5 DA NECESSIDADE DE EFETIVAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA
A Constituição de 1988 prevê que as normas definidoras que versem sobre direitos fundamentais têm aplicação imediata[39]; dito de outro modo, não têm caráter programático, de modo que não há necessidade de normas inferiores para tal aplicação.Entretanto, na prática, diante das deficiências do Poder Judiciário ou até mesmo do descaso dos Poderes Legislativo e Executivo frente a tais disposições constitucionais, há necessidade de outras formas de efetivação das mesmas, como alterações legislativas que concedem direitos processuais, as quais, por meio de decisões judiciais em cada caso concreto, vão proporcionar a efetivação do direito.
Assim se manifesta Paulo Bezerra[40]:
Assim, o problema central dos direitos humanos e fundamentais não está em saber quais e quantos são esses direitos, qual a sua natureza e o seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim, qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados por ação ou omissão.
6 CONCLUSÃO
Diante do exposto, conclui-se:
1. De acordo com a doutrina tradicional, o conceito de acesso à justiça se confunde com o direito de inafastabilidade do controle jurisdicional. Entretanto, de acordo com a concepção ampla do direito de acesso à justiça, este não se restringe ao acesso ao judiciário, sim abrange a tutela jurisdicional em consonância com os demais princípios constitucionais e processuais, tais como igualdade, devido processo legal, contraditório, ampla defesa, dentre outros. Desse modo, o acesso à justiça funciona como instrumento ético para a realização de justiça na busca da tutela jurisdicional efetiva.
2. O direito de acesso à justiça é um direito fundamental, ainda que na perspectiva ampla (tutela justa e efetiva), na medida em que é um direito garantidor de outros direitos, fundamentais ou não, e que permite a realização destes.
3. Os princípios são normas superiores com caráter estruturante no ordenamento jurídico que representam os valores jurídicos de determinada comunidade, mesmo que não positivados pelo legislador, podendo ser invocados com a finalidade de tutelar direitos violados. Com efeito, pode-se considerar o acesso à justiça como princípio, pois não é mera regra jurídica a ser aplicada num caso concreto, mas sim um valor superior consagrado na sociedade.
REFERÊNCIAS
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003.
BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Temas atuais de direitos fundamentais. 2.ed. Ilhéus: Editus, 2007.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003
CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988.
CARNEIRO, Cezar Pinho. Acesso à justiça. Juizados Especiais Cíveis e Ação Civil Pública. Uma Nova Sistematização da Teoria Geral do Processo. Rio de Janeiro: Forense: 2000.
MORALLES, Luciana Camponez Pereira. Acesso à justiça e o princípio da igualdade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32.ed. São Paulo: Melhoramentos, 2009.
SOUZA, Wilson Alves de. Acesso a Justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011.
Notas
[1] Este conceito de acesso à justiça é o utilizado pela doutrina liberal, a qual defende que se formalmente era oferecido o acesso à justiça caberia ao cidadão alcançá-lo. Assim ensinam Mauro Cappelletti e Bryan Garth: “[...]Direito ao acesso a proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. A teoria era de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um “direito natural”, os direitos naturais não necessitavam de uma ação do Estado para a sua proteção. Esses direitos eram considerados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros. O Estado , portanto, permanecia passivo, com relação a problemas tais como aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defendê-los adequadamente, na prática.”CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988, p. 11
[2]Luciana Camponez Pereira Moralles, utilizando-se de conceito formulado por Kazuo Watanabe, classifica o acesso à justiça sob a perspectiva interna e externa: “A primeira é a que caracteriza acesso à justiça como sinônimo de acesso ao Judiciário, ou seja, ingresso em juízo (perspectiva interna do processo), e a segunda, significa acesso a uma ordem de valores e direitos consagrados pelo Estado Democrático de Direito, permitindo o acesso à ordem jurídica justa (perspectiva externado processo/instrumento ético para a realização da justiça.” MORALLES, Luciana Camponez Pereira. Acesso à justiça e o princípio da igualdade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 52.
[3] Pode-se, ainda, destacar, conforme demonstra Paulo Cezar Pinheiro Carneiro: “o tratamento constitucional da ação civil pública (art. 129, III), como instrumento hábil para a defesa de todo e qualquer direito difuso e coletivo;[...] outorga da legitimidade para os sindicatos (art. 8º, III) e para as entidades associativas ( art. 5º, LXXI) defenderem os direitos coletivos e individuais homogêneos de seus filiados; a reestruturação e fortalecimento do Ministério Público como órgão essencial à função jurisdicional do Estado, conferindo-lhe atribuições para defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses coletivos e sociais [...]” CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça. Juizados Especiais Cíveis e Ação Civil Pública. Uma Nova Sistematização da Teoria Geral do Processo. Rio de Janeiro: Forense: 2000, p. 49.
[4]CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant, Op. Cit., p. 31.
[5]Expressão utilizada por Wilson Alves de Souza. SOUZA, Wilson Alves de.Acesso a Justiça. Salvador: Dois de Julho,2011.pp. 25/26.
[6]Ibidem, p. 26.
[7] MORALLES, Luciana Camponez Pereira, Op. cit., p. 52.
[8]CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988, p. 11.
[9]Ibidem, p. 53.
[10] Para José Afonso da Silva esta é a denominação mais adequada, mas já foram utilizadas diversas expressões para designá-los, tais como: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais e liberdades públicas.SILVA, José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Melhoramentos, 2009, p. 178.
[11] Ibidem, p.178.
[12]Ibidem, p. 179.
[13] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 54.
[14] Tradicionalmente diz-se que há três gerações de direitos fundamentais. A doutrina mais moderna destaca a existência de direitos fundamentais de quarta geração. Entretanto, este assunto não será tratado aqui por não ter pertinência temática.
[15] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra:Almedina, 2003, p. 379.
[16] Ibidem, p. 379.
[17] Art. 60, §4º: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias individuais.”
[18]SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 82.
[19] SOUZA, Wilson Alves de. Op. cit, p. 82
[20] Declaração Universal dos Direitos Humanos, Art. X: “Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”. Disponível em http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. Acesso em 09 de maio de 2010.
[21] SOUZA, Wilson Alves de. Op. cit, p. 84.
[22] Também partilha desse entendimento o Prof. Paulo Cesar Santos Bezerra, ao escrever que: “É um direito, do qual, depende a realização de todos os outros, inclusive a efetivação do direito natural e fundamental, que todo homem tem, de que se lhe reconheçam direitos. Nesse diapasão, é um direito natural e fundamental. Um direito natural de garantia desse acesso, legitimamente fundado em sua natureza e na Constituição e demais dispositivos infra-constitucionais; um direito, pois, fundamental, que deve ser assegurado, como todos os demais direitos fundamentais, e mais, como viabilizador dos demais direitos fundamentais.” Bezerra, Paulo Cesar Santos. Temas atuais de direitos fundamentais. Ilhéus: Editus, 2007, p. 154.
[23] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 27 apudLarenz, Karl RichtigesRecht, p. 26.
[24] ÁVILA, Humberto. Op. Cit., p. 28 apudDworkin, Ronald: “The model of Rules” p. 45 e 26.
[25]Ibidem, p. 28 apud Robert Alexy “Zum Begriff des Rechtsprinzips“, p. 77.
[26] Ibidem, p. 29.
[27]Ibidem, p. 30.
[28] ÁVILA, Humberto. Op. Cit, p. 30.
[29] CANOTILHO. J. J. Gomes. Op. Cit., pp. 1160-1161.
[30]Ibidem, p. 31.
[31]Ibidem, p. 31.
[32]Ibidem, p. 31.
[33] CANOTILHO, J. J. Gomes, Op. Cit., p.1160.
[34] ÁVILA, Humberto. Op. Cit., p. 70.
[35]SOUZA, Wilson Alves de. Op. cit., pp. 88-92.
[36]CANOTILHO, J.J. Gomes,Op. cit., p. 1165.
[37]Canotilho classifica os princípios em princípios jurídicos fundamentais, princípios jurídicos constitucionalmente conformadores, princípios constitucionais impositivos e princípios- garantia, p. 1165-1168.
[38]Ibidem, p.1165.
[39]Constituição Federal de 1988: Art. 5º, §1º: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”
[40]BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Op. Cit., p. 156.