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O problema da valoração da prova em recurso especial

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Agenda 01/11/2001 às 01:00

1 - INTRODUÇÃO

O presente trabalho monográfico tem por escopo o estudo a respeito do recurso especial, direcionando o estudo para o "problema da valoração da prova no recurso especial". Buscaremos no decorrer da pesquisa dissertar a respeito deste instrumento processual, bem como sua origem, história, finalidade e delimitação.

O tema foi escolhido em razão da dificuldade e, por vezes, da confusão dos advogados e dos próprios magistrados que atuam na admissibilidade e no julgamento do recurso especial, quando se deparam com tal problema.

Instituído pela Constituição Federal de 1988, o recurso especial aparece como um valioso instrumento para se buscar o zelo pela autoridade, uniformidade e aplicação do direito infraconstitucional comum. De igual importância, foi a criação do Superior Tribunal de Justiça, órgão do Poder Judiciário encarregado da missão de julgar os recursos especiais que lhe serão dirigidos.

Sendo vedado àquele Tribunal o reexame da matéria de fato, tentaremos demonstrar que a "valoração da prova" é matéria estritamente jurídica e que, deve ser apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, sempre que os julgados dos tribunais estaduais ou federais desobedecerem normas de direito probatório.

No decorrer do trabalho, citaremos alguns exemplos de situações onde a "valoração da prova" é abordada e encarada como sendo matéria estritamente de direito, visto que a desobediência das normas de direito probatório, ocasionando uma errônea "valoração da prova", configura-se claramente violação de lei federal, abrindo margem para a via especial.

O que deve ser analisada e pesquisada é a diferença entre o reexame das provas da valoração das provas. A importância da distinção é relevantíssima. Na primeira hipótese o recurso especial não ultrapassa a barreira da admissibilidade, tendo em vista o disposto no verbete n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. Já a valoração legal da prova dá ensejo a recurso especial, pois envolve quaestio iuris.

Dedicamos a primeira parte da monografia um estudo a respeito do Superior Tribunal de Justiça, fixando sua origem, instituição, competência, função constitucional. Em seguida, passamos a análise do recurso especial, mais precisamente sua origem, competência, hipóteses de cabimento, vedações.

Já na terceira parte de nosso estudo, direcionamos a pesquisa para a "problemática da valoração da prova em recurso especial", colacionando exemplos e hipóteses em que o instituto encontra espaço na angusta via do recurso especial.


2 - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O Superior Tribunal de Justiça foi instituído pela Constituição Federal de 1988, sendo instalado no dia sete de abril de 1989. O constituinte de 1988 transferiu para o Superior Tribunal de Justiça a missão de zelar pela integridade e pela uniformização da interpretação do direito federal infraconstitucional comum.[1]

Um dos motivos da criação do Superior Tribunal de Justiça foi a denominada "Crise do Supremo". Isto porque o Supremo Tribunal Federal tinha competência para julgar os recursos versando sobre matéria constitucional e infraconstitucional, fazendo com que chegassem àquela Corte milhares de recursos. Segundo o Ministro Athos Gusmão: "A criação do STJ atendeu aos reclamos".[2] Com efeito, os advogados e a classe jurídica em geral, buscavam de várias maneiras solucionar a crise, visto que a situação em que se encontrava a Suprema Corte era lastimável.

Visando solucionar a crise que se passava pela Corte Suprema, várias foram as tentativas de solução. Dentre elas a argüição de relevância e os óbices regimentais e jurisprudenciais.[3] Já em 1963, o Professor José Afonso da Silva sugeriu a criação de um "Tribunal Superior de Justiça", que teria as mesmas funções dadas pelo constituinte, ao Superior Tribunal de Justiça.[4]

Diante das frustradas tentativas de solucionar a crise do Supremo Tribunal Federal foi criado o Superior Tribunal de Justiça, que passou a ter a competência para julgar os recursos referentes a matéria infraconstitucional, ficando o Supremo Tribunal Federal com a competência para julgar os recursos referentes a matéria constitucional. O Superior Tribunal de Justiça passou a ser cúpula da Justiça comum.[5]

O Professor Bernardo Pimentel bem sintetiza a finalidade da criação do Superior Tribunal de Justiça:

"Para que a finalidade da criação do Superior Tribunal de Justiça fosse atingida, o legislador constituinte transferiu à novel corte boa parte da competência antes conferida ao Supremo Tribunal Federal. É o que se depreende do cotejo do artigo 105, inciso I, alíneas "a", "d" e "g", inciso II, alíneas "a" e "c", e inciso III, alíneas "a", "b" e "c" da Constituição vigente, com artigo 119, inciso I, alíneas "b", "e" e "f", inciso II, alíneas "a" e "c", e inciso III, alíneas "a", "c" e "d", da Carta de 1967, com a redação dada pela emenda n. 1, de 1969. Já do extinto Tribunal Federal de Recursos, o Superior Tribunal de Justiça herdou pequena parte da competência. É o que revela a comparação do artigo 105, inciso I, alíneas "a", "b", "c" e "d", da Constituição Federal de 1988, com artigo 122, inciso I, alíneas "b", "c" e "e", da Carta de 1967, com a redação dada pela Emenda n. 1, de 1969. Não parece ser correto dizer que o Superior Tribunal de Justiça substituiu o Tribunal Federal de Recursos. Na verdade, tudo indica que a extinta corte deu lugar aos atuais tribunais regionais federais. É a conclusão que se tira do cotejo do artigo 108, inciso I, alíneas "a", "c" e "d", e "e", e o inciso II, da Constituição vigente, com o artigo 122, inciso I, alíneas "b", "c", "d" e "e", e inciso III, da Carta de 1967, com a redação dada pela emenda n. 1, de 1969." [6]

O Professor José Afonso da Silva assim resume a competência do Superior Tribunal de Justiça:

" O que dá característica própria ao STJ são suas atribuições de controle da inteireza positiva, da autoridade e da uniformidade de interpretação da lei federal, consubstanciando-se aí jurisdição de tutela do princípio da incolumidade do Direito objetivo que constitui um valor jurídico - que resume certeza, garantia e ordem -, valor esse que impõe a necessidade de um órgão de cume e um instituto processual para a sua real efetivação no plano processual".[7]

O Superior Tribunal de Justiça compõe-se de no mínimo trinta e três ministros nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal. Um terço será escolhido dentre juizes dos Tribunais Regionais Federais e um terço dentre desembargadores dos Tribunais de Justiça, indicados em lista tríplice elaborada pelo próprio tribunal. O outro terço, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente. É o que revela o artigo 104, parágrafo único, incisos I e II, da Constituição Federal.

Instituído o Superior Tribunal de Justiça, criou-se o recurso especial, que veio a ser o meio processual adequado para que se provoque a novel Corte, e faça com que se cumpra sua missão e zele pelo direito federal infraconstitucional comum. Com efeito, existindo um direito federal comum a todos, imprescindível um instrumento que garanta sua autoridade e uniformidade.

O recurso especial está previsto na Constituição Federal de 1988, mais precisamente em seu artigo 105, inciso III, alíneas "a", "b" e "c". É cabível contra acórdão proferido em única ou última instância, quando, ao solucionar questão de natureza legal federal, o tribunal regional ou local: a) contrariar ou negar vigência a dispositivo de lei federal ou tratado; b) considerar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal; c) atribuir a preceito de lei federal interpretação divergente da conferida por outro tribunal.


3 - RECURSO ESPECIAL

3.1 - Notícia histórica

O motivo ensejador da criação do Superior Tribunal de Justiça foi a denominada "Crise do Supremo". Diante das frustradas tentativas de solucionar o problema do Supremo Tribunal Federal, o legislador constituinte, através da Carta de 1988 instituiu o Superior Tribunal de Justiça. De igual forma, criou o recurso especial. Proveniente do recurso extraordinário, o recurso especial foi igualmente inspirado em instituto do direito norte-americano.[8] É o que também ensina o Ministro Pádua Ribeiro: "A origem do recurso especial é a mesma do recurso extraordinário, uma vez que o recurso especial, como antes firmado, é nada mais que o antigo recurso extraordinário adstrito a matéria infraconstitucional".[9]Com efeito, o recurso especial veio ocupar a função de zelar pelo direito infraconstitucional, garantindo sua autoridade, inteireza positiva e uniformidade.

A adoção do sistema norte-americano tem enorme relevância, visto que o Superior Tribunal de Justiça ao julgar o recurso especial, fixa a tese jurídica a ser aplicada e, em seguida, sendo possível, julga o caso concreto, aplicando desde logo o direito à espécie.[10] É o que revela o artigo 257 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça: " No julgamento do recurso especial, verificar-se-á, preliminarmente, se o recurso é cabível. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma não conhecerá do recurso; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o direito à espécie".

Importante salientar que o vigente sistema difere das Cortes de Cassação, onde é efetuada apenas a fixação de tese jurídica, remetendo o caso para o tribunal inferior onde será proferido um novo acórdão. É o que acontece nos sistemas francês e italiano.[11]

3.2 - Noção geral

O recurso especial é o instrumento processual adequado para que se prevaleça a soberania e segurança da legislação infraconstitucional que supostamente venha a ser violada. Como já salientado, existindo um direito federal infraconstitucional, sendo externado pelas leis federais, que são comuns a todos os cidadãos, imprescindível um instrumento capaz de resguardar a autoridade e uniformidade dessas leis federais.

Como já se disse, o recurso especial é uma novidade introduzida pela Constituição de 1988[12], que lhe transferiu parte das funções anteriormente exercidas pelo recurso extraordinário, ficando este último adstrito à matéria constitucional.

É o que ensina o Professor Rodolfo de Camargo Mancuso: " a vigente ordem constitucional prevê uma Corte de Justiça encarregada do controle da inteireza positiva do direito infraconstitucional, com o respectivo instrumento processual: o recurso especial".[13]

Igualmente, Bernardo Pimentel, sustenta que o recurso especial é " a via processual adequada para submeter, à apreciação de tribunal superior, as ofensas à legislação federal perpetradas pelos tribunais de segundo grau, assim como os dissídios jurisprudenciais acerca da interpretação do direito federal infraconstitucional".[14]

O Ministro Eduardo Ribeiro também afirma que o recurso especial:

" visa a resguardar a uniformidade da aplicação do direito federal e a assegurar sua autoridade. Em verdade, se existe um direito federal, é indispensável um mecanismo capaz de assegurar-lhe a uniformidade na aplicação, ou se teria de admitir a possibilidade de aquele se fragmentar em tantos quantos sejam os entes federados e, entre nós, tribunais regionais. O que fosse crime em uma unidade da Federação poderia não sê-lo em outra, um tributo federal seria diferentemente exigível, consoante as diversas regiões, tudo a depender da orientação dos tribunais estaduais e regionais"[15]

Relevante questão é o entendimento a respeito do que corresponde "lei federal", para fins de recurso especial. Segundo Perseu Gentil Negrão:

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"... consideram-se todas as leis emanadas do poder legislativo da União. Em regra, sua ação e eficácia se exercem sobre todo o território da República. Entanto, o caráter de federal, que lhe é dado, não advém de sua condição de obrigatoriedade e aplicação em todo território nacional. Decorre da condição de ter sido decretada pelos poderes federais, para regular matéria cuja competência é atribuída ao Congresso Nacional. Dessa forma, são federais todas as leis que somente possam ser instituídas pelo Congresso Nacional, não importando, assim, a natureza da matéria que por elas se institua".[16]

Esclarece o Professor Bernardo Pimentel:

"A expressão "lei federal" inserta na letra "a" do inciso III do artigo 105 alcança em primeiro lugar as leis federais propriamente ditas: normas elaboradas pelo Legislativo Federal e com eficácia em todo território brasileiro. Os decretos e regulamentos federais também estão abrangidos na cláusula constitucional. As medidas provisórias editadas pelo Executivo Federal são igualmente alcançadas pela expressão "lei federal". Por fim, a cláusula constitucional também abrange o direito estrangeiro incorporado ao nosso ordenamento jurídico."[17]

No mesmo sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nas palavras do Ministro Sálvio de Figueiredo: "Segundo a melhor doutrina, e mesmo na corrente restritiva, o decreto e o regulamento federais estão compreendidos no conceito de lei federal, para os fins de recurso especial."[18]

Em suma, percebe-se que a expressão constitucional "lei federal" possui um conceito amplo, abrangendo as normas, decretos, regulamentos federais, medidas provisórias, até o direito estrangeiro recepcionado pelo nosso ordenamento jurídico, e que tenham, eficácia em todo território nacional.[19]Importante salientar que entende-se "lei federal" aquela emanada pelo Congresso Nacional, sendo vedada em sede de recurso especial a análise de direito local. O enunciado n. 280 da Súmula do Supremo Tribunal Federal muito bem expressa tal vedação: Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário". Em suma, o especial só é cabível contra julgado de tribunal regional ou local. Sem dúvida, é o que entende o Professor Bernardo Pimentel: " O recurso especial só serve para suscitar ofensa a direito federal infraconstitucional perpetrada por tribunal regional ou local. Não é via adequada para suscitar violação a direito constitucional. Muito menos para discutir ofensa a direito estadual e a municipal".[20]

O recurso especial, de igual forma, não serve para discutir matéria de fato ou erros de fato ocorridos nas instâncias inferiores, ou simplesmente para reexaminar provas, já examinadas pelas instâncias ordinárias. É o que revela o enunciado n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

Isto posto, passaremos a falar sobre os pressupostos de cabimento do recurso especial. Além dos pressupostos que englobam os recursos de uma maneira geral, quais sejam: cabimento, legitimidade recursal, interesse recursal, a tempestividade, a regularidade formal e o preparo, existem, os pressupostos específicos do recurso especial que são: o prequestionamento da matéria e o esgotamento dos meios processuais nas vias ordinárias.[21]

Determina o art. 105, inciso III, da Constituição Federal de 1988: "Compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais e pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:...".

Realmente, o próprio dispositivo constitucional determina e delimita o cabimento do recurso quando indica que a matéria objeto do especial deve ter sido analisada e decidida por todos os tribunais inferiores, em única ou em última instância. O decisum recorrido deve ter solucionado a matéria, alvo de discussão no recurso dirigido a tribunal superior. Em suma, a expressão causas decididas significa que cabe recurso especial dos acórdãos cuja matéria tenha sido decidida em grau de recurso pelos tribunais locais. Por fim, importante salientar que a expressão "causa" possui um conceito amplo que nas palavras do Professor Amaral Santos: " causa é qualquer questão sujeita à decisão judiciária, tanto em processo de jurisdição contenciosa como em processo de jurisdição voluntária".[22]

O recurso especial só pode ser conhecido se a matéria jurídica nele versada tiver sido objeto de prévio pronunciamento por parte do tribunal de segundo grau. É a exigência do prequestionamento da matéria objeto do recurso especial.

O Professor Celso Ribeiro Bastos afirma que a exigência para admissibilidade do recurso especial é "de que a matéria jurídica de que se cogita tenha sido versada na instância ordinária".[23] A matéria jurídica supostamente violada, objeto do recurso especial, deve ter sido debatida pelo tribunal de origem. Consiste na exigência de que o assunto tratado no recurso interposto para tribunal superior tenha sido previamente decidido pela corte recorrida. O prequestionamento constitui na discussão prévia da matéria jurídica pelo tribunal local. É preciso que a matéria em análise tenha sido objeto de apreciação pelos tribunais estaduais ou federais.

Convém lembrar que não há necessidade de expressa indicação pelo acórdão recorrido do dispositivo legal tido por violado. É o que entende o Professor Ovídio Baptista: " Contudo, não é necessário, para a admissibilidade do recurso especial, que o julgamento que se increpa de violador da lei federal, haja feito referência expressa a determinado dispositivo legal, dado como vulnerado".[24]É o que também revela a jurisprudência, nas palavras do Ministro Marco Aurélio: "O prequestionamento prescinde da referência, no acórdão proferido, a números de artigos, parágrafos, incisos e alíneas. Diz-se prequestionado certo tema quando o órgão julgador haja adotado entendimento explícito a respeito".[25]

De suma importância é o entendimento de que a expressão "causas decididas", não veda o conhecimento do recurso especial, quando deixar a decisão de versar sobre mérito.[26] É o que se extrai do enunciado 86 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: "Cabe recurso especial contra acórdão proferido no julgamento de agravo de agravo de instrumento". O que não se permite é o conhecimento do recurso especial quando houver qualquer outro tipo de recurso cabível na instância ordinária.

Realmente, outro pressuposto específico para o conhecimento do recurso especial é o esgotamento das vias recursais inferiores. É o que revela o enunciado n. 207 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: " É inadmissível Recurso Especial quando cabíveis embargos infringentes contra acórdão proferido no tribunal de origem". Vê-se, por esse enunciado de Súmula, que cabendo qualquer espécie de recurso na instância inferior, o recurso especial não deve ser interposto, pelo fato de o esgotamento das vias recursais inferiores não ter sido respeitado.

Ensina Rodolfo de Camargo Mancuso que: " a explicação dessa exigência está em que o STF e o STJ são órgãos da cúpula judiciária, espraiando suas decisões por todo o território nacional. Em tais circunstâncias, compreende-se que as Cortes Superiores apenas devam pronunciar-se sobre questões federais (STJ) ou constitucionais (STF) que podem ser até prejudiciais numa lide que esteja totalmente dirimida nas instâncias inferiores".[27]

Necessária é o exaurimento das instâncias inferiores. Não existe a possibilidade de ocorrer a supressão das instâncias ordinárias. A parte que deseja se utilizar da via especial deve esgotar todos os tipos de recursos cabíveis nas instâncias inferiores.[28]

Assim, o esgotamento das vias recursais inferiores e o prequestionamento são os pressupostos especiais de admissibilidade do recurso especial, para que esse recurso possa ser analisado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Importante salientar que o acórdão proferido por turma recursal de juizado especial cível não pode ser atacado por recurso especial. É o que revela o enunciado n. 203 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: "Não cabe recurso especial contra decisão proferida, nos limites de sua competência, por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais". [29] É o que também ensina o Ministro Athos Carneiro: "...é incabível o recurso especial contra decisão final de juízo de 1ª grau, ou de colegiado de 2ª grau não alçado à categoria de "Tribunal", como as Câmaras Recursais dos Juizados Especiais de Pequenas Causas...".[30]É que o permissivo constitucional autorizativo foi expresso em delimitar o cabimento do recurso contra decisão proferida por "tribunal".[31]

3.3 - Prazo recursal. Preparo. Regularidade formal

De acordo com o artigo 508 do Código de Processo Civil, o recurso especial deve ser interposto no prazo de quinze dias, a contar da data de publicação do acórdão recorrido. O prazo para apresentação das contra-razões também será de quinze dias.

O recorrente deve instruir a petição de interposição do recurso especial com a guia comprobatória do recolhimento da importância das despesas de remessa e retorno dos autos, assim como as custas devidas no tribunal de origem, segundo a legislação específica.[32] É o denominado preparo, cuja inobservância acarreta a deserção. É exigível pela legislação, mais precisamente no artigo 511 do Código de Processo Civil. É o que também revela o enunciado n. 187 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: " É deserto o recurso interposto para o Superior Tribunal de Justiça, quando o recorrente não recolhe, na origem, a importância das despesas de remessa e retorno dos autos". Por fim, convém lembrar que o preparo deve ser imediato, ou seja, no ato da interposição do recurso.

Para uniformizar o preparo dos recursos endereçados ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, a Lei n. 9756/98 dispôs que caberá àquelas duas cortes judiciais fixar, na área da respectiva competência, as tabelas e as instruções relativas aos valores e ao recolhimento das despesas de porte de remessa e retorno dos autos.[33]

O recurso especial deve ser interposto por meio de petição, que deve ser dirigida ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido. A petição deve ser acompanhada desde logo das razões recursais, devendo ser indicado com precisão o permissivo constitucional e o preceito legal tido por contrariado.[34]

Em seguida, o recorrido deve ser intimado para apresentar as contra-razões, no prazo de quinze dias, conforme previsto no caput do artigo 542 do Código de Processo Civil. Após a apresentação das contra-razões, os autos serão conclusos para a prolação do primeiro juízo de admissibilidade. Realmente, o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem deve efetuar o primeiro juízo de admissibilidade do recurso especial nos termos do verbete n. 123 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

No caso da inadmissão do recurso especial, a parte poderá interpor o recurso de agravo, conforme dispõe o artigo 544 do Código de Processo Civil.

No caso da admissão do recurso especial, os autos serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, onde serão distribuídos a um relator. Se o caso for de manifesta inadmissibilidade, ou de manifesta improcedência, ou quando o recurso for manifestamente contrário à enunciado de súmula do tribunal ou de tribunais superiores, o relator poderá julgar o recurso, singularmente, sem a necessidade de levá-lo ao colegiado. É o que revela o artigo 557 do Código de Processo Civil. Esta decisão monocrática ficará sujeita a agravo interno para o órgão colegiado, conforme disposto no parágrafo único do artigo 557 do Código de Processo Civil.

3.4 - Recurso especial pelo permissivo da letra "a"

Cuida-se no presente caso de cabimento do recurso especial quando o decisum recorrido, contrariar ou negar vigência a dispositivo de tratado ou de lei federal. É o que expressa o artigo 105, inciso III, alínea "a" da Constituição Federal.

Sempre oportuna a lição do Ministro Eduardo Ribeiro sobre o tema: " Cumpre ao Superior Tribunal de Justiça verificar qual a interpretação correta, não se admitindo que várias possam conviver em um mesmo momento. Se a decisão recorrida houver perfilhado outra, entende-se contrariada a lei, e o recurso há de ser conhecido e provido".[35]

Como anteriormente citado a expressão "lei federal" possui sentido amplo, como explicado pelo professor Bernardo Pimentel:

"A expressão "lei federal" inserta na letra "a" do inciso III do artigo 105 alcança em primeiro lugar as leis federais propriamente ditas: normas elaboradas pelo Legislativo Federal e com eficácia em todo território brasileiro. Os decretos e regulamentos federais também estão abrangidos na cláusula constitucional. As medidas provisórias editadas pelo Executivo Federal são igualmente alcançadas pela expressão "lei federal". Por fim, a cláusula constitucional também abrange o direito estrangeiro incorporado ao nosso ordenamento jurídico."[36]

Há muito tempo, a doutrina e jurisprudência procuram fixar o exato significado do verbo "contrariar" e da cláusula "negar vigência".[37] Isto porque antes da Constituição de 1988, o cabimento do recurso extraordinário era restrito às hipóteses de negativa de vigência a lei federal. E não mera contrariedade a lei. Atualmente não existe nenhum problema, já que o atual texto constitucional admite o recurso especial para suscitar ambos os vícios.

Celso Ribeiro Bastos lecionando sobre o tema afirma que o constituinte de 1988 "deu maior alcance ao cabimento do recurso especial, ao estatuir como pressuposto não apenas negar vigência a tratado ou lei federal, mas também contrariar tratado ou lei federal"[38].

Com efeito, a introdução da expressão "contrariar" tratado ou lei federal deu maior extensão ao novel instrumento processual. Renomada doutrina afirma que o termo "contrariar" é mais amplo do que "negar vigência".[39] Para o Professor Vicente Greco contrariar a lei "significa desatender seu preceito, sua vontade; negar vigência significa declarar revogada ou deixar de aplicar a norma legal federal".[40]Pois bem, como já explicitado o atual texto constitucional admite o recurso especial para afastar ambos os vícios, ficando mais fortalecida a defesa do direito infraconstitucional comum.

Portanto, é de se chegar a conclusão que o enunciado n. 400 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, editado sob a égide do texto constitucional anterior, que revela que só é cabível recurso para tribunal superior quando houver negativa de vigência - e não mera contrariedade - à lei federal, não alcança o recurso especial, visto que o atual texto prevê o cabimento do recurso quando ocorrer as duas hipóteses.[41] Vale a pena conferir o entendimento do Ministro Sálvio de Figueiredo "O enunciado n. 400 da Súmula do STF é incompatível com a teleologia do sistema recursal introduzido pela Constituição Federal de 1988".[42]

Com efeito, aceitar várias interpretações "razoáveis", proferidas por vários tribunais a respeito de uma mesma situação, ficaria instaurada uma verdadeira insegurança jurídica no país.

3.5 - Recurso especial pelo autorizativo da letra "b"

De acordo com artigo 105, inciso III, alínea "b" da Constituição Federal, caberá o recurso especial quando o tribunal "a quo" julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal.

Segundo o Ministro Eduardo Ribeiro " a hipótese contemplada na letra "b", embora indiscutivelmente a de menor importância, se se tiver em conta o número de recursos que nela buscam fundamento, é talvez a que motivou maior controvérsia".[43]

O que acontece é que na maioria das vezes onde se discute a aplicação da legislação local em prejuízo da federal estará se tratando de matéria constitucional. É que normalmente o conflito entre as leis local e federal é resolvido via interpretação dos dispositivos constitucionais que versam sobre competência legislativa.[44]

É o que leciona o Professor José Afonso as Silva: "A questão suscitada no artigo 105, III, b, não se limita a proteger a incolumidade da lei federal. Também o é, talvez principalmente o seja. Contudo, na base dela está uma questão constitucional, já que se tem que decidir a respeito da competência constitucional para legislar sobre a matéria da lei ou ato de governo local.[45]

É também o entendimento do Professor Rodolfo Mancuso:

" é que as normas jurídicas são hierarquizadas a partir da CF, de sorte que o ordenamento local, ao infringir lei federal, está, ao menos por via reflexa ou indireta, afrontando a CF. Certo, há matérias em que mais de um dos entes políticos pode atuar ou legislar ( CF, art. 24 e incisos ), além, naturalmente, de hipóteses de atribuições reservadas aos Estados (art. 25, §1ª ) e aos Municípios ( art. 30 e incisos ); mas mesmo nesses caso, haverá uma alegação de que o direito federal restou violado, e aí os seus guardiães - STF e STJ, conforme o caso - dirão se a afirmação procede ou não". [46]

O Ministro Carlos Mário Velloso reforça:

" Esse pressuposto do recurso especial contém, no seu cerne, o contencioso constitucional, por isso que, de regra, quando um tribunal estadual julga válida uma lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal, é porque reconhece o tribunal estadual que a lei ou ato de governo local comportava-se na competência constitucional assegurada a este, tendo a lei federal, pois, invadido competência local, pelo que é inconstitucional".[47]

Discute-se a possibilidade de o Superior Tribunal de Justiça apreciar tal matéria constitucional. Ficamos com a orientação do professor Bernardo Pimentel que entende ser incabível a apreciação da matéria constitucional pelo Superior Tribunal de Justiça. E leciona o professor: "Compete ao Supremo Tribunal Federal - e não ao Superior Tribunal de Justiça - averiguar se o texto constitucional foi corretamente interpretado por corte de segundo grau. Sem dúvida, quando o tribunal de apelação deixa de aplicar a lei federal após interpretar a Constituição Federal, o recurso cabível é o extraordinário".[48]É o que entende o Ministro Athos Gusmão: " Se a contestação for em face da Constituição, cabível será o recurso extraordinário ao STF".[49] Com efeito, violada a Constituição Federal, o órgão encarregado de resguardá-la é o Supremo Tribunal Federal.[50]

Questiona-se o cabimento do recurso especial pela alínea "b" do permissivo constitucional, quando o tribunal de origem considera válida a legislação federal em prejuízo da legislação local. A melhor resposta é a negativa. O enunciado n. 280 da Súmula do Supremo Tribunal Federal muito bem expressa tal vedação: Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário". O recorrente pode suscitar a errada interpretação dada pelo tribunal local à legislação federal, como também pode questionar que a interpretação dada pelo tribunal local diverge da orientação dada por outro tribunal. O recurso especial seria interposto com base nas alíneas "a" e "c", mas não por ofensa a lei local.

Entende-se por "lei local" e "ato de governo local" a legislação e atos oriundos dos Poderes Executivos e Legislativos estaduais e municipais, assim como do Judiciário estadual, com exceção dos atos jurisdicionais de autoria de juizes e tribunais, cuja erronia pode ser alegada por meio de recurso processual ao respectivo tribunal ad quem.[51]

3.6 - Recurso especial pelo dissídio jurisprudencial

De acordo com o artigo 105, inciso III, alínea "c", da Constituição Federal caberá o recurso especial quando o tribunal de origem tiver atribuído à lei federal interpretação diferente da conferida por outro tribunal.

Vale a pena conferir o escólio do Ministro Eduardo Ribeiro a respeito do tema:

"Com a apontada ampliação do cabimento do recurso com base na violação da lei, a importância desse permissivo diminui bastante. No sistema atual, basta, para o recurso, a contrariedade à lei. Ora, a toda evidência, de nada adianta ao recorrente ver simplesmente conhecido o seu recurso, em função do dissídio, se não vier a ser provido. Para que o seja, deverá demonstrar, também, que o direito não foi observado, o que, em tese, já permitiria o recurso pela letra "a". "[52]

É de se notar, que a finalidade do recurso especial pela alínea "c" é a de possibilitar a uniformização da jurisprudência dos tribunais do país acerca da interpretação da lei federal. É o que leciona o Ministro Sálvio de Figueiredo: " É missão constitucional do Superior Tribunal de Justiça apaziguar a jurisprudência revolta, buscando a melhor exegese do direito federal infraconstitucional. Para realização desse objetivo, em primeiro lugar deve uniformizar a sua própria jurisprudência".[53] O recurso especial nesse caso, uniformizará a jurisprudência dos tribunais inferiores, fazendo valer a vontade da lei federal em todo território nacional.

Para possibilitar o recurso, a divergência deverá verificar-se com julgado de tribunal diverso do que proferiu a decisão que se pretende impugnar. É o que estabelece o verbete n. 13 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. Não existe a exigência que o tribunal seja de outro Estado. Basta que ocorra, por conseguinte, entre tribunal de justiça e de alçada.

Por fim, convém lembrar que o recurso especial depende do cotejo analítico, nos termos do parágrafo único do artigo 541 do Código de Processo Civil.

3.7 - Efeito devolutivo

O artigo 542, § 2ª, do Código de Processo Civil revela que o recurso especial possui apenas o efeito devolutivo. Devolve ao Superior Tribunal de Justiça o conhecimento da matéria de direito federal infraconstitucional. O Professor José Carlos Barbosa Moreira comentando o parágrafo supra citado assim se manifesta:

" A dicção é criticável, porque pode dar a impressão falsa de uma irrestrita devolução da matéria decidida pelo "a quo". Talvez se haja querido reiterar, em termos amplos, a exclusão do efeito suspensivo, já consagrada no art. 497, 1ª parte, no tocante à execução; mas é bem de ver de que afirmar o efeito devolutivo não implica, por si só, negar o suspensivo: um não é o contrário do outro, nem aquele incompatível com este...".[54]

O efeito devolutivo do §2ª do artigo 542 do Código de Processo Civil empregado ao recurso especial não é amplo. A matéria que será devolvida para análise do Superior Tribunal de Justiça será àquela estritamente jurídica, que supostamente tenha sido violada pelas instâncias ordinárias. É bom lembrar, que o direito federal violado necessariamente deve ter sido objeto de debate pelo tribunal local, sob pena de não ter ocorrido o prequestionamento da matéria recorrida.

Do contrário, empregando efeito devolutivo amplo ao recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça seria transformado em um " novo tribunal de apelação", onde seria reexaminada toda matéria fática-probatória dos autos, o que é inviável na via especial. Basta conferir o verbete n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

Lecionando a respeito do recurso especial, o Professor Vicente Greco Filho afirma:

"Seu efeito devolutivo será total parcial, dependendo da matéria impugnada e da questão que ensejou sua interposição. Todavia é importante observar que, conhecido o recurso, o Superior Tribunal de Justiça aplica a lei ao caso concreto, não atuando como as Cortes de Cassação do direito francês ou italiano, em que o tribunal, dando provimento ao recurso, anula ou revoga o acórdão recorrido para que o tribunal de origem profira outro, de acordo com a tese jurídica fixada. No sistema brasileiro, conhecido o recurso, o tribunal "ad quem" aplica diretamente a tese ao caso concreto e a sua decisão substitui a anterior, nos termos do art. 512 do Código de Processo Civil".[55]

3.8 - Recurso especial e questão de direito

A matéria objeto de apreciação do Superior Tribunal de Justiça por meio do recurso especial será exclusivamente a matéria de direito. É vedado na via especial o reexame de fatos e provas, visto que este exame presume-se dirimido pelas instâncias ordinárias, onde é permitido o amplo debate acerca de fatos e provas. O recurso especial não é via idônea para suscitar injustiça proveniente da apreciação dos fatos e das provas no tribunal de origem.[56]É o que revela o enunciado n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".

Com efeito, o recurso especial é meio processual adequado para se garantir a autoridade e uniformidade da lei federal. Deve ser discutida e analisada matéria de direito, não sendo o recurso especial, via idônea para corrigir injustiças quanto aos erros de fatos ocorridos nas instâncias inferiores. É o que entende o Professor Nelson Luiz Pinto:

" Eventuais injustiças havidas nas instâncias inferiores, ou mau entendidas ou má interpretação dos fatos da causa etc., são questões que não interessam diretamente ao Superior Tribunal de Justiça e que, portanto, não podem fundamentar a interposição do recurso especial. A justiça à parte recorrente, no caso de provimento do recurso especial, será apenas uma conseqüência indireta do eventual provimento do recurso, que visa, como se disse, essencialmente, a assegurar a integridade do direito federal".[57]

Vale a pena conferir o entendimento do Ministro Carlos Mário Velloso: "O que precisa ser esclarecido é isto: no recurso especial não se reexamina prova, devendo os fatos da causa serem considerados na versão do acórdão recorrido, porque as instâncias ordinárias decidem, soberanamente, a respeito deles".[58]

Surgem muitas dificuldades quando se busca diferenciar com clareza questão de direito de questão de fato.[59]

Importante aspecto é a diferença entre questão de fato e questão de direito, sob o ponto de vista processual. Para fins de direito processual questão de fato seria "o ponto a esclarecer sobre situações jurídicas resultantes de acontecimentos ou ações humanas, suscetíveis de produzir direitos ou obrigações".[60]Ao revés, questão de direito é "a matéria relativa a interpretação de preceito jurídico em uma causa, levantada por qualquer das partes e para ser apreciada pelos órgãos judiciários".[61]

O Juirsconsulto De Plácido e Silva confirma: questão de direito (quaestio juris) "é aquela onde se debatem somente pontos de vista jurídicos, isto é, matéria de direito".[62]A questão de fato (quaestio facti) " é aquela em que se discutem ou se esclarecem situações jurídicas decorrentes de acontecimentos ou ações do homem, capazes de produzirem direitos e obrigações".[63]

E este é o entendimento de Karl Larenz:

" A distinção entre questão de facto e de direito perpassa todo o direito processual; o princípio dispositivo pressupõe especialmente esta distinção. O juiz julga sobre a "questão de facto" com base no que é aduzido pelas partes e na produção de prova; a questão de direito decide-a sem depender do que é alegado pelas partes, com base no seu próprio conhecimento do Direito e da lei, que tem de conseguir por si ( jura novit curia ). Só os factos, isto é, os estados e acontecimentos fácticos, são susceptíveis e carecem de prova; a apreciação jurídica dos factos não é objeto de prova a aduzir por uma das partes, mas tão-só de ponderação e decisão judicial".[64]

A missão do Superior Tribunal de Justiça é reexaminar a questão de direito. E mais, a questão de direito federal infraconstitucional.

Vale a pena conferir o entendimento do Procurador Carlos Mário Velloso Filho: "De fato, nosso ordenamento jurídico presume que, para indagar sobre fatos e realizara justiça do caso concreto, já existem duas instâncias, primeira e segunda, presumidamente suficientes para colher e analisar provas, devendo a terceira instância ocupar-se exclusivamente da defesa do direito objetivo".[65]

O Ministro Alfredo Buzaid justifica a limitação recursal quanto ao erro de fato: " O erro de fato é menos pernicioso do que erro de direito. O erro de fato, por achar-se circunscrito a determinada causa, não transcende os seus efeitos, enquanto o erro de direito contagia os demais Juizes, podendo servir de antecedente judiciário".[66]

Pois bem, a função do recurso especial é a de garantir a autoridade e uniformidade do direito federal e não, de corrigir ou sanar qualquer injustiça do quadro fático. O escopo dos recursos extraordinário e especial se restringe à readequação do julgado recorrido aos parâmetros constitucionais ou do direito federal, respectivamente.

3.9 - Efeito suspensivo

O Professor Nelson Luiz Pinto assim leciona: " O poder cautelar geral significa que o juiz não está adstrito aos procedimentos cautelares específicos do Código de Processo Civil, podendo determinar as medidas provisórias que julgar adequadas à proteção do direito da parte".[67]

O Superior Tribunal de Justiça excepcionalmente tem conferido efeito suspensivo ao recurso especial. Confere-se efeito suspensivo ao recurso especial por meio de Ação Cautelar. É o que entende Bernardo Pimentel:

"Com efeito, interposto o recurso, a medida cautelar será requerida diretamente ao tribunal. É o que estabelece o parágrafo único do artigo 800, com redação dada pela Lei n. 8.952/94. Realmente, a interposição do especial pata o Superior Tribunal de Justiça aciona a competência da Corte para processar e julgar cautelar incidental. É bom não esquecer que o parágrafo único do artigo 800 não condiciona a concessão da tutela cautelar à prévia admissão do recurso na origem. Basta - frise-se - a interposição do especial, para que o recorrente possa pleitear a tutela cautelar perante o Superior Tribunal de Justiça".[68]

Importante salientar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça diverge quanto ao momento de que o recorrente poderá pedir a tutela cautelar. Uma parte da jurisprudência entende que a tutela cautelar pode ser requerida antes mesmo de ser efetuado o juízo de admissibilidade do recurso especial.[69] Existem os que entendem que a parte poderá pedir a tutela cautelar somente após o juízo de admissibilidade.[70] E por fim, uma corrente mais liberal afirma que mesmo sem a interposição do recurso especial e, existindo os pressupostos autorizadores da concessão, a parte poderá pleitear a medida cautelar.[71]

3.10 - Recurso especial retido

O artigo 1ª da Lei n. 9756/98, acrescentou ao artigo 542 do Código de Processo Civil este § 3ª: "O recurso extraordinário, ou o recurso especial, quando interpostos contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução ficará retido nos autos e somente será processado se o reiterar a parte, no prazo para interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contra-razões".

"Inspirou o § 3ª do artigo 542 do CPC o empenho, de manifestação omnímoda, de se aliviar a formidável carga de trabalho dos tribunais superiores".[72]Com efeito, antes da vigência do instituto estudado, chegava-se ao Superior Tribunal de Justiça milhares de recursos contra acórdãos provenientes de decisões interlocutórias. O resultado era o acúmulo de recursos no Superior Tribunal de Justiça, em prejuízo do julgamento do mérito de milhares de conflitos pelas instâncias ordinárias.

O § 3ª do artigo 542 também revela que o especial retido só chega ao Superior Tribunal de Justiça quando o recorrente apresenta requerimento de julgamento do recurso, no prazo para a impugnação do julgado que, por último, põe fim ao processo. É o entendimento de Bernardo Pimentel, lecionando a respeito do recurso extraordinário retido, que se aproveita ao especial retido: " Quando não há formulação de pedido de prosseguimento do extraordinário retido no prazo recursal final, o recurso retido é inadmitido pelo presidente ou pelo vice-presidente do tribunal de origem, tendo em vista a ocorrência de desistência tácita". [73]

O recurso especial contra acórdão proveniente de decisão interlocutória ficará retido até que se julgue o mérito da ação principal. Porém, em alguns casos, a retenção do recurso será prejudicial ao direito do requerente. Nesses casos, o requerente poderá valer-se da tutela cautelar que será apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça. É o escólio do Professor Humberto Theodoro Júnior:

" Quando a decisão recorrida se mostra absurda e a procedência do especial ou extraordinário se torna evidente, a solução para evitar a ruinosa execução provisória do acórdão, tem sido a postulação de medida cautelar junto ao STJ ou STF, com que se obtém efeito suspensivo ao apelo extremo. Como, na nova sistemática o recurso retido não será desde logo processado, surgirão sérios obstáculos para se alcançar junto ao STJ ou ao STF o reconhecimento de sua competência para a tutela cautelar".[74]

Como já explicitado, a jurisprudência diverge quanto ao momento ideal para se pedir a tutela cautelar. Ficamos com a corrente que entende aplicável o artigo 800 do Código de Processo Civil, ou seja, basta a interposição do recurso especial para que se possa pleitear a tutela cautelar.[75] Existirão situações onde a imediata execução do acórdão prolatado, proporcionará prejuízos irreparáveis ao recorrente. Estando presente os pressupostos autorizadores da tutela cautelar - periculum in mora e fumus boni iuris - há de ser deferida a pretensão.

Sobre o autor
Breno de Paula

advogado em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Breno. O problema da valoração da prova em recurso especial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2415. Acesso em: 17 nov. 2024.

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