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Responsabilidade civil do fisioterapeuta nos procedimentos dermatofuncionais com fins estéticos

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4 RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA

Em uma perspectiva contratual entre o fisioterapeuta e o seu cliente, há de se questionar se o objeto do contrato é ou não a cura funcional, ou seja, o reestabelecimento da capacidade físico-funcional. Há, portanto, a possibilidade de obrigação de resultado ou simplesmente a prestação de cuidados conscienciosos, atentos e, salvo circunstâncias excepcionais, de acordo com as aquisições da ciência, conforme explica Dias (2006) em relação à prestação de serviços médicos, perfeitamente aplicável à prática fisioterapêutica. Assim, a doutrina moderna interpreta as obrigações contratuais como obrigações de meio ou de resultado.

O fundamento essencial da responsabilidade civil está alicerçado na doutrina da culpa, já defendida pelo Código Civil de 1916 sendo mantida no atual Código como observado em seu artigo 186 e 927 caput. É a responsabilidade subjetiva, onde a vulneração da norma, comprovado o nexo causal entre o dano e a antijuricidade da conduta do agente, implica na obrigação de reparar, conforme a doutrina da culpa ou clássica(PEREIRA, 2007). Neste entendimento, em não havendo culpa, não há responsabilidade.

A doutrina moderna expressa uma insatisfação com a teoria subjetiva, pela sua incompatibilidade com o impulso do desenvolvimento da sociedade, onde dada a multiplicação das oportunidades e das causas de danos, nem sempre o lado lesado consegue provar estes elementos. Na responsabilidade objetiva prescinde-se totalmente da prova de culpa, sendo reconhecida independentemente de culpa, bastando haver relação de causalidade entre a ação e o dano(GONÇALVES, 2009).

Na responsabilidade objetiva, a atividade que causou o dano é lícita, no entanto pôs em perigo alguém, conforme explica Diniz (2012, p.58):

Na responsabilidade objetiva, a atividade que gerou o dano é lícita, mas causou perigo a outrem, de modo que aquele que a exerce, por ter a obrigação de velar para que dela não resulte prejuízo, terá o dever ressarcitório, pelo simples implemento do nexo causal. A vítima deverá pura e simplesmente demonstrar o nexo de causalidade entre o dano e a ação que o produziu.

Acompanhando o entendimento doutrinário, a jurisprudência se tornou convencida de que a responsabilidade civil estabelecida na culpa tradicional não atende e não dá resposta segura à solução de numerosos casos, principalmente nas relações contratuais entre o profissional de saúde e o seu cliente(LIMA, 1999). Para o insigne doutrinador, a exigência imposta à vítima para provar o erro de conduta do agente deixa-o sem reparação, em muitas circunstâncias. Esse entendimento fez desenvolver a teoria da responsabilidade sem culpa, bem como a “doutrina do risco”, conforme destaca Pereira (2007, p.270):

Se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a ‘teoria do risco criado(PEREIRA, 2007).

O parágrafo único do art. 927 do Código Civil prevê em sua redação a responsabilidade objetiva com fundamento da teoria do risco, in verbis: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Pereira(2007) ressalta em sua obra que é a convivência de ambas as teorias da responsabilidade civil, a fundamentada na culpa como regra básica e geral, e a teoria do risco que permitirão que o dano seja sempre reparável, mesmo nos casos em que, de certa forma, o lesado não logra estabelecer relação causal entre o seu prejuízo e a culpa do profissional prestador do serviço.

Como será abordado adiante, no que se refere à relação de consumo, nos direitos do consumidor em relação aos profissionais liberais, impera a responsabilidade objetiva, bem como na obrigação de resultado, sendo uma exceção à regra geral do mesmo dispositivo legal. É o que ocorre em alguns procedimentos fisioterapêuticos onde o bjetivo é meramente estético, diferentemente do recondicionamento funcional onde o reestabelecimento da função ou do movimento é o objetivo terapêutico.


5 A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EM SAÚDE SOB A ÓTICA DAS RELAÇÕES CONTRATUAIS

A relação médico-paciente sob o ponto de vista contratual tem sido objeto de estudo e questionamentos pela doutrina, principalmente na tentativa de solucionar conflitos jurídicos de responsabilização desses profissionais por eventuais erros de conduta cometidos com resultado danoso. Para Silveira (1991) quando há uma noção mais clara de cidadania e um maior conhecimento dos direitos do cidadão, estes podem reclamar na Justiça indenizações por procedimentos culposos de profissionais desidiosos. Este fato é muito comum em países mais desenvolvidos, onde a população é mais esclarecida.

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Ampliando esse entendimento, não só os médicos, mas também os profissionais de saúde possuidores de autonomia científica e profissional para a realização de seus atos também estão sujeitos à responsabilização. O fisioterapeuta, dada a sua formação e à regulamentação profissional se enquadra neste contexto, conforme encontra-se expresso no art. 1° da Resolução do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupaciona (COFFITO) N° 139/92, in verbis:

A responsabilidade técnica pelas atividades profissionais [...], que ofereçam a população assistência terapêutica que inclua em seus serviços diagnose fisioterapêutica e/ou terapêutica ocupacional, prescrição, programação e indução dos métodos e/ou das técnicas próprias daquelas assistenciais, só poderá ser exercida, com exclusividade e autonomia, por profissional Fisioterapeuta e/ou Terapeuta Ocupacional, de acordo com tipo de assistência oferecida [...].

A responsabilidade delitual tem sido substituída pela responsabilidade contratual pela jurisprudência brasileira para a solução de diversos casos de ação de indenização por erros médicos e de outros profissionais da saúde. O art. 951 do C.C. regula a responsabilidade do profissional prevendo indenização em caso de negligência, imprudência ou imperícia que resultar em morte ou agravo da saúde do cliente. Para a doutrina, a relação entre o profissional de saúde e seu cliente se baseia na relação contratual com fundamento nos art. 389 C.C. e também extracontratual conforme o art. 189 também do Código Civil brasileiro, cabendo a quem alega o ônus probatório da existência de culpa de quem causou o dano(STOCO, 2004).

A relação contratual é evidente quando existe uma obrigação de resultado, como ocorre nos procedimentos estéticos, sejam eles cirúrgicos ou ambulatoriais.Uma promessa de cura de um linfedemagelóide, por exemplo, apenas por questões de aspectos estéticos da pele, é uma obrigação de resultado, uma vez que o indivíduo não está interessado em restabelecer sua condição de saúde funcional. Do contrário, aquele que busca melhora da saúde física e independência funcional, como os hemiplégicos pós-doença vascular encefálica, possui a expectativa de que o profissional irá buscar, por todos os meios e formas disponíveis, amparado pelos limites da ciência, a satisfação de seu tratamento, configurando a obrigação de meio assumida pelo prestador do serviço fisioterapêutico, em uma relação extracontratual.


6 A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EM SAÚDE SOB A ÓTICA DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

A Lei 8.078 de 1990, também chamada de Código de Defesa do Consumidor, estabeleceu ao fornecedor de bens e serviços uma série de obrigações no sentido de protegem o consumidor. Um dos aspectos mais importantes é o que os doutrinadores chamam de “consagração da responsabilidade objetiva”, conforme Marques (2005), Stoco (2004) e Gama (2006). Essa consagração está expressa nos art. 12 e 14 do referido Código, no que trata da responsabilidade do fabricante, produtor, construtor e o importador pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos, independentemente de culpa.

O art. 14 domesmo dispositivo legal advertiu que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais é subjetiva sendo, portanto, uma exceção à regra geral do CDC que é de responsabilidade objetiva. Incluem nesse entendimento os prestadores de serviços de saúde, dentre eles o fisioterapeuta, só poderá ser declarada mediante a verificação de culpa. Logo, a responsabilização do profissional ocorrerá se ficar comprovada a culpa. Trata-se de uma relação extracontratual, com obrigação de meio, desde que os serviços prestados sejam voltados para a prevenção de doenças ou restabelecimento das condições de saúde deterioradas e que ensejaram a busca do serviço profissional.

Por outro lado, conforme já mencionado, em se tratando de procedimentos estéticos, a obrigação possui natureza jurídica contratualpacta sunt servanda, pois o paciente busca apenas melhorar a sua aparência estética (DIAS, 2006; PEREIRA, 2007; GONÇALVES, 2009). Quando o resultado não é obtido, quando este é divergente do combinado ou mesmo quando resulta em dano produzido pelo procedimento, o paciente tem direito de ser indenizado, tanto do ponto de vista material como moral (GONÇALVES, 2009), invertendo-se o ônus probatório, ou seja, compete ao profissional comprovar que empregou todos os cuidados e meios necessários para se lograr o resultado pretendido ou que se trata de um caso de excludente de responsabilidade, conforme será discutido adiante.


7 OS PROCEDIMENTOS ESTÉTICOS E DERMATO-FUNCIONAIS

Dentro de uma concepção freudiana, as obras dos artistas "podem contar com a simpatia de outros homens, porque são capazes de evocar e satisfazer também neles os mesmos impulsos inconscientes de desejos" (FREUD, 1974). Para Kant (1974), no juízo estético, a imaginação não é submetida à tutela de julgamento qualquer, o que explica que ela se desempenha num "jogo livre", que lhe proporciona uma satisfação, no belo e no sublime, embora de maneiras diferentes. A busca incessante pelo belo permeia a sociedade. A supervalorização da aparência física é acompanhada pelo crescimento da “medicina da beleza”, conforme estudo de Paulo Poli Neto e Sandra Caponi em seu trabalho sobre a medicalização da beleza. Concluem os autores que “há uma apropriação de variações ou anomalias da aparência física pela racionalidade biomédica, o que permitiria discursar sobre o tema em termos de saúde/doença, normal/patológico” (POLI NETO; CAPONI, 2007).

Durante muitos anos os fisioterapeutas que exerciam atividades voltadas para a estética corporal utilizaram o termo “Fisioterapia Estética” como identificação da área de atuação profissional. Diversas conferências e Congressos profissionais foram realizados no Brasil, com o objetivo de promover o desenvolvimento técnico-científico da área, ainda não reconhecida como especialidade. Com o desenvolvimento técnico-científico da área, esse termo tornou-se obsoleto, não representando a ampla atuação desse profissional nesse contexto.

Surgiu então, em meados da década de 2000 a utilização do termo “Fisioterapia Dermato-funcional” no Brasil, voltada para a prevenção, promoção e recuperação do indivíduo no que se refere aos distúrbios endócrino-metabólicos, dermatológicos e circulatórios, utilizando para tanto o arsenal de recursos diagnósticos e terapêuticos próprios, muitos dos quais de ampla aplicabilidade em outras qualidades de tratamento fisioterapêutico.

Essa nova denominação teve influência do Guia de Prática Fisioterapêutica (GuidetoPhysicalTherapistPractice) da American PhysicalTherapyAssociation, o qual define a Fisioterapia Dermato-funcional como responsável pela integridade do sistema tegumentar geral, associada às alterações superficiais da pele (AMERICAN PHYSICAL THERAPY ASSOCIATION, 2001). Observa-se que, nem sempre o paciente procura o serviço por um problema de saúde ou agravamento da mesma, mas ainda por questões meramente estéticas, ou seja, de aparência física.

No ano de 2005 é criada a Associação Brasileira de Fisioterapia Dermato-funcional (ABRAFIDEF) na cidade de Recife-PE. Em 2009 o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, através da Resolução COFFITO 362 de 20 de maio de 2009, reconhece a especialidade (BRASIL, 2009). No ano de 2011 o egrégio Conselho Federal edita a Resolução COFFITO 394 disciplinando a atividade de Fisioterapia Dermato-funcional.

O art. 3°, inciso VI da Resolução COFFITO 394/2011 prevê que cabe ao fisioterapeuta planejar e executar medidas de prevenção e redução de risco quando aplicando métodos e técnicas fisioterapêuticas dermato-funcionais. Trata-se de umcomedimento para garantir ao paciente que todos os meios necessários à segurança do tratamento e um resultado satisfatório serão utilizados.

O mesmo dispositivo normativo lista, de forma não numerusclausus masexemplificativa, nos incisos XIII e IXV do art. 3° as aplicabilidades da Fisioterapia Dermato-funcional, literis:

XIII – Prevenir, promover e realizar a recuperação do sistema tegumentar no que se refere aos distúrbios endócrino, metabólico, dermatológico, linfático, circulatório, osteomioarticular e neurológico como as disfunções de queimaduras, hanseníase, dermatoses, psoríase, vitiligo, piodermites, acne, cicatrizes aderentes, cicatrizes hipertróficas, cicatrizes queloideanas, cicatrizes deiscências, úlceras cutâneas, obesidade, adiposidade localizada, fibroedemagelóide, estrias atróficas, envelhecimento, fotoenvelhecimento, rugas, flacidez, hipertricose, linfoedemas, fleboedemas, entre outras, para fins de funcionalidade e/ou estética;

XIV – Prevenir, promover e realizar a atenção fisioterapêutica pré e pós-operatória de cirurgias bariátricas, plásticas reparadoras, estéticas, entre outras.

Com o avanço dos conhecimentos científicos, da tecnologia e das técnicas empregadas pelos profissionais com objetivos estéticos, novos procedimentos podem ser incorporados ao arsenal terapêutico. A segurança e os resultados de cada técnica devem ser avaliados sob uma perspectiva ética por parte das autarquias e órgãos fiscalizadores da profissão, no caso em tela o Conselho Federal e Regionais de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO e CREFITO) bem como dos serviços de saúde como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Esse acompanhamento não exime o profissional de sua responsabilidade e auto-avaliação no que se refere à cientificidade, as evidências científicas e sua perícia profissional.

Sobre os autores
Rauirys Alencar de Oliveira

Fisioterapeuta e Bacharel em Direito, Mestre em Doenças Tropicais e Infecciosas, Doutorando em Engenharia Biomédica, docente da Uninovafapi e Uespi.

Cléa Mara Coutinho Bento

Advogada, especialista em Direito Público, mestre em Direito, docente do Centro Universitário Uninovafapi.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Rauirys Alencar; BENTO, Cléa Mara Coutinho. Responsabilidade civil do fisioterapeuta nos procedimentos dermatofuncionais com fins estéticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3547, 18 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23975. Acesso em: 22 nov. 2024.

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