aplicáveis.


3 PREVIDÊNCIA SOCIAL

A previdência social está regulamentada, especificamente, pelos artigos 201 e 202 da Constituição Federal, bem como pela Lei n.º 8.213/1991 que dispõe sobre os benefícios da Previdência Social.

De acordo com o caput do artigo 201 da Constituição Federal, a Previdência Social será organizada sob a forma de um regime geral, de caráter contributivo e filiação obrigatória, sendo que observados os critérios do equilíbrio financeiro e atuarial, atenderá: a) cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; b) proteção à maternidade, especialmente à gestante; c) proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; d) salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados baixa renda; e) pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, não podendo o benefício ser inferior ao salário mínimo.

O regime é de caráter contributivo tendo em vista que a cobertura previdenciária pressupõe o pagamento de contribuições do segurado para o custeio do sistema, sendo que somente assume a condição de segurado aquele que contribui para a Previdência Social e desde que respeite os períodos de carência e demais requisitos legalmente estabelecidos (SANTOS, 2012, p. 132).

De acordo com Marisa Ferreira dos Santos (2012, p. 132) a filiação é obrigatória:

Porque quis o legislador constituinte, de um lado, que todos tivessem cobertura previdenciária e, de outro, que todos contribuíssem para o custeio. A cobertura previdenciária garante proteção ao segurado e desonera o Estado de arcar com os custos de atendimento àquele que não pode trabalhar em razão da ocorrência das contingências-necessidade enumeradas na Constituição e na lei.

Os beneficiários são os destinatários das prestações do Regime Geral de Previdência Social, dividindo-se em segurados e dependentes.

- Segurados: estes se subdividem em segurados obrigatórios e facultativos, aqueles são as pessoas físicas filiadas ao RGPS em decorrência de alguma das atividades previstas no artigo 11 da Lei n.º 8.213/1991, artigo 12 da Lei n.º 8.212/1991, bem como dos artigos 9º, 10º e 11º do Decreto n.º 3.048/1999 (TAVARES, 2012, p. 73).

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São cinco as modalidades de segurados obrigatórios, sendo o empregado, o empregado doméstico, contribuinte individual, trabalhador avulso e segurado especial.

Por sua vez, o segurado facultativo é aquele que, via de regra, é a pessoa maior de 16 (dezesseis) anos que não exerce atividade remunerada que o filie obrigatoriamente ao RGPS na qualidade de segurado obrigatório (art. 13 da Lei n.º 8.213/1991).

- Dependentes: são divididos em três classes, sendo a primeira constituída pelo cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente; a segunda formada pelos pais e; a terceira pelo o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente (TAVARES, 2012, p. 85).

Importante frisar que a existência de dependentes de qualquer das classes exclui o direito às prestações para as classes seguintes de acordo com o § 1º do artigo 16 da Lei n.º 8.213/1991.

Quanto as prestações previdenciárias, estas são divididas em benefícios e serviços que, de acordo com o artigo 18 da Lei n.º 8.213/1991, quanto ao segurado podem ser os seguintes: a) aposentadoria por invalidez; b) aposentadoria por idade; c) aposentadoria por tempo de contribuição; d) aposentadoria especial; e) auxílio-doença; f) salário-família; g) salário-maternidade; h) auxílio acidente; i) abono de permanência em serviço (extinto pela Lei n.º 8.870/1994). As prestações devidas aos dependentes são a pensão por morte e o auxílio reclusão. Por fim, são devidos tanto para os dependentes quanto para os segurados o serviço social e a reabilitação profissional (MARTINEZ, 2009, p. 161).

Os benefícios previdenciários traduzem-se em prestações pecuniárias, já os serviços podem ser conceituados como um bem imaterial posto à disposição dos beneficiários, tais como o serviço social e a reabilitação profissional.

Feita essa digressão, passar-se-á ao estudo específico do benefício de pensão por morte, bem como da questão relacionada ao recolhimento, pelos dependentes, de contribuições após o óbito do contribuinte individual falecido.

2 Benefício Previdenciário de Pensão Por Morte

O artigo 201, inciso V, da Constituição Federal de 1988, alterado pela Emenda Constitucional n.º 20/1998, trata do benefício previdenciário de pensão por morte, in verbis:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

[...]

V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.

A regulamentação dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social ficou a cargo da Lei n.º 8.213/1991, a qual tratou da pensão por morte em seu artigo 74, dispondo que:

Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:

I – do óbito, quando requerida até trinta dias depois deste;

II – do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior;

III- da decisão judicial, no caso de morte presumida.

Assim, da análise dos dispositivos legais supracitados, é possível verificar que a pensão por morte, como sugere a própria nomenclatura da expressão, decorre da morte do segurado, fato este que, aparenta ser uma conclusão simples, entretanto, notadamente quando se trata do segurado contribuinte individual, assume rumos bastante complexos.

Inicialmente, antes de tratar do tema referente a contribuição após o óbito para concessão do benefício de pensão por morte do segurado contribuinte individual, cumpre tecer breves considerações sobre a filiação e inscrição do Regime Geral de Previdência Social – RGPS.

Conforme dicção do citado artigo 201, da Constituição Federal de 1988, o Regime Geral de Previdência Social será “contributivo e de filiação obrigatória”, daí emerge a o caráter compulsório do sistema.

A filiação é o vínculo jurídico que se estabelece entre o segurado e o RGPS, sendo que de acordo com Ibrahim (2011, p. 173) “decorre automaticamente da atividade remunerada, ou seja, no momento em que uma pessoa iniciar o exercício de alguma atividade remunerada, ipso facto, estará filiada à previdência social”.

O referido autor ao tratar sobre a consequência da filiação compulsória aduz que “como o sistema é necessariamente contributivo (art. 201, caput, CRFB/88), aquele que está filiado ao RGPS deve, obrigatoriamente, verter contribuições ao sistema, as quais deverão ser pagas, em regra, mensalmente” (IBRAHIM, 2011, p. 174).

Por sua vez, a inscrição é meramente o ato formal no qual os dados do segurado são fornecidos ao Instituto Nacional do Seguro Social (art. 18 da Lei n.º 8.213/1991), Autarquia Federal responsável pelo arquivamento dos dados dos segurados e concessão das prestações previdenciárias.

A inscrição ocorre de modo diferente, a depender da modalidade de segurado, sendo que, por exemplo, no caso do segurado empregado, é de responsabilidade da empresa com a Autarquia Previdenciária, já o contribuinte individual é o responsável por apresentar os documentos que comprovem o exercício da atividade profissional. Em caráter excepcional, poderá a empresa realizar a inscrição dos contribuintes individuais que lhe prestem serviços, sendo que isso ocorre quando a empresa contrata segurado não inscrito (IBRAHIN, 2011, p. 176-177).

Feita essa digressão, denota-se que a filiação é ato automático que decorre do exercício de alguma das atividades elencadas no artigo 11 da lei n.º 8.213/1991, dentre as quais esta incluída a do contribuinte individual (inciso V, artigo 11, Lei 8.213/1991), sendo que a lei atribui a esta modalidade de segurado o dever de solicitar sua inscrição perante a Autarquia Previdenciária e proceder por sua conta o recolhimento das contribuições devidas (art. 18, inciso III do Decreto n.º 3.048/1999 e 21 e seguintes da Lei n.º 8212/1991).

Diante da característica da compulsoriedade do sistema previdenciário, passou-se a argumentar que, ao contrário do que ocorre com o segurado facultativo que exige inscrição no INSS com o recolhimento de contribuição sem atraso para que possa fazer jus às prestações, o contribuinte individual, por ser segurado obrigatório, sua condição de segurado decorreria do exercício da atividade remunerada e não do pagamento das contribuições contemporâneas, razão pela qual seria admissível a concessão do benefício de pensão por morte aos dependentes ex-segurado contribuinte individual mediante o recolhimento de contribuição previdenciária posterior ao óbito.

Tal interpretação pode se dar sob dois aspectos, quais sejam: o segurado contribuinte individual que nunca promoveu a sua inscrição no RGPS e o segurado que promoveu a sua inscrição e perdeu a qualidade de segurado. No primeiro caso, pretende-se o reconhecimento da qualidade de segurado mediante o pagamento de contribuição do segurado falecido, já na segunda hipótese o que se pleiteia é o restabelecimento da qualidade de segurado com o pagamento da contribuição. Entretanto, em ambas as situações, a finalidade é a mesma: o recolhimento, pelo dependente, das contribuições que eram devidas pelo ex-segurado contribuinte individual que faleceu, com objetivo de obter o benefício de pensão por morte.

Conforme se denota no julgado a seguir, essa possibilidade vem sendo aceita pela jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4º Região:

PREVIDENCIÁRIO. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL SEGURADO OBRIGATÓRIO. RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES - POST MORTEM - PARA FINS DE CONCESSÃO DE PENSÃO AOS DEPENDENTES. POSSIBILIDADE.1. A filiação do segurado obrigatório ao RGPS - diferentemente do segurado facultativo, do qual se exige a inscrição perante a Autarquia Previdenciária - decorre automaticamente do exercício de atividade remunerada, e não propriamente do pagamento contemporâneo das contribuições; estas, para fins de concessão de benefício, podem ser indenizadas - inclusive pos mortem no caso de benefícios para os dependentes do segurado - nos termos do art. 45, § 1.º, da Lei n. 8.212/91.2. In casu, foi reconhecido o direito de a parte autora promover o recolhimento das contribuições impagas do falecido segurado, de modo a viabilizar a concessão da pensão por morte postulada. (TRF 4º JFPR – PROCESSO N.º 0000516-61.2011.404.9999, RELATOR: CELSO KIPPER, DATA DE JULGAMENTO: 06/04/2011, SEXTA TURMA, DATA DE PUBLICAÇÃO: D.E. 12/04/2011).

Embora seja segurado obrigatório, admitir que o recolhimento das contribuições, após o óbito, do contribuinte individual, tendo como única finalidade a percepção, pelos dependentes, do benefício de pensão por morte, destoa do caráter protetivo da Previdência Social, além de ir de encontro a diversas disposições legais e fomentar a prática de condutas hábeis ao locupletamento, conforme se passará a demonstrar.

3.3 Contribuição realizada após o óbito do segurado contribuinte individual

A qualidade de segurado, conforme já observado, resulta do efetivo exercício de algumas das atividades estabelecidas no artigo 11 da Lei n.º 8.213/1991 ou do ingresso no Regime Geral de Previdência Social como contribuinte facultativo. No caso do contribuinte individual, é dele o dever de verter as contribuições para o sistema previdenciário, sendo que, na ausência dessas contribuições, não haverá direito a prestação alguma da Previdência Social, isso é o que se pode inferir da própria análise dos dispositivos referentes à perda da qualidade de segurado previstas na legislação.

O artigo 15, inciso II, dispõe que a qualidade de segurado será mantida até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, para o segurado que deixar de exercer atividade remunerada que seja abrangida pelo Regime Geral de Previdência Social, sendo que durante esse período – conhecido como período de graça, o segurado conserva todos os direitos perante a Previdência Social.

Assim, já pela análise desse dispositivo legal, denota-se que a legislação considerou que a concessão das prestações deve se dar caso o segurado verta as devidas contribuições ao sistema em tempo oportuno, ou seja, nos prazos legalmente estabelecidos, não havendo qualquer ressalva quanto ao segurado contribuinte individual, sugerindo que este possa verter contribuições a qualquer momento, fazendo jus às prestações do sistema.

A regulamentação da perda da qualidade de segurado, considerando o disposto nos arts. 30, II e 45, § 1º da Lei n. 8.212/91, foi dada pelo art. 14 do Dec. 3.048/1999, in verbis:

Art. 14.  O reconhecimento da perda da qualidade de segurado no termo final dos prazos fixados no art. 13 ocorrerá no dia seguinte ao do vencimento da contribuição do contribuinte individual relativa ao mês imediatamente posterior ao término daqueles prazos.” (Redação dada pelo Decreto nº 4.032, de 26.11.2001).

Desse modo, o regime jurídico da pensão por morte constante dos 74 a 79 da Lei nº 8.213/91, em cotejo com a estrutura normativa previdenciária brasileira, denota que esta benesse é devido ao conjunto de dependentes do segurado falecido de sua atividade ou não (neste caso, desde que mantida sua qualidade de segurado), ou, ainda, quando ele já se encontrava em percepção de aposentadoria (ROCHA, BALTAZAR JUNIOR, 2000).

A Previdência Social é organizada na forma de regime geral, tendo a precípua característica do regime contributivo, o qual exige que o recolhimento de contribuições para que haja possibilidade de se usufruir de benefícios previdenciários quando da ocorrência de algum evento que esteja previamente estabelecido na legislação previdenciária.

Assim, a ausência do recolhimento das contribuições fora do prazo estabelecido na legislação tem como consequência a perda da qualidade de segurado.

O contribuinte individual tem o ônus/responsabilidade de velar pelo recolhimento de suas contribuições previdenciárias, isso é o que dispõe o artigo 30, inciso II, da Lei n.º 8.212/1991:

Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas: (Redação dada pela Lei nº 8.620, de 5.1.93).

II - os segurados contribuinte individual e facultativo estão obrigados a recolher sua contribuição por iniciativa própria, até o dia quinze do mês seguinte ao da competência; (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99).

(Grifo nosso).

Assim, foi a própria lei que estabeleceu tal atribuição ao contribuinte individual, de forma que, caso ele se abstenha de realizar as devidas contribuições, consequência certa será a perda da qualidade de segurado.

A concessão da pensão por morte está condicionada à ocorrência do fato gerador, qual seja a morte do segurado, momento em que devem estar preenchidos todos os requisitos para concessão do benefício, dentre eles a qualidade de segurado do “de cujos” e a existência de dependentes.

A possibilidade dos dependentes do contribuinte individual falecido, de realizar o recolhimento de contribuições após o óbito deste não encontra qualquer fundamento legal. Embora o artigo 45-A da Lei n.º 8.212/1991 disponha sobre o recolhimento em atraso das contribuições, tal procedimento somente poderá ser realizado pelo próprio contribuinte individual, para fins de contagem recíproca de tempo de contribuição.

Assim, apenas o próprio segurado contribuinte individual pode efetuar o recolhimento de contribuições em atraso para auferir os benefícios cujo fato gerador provenha de contingência social cuja ocorrência seja certa, tal como a aposentadoria por idade, vez que o envelhecimento característico da espécie humana, de outro lado, configura-se inadmissível que se estenda tal hipótese aos casos onde o fato gerador é incerto, como por exemplo o auxílio doença, bem como da própria pensão por morte, sendo que, justamente por isso a legislação veda que contribuições vertidas extemporaneamente valham para efeito de carência, a fim de evitar que, por exemplo, o contribuinte que não recolhe as suas contribuições e sofre um acidente possa valer-se de apenas uma contribuição para que usufrua do benefício de auxílio doença, pois isso implicaria em desigualdade de direitos daqueles que, mesmo com dificuldades, contribuem todos os meses para o sistema.

Destarte, admitir que os dependentes de ex-segurado promovam o recolhimento de uma competência de contribuição previdenciária (pois a pensão por morte não reclama carência – artigo 26 da Lei n.º 8213/1991) para que eles próprios possam usufruir da pensão por um longínquo período, a partir da existência de uma única contraprestação, além de totalmente desarrazoada, contraria o regime contributivo estabelecido pelo legislador constituinte originário de 1988.

Acrescente-se que, para os benefícios cujo fato gerador tenha por origem contingências sociais cuja ocorrência não é certa (evento futuro e incerto) não se pode permitir ao interessado ou a seus dependentes o recolhimento de contribuições após a ocorrência do fato gerador.

Isso ocorre porque não é legítimo que alguém se aproveite da própria torpeza para beneficiar-se com o recolhimento de menos contribuições previdenciárias, sendo que no caso de benefícios por incapacidade apenas nos meses necessários ao restabelecimento da qualidade de segurado, a qual poderá ser uma por ano desde o último vínculo, haja vista que como já mencionado, a manutenção da qualidade de segurado mantêm-se pelo prazo de um ano após o término das contribuições, de fato que se no último dia do prazo para o recolhimento o segurado o fizer, a qualidade de segurado se perdurará por mais um ano e assim sucessivamente. E, no caso da pensão por morte, o caso assume ainda maior importância, tendo em vista que por ser dispensada a carência, bastaria apenas uma única contribuição no mês anterior ao óbito para que os dependentes pudessem gozar do benefício por muitos anos.

Conceder a possibilidade dos dependentes do contribuinte individual falecido de efetuar contribuições após o óbito deste é permitir a interpretação da lei de modo contrário aos ditames da própria Constituição Federal, a qual mantém o caráter contributivo do sistema previdenciário, permitindo ao contribuinte individual que contribua de forma pretérita ao Regime Geral de Previdência Social, arcando com o ônus da sua desídia, pois terá que arcar com os valores com os encargos moratórios legalmente previstos (§ 3º, art. 45 da Lei n.º 8.213/1991).

Essa faculdade não é permitida ao dependente do ex-segurado, para fins de aferição do benefício de pensão por morte, isso porque se estaria o operador do direito desvirtuando a intenção do legislador, trazendo prejuízo ao sistema, violando o caráter contributivo do RGPS, bem como o equilíbrio financeiro e atuarial. Em que pese soar irônico, admitir tal hipótese seria o mesmo do que um proprietário de um veículo buscar a cobertura securitária após a ocorrência do acidente, o que subverte qualquer lógica, enfim, é visar a cobertura de um risco social após a sua consolidação.

Ademais, ao se admitir tal hipótese, se estaria pondo em risco a estrutura do sistema de Previdência Social, tendo em vista que o contribuinte individual seria estimulado a não mais pagar as suas contribuições, tendo em vista que poderia, caso restasse inválido ou falecesse, ter concedido a prestação para si ou para seus dependentes mediante o recolhimento pretérito de apenas uma contribuição.

Já para os casos em que a contingência social seja previsível, como a aposentadoria por idade, a normalização dos pagamentos somente seria realizada nos 180 (cento e oitenta) meses anteriores a implementação da idade de 65 (sessenta e cinco) anos para o homem e 60 (sessenta anos) para a mulher, ou seja, os contribuintes individuais iniciaram as contribuições somente a partir dos 45 (cinquenta) anos se mulher e 50 (cinquenta) anos se homem.

Corroborando esse entendimento, denota-se que o § 2º, do artigo 102, da Lei n.º 8.213, de 1991, demonstra que diante da perda da qualidade de segurado, é inadmissível a concessão do benefício, ressalvando-se apenas a hipótese em que estejam preenchidos todos os requisitos para concessão de aposentadoria, in verbis:

§ 2º. Não será concedida pensão por morte aos dependentes do segurado que falecer após a perda desta qualidade, nos termos do art. 15 desta Lei, salvo se preenchidos os requisitos para a obtenção da aposentadoria na forma do parágrafo anterior.”

Desse modo, inadmissível se conceber tal hipótese, primeiro porque inexiste qualquer previsão legal para tanto, e segundo porque desvirtua as características inerentes ao regime previdenciário, notadamente o caráter contributivo.

Sobre a autora
Vanessa Valéria Gonçalves Sottocorno

Pós-Graduanda do Curso de Direito das Relações Trabalhistas e Previdenciárias da Faculdade Integrado de Campo Mourão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOTTOCORNO, Vanessa Valéria Gonçalves. Pensão por morte previdenciária: o recolhimento das contribuições previdenciárias do segurado contribuinte individual após o óbito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3474, 4 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23365. Acesso em: 23 nov. 2024.

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