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O contrato do terceiro milênio

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SUMÁRIO.:1.NOÇÃO CLÁSSICA DO CONTRATO.,1.1.Evolução histórica do contrato ,1.2"Pacta sunt servanda"1.3Autonomia da vontade ;2.NOÇÃO MODERNA DO CONTRATO.,2.1Dirigismo contratual ,2.2A boa-fé subjetiva. ; 3.O CONTRATO NO TERCEIRO MILÊNIO.,3.1.Equidade e justiça contratual., 3.2.A boa-fé objetiva., 3.3.Da finalidade do contrato., 3.4.A tutela do hipossuficiente, 3.5.A função social do contrato, 3.6.Posição do Novo Código Civil , 3.7Conclusões.


1.NOÇÃO CLÁSSICA DO CONTRATO

1.1Evolução histórica do contrato. 1.2. "Pacta sunt servanda". 1.3. Autonomia da vontade.

1.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTRATO.

O contrato é dos institutos mais antigos na história da humanidade e no percurso da evolução das sociedades passou por grandes transformações, apresentando desenvolvimento de formas as mais diversas, na medida em que alvo de renovados valores que se sucederam.

No Direito Romano inicialmente o contractum era concebido como um vínculo jurídico – vinculum juris – cuja obrigação dele decorrente – obligatio – carecia, necessariamente, da prática de ato solene – nexum. A forma constituía elemento essencial do contrato, fosse ele verbis, re ou litteris. Tal concepção evoluiu na sociedade romana, abrandando-se gradativamente o rigor do formalismo, até que se aproximou da sua clássica expressão, ou seja, a plena manifestação de livre vontade que vincula os indivíduos, gerando, por conseqüência, direitos e deveres, solo consensu.

Os primeiros contratos ao quais foi atribuída maior relevância da vontade com relação ao ritual foram venda, locação, mandato e sociedade. Nas demais hipótese não se dispensava a supremacia da forma: somente com o cumprimento de todos os requisitos é que se estabelecia a obrigação com a vinculação das partes, surgindo, então, o direito de ação. Pode-se afirmar, contudo, que no Direito Romano ocorreu a estruturação do contrato, haja vista que desde então foram erigidas as bases que ainda hoje subsistem, inobstante as enormes transformações ocorridas. Na verdade, foi lá, na sociedade romana, antes mesmo do período clássico, que foi superada a noção de apropriação violenta da res, fator de desencadeamento de freqüentes conflitos, estabelecendo-se através dos contratos mecanismos de pacificação social.

Nas idas e vindas da evolução, a influência dos bárbaros germânicos ensejou um retorno à exacerbação da simbolismo, para, somente mais tarde, na Idade Média, o contrato sofrer modificações inspiradas nas práticas religiosas, passando o juramento, com a evocação de divindades, a compor a forma, reforçando, por assim dizer, sua força obrigatória. No início da Idade Moderna teve-se o retorno à concepção do solo consensu do Direito Romano.

No século XVIII e XIX prevaleceu na França o individualismo firmado pela teoria kantiana, consagrando-se a liberdade e a igualdade política – o homem como centro do universo. Desde então, as influências advindas das esferas econômicas, políticas e sociais de um modo geral, foram impondo transformações ao ponto de, gradativamente, adquirir o contrato a concepção de acordo de vontades que estabelecem um vínculo jurídico capaz de produzir efeitos jurídicos, consagrando-se o princípio do pacta sunt servanda – a força cogente da vontade dos contratantes.

Os códigos que surgiram a partir do século XIX não alteraram a concepção clássica de contrato. Observa-se tal premissa desde o Código Civil francês de 1804, sucedido pelo italiano de 1865, o português de 1867 e o espanhol de 1889 que influenciaram decididamente o ocidente, com destaque para a legislação alemã, o BGB de 1896, o mesmo ocorrendo com o Código Civil Brasileiro de 1916.

O contrato, na verdade, sempre significou a base da sociedade, vez que ao longo dos tempos regula as atividades humanas nas mais diversas dimensões, ensejando a harmonização das relações, eis que obriga ao respeito devido ao cidadão, estabelecendo limites entre direitos e deveres.

Atualmente, mormente após a ocorrência das duas guerras mundiais e da chamada Revolução Industrial, que conduziram o Estado à adoção de novas posturas, a função social do contrato adquiriu cada vez mais amplitude, prestigiando-se cada vez mais o elemento ético da boa fé que confere equilíbrio na expressão da vontade humana, tendo-se esta sempre vinculada às necessidades da vida moderna que, por sua vez, impõe modificações na ordem jurídica imperante, de tal modo que os contratantes exigem segurança do Estado e este passa a garantir a igualdade com a proteção do economicamente mais fraco e assim valoriza o interesse coletivo em detrimento do individual.

1.2 "PACTA SUNT SERVANDA"

A milenar concepção de que o contrato faz lei entre as partes remonta aos primórdios do Direito Romano e consolidou-se na doutrina kantiana que pontificou na França e teve como escopo a exaltação do individualismo. Justificativa-se tal entendimento não somente pelo resguardo da livre vontade, mas também na segurança que haveria de imperar nas relações negociais, garantindo-se o cumprimento da palavra empenhada, não importando o sacrifício que tal rigor viesse infligir, ensejando, muitas vezes, a ruína econômica do devedor.

Assim é que, existentes os requisitos indispensáveis à sua validade, as cláusulas nele contidas expressariam comandos imperativos, obrigando os contratantes ao seu irrestrito cumprimento em quaisquer circunstâncias, partindo-se do entendimento de que refletiam atos de liberdade individual e assim deviam ser considerados justos. Somente novo pacto poderia, então, modificar o que dantes já estipulado, eis que expressivo de renovado concurso de vontades – princípio da intangibilidade do conteúdo dos contratos.

Nesse diapasão, nem mesmo judicialmente poderia pretender-se qualquer modificação nas cláusulas, salvo quando invocada a nulidade do contrato ou a sua resolução.

Analisando tal premissa, Kelsen concluiu que, assim o sendo desde a sua mais remota concepção, o pacto firmado seria fonte de direito e deveres, ou seja, criaria normas individuais – pacto sunt servanda – obrigando, conseqüente e irrestritamente, todos os contratantes.

A força obrigatória dos contratos, contudo, foi hodiernamente abrandada diante das modificações ocorridas no meio social.

É verdadeiro que contrato é negócio jurídico bilateral, exigindo para sua formação a participação de pelo menos duas pessoas: compreendendo-se facilmente, nesse contexto, que a vontade é elemento preponderante do ato. No entanto, o contrato passou a ter significado relevante com relação ao coletivo, com crescente limitação da autonomia da vontade abalando sua posição absoluta de tal modo que a esse elemento outros foram adicionados por exigência da citada transformação social, refletida na legislação vigente até mesmo antes da vigência da Constituição Federal de 1988, alterando mais e mais a postura aferrada do Código Civil Brasileiro.

1.3. AUTONOMIA DA VONTADE.

A base do contrato, indiscutivelmente, é a livre declaração da vontade.

Assim é que a autonomia da vontade constitui princípio consagrado no ordenamento jurídico e revela-se tanto no arbítrio do indivíduo em firmar o negócio jurídico, ou não firmá-lo, de acordo com seus interesses, como com quem contratar e o que contratar. Caio Mário da Silva Pereira define, com precisão, o princípio da autonomia da vontade ao concebê-lo como "faculdade que têm as pessoas de concluir livremente os seus contratos".[1]

E isso ocorre em qualquer modalidade de contrato: tanto naquele mais simples, quanto no que exige complexidade, constituindo, de igual modo, fonte formal de direito, haja vista que, findo o contrato ou na hipótese de inadimplemento, surge o direito do contratante de fazê-lo cumprir através das vias judiciais. De ver que, mesmo nos contratos de adesão, subsiste a liberdade de contratar, haja vista que o interessado tem a faculdade de não se submeter ao padrão oferecido.

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A lei, no entanto, se bem que, de um modo geral, não invade a esfera individual de modo a inibir a liberdade de contratar e apenas a regulamenta, em alguns casos impõe certas restrições, tal como ocorre no serviço público, bem assim algumas vezes estabelece requisitos a serem atendidos nos casos de contratos típicos. Essa abertura na rigidez do império da vontade surgiu inicialmente na França, através da chamada Lei Failliot, de 21 de maio de 1918, que inseriu no ordenamento jurídico o princípio da imprevisão, quando estabeleceu que as cláusulas contratuais poderiam ser revistas em decorrência das circunstâncias advindas do estado de guerra.

De ressaltar, portanto, que inobstante a indiscutível autonomia da vontade existente nos contratos, esta não é mais absoluta, eis que o sistema jurídico em vigor interfere nas hipóteses que envolvem questões atinentes à ordem pública, através da legislação específica ius cogens – nos casos, por exemplo, que dizem respeito à organização familiar, vocação hereditária, organização política e administrativa do Estado – e na circunstância do Estado excepcionalmente intervir na parte econômica, o chamado dirigismo contratual. Os chamados bons costumes também contribuem de alguma forma para a redução da liberdade de contratar, na medida em que inibem práticas não condizentes com a moral social e que, por conseqüência, afrontam a opinião pública.

Com propriedade ensina Pontes de Miranda que "não há autonomia absoluta ou ilimitada de vontade; a vontade tem sempre limites, e a alusão à autonomia é alusão ao que se pode querer dentro desses limites".[2]


2.NOÇÃO MODERNA DO CONTRATO.

2.1. Dirigismo contratual. 2.2. A boa fé subjetiva. 2.3. Relatividade dos contratos.

2.1. DIRIGISMO CONTRATUAL.

O contrato sempre esteve presente nas atividades humanas, de tal modo que, sem o ele, o "homo economicus estancaria as suas atividades".[3] Os indivíduos, portanto, livremente contrataram através dos tempos, seja qual fosse a categoria econômica a que pertencessem, passando a teoria contratual por inúmeras mutações a fim de adequar-se aos modelos sociais de cada época.

Mais recentemente, percebeu-se que a igualdade econômica estava sendo comprometida com a prática sem controle da liberdade política, obstando a efetivação da almejada justiça social, sendo ilusória, nessa situação, a concepção de igualdade de condições dos contratantes. Por outro lado, também restou evidente que circunstâncias imprevistas e estranhas à vontade das partes, tais como a inflação e a variação cambial, interferiam na oportunidade da execução dos contratos, modificando substancialmente as bases em que inicialmente firmados – Teoria da Imprevisão. Não bastassem tais aspectos,também notórias as modificações impostas pela profusão de contratos padronizados e pelas negociações coletivas substituindo crescentemente as individuais.

Necessário se fez, então, a intervenção do Estado através de legislação específica, o chamado dirigismo contratual, ao objetivo de valer a prevalência do interesse coletivo, protegendo o economicamente mais fraco do jugo do poderoso, e dessa maneira minimizando as desigualdades entre as partes, a fim de garantindo também a resolução do contrato por onerosidade excessiva ou em caso de perigo, mesmo com contrariedade à dantes assentada concepção da absoluta autonomia da vontade. De ver, contudo, que, inobstante as restrições impostas pelo Estado social, em superação à anterior concepção de contrato prevalecente no Estado liberal do século XIX, subsistem o direito e a liberdade de contratar com base na relativa autonomia da vontade, haja vista que a nova regulamentação objetiva a inibição dos abusos decorrentes da desigualdade econômica, alcançando inclusive atividades empresariais e meios de produção, a fim de garantir a supremacia dos interesses coletivos. Nelson Nery Júnior bem esclarece o caráter relativo da intervenção do Estado quando afirma:"O dirigismo contratual não se dá em qualquer situação, mas apenas nas relações jurídicas consideradas como merecedoras de controle estatal para que seja mantido o desejado equilíbrio entre as partes contratantes."[4]

Exemplos marcantes dessa incursão na esfera privada pelo Estado, dando maior ênfase à sua intervenção, são a Lei nº 1.521, de 26 de dezembro de 1951, que cuida da sonegação de mercadoria ou recusa de vender, a Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1973, que versa acerca da cláusula de rescisão pleno iure nos casos de venda a prestação de terrenos, a própria Consolidação das Leis do Trabalho quando estabelece direitos e deveres no contrato de trabalho, e mais recentemente o consagrado Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, legislações estas que flexibilizaram os princípios adotados pelo Código Civil Brasileiro.

Observe-se que a força estatal, em decorrência da modificação dos valores sociais, manifesta-se atualmente tanto no ato de formação do contrato, quando impõe a adoção de certas cláusulas, mesmo afrontando a vontade das partes, quanto na supervisão da execução, conferindo ao Poder Judiciário instrumentos capazes de restabelecer o almejado equilíbrio contratual.

2.2 O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ.

O elemento da boa-fé sempre foi exigido nas relações jurídicas e já era prestigiado desde o Direito Romano – ius honorarium. Com efeito, legislação existente em 284 a. C. já preconizava que a venda realizada por preço menor que o valor real da res poderia ser desfeita pelo vendedor, sendo-lhe facultado receber a diferença devida. Mais tarde, Santo Tomás de Aquino pregava que a Lei de Deus não admitia prática que ofendesse a virtude, considerando como pecado a má-fé que viria a produzir dano. Esteve presente na primeira codificação moderna, o Code Napoleón de 1804, somente desenvolvendo-se no Direito Civil Alemão, onde adquiriu a concepção atualmente adotada.

O princípio da boa-fé, na verdade, assegura a aplicação de outros princípios que informam o sistema jurídico, consagrados a partir do texto constitucional. Valoriza a pessoa humana, na medida em que limita o império da vontade individual, realidade não mais tolerada atualmente, onde o contrato passa a ser concebido como instrumento de realização social, havendo de efetivar-se com absoluta lealdade entre as partes e sobretudo para com o alter – indivíduo inserido no contexto social.

A sua presença é permanente, podendo ser invocada em quaisquer circunstâncias, e obriga a todos os participantes do negócio jurídico, inclusive terceiros. Cogita-se da boa-fé, então, em dois sentidos: visto como estado psicológico do agente, que atina com suas intenções de não prejudicar o parceiro da relação jurídica (boa-fé subjetiva), ou como regra de conduta (boa-fé objetiva), que implica na utilização de critérios ligados à honestidade e à lealdade.

A boa-fé subjetiva, à qual se opõe a má-fé – intenção deliberada de prejudicar – é mais aplicada na área dos direitos reais, enquanto a boa-fé objetiva, está presente no direito contratual. O Código Civil Brasileiro vigente não contém regra geral sobre a boa-fé, embora dela cuide expressamente no art. 1.443, verbis: "O segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato a mais estrita boa-fé e veracidade,... " O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, através de normas imperativas, introduziu o princípio da boa-fé objetiva no ordenamento jurídico pátrio como esteio das relações contratuais.

De ressaltar que o princípio da boa-fé objetiva é essencial no campo do direito das obrigações, eis que fundamenta a nova teoria contratual, estruturando os deveres anexos decorrentes do ato de contratar, tais como informação, prestação de contas, proteção recíproca para com a pessoa e o patrimônio de ambos os contratantes, colaboração, etc., além de limitar a prática dos direitos subjetivos, fazendo com que o contrato atinja sua função social a que constitucionalmente se obriga.


3.O CONTRATO NO TERCEIRO MILÊNIO.

3.1 Equidade e justiça contratual. 3.2. A boa fé objetiva. 3.3. Da finalidade do contrato. 3.4. A tutela do hipossuficente. 3.5. A função social do contrato. 3.6. Posição do novo Código Civil. 3.7. Conclusões.

3.1.EQUIDADE E JUSTIÇA CONTRATUAL.

Com o avanço das relações interpessoais e internacionais, o desenvolvimento científico e tecnológico, a globalização da economia, fez com que a necessidade de contratar entre as pessoas, sejam físicas ou jurídicas, se multiplicasse de tal forma que, tornou-se necessário repensar os princípios gerais dos contratos e os mecanismos para garantir sua revisão judicial. Inúmeros tipos de contratos foram concebidos nas relações comerciais de forma que, a antiga noção do instituto e a autonomia da vontade, cedem lugar hodiernamente a novos ditames. Se antes, todo contrato,necessariamente, teria que ter a vontade na concreção do suporte fáctico necessário à incidência da regra jurídica, hoje, contratos existem que, a rigor, não só a autonomia da vontade se encontra extremamente limitada, como às vezes, podemos afirmar que até a vontade, inexiste. No primeiro caso, damos como exemplo alguns contratos firmados com as concessionárias de serviço público (Ex: empresas de distribuição de energia elétrica), onde o contratante é obrigado a aceitar um único fornecedor e a se submeter às condições por ele estabelecida,mesmo contra sua vontade. No segundo, a total inexistência da vontade nos contratos de fato, onde a ocorrência do fato, sem qualquer presença do elemento volitivo, torna a obrigação efetiva (Ex: transitar por uma via onde se cobre pedágio, mesmo que tenha o fato ocorrido por erro de rodovia).

Assim, podemos constatar que se impõe no mundo contemporâneo uma noção pós-moderna de contrato, onde o princípio da autonomia da vontade e a "pacta sunt servanda" tem valor relativo e onde ditames novos, tais como a relatividade dos contratos, a boa fé objetiva, a equidade das prestações, a defesa do hipossuficiente, a justiça contratual e a finalidade do contrato devem ser obrigatoriamente observadas.

Neste contexto, a equidade e a justiça contratual desempenham papel preponderante, pois, o juiz pode, utilizando-as na revisão dos contratos, corrigir prestações desproporcionais entre as partes, atuando como instrumento de justiça contratual.

Os princípios capitalistas que orientam os contratos, dentre os quais se destaca o individualismo, não pode prevalecer, hodiernamente, pelas características especiais que estão a revestir os atos negociais. A colocação em destaque de novos princípios como cláusulas gerais impõe-se como forma de atingir-se a equidade e a por conseguinte, a justiça contratual. Com razão Cláudia Lima Marques, afirma que as transformações decorrentes do progresso trazido pela industrialização, pelo avanço tecnológico e o comércio virtual, com o surgimento dos contratos de massa, põem por terra os princípios que consagraram a autonomia da vontade, possibilitando a exploração do economicamente mais fraco pelos que detêm o poder econômico e político, "desmentindo a idéia de que se assegurando a liberdade contratual, estaríamos assegurando a justiça contratual.)"[5]

Lição lapidar também nos dá Enzo Roppo, ao afirmar: "Mas, desta forma esquece-se que a igualdade jurídica é só igualdade de possibilidades abstractas, igualdade de posições formais, a que na realidade podem corresponder --- numa sociedade dividida em classes correspondem necessariamente --- gravíssimas desigualdades substanciais, profundíssimas disparidades das condições concretas de força econômico-social entre contraentes que detêm riqueza e poder e contraentes que não dispõe senão da sua força de trabalho."

A jurisprudência pátria já dá alguns passos nesta direção, embora que tímidos, relativando o princípio da "pacta sunt servanda", como nas decisões do STF[6], nos julgados RE 50108 e ADIMC 1480-DF[7], STJ --- Resp. no. 256456/SP[8], Resp. no. 17693-8[9], Resp. 41148-8[10], Resp. 60863-8[11] --- e TJRS --- Ap.Civ. no. 70001059302[12], Ap. Civ. no. 70001032119[13], Ap. Civ. no. 70000997056[14] e 70000399030[15], dentre outros.

3..2. A BOA-FÉ OBJETIVA.

Outra cláusula geral presente nos negócios jurídicos contemporâneos é a da boa fé entre os contraentes. Mesmo possuindo contornos de subjetividade e abstração, o que dificulta sua delimitação nos casos concretos. Pode ser de duas naturezas: a boa-fé subjetiva e a boa-fé objetiva. A primeira caracteriza-se "como atitude de consciência por parte do agente, no sentido de atuar ele com a ciência de que não viola a lei ou qualquer direito da outra pessoa, ou convencido de que o faz devidamente amparado pelo Direito".[16] Porisso, quando tratamos de posse, o elemento da boa-fé que se procura é a bo- fé subjetiva. Ou, quando tratamos da aquisição de frutos decorrentes da posse de um bem, ou ainda, no desconhecimento do parentesco que caracterize o casamento como proibido. Tudo aqui se trata de boa-fé subjetiva, ou seja, o estado psicológico de desconhecimento dos elementos impeditivos da prática do ato que contraria o Direito.

No segundo, muda-se completamente de conotação e não se trata da consciência da prática de nenhum ato contrário ao Direito, mas sim, da lealdade e da cooperação entre as pessoas envolvidas nas relações obrigacionais. Deste modo, sua essência resume uma regra de comportamento e atitudes que "serão valorados de acordo com os parâmetros da lealdade, da probidade e da honestidade"·, ou seja, estabelecendo procedimentos éticos mínimos de comportamento.

A boa-fé objetiva incluí nas cláusulas gerais dos contratos conceitos revolucionários e inimagináveis nas antigas teorias contratuais, realçando a necessidade das partes envolvidas interagirem na buscando a finalidade do contrato com lealdade, probidade e honestidade. Abre, pois, um enorme campo para revisão judicial dos contratos, relegando a segundo plano a autonomia da vontade, pois, como cláusula geral do contrato, a boa-fé objetiva, busca alcançar o fim do contrato.

Contudo, não devemos descurar de que a boa-fé negocial baliza a conduta que deve ser seguida, de modo que um dos participantes do negócio jurídico, não pode afastar-se da busca constante da realização contratual e da cooperação com a outra parte.

3.3. DA FINALIDADE DO CONTRATO.

Inquestionável que todos os contratos tem uma finalidade precípua que é sua razão de existir. Quando tal finalidade não é atendida, deve o contrato ser revisto, mesmo contrário a "pacta sunt servanda". Se determinada pessoa aluga um imóvel com a finalidade de nele instalar uma oficina mecânica em área onde é permitido seu funcionamento e, posteriormente, a municipalidade vem a proibir a existência deste tipo de prestação de serviços naquela zona urbana, o contrato celebrado perde sua finalidade e deve ser revisto.

Mas,não só devem ser revistos os contratos por "fato do príncipe". Até mesmo pelas mudanças durante sua execução, desde que impossibilite atingir sua finalidade. Nos "contratos de galonagem" celebrado entre distribuidoras e revendedores de combustível, quando o preço fica exorbitante e não permite a concorrência com outros revendedores, também. A finalidade da aquisição é a revenda de combustíveis e se os preços praticados pela distribuidora impossibilita sua revenda,nas condições da concorrência, torna-se imperiosa sua revisão,por inadequação ao princípio da finalidade do contrato.

3.4. A TUTELA DO HIPOSSUFICIENTE.

Outro importante princípio constante da nova teoria contratual é o da tutela do hipossuficiente, ou seja,daquele que se encontra em posição de inferioridade na relação jurídica contratual. Obedece ao princípio constitucional da igualdade entre as pessoas,consagrado no artigo 5º. da Carta Constitucional de1988. Embora se encontre disposto no diploma constitucional como princípio, a doutrina constitucionalista mais atualizada entende que sua aplicação se dá da mesma forma que as normas. Esta é a compreensão de Pietro Perlingieri[17]: "Não existem, portanto, argumentos que contrastem a aplicação direta: a norma constitucional pode, também sozinha (quando não existirem normas ordinárias que disciplinem a fattispecie[18] em consideração), ser fonte da disciplina de uma relação jurídica de direito civil. Esta é a única solução possível, se reconhece a preeminência das normas constitucionais e dos valores por elas expressos em um ordenamento unitário, caracterizado por tais conteúdos".

Assim sendo, a ordem proveniente da Carta Constitucional artigo 5º.,inciso XXXII , determinando ao Estado promover a defesa do consumidor, foi o primeiro passo no sentido de consagrar em nosso ordenamento jurídico o princípio da tutela do hipossuficiente. Com efeito, ao se posicionar na defesa de uma das partes contratantes o economicamente mais fraco na relação contratual, o Estado interfere nas relações contratuais atuando em determinada direção a tutela do hipossuficiente, limitando à liberdade de contratar e fazendo do negócio jurídico, instrumento de justiça social. Desta atitude, decorre uma caracterização cada vez maior de posições políticas e filosóficas na teoria dos contratos.

3.5. A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO.

Durante séculos, muito se discutiu sobre a autonomia da vontade. A maioria dos autores clássicos viam na consagração da vontade das partes e no direcionamento de seus efeitos, a essência do negócio jurídico como gênero, e especialmente, dos contratos, como espécie.

Raciocinar assim, em pleno terceiro milênio, é um atraso enorme quando se trata de contrato. A autonomia da vontade em que pese ser importante na celebração dos ajustes entre as partes, não pode permitir que se pactue contrariamente aos ideais de justiça[19]. Nisto --- não permitir que se pactue contra a justiça ---, consiste a função social do contrato, que deve estar intimamente ligada à justiça comutativa, ou seja, o estabelecimento de prestações exatamente iguais, sem onerar a parte mais fraca da relação negocial.

Com a prevalência dos interesses públicos sobre os privados, deu-se início a uma transformação onde, normas imperativas passaram a regular algumas avenças, surgindo daí os contratos de consumo, representando um dos primeiros avanços na noção da função social do contrato. Ficou então estabelecida pela lei do consumidor à mudança dos princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória dos contratos, revogando-se tacitamente a doutrina anterior da primazia da "pacta sunt servanda". Esta atitude do legislador, abriu espaço para uma nova concepção doutrinária, criando um novo horizonte para o Direito das Obrigações, especialmente, no que tange aos contratos.

O advento do CDC delimitou a autonomia da vontade, fazendo com que o poder econômico dos mais fortes não prevalecesse sobre o mais fraco --- hipossuficiente ---, colocando os contratantes em um claro desequilíbrio. Neste momento também, priorizou o legislador, o princípio da boa fé objetiva e da equidade, possibilitando uma ampla gama de argumentos nas revisões contratuais.

Deste modo, não se pode admitir que contratos sejam celebrados sem o atendimento dos dispositivos constitucionais que estabelecem o princípio da boa fé, da comutatividade e da dignidade da pessoa humana, consagrados no artigo 1º., da CF.

3.6.POSIÇÃO DO NOVO CÓDIGO CIVIL.

O Código Civil aprovado recentemente pela Câmara dos Deputados, permanece muito tímido na tomada de posições mais avançadas com relação aos contratos. Se de um lado avançou em alguns itens referentes à nova concepção dos contratos, por outro, sequer aproximou-se de legislações mais modernas, ou mesmo, sintonizou-se com as normas já contidas na Constituição de 1988.

Suas disposições ficam a reboque do Código Comercial Uniforme americano, ou ainda, o Código da Louisiana, ou mesmo, a legislação civil de Quebec, normas que entraram em vigor recentemente[20].

No que tange ao reconhecimento da boa fé objetiva não foi explícito o legislador, fazendo breve e genérica menção no artigo 421, sem esclarecer que tipo de boa fé seria: se subjetiva, já reconhecida no CC em vigor ou se boa fé objetiva, a que interessa ao presente trabalho. O mesmo tratamento foi dado a função social do contrato, a teoria da finalidade do contrato e a tutela do hipossuficiente, esta última já adotada pelo Código de Defesa do Consumidor e esquecida na codificação civil.

Calou também o projeto aprovado sobre a responsabilidade civil pré e pós contratual, hoje já amplamente discutida e com conseqüências várias nas relações contratuais.

Sobre os autores
Maria Celina Bravo

Ex-diretora de Secretaria do Tribunal de Justiça de Alagoas.

Mário Jorge Uchoa Souza

procurador de Estado, professor convidado de Direito Civil da Escola da Magistratura, professor de Direito Civil da Escola Superior da Magistratura de Alagoas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAVO, Maria Celina; SOUZA, Mário Jorge Uchoa. O contrato do terceiro milênio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2365. Acesso em: 5 nov. 2024.

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