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Substituição tributária: modalidades e a polêmica sobre a restituição dos tributos pagos a maior na substituição progressiva

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5. restituição do tributo: a jurisprudência do stj e do stf e a NECESSIDADE de mudança da atual orientação

Conforme demonstrado no tópico anterior, a EC nº 3/93, que acrescentou o §7º ao artigo 150 da Constituição, autorizando a substituição tributária de forma ampla, teve sua constitucionalidade reconhecida pelo STF. Trata-se, portanto, de questão pacífica. Hoje, a grande discussão é em relação à interpretação da parte final do §7º, o qual dispõe “(...), assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”.

Da leitura do referido dispositivo percebe-se que foi assegurada a restituição imediata e preferencial das quantias pagas de forma antecipada no regime de substituição tributária progressiva no caso - e somente nesse caso - de não ocorrência do fato gerador presumido. No entanto, permanece a discussão em saber se o referido dispositivo deve ser interpretado de forma extensiva, autorizando, também, a restituição do tributo nos casos em que o fato gerador ocorrer com um conteúdo econômico inferior ao presumido.

Andrei Pitten Velloso, antes lembrado, destaca que a Constituição “omitiu-se, todavia, no que diz respeito à ocorrência do fato imponível com uma consistência econômica inferior àquela presumida, dando margem a questionamentos atinentes a existência, ou não, de direito à restituição parcial da quantia paga, proporcionalmente a diferença entre a base imponível presumida e a efetiva”.[39]

Nesse caso, temos uma cobrança antecipada do imposto. Tributa-se fato que ainda não aconteceu e, em tese, poderá não acontecer. Assim, para viabilizar a cobrança do tributo, a base de cálculo é presumida, tendo como parâmetro o valor médio da operação praticada no mercado. Se o valor real da operação for inferior à presumida, parece claro que o contribuinte tem direito a restituição da diferença, sob pena de configurar enriquecimento ilícito do fisco.

Resta inequívoco, portanto, o direito a restituição da diferença. Nesse sentido, colhe-se importante lição de Roque Carrazza, segundo o qual “(...), esse excesso de arrecadação equivale à não-realização do “fato gerador presumido”. Por isso, tipifica confisco, a ensejar a “imediata e preferencial restituição da quantia paga” a mais”.[40]

Kiyoshi Harada explica que “Se há duas bases de cálculo, há dois fatos geradores distintos, da mesma forma que a existência de dois preços diferentes indica a existência de duas operações de compra e venda. Isso é elementar! Não se pode identificar uma compra e venda apenas pelo seu objeto, deixando de levar em conta o preço que lhe é inerente”[41].

A Fazenda Pública, por sua vez, defende uma interpretação literal do artigo 150, §7º da Constituição, o qual só garante a restituição quando o fato gerador presumido não ocorrer. Ademais, sustenta que a restituição parcial causaria grandes transtornos para o fisco, ocasionando, por exemplo, maior dificuldade na fiscalização, a contabilidade fiscal ficaria bem mais complexa, perda da eficiência/celeridade na arrecadação, entre outros motivos. Conforme se verá adiante, esse entendimento tem prevalecido no STF.

Com relação ao ICMS, muitos Estados da Federação, visando harmonizar o disposto no §7º, artigo 150, da Constituição e do artigo 10 da Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir), celebraram no âmbito do CONFAZ, o convênio de nº 13/97[42], no qual restou estabelecido que a restituição do tributo somente seria devida se o fato gerador não acontecesse. In verbis:

Cláusula segunda Não caberá a restituição ou cobrança complementar do ICMS quando a operação ou prestação subsequente à cobrança do imposto, sob a modalidade da substituição tributária, se realizar com valor inferior ou superior àquele estabelecido com base no artigo 8º da Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996.

No julgamento da ADIn 1.851/AL, ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), além de reafirmar a constitucionalidade da substituição tributária progressiva, o STF declarou a constitucionalidade da cláusula segunda do Convênio nº 13/97, que veda a restituição parcial do tributo.

Transcreve-se, por oportuno, trecho do voto do Ministro Relator Ilmar Galvão:

O fato gerador do ICMS e a respectiva base de cálculo, em regime de substituição tributária, de outra parte, conquanto presumidos, não se revestem de caráter de provisoriedade, sendo de ser considerados definitivos, salvo se, eventualmente, não vier a realizar-se o fato gerador presumido. Assim, que não há falar em tributo pago a maior ou a menor, em face do preço pago pelo consumidor final do produto ou do serviço, para fim de compensação ou ressarcimento, quer de parte do Fisco, quer de parte do contribuinte substituído. Se a base de cálculo é previamente definida em lei, não resta nenhum interesse jurídico em apurar se correspondeu ela à realidade.

(...)

Admitir o contrário, valeria pela inviabilização do próprio instituto da substituição tributária progressiva, visto que implicaria, no que concerne ao ICMS, o retorno ao regime de apuração mensal do tributo e, consequentemente, o abandono de um instrumento de caráter eminentemente prático, porque capaz de viabilizar a tributação de setores de difícil fiscalização e arrecadação. Na verdade, visa o instituto evitar, como já acentuado, um sem-número de contribuintes, centralizando a máquina-fiscal do Estado num universo consideravelmente menor, e com acentuada redução do custo operacional e consequentemente diminuição da evasão fiscal. Em sumo, propicia ele maior comodidade, economia, eficiência e celeridade na atividade estatal ligada a imposição tributária.[43]

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Prossegue o Relator:

“Não seria, realmente, de admitir que, diante desses efeitos práticos, decisivos para a adoção da substituição tributária, viesse o legislador a criar mecanismos capaz de inviabilizar a utilização do valioso instituto, com a compensação de eventuais excessos ou faltas, em face do valor real da última operação, determinando o retorno da apuração mensal do tributo, prática que justamente teve por escopo obviar”.[44]

Com esses argumentos, eminentemente pragmáticos, o Relator foi acompanhado pelos Ministros Moreira Alves, Sydney Sanches, Maurício Corrêa, Sepúlveda Pertence e Ellen Gracie. Ficaram vencidos os Ministros Carlos Velloso, Celso de Mello e Marco Aurélio, os quais defenderam que os argumentos acima esposados - constantes no voto do relator - não são capazes de afastar o direito a restituição parcial do tributo quando o valor da operação for inferior à presumida.

Com acerto, o Min. Carlos Velloso destaca que a base de cálculo do fato gerador é a sua dimensão material, a sua expressão valorativa. Ademais, acrescenta que “o Fisco poderá fixar, na pauta de valores, para fins de recolhimento do ICMS, valor superior ao de mercado, valor superior ao preço pelo qual será vendido. Não obtido, depois, o preço da pauta de valores, terá o poder público se locupletado ilicitamente, terá havido enriquecimento ilícito, o que a teoria geral do direito repele, o que o senso comum dos homens não admite”.

Apesar do brilhante voto proferido pelo ilustre Ministro Velloso, prevaleceu o entendimento segundo o qual o “fato gerador presumido não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo à restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não realização final”.[45]

O Estado de São Paulo e de Pernambuco, os quais não são signatários do convênio nº 13/97, editaram leis prevendo a restituição do ICMS nos casos em que a base de cálculo - presumida - seja superior ao valor da efetiva comercialização. Com base no julgamento da ADIn 1.851/AL, os referidos Estados questionam no STF, por meio da ADIn 2.675/PE[46] e da ADIn 2.777/SP[47], a constitucionalidade de suas próprias leis que, em tese, violam o disposto no §7º, do artigo 150, da Constituição. As referidas ações foram apensadas, tendo em vista tratar-se de matéria idêntica.

Até o momento já foram proferidos dez votos, sendo que cinco Ministros votaram pela procedência das ações, reforçando o entendimento da inexistência do direito constitucional à restituição parcial do tributo, e outros cinco Ministros votaram pela improcedência das ações diretas, acolhendo o argumento de presunção relativa da pauta fiscal, ou seja, quando verificado que o valor real da operação foi menor do que o valor da pauta fiscal afigura-se inequívoco o direito a restituição do excesso. Faltava apenas o voto de desempate do então Min. Ayres Britto (aposentado em novembro de 2012).

No entanto, o STF resolveu, em questão de ordem suscita pelo Min. Ayres Britto, sobrestar as duas ações diretas, a fim de que sejam julgadas em conjunto com o RE 593.849/MG, da relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, no qual foi reconhecida a repercussão geral. Com isso, o Supremo tem a oportunidade de mais uma vez analisar o alcance do §7º, do artigo 150, da Constituição.

É preciso registrar que o STJ, ao apreciar o EREsp 773.213/SP, de relatoria da Min. Eliana Calmon, decidiu que o entendimento adotado no julgamento da ADIn 1.851/AL não se aplica ao Estado de São Paulo, porquanto não é signatário do Convênio 13/97. Esse entendimento também deve ser aplicado ao Estado de Pernambuco, que também não é signatário do referido Convênio, bem como possui lei que autoriza a restituição parcial do ICMS. Enquanto não houver o pronunciamento definitivo do STF, permanece esse entendimento.

Transcreve-se a ementa de recente julgado do STJ, por esclarecedor:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. BASE DE CÁLCULO. VALOR PRESUMIDO. COMPENSAÇÃO DO VALOR PAGO A MAIOR. POSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DA ADI 1.851-4/AL AO ESTADO DE PERNAMBUCO. IMPETRAÇÃO VISANDO EFEITOS JURÍDICOS PRÓPRIOS DA EFETIVA REALIZAÇÃO DA COMPENSAÇÃO. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. NECESSIDADE. MATÉRIA DECIDIA PELA 1ª SEÇÃO NO RESP 1.111.164/BA, MIN. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJE DE 25/05/2009, JULGADO SOB O REGIME DO ART. 543-C DO CPC. ESPECIAL EFICÁCIA VINCULATIVA DESSE PRECEDENTE (CPC, ART. 543-C, § 7º), QUE IMPÕE SUA ADOÇÃO EM CASOS ANÁLOGOS. 1. É cabível o pedido de compensação tributária de ICMS cuja base de cálculo seja superior ao valor da efetiva comercialização, tendo em vista que o Estado de Pernambuco não é signatário do Convênio ICMS 13/97, não se aplicando, portanto, o entendimento exposto na ADI 1.851-4/AL. Precedentes. 2. Em mandado de segurança visando a obter efeitos jurídicos próprios da efetiva realização da compensação é imprescindível a apresentação de prova pré-constituída acerca do preenchimento de seus pressupostos autorizadores. Sem essa prova, limita-se a concessão da ordem aos efeitos declaratórios, nos termos da Súmula 213/STJ. 3. No caso, o que se aponta como ilegítima é a omissão da autoridade impetrada de examinar pedidos de autorização para aproveitamento do crédito. A concessão da ordem, assim, limita-se a determinar que a autoridade impetrada decida, no prazo de sessenta dias, os pedidos administrativos apresentados pela impetrante. 4. Recurso ordinário provido em parte.[48]

Conforme acima relatado, o STF tem uma excelente oportunidade de modificar o entendimento consolidado no julgamento da ADIn nº 1.851/AL, que, a nosso ver, não foi adequado. Em reforço ao até então exposto, faz-se referência ao parecer de lavra do ilustre advogado Walter Carlos Cardoso Henrique, o qual foi juntado aos autos do processo da ADIn 2.777/SP[49], por tratar a questão com profundidade e clareza. Destaca que:

O importante a concluir é que a rigidez que se impõe à cobrança pela sistemática tradicional, que segue o modelo dada a Hipótese deve ser a Consequência, reclamando efetiva identidade entre o critério material e a necessária base de cálculo (que confirme ou infirme sua estrita legalidade), com maior precisão deve ser implementado à possibilidade excepcional de cobrança contida no artigo 150, parágrafo 7º da Constituição, implicando recolhimentos complementares na hipótese de uma presunção a menor, ou restituição se configurada retenção a maior.

Ao final, o causídico aduz, com razão: “não há, porque não encontro, dispositivos constitucionais a justificar a distorção da chamada tributação definitiva, mormente pelo fato de que o órgão público que fixa a presunção futura não guarda função equidistante dos sujeitos tributários (ativo e passivo), possuindo inegável interesse e consequente possibilidade de distorcer o suposto instituto em benefício próprio. Com a vênias dos que pensam ao contrário, o argumento é forte e bem alicerçado”.

Em face dos argumentos colacionados, afigura-se imperiosa a mudança na atual orientação do Supremo Tribunal Federal, pois, como ensinava Pontes de Miranda, em brilhante lição, doutrina, jurisprudência e legislação são “galhos da mesma árvore; cumpre não os separar, porque, ou viverão autônomos, como novas árvores, ou terão de secar e morrer.”[50]


6. conclusão

Com o presente artigo, buscou-se uma análise dos principais pontos que envolvem o tema substituição tributária, os quais foram enfrentados à luz legislação, da melhor doutrina e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Trata-se, conforme foi exposto ao logo do texto, de matéria de grande importância, e, devido a sua complexidade, não raras vezes é alvo de questionamentos e discussões acaloradas.

Hodiernamente, o instituto da substituição tributária é utilizado para o recolhimento da maior parte dos tributos em nosso país, o qual consiste em eleger um terceiro, por meio de lei, para ocupar o lugar do contribuinte, tornando-se o sujeito passivo, ainda que vinculado indiretamente ao fato gerador da obrigação tributária, e obrigado a recolher o tributo como dívida própria. Conforme defende o fisco, a adoção dessa técnica mostra-se essencial, uma vez que facilita a arrecadação, a fiscalização e representa uma importante arma no combate a evasão.

A substituição tributária para trás é uma modalidade que não desperta grande controvérsia, seja na doutrina ou na jurisprudência. Tal técnica consiste em atribuir a responsabilidade pelo pagamento do tributo em relação às operações anteriores. Trata-se, portanto, de um mero diferimento, que implica no adiamento do recolhimento do tributo.

Em contrapartida, a substituição progressiva ou para frente sempre foi alvo de severas críticas por parte da doutrina, uma vez que o substituto é obrigado a recolher o tributo em relação a fato gerador que ainda não ocorreu e, em tese, poderá não ocorrer. O fato gerador e a base de cálculos são presumidos. Apesar das críticas, essa figura foi constitucionalizada com a Emenda Constitucional nº 3/93, que inseriu o §7º, do artigo 150, da Constituição, tendo sua constitucionalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal.

Hoje, a principal discussão diz respeito à interpretação da parte final do §7º, inserido no bojo do artigo 150 da Carta Federal pela referida emenda, o qual garante a restituição do tributo apenas nos casos onde o fato gerador - o qual foi presumido - não ocorrer. Fazendo uma interpretação literal do dispositivo, o fisco veda a restituição parcial do tributo quando a operação real for inferior à presumida, que, a nosso ver, representa de forma clara enriquecimento ilícito, o que é vedado em nosso ordenamento jurídico.

A situação é agravada com julgamento da ADIn 1.851/AL, momento em que o STF acolhe a tese da Fazenda e, conforme consta na ementa da decisão, decide que o “fato gerador presumido não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo à restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não realização final”. Ficou demonstrado no presente trabalho o desacerto dessa decisão, que tolhe o direito dos contribuintes e autoriza um comportamento arbitrário por parte do fisco.

Por fim, espera-se que no julgamento da ADIn 2.675/PE e da ADIn 2.777/SP, que serão julgadas em conjunto com o RE 593.849/MG, da relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, no qual foi reconhecida a repercussão geral, o Supremo reveja seu atual entendimento, conferindo uma interpretação extensiva ao §7º do artigo 150 da Constituição, reconhecendo, dessa forma, o direito à restituição parcial da quantia paga, proporcionalmente a diferença entre o fato gerador presumido e o efetivo.

 

Sobre os autores
Lucas Pacheco Vieira

Advogado em Porto Alegre e pós-graduando em Direito Tributário na PUC-RS/IET.

Pablo Augusto Lima Mourão

Estudante do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria/RS (UFSM)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Lucas Pacheco; MOURÃO, Pablo Augusto Lima. Substituição tributária: modalidades e a polêmica sobre a restituição dos tributos pagos a maior na substituição progressiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3596, 6 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24343. Acesso em: 5 nov. 2024.

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