CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como resultado do desenvolvimento do conceito de dignidade na história do pensamento humano e também por influência de poderoso fluxo político internacional nesse sentido, é que nossa Assembléia Constituinte, imbuída do poder constituinte originário, gerou o célebre art. 1º, III, da Constituição da República Federativa do Brasil do ano de 1988:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana [...]”.
Esse dispositivo constitucional é considerado, por grande parte da doutrina, o mais importante de todo o nosso ordenamento jurídico,[58] alicerce último dos direitos fundamentais. Sua compreensão pode ser grandemente favorecida por meio do estudo da evolução da doutrina da dignidade humana, cujas fases foram identificadas e tiveram suas características descritas, neste trabalho.
REFERÊNCIAS
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Notas
[1] SOMBRA, Thiago Luís Santos. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 42.
[2] O historiador israelense Yehoshua Arieli anota que, na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, “a invocação da dignidade e dos direitos do homem tem que ser vista como contratese e contra-ideologia do Mundo Livre às ideologias das Potências do Eixo e, em particular, ao nacional-socialismo” (ARIELI, Yehoshua. The emergence of doctrine of dignity of man, p. 3. In: KRETZMER, David (Ed.); KLEIN, Eckart (Ed.). The concept of human dignity in human rights discourse. Haia: Kluwer Law International, 2002, p. 1-18, tradução nossa.
[3] Entre os gregos, edifício principal da cidade, onde ficava o altar dedicado à reverência coletiva dos deuses municipais (ibidem, p. 102), esta de tal importância que “Reconhecia-se como cidadão todo o homem que participava do culto da cidade, e dessa participação provinham todos os seus direitos civis e políticos. Renunciando ao culto, renunciava aos direitos” (ibidem, p. 135).
[4] Ibidem, p. 139.
[5] DIGNIDADE. In: DICIONÁRIO da língua portuguesa. Lisboa: Priberam Informática, 2013.
[6] Ibidem, p. 223.
[7] O fenício Zenão de Cítio (334-326 a. C.), após sofrer um naufrágio e ser obrigado a viver em Atenas, fundou o estoicismo, escola filosófica que exaltava diversas qualidades individuais, especialmente a tranquilidade ante as vicissitudes, a bondade e a virtude, como meios para atingir uma vida conformada à natureza das coisas. (ENCICLOPEDIA delle Scienze Sociali. Roma: Istituto della Enciclopedia Italiana, 1994).
[8] Ibidem, p. 251.
[9] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 32.
[10] Ibidem, p. 33.
[11] CÍCERO, Marco Túlio. De oficiis. Edição bilíngue latim-inglês. Tradução de Walter Miller. 1. ed. Londres: William Heinemann, 1928, p. 106-109, tradução nossa.
[12] Ibidem, p. 238.
[13] ECKERT, Joern. Legal roots of human dignity in german law, p. 43. In: KRETZMER, David (Ed.); KLEIN, Eckart (Ed.). The concept of human dignity in human rights discourse. Haia: Kluwer Law International, 2002, p. 41-54, tradução nossa. A citação latina foi extraída da obra De re publica, I, XXVII (CÍCERO, Marco Túlio. De re publica. 1. ed. Paris: Hachette, 1874, p. 65.
[14] AQUINO, op. cit., p. 411, tradução nossa. Na edição espanhola: “la dignidad es algo absoluto y pertenece a la esencia”. No original, citado na edição espanhola: “dignitas absolutum est, et ad essentiam pertinet”. Aquino segue Aristóteles, uma forte influência em sua obra, ao utilizar o termo “essência” como sinônimo de algo sem o qual o ente não pode ser o que é, em contraposição a “acidente”, que representa algo que pode pertencer ou não ao ser, mas cuja falta não compromete a existência deste (ARISTÓTELES. Metaphysics. 1. ed. Londres: George Bell and Sons, 1901, p. 92-93).
[15] AQUINO, op. cit., p. 816, tradução nossa.
[16] Ibidem, p. 823, tradução nossa.
[17] SARLET, op. cit., p. 34.
[18] Título consagrado, posto pelo primeiro editor. O nome originalmente dado pelo autor à obra era Oratio (Discurso), simplesmente (MIRANDOLA, Giovanni Pico della. Discurso sobre a dignidade do homem. Tradução e análise de Maria Isabel Aguiar. 1. ed. Porto: Areal, 2005, p. 29).
[19] Ibidem, p. 70.
[20] Ibidem, p. 93-99.
[21] Ibidem, p. 25-26.
[22] SARLET, op. cit., p. 36.
[23] PUFENDORF, Samuel von. Of the law of nature and nations. 1. ed. Oxford: L. Lichfield, 1710, p. 78-79, tradução nossa. Foi consultado também o original latino: PUFENDORF, Samuel von. De jure naturae et gentium. 1. ed. Frankfurt: Knoch, 1744, p. 144-145.
[24] Idem. The whole duty of men according to the law of nature. 1. ed. Londres: R. Gosling, 1735, p. 209-211, tradução nossa.
[25] Idem. Of the nature and qualification of religion, in reference to civil society. 1. ed. Londres: A. Roper, 1698, p. 113, tradução nossa.
[26] Idem. The present state of Germany. 1. ed. Indianapolis: Liberty Found, 2007, p. 101, tradução nossa.
[27] Idem. Two books of the elements of universal jurisprudence. 1. ed. Indianapolis: Liberty Found, 2009, p. 37, tradução nossa.
[28] Conforme o verbete “Immanuel Kant” da Enciclopédia Britânica (ENCYCLOPÆDIA Britannica. Chicago: Encyclopædia Britannica Inc., 2013.
[29] KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Paulo Quintela. 1. ed. Lisboa: Edições 70, 2007, p. 68.
[30] PLATÃO. Fédon. Tradução de Jorge Paleikat e João Cruz Costa. 1. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1972, p. 112-120.
[31] Afirma ele, por exemplo, que o Estado concebido de acordo com o direito natural constitui “um ideal platónico [...], não é uma quimera vazia, mas a norma eterna para toda a constituição civil em geral” (KANT, 1993, p. 108).
[32] Idem, 2007, p. 116. O autor chamava os “conceitos da razão pura” de “idéias transcendentais” (KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. 5. ed. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 334.)
[33] Idem, 2007, p. 75.
[34] Ibidem, p. 67.
[35] Ibidem, p. 21-22.
[36] Ibidem, p. 23.
[37] Ibidem, p. 81. Kant defende, em suma, que a razão de a boa vontade dever sempre favorecer o ser racional é que este pode gerar uma boa vontade, sendo que uma boa vontade não pode ir contra outra.
[38] Ibidem, p. 77.
[39] Ibidem, p. 25.
[40] Ibidem, p. 33.
[41] Ibidem, p. 33-35.
[42] Schopenhauer (1788-1860) critica severamente essa posição, afirmando que “Kant imediatamente, sem qualquer investigação prévia, assume [...] que existem leis morais puras”, sendo, por isso, “culpado de uma petitio principii [petição de princípio]”. Para Schopenhauer, que, como Austin, foi confessadamente influenciado por Locke, “O que deveria ser feito é [...] necessariamente condicionado pela punição ou recompensa, consequentemente, para usar a linguagem de Kant, é essencial e inevitavelmente hipotético, e nunca, como ele sustenta, categórico” (SCHOPENHAUER, Arthur. The basis of morality. 2. ed. Londres: George Allen & Unwin, 1915, p. 29-33, tradução nossa.
[43] KANT, op. cit., p. 77.
[44] Ibidem, p. 77-78.
[45] Idem. The philosophy of law. 1. ed. Edinburgh: T. & T. Clark, 1887, p. 204, tradução nossa. Em inglês: “splendour of his dignity”.
[46] Ibidem, p. 193, tradução nossa.
[47] Ibidem, p. 192, tradução nossa.
[48] Idem, 1993, p. 108.
[49] GUYER, Paul. Prefácio a The Cambridge companion to Kant and modern philosophy. In: GUYER, Paul (Org.). The Cambridge companion to Kant and modern philosophy. 1. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. VIII, tradução nossa. No original: “extraordinary breadth and depth of Kant’s influence on the entire course of modern philosophy”.
[50] HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 56.
[51] SIQUEIRA, Alessandro Marques de. Dignidade da pessoa humana: uma prerrogativa de todos. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2.642, 25 set. 2010.
[52] Segundo a tradução oficial para o português, disponível no site da Embaixada da França no Brasil (FRANÇA. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). 1. ed. Paris: Sénat, 2012, grifo nosso.
[53] Conforme a versão na língua portuguesa, disponível no site da Organização das Nações Unidas no Brasil.
[54] Tradução não-oficial para o português, encontrada no site da Embaixada da Alemanha no Brasil (ALEMANHA. Lei Fundamental da República Federal da Alemanha (1949). 1. ed. Berlim: Deutscher Bundestag, 2013). A proteção à dignidade humana já havia sido anteriormente consagrada, naquele país, pela chamada Constituição de Weimar (1919-1933).
[55] Ibidem, p. 73-74.
[56] UNIÃO EUROPEIA. Carta dos Direitos Fundamentais (2000). 1. ed. Luxemburgo: Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, 2010, p. 392.
[57] Idem. Tratado de Lisboa (2007). 1. ed. Luxemburgo: Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, 2007, p. 306.
[58] Uadi Lammêgo Bulos, e. g., considera que ele constitui um sobreprincípio (BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 499).
Abstract: This paper describes the evolution of the doctrine of human dignity, which is the most important principle of most contemporary legal systems, including the Brazilian.
Keywords: Human Dignity. Constitutional Law. Philosophy of Law.