Resumo: O presente trabalho versa sobre o instituto da substituição tributária. Apresenta-se a conceituação desta técnica à luz da legislação vigente, da mais autorizada doutrina tributária e da jurisprudência do STF e do STJ. Em seguida, discorre-se sobre as modalidades de substituição, progressiva e regressiva, destacando os problemas atuais relativos à aplicação prática da substituição para frente. Ao final, analisa-se criticamente a controversa questão da restituição dos tributos na substituição tributária progressiva quando a base de cálculo presumida pelo contribuinte, ou imposta pelo Fisco através de pauta de valores, é maior que a base de cálculo efetiva da operação realizada pelo substituído.
Palavras-chave: substituição tributária; substituição progressiva e regressiva; restituição dos tributos.
1. introdução
O instituto da substituição tributária gera controvérsia na jurisprudência e na doutrina desde os seus aspectos mais elementares. Na atual quadra, com o enorme crescimento do papel das decisões dos tribunais superiores no direito brasileiro, na qual não se pode mais pensar a jurisprudência senão como fonte primária do ordenamento pátrio, é imprescindível o estudo da evolução dos precedentes judiciais para que se tenha um retrato fidedigno da realidade jurídica, especialmente em matéria tributária.
Deste modo, o artigo procura expor os fundamentos legais e as contribuições doutrinárias sobre os pontos discutidos sempre acompanhados da orientação predominante no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. É evidente que os tribunais superiores também estão sujeitos a adotar entendimentos equivocados, mas os seus precedentes, principalmente com o advento dos institutos da repercussão geral, da súmula vinculante e do regime decisório dos recursos repetitivos, ganharam um peso extraordinário, de modo que os debates vêm se concentrando progressivamente sobre os leading cases de cada matéria, como é o caso da ADI 1.851/AL em relação à substituição tributária para frente.
Buscou-se uma análise sintética, mas não simplista, sobre os pontos mais importantes do debate atual sobre substituição tributária - com destaque para as questões da constitucionalidade da substituição progressiva e da restituição de tributos nos casos em que a base de cálculo presumida pelo contribuinte, ou pelo Fisco através da pauta de valores, é maior que a base de cálculo efetiva.
2. substituição tributária: generalidades
A substituição tributária é o fenômeno jurídico pelo qual se elege um terceiro, por meio de lei, para ficar no lugar do contribuinte, tornando-se o único sujeito passivo, mesmo que vinculado indiretamente ao fato gerador, e obrigado a pagar o tributo como dívida própria. Desvia-se, portanto, o destinatário subjetivo dos efeitos da norma jurídica principal, que prevê o fato gerador, através de norma secundária que coloca outro indivíduo, desde o princípio, como responsável pelo pagamento da obrigação decorrente da materialização da hipótese de incidência.
Os motivos para a adoção desta técnica são a praticidade e comodidade para o Fisco na arrecadação e a redução da sonegação de tributos. O Supremo Tribunal Federal reconhece que a substituição é medida de política fiscal imposta por lei.[1] O Superior Tribunal de Justiça segue a orientação do STF e considera a substituição tributária um regime especial que auxilia na garantia de que não ocorrerá evasão fiscal.[2]
O instituto é utilizado para o recolhimento da maior parte dos tributos no Brasil. Segundo anota Leandro Paulsen, o Fisco emprega tal técnica na arrecadação do imposto sobre a renda, sobre a circulação de mercadorias, sobre a prestação de serviços, sobre as operações de crédito e seguros, bem como nas contribuições sociais.[3]
Ricardo Lobo Torres destaca, em sua clássica obra, que a substituição é um importante aliado do fisco, tendo em vista a facilidade que oferece para a arrecadação da receita tributária, adaptando-se a qualquer imposto, seja ele direto ou indireto[4].
Misabel Derzi aponta que o Estado de São Paulo expandiu muito as hipóteses de substituição tributária no caso do ICMS, especialmente a progressiva, para produtos como cigarros, combustíveis, automóveis, refrigerantes e cervejas, tintas e vernizes, cimento, pneus, sorvetes, produtos de higiene e limpeza, alimentos industrializados, vinhos, entre outros.[5]
O Código Tributário Nacional não cuidou especificamente da substituição tributária. A lei infraconstitucional que estabelece as normas gerais sobre matéria fiscal classifica os sujeitos passivos da obrigação tributária em duas categorias: a) contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; e b) responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei (artigo 121, incisos I e II do CTN).
No artigo 128 do Diploma Fiscal, o legislador previu genericamente a figura da substituição tributária. Desponta a substituição como modalidade da responsabilidade tributária, assim como a transferência. Veja-se:
Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
Sacha Calmon Navarro Coêlho observa que o CTN, ao igualar o substituto, sujeito passivo direto por fato gerador alheio, aos demais responsáveis por transferência, sujeitos passivos indiretos obrigados a pagar dívida de outrem, demonstra falta de técnica, o que provoca enorme confusão na doutrina e na jurisprudência.[6]
Em virtude da deficiência redacional sobre o tema, coube à doutrina e à jurisprudência a tarefa de estabelecer o sentido, o alcance e os parâmetros de legitimidade da substituição tributária no direito brasileiro. Rubens Gomes de Sousa, relator geral do Código Tributário Nacional, foi o primeiro a cuidar da matéria:
A sujeição passiva indireta apresenta duas modalidades: transferência e substituição; por sua vez, a transferência comporta três hipóteses: solidariedade, sucessão e responsabilidade. (...)
Substituição: ocorre quando, em virtude de uma disposição expressa de lei, a obrigação tributária surge desde logo contra uma pessoa diferente daquela que esteja em relação econômica com o ato, ou negócio tributado: nesse caso, é a própria lei que substitui o sujeito passivo direto por outro indireto.[7]
Alfredo Augusto Becker, por sua vez, ensinava que existe substituto legal tributário nos casos em que o legislador escolher para sujeito passivo da relação jurídico tributária um outro indivíduo qualquer, em substituição daquele indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é fato-signo presuntivo.[8]
Paulo de Barros Carvalho, sustentando posição heterodoxa, não considera o substituto sequer espécie de responsável tributário. Na visão do eminente tributarista, a distinção entre sujeito passivo direto e indireto está impregnada pela influência de categorias de caráter econômico, não gozando de caráter jurídico. Em termos jurídicos, o legislador “nada substitui, somente institui. Anteriormente à lei que aponta o sujeito passivo, inexistia, juridicamente, aquele outro sujeito que o autor chama de direto. Havia, sim, sob o enfoque pré-legislativo, como matéria-prima a ser trabalhada pelo político.”[9]
José Eduardo Soares de Melo define a substituição tributária como “a imputação de responsabilidade por obrigação de terceiro que não praticou o fato gerador, mas que tem vinculação com o efetivo contribuinte”.[10] O legislador afasta inteiramente o verdadeiro contribuinte, que realiza o fato imponível, prevendo a lei o encargo da obrigação a outra pessoa, substituta, que fica compelida a pagar a dívida própria.[11]
Luciano Amaro aduz que o substituto tributário “é figura bem definível e comum na prática legislativa.”[12] Por razões que somente podem ser encontradas no interior do processo político, “o legislador opta por ignorar a pessoa a quem o fato gerador seria naturalmente referenciado (...) e põe, como sujeito passivo, um substituto.”[13]
Sacha Calmon Navarro Coêlho explica que na substituição tributária “a pessoa designada na lei como “realizadora” da hipótese de incidência (fato gerador) é diversa da que, na consequência da norma, aparece designada como sujeito passivo da obrigação.” Assim, o substituto é sujeito passivo direto e paga dívida própria, não tendo apenas realizado o fato gerador.
O consagrado tributarista baiano propõe que a expressão ideal seria “destinatário legal tributário”, incluindo o substituto tributário entre as hipóteses de sujeição passiva direta. A divisão dos sujeitos passivos diretos seria entre “contribuinte”, definido como aquele que paga dívida tributária própria por fato gerador próprio, e “destinatário legal tributário”, identificado como o indivíduo que paga dívida tributária própria por fato gerador alheio.
Misabel Derzi leciona que quando se está diante da determinação de um responsável, o jurista encontra-se em face de duas normas jurídicas interligadas. A primeira é a norma básica ou matriz, que disciplina a obrigação tributária principal ou acessória. “A segunda é a norma complementar ou secundária, dependente da primeira, que se presta a alterar apenas o aspecto subjetivo da consequência da norma anterior, uma vez ocorrido o fato descrito em sua hipótese.”[14]
Os ensinamentos de Sacha Calmon Navarro Coêlho e Misabel Derzi são bastante próximos do pensamento de Andrea Parlato, eminente tributarista italiano. Parlato, em estudos publicados nos anos 60, considerava que a peculiaridade da substituição não está na substituição de uma situação ou relação jurídica por outra, mas na substituição de uma norma por outra, com desvio na destinação subjetiva do efeito jurídico.[15] Nas palavras do festejado doutrinador italiano:
la peculiarità della sostituzione viene spiegata con la presenza di due norme, tra loro collegate. La prima considerada (sic) principale, fissa il presupposto-base, compiendo il collegamento soggettivo per l´imputazione dell´effecto giuridico del tributo. La seconda, secondaria e collegata ala prima, determina l´imputazione dell´obligo in capo al sostituto, realizzando il cosiddetto ‘sviamento’ dell´effetto giuridico tributo che avrebbe dovuto sorgere in virtù della norma primaria in capo al sostituto.[16]
O presente trabalho se alinha com a doutrina sustentada por Sacha Calmon Navarro Coêlho, Misabel Derzi e Andrea Parlato, que, conforme destacado acima, possuem concepções próximas, mas não completamente idênticas.
O Supremo Tribunal Federal considerou no RE 603.191, julgado em 2011, que na substituição tributária existe a necessidade de duas normas: a) a norma tributária impositiva, que estabelece a relação contributiva entre o contribuinte e o fisco; e b) a norma de substituição tributária, que estabelece a relação de colaboração entre outra pessoa e o fisco, atribuindo-lhe o dever de recolher o tributo em lugar do contribuinte.[17]
A Corte definiu no RE 194.382-3, referente à substituição no ICMS, que “é responsável tributário, por substituição, o industrial, o comerciante ou o prestador de serviço, relativamente ao imposto devido pelas anteriores ou subsequentes saídas de mercadorias ou, ainda, por serviços prestados por qualquer outra categoria de contribuinte.”[18]
Ademais, a jurisprudência do STF e do STJ é firme em relação à imprescindibilidade de lei nos casos em que se impõe a substituição tributária. Como é sabido, o princípio da legalidade se consubstancia numa das mais importantes defesas da liberdade e da propriedade do contribuinte em face poder de tributar do Estado. Nesta senda, os Tribunais Superiores vem decidindo pacificamente que decretos, convênios, portarias e instruções normativas não se prestam para estabelecer o regime da substituição tributária.[19]
Entretanto, não basta que se obedeça apenas ao princípio da legalidade. Conforme anotam Diogo Leite de Campos e Mônica Leite de Campos, “não se trata de uma livre decisão do legislador, nesse sentido pré-jurídica, mas sim de uma certa estrutura da obrigação tributária”.[20] Na precisa lição de Leandro Paulsen, a invocação do princípio da praticabilidade e do dever geral de colaborar com a Administração Tributária não é suficiente para justificar obrigações que não fazem sentido, deveres desnecessários, que não sejam úteis para o Fisco ou que sejam demasiadamente onerosos quando comparados com a utilidade que têm.[21]
Princípios constitucionais explícitos e implícitos como o da capacidade contributiva, da razoabilidade, da proporcionalidade e da segurança jurídica são limites que devem ser obedecidos fielmente no estabelecimento da substituição tributária. No mesmo sentido, José Eduardo Soares de Melo assevera que o substituto deve inserir-se em uma realidade jurídica permeada pelos princípios da segurança, certeza, e do direito de propriedade, que contenha ínsita a capacidade contributiva.[22]
O Supremo Tribunal Federal se pronunciou recentemente sobre o tema, no já citado RE 603.191:
A validade do regime de substituição tributária depende da atenção a certos limites no que diz respeito a cada uma dessas relações jurídicas. Não se pode admitir que a substituição tributária resulte em transgressão às normas de competência tributária e ao princípio da capacidade contributiva, ofendendo os direitos do contribuinte, porquanto o contribuinte não é substituído no seu dever fundamental de pagar tributos. A par disso, há os limites à própria instituição do dever de colaboração que asseguram o terceiro substituto contra o arbítrio do legislador. A colaboração dele exigida deve guardar respeito aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, não se lhe podendo impor deveres inviáveis, excessivamente onerosos, desnecessários ou ineficazes.[23]
Examinados o panorama conceitual e as balizas que devem nortear a instituição da substituição tributária, nas acepções da doutrina e da jurisprudência dos tribunais superiores, parte-se para a análise das modalidades da substituição “para trás” e da substituição “para frente”, fontes de grandes controvérsias no direito tributário brasileiro.
3. substituição tributária “para trás”
Consoante lição de José Eduardo Soares de Melo, “na substituição regressiva, a lei atribui responsabilidade ao adquirente de uma determinada mercadoria, por razões de comodidade, praticidade ou pela circunstância de o real contribuinte não manter organização adequada de seus negócios.”[24]
Vale dizer, atribui-se a responsabilidade pelo pagamento do tributo em relação às operações anteriores. Ricardo Lobo Torres acrescenta que esse tipo de substituição aproxima-se da figura do diferimento, que implica no adiamento do recolhimento do tributo[25]. É uma modalidade de substituição que não desperta grande controvérsia.
Sacha Calmon Navarro Coêlho aduz que é o caso dos frigoríficos, que substituíam os vendedores de bois, porcos ou perus, e das cooperativas de leite, que substituíam os produtores. [26] Nestas situações, o fato gerador já ocorreu, é cristalino.
Luís Eduardo Schoueri ensina que “de modo geral, o substituto é um comerciante ou industrial, enquanto o substituído é um comerciante individual ou produtor de pequeno porte. Dada a maior capacidade de organização e escrituração do substituto, é dele que o fisco vai cobrar o tributo devido pelo pequeno produtor ou comerciante. Entretanto, o substituto, adquirindo produtos do substituído, tem condições de ajustar, na fixação do preço, que seja considerado o tributo que terá de suportar por substituição”.[27]
Eduardo Sabbag explica com clareza o mecanismo da substituição tributária “para trás”:
produtor rural de leite cru que distribui seu produto para empresa de laticínios. O escolhido por lei para recolher o tributo é a empresa de laticínios. Assim, o fato gerador ocorreu lá “atrás”, na saída da propriedade rural, e o recolhimento é feito aqui na “frente” (laticínio). Portanto, adia-se ou difere-se o pagamento, dando azo à figura do diferimento.[28]
Vale destacar, por oportuno, a lição de Roque Carrazza, o qual destaca:
“Em matéria de ICMS o diferimento costuma ser concedido para favorecer contribuinte mais fraco (v.g., o sucateiro), que, além de enfrentar maiores dificuldades financeiras, não tem reais condições de manter a escrita fiscal em dia. Por isso, o recolhimento do tributo fica a cargo do próximo contribuinte (v.g., a empresa de ferro-velho), que adquire a mercadoria e promove a revenda. Este recolherá (i) o ICMS devido pela operação mercantil que efetivamente realizou e (ii) o relativo à operação mercantil anterior, alcançada pelo diferimento (...)”[29].
Com base no acima exposto, percebe-se que a substituição para trás nada mais é do que atribuir ao contribuinte o recolhimento de tributo nascido em operação anterior. A substituição regressiva, diferentemente da progressiva (que será objeto de análise no próximo tópico), não é alvo de polêmica na doutrina e na jurisprudência, sendo, no entanto, de maior complexidade na aplicação prática.[30]
4. substituição tributária “para frente”
Nessa modalidade de substituição tributária, conhecida como progressiva ou para frente, o substituto é designado para fazer o pagamento de um tributo cujo fato gerador ainda não ocorreu. Consequentemente, o fato gerador e a base de cálculo são presumidos.
O ex-ministro do STF Carlos Velloso, quando do julgamento do RE 213.396-5, dizia que “tem-se, no caso, a imposição de responsabilidade tributária por fato futuro”, ou seja, “de fatos que ainda não ocorreram pretende-se fazer a imposição da responsabilidade tributária, ou, com base em presunções de acontecimentos futuros realiza-se a incidência tributária.”
Segundo o magistério de Misabel Derzi, na substituição tributária “para frente”, ou progressiva, o pressuposto da norma secundária ocorre antes da realização do pressuposto da norma básica, mas continua sendo dela complementar, pois a sua não realização acarreta a devolução do tributo antecipadamente pago pelo substituto.[31]
Misabel Derzi aponta que, na verdade, a substituição tributária “para frente” está se tornando a regra, e não a exceção, deformando tributos não-cumulativos como o ICMS e o IPI devido a excessiva simplificação operada por este regime arrecadatório.[32]
Este regime de recolhimento tem sido aplicado em diversos setores, tais como combustível, lubrificante, veículo novo, álcool carburente, energia elétrica, fumo, cimento, refrigerante, cerveja, água mineral, sorvete e fruta.[33] Eduardo Sabbag explica como se opera a substituição para frente através do caso dos veículos novos:
“a saída do veículo produzido na indústria automobilística em direção à concessionária. O fato gerador ocorrerá em momento ulterior, com a venda do veículo na concessionária, porém o ICMS é recolhido antes da ocorrência do fato imponível. É a substituição tributária “para frente”, pois o fato gerador ocorrerá na “frente”.[34]
Quanto à origem dessa técnica de apuração em nosso ordenamento jurídico, destaca-se que ela foi inicialmente prevista no art. 58, §2º, II, do Código Tributário Nacional, o qual fazia a seguinte previsão: “a lei pode atribuir a condição de responsável: II – ao industrial ou comerciante atacadista, quanto ao imposto devido pelo comerciante varejista, mediante acréscimo, ao preço da mercadoria a ele remetida, de percentagem não excedente de 30% (trinta por cento) que a lei estadual fixar”. Com a publicação do Ato Complementar nº 34, de 30 de janeiro de 1967, o referido diploma legal foi alterado:
II - ao industrial ou comerciante atacadista, quanto ao impôsto devido por comerciante varejista, mediante acréscimo:
a) da margem de lucro atribuída ao revendedor, no caso de mercadoria com preço máximo de venda no varejo marcado pelo fabricante ou fixado pela autoridade competente;
b) de percentagem de 30% (trinta por cento) calculada sôbre o preço total cobrado pelo vendedor, neste incluído, se incidente na operação, o impôsto a que se refere o art. 46, nos demais casos.
O referido artigo, acima transcrito, foi revogado pelo Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1969[35]. Após, em dezembro de 1983, com a promulgação da Lei Complementar nº 44, vários parágrafos foram inseridos aos artigos 2º, 3º e 6º do Decreto-Lei nº 406/68, os quais versavam sobre substituição tributária progressiva.
Com a Constituição Federal de 1988, em sua redação original, a substituição tributária progressiva foi autorizada pelo disposto no art. 155, § 2º, inciso XII, alínea b. De acordo com o preceito, lei complementar poderia dispor sobre substituição tributária na disciplina do ICMS, não referindo à substituição progressiva especificamente. In verbis:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
XII - cabe à lei complementar:
b) dispor sobre substituição tributária;
A Carta Política ainda prevê a substituição tributária no artigo 34, § 9º, do ADCT, autorizando-a na forma progressiva no setor de energia elétrica:
§ 9º - Até que lei complementar disponha sobre a matéria, as empresas distribuidoras de energia elétrica, na condição de contribuintes ou de substitutos tributários, serão as responsáveis, por ocasião da saída do produto de seus estabelecimentos, ainda que destinado a outra unidade da Federação, pelo pagamento do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias incidente sobre energia elétrica, desde a produção ou importação até a última operação, calculado o imposto sobre o preço então praticado na operação final e assegurado seu recolhimento ao Estado ou ao Distrito Federal, conforme o local onde deva ocorrer essa operação.
Em virtude do § 8º do artigo 34 do ADCT, a substituição tributária foi provisoriamente regulamentada pelo Convênio ICM 66/88, conforme se nota abaixo:
Art. 25. A lei poderá atribuir a condição de substituto tributário a:
I – industrial, comerciante ou outra categoria de contribuinte, pelo pagamento do imposto devido na operação ou operações anteriores;
II – produtor, extrator, gerador, inclusive de energia, industrial, distribuidor, comerciante ou transportador, pelo pagamento do imposto devido nas operações subsequentes; (...)
Em decorrência desta previsão, vários Estados instituíram o regime da substituição tributária progressiva via lei ordinária. Os contribuintes, então, questionaram no Supremo Tribunal Federal a legitimidade desta técnica de substituição. Eminentes tributaristas defendiam que a substituição tributária para frente era inconstitucional, tais como Geraldo Ataliba, Ives Gandra da Silva Martins, Hamilton Dias de Souza, Roque Carrazza e José Eduardo Soares de Melo.
Em face desta situação, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional nº 3, em 1993, acrescentando o § 7º ao artigo 150 da Constituição, que autorizou a instituição da substituição tributária progressiva de forma ampla. Eis a redação do dispositivo:
§ 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.
Com a referida emenda, a substituição tributária progressiva ganhou status constitucional, mas nem por isso os questionamentos acerca de sua constitucionalidade cessaram. Era e é objeto de severas críticas por parte da doutrina, que, em síntese, alega a inconstitucionalidade do §7º, tendo em vista que criou uma absurda figura que autoriza a lei a fazer nascer tributo de fatos que ainda não ocorreram. Além de violar o princípio da legalidade, da capacidade contributiva, do não confisco, da não cumulatividade, entre outros.
Nesse ponto, Roque Antonio Carrazza aduz:
Temos para nós, entretando, como já adiantamos, que o referido §7º é inconstitucional, porque, mesmo com esta “garantia”, atropela o princípio da segurança jurídica, que, aplicado ao direito tributário, exige, dentre outras coisas, que o tributo só nasça após a ocorrência real (efetiva) do fato imponível.[36]
Esses argumentos, apesar de sedutores, foram inglórios no Supremo Tribunal Federal.
Além da legitimação conferida pelo Constituinte Derivado às leis ordinárias que instituíram a substituição tributária “para frente” após a inclusão do § 7º ao artigo 150 da Carta Magna, o Supremo Tribunal Federal entendeu, no RE 213.396-5, que tal regime não violava a Constituição nem mesmo antes da Emenda Constitucional nº 3/93.
Ao tratar do tema, Andrei Pitten Velloso lembra que “(...), o STF sempre a chancelou. Vislumbra, na substituição para frente, a exigência de mero “recolhimento cautelar”, representando simples política de medida fiscal”. O fisco defende que essa técnica visa facilitar a arrecadação, a fiscalização e evitar a evasão. O Supremo, por sua vez, vem privilegiando esses argumentos pragmáticos.[37]
Na ADIn 1.851-4, julgada em 2002, a qual será explicada com mais vagar na sequência, o STF reafirmou a legitimidade da substituição progressiva, pacificando a discussão:
A EC n.º 03/93, ao introduzir no art. 150 da CF/88 o § 7º, aperfeiçoou o instituto, já previsto em nosso sistema jurídico-tributário, ao delinear a figura do fato gerador presumido e ao estabelecer a garantia de reembolso preferencial e imediato do tributo pago quando não verificado o mesmo fato ao final. A circunstância de ser presumido o fato gerador não constitui óbice à exigência antecipada do tributo, dado tratar-se de sistema instituído pela própria Constituição, encontrando-se regulamentado por lei complementar que, para definir-lhe a base de cálculo, se valeu de critério de estimativa que a aproxima o mais possível da realidade.[38]
Portanto, a substituição tributária progressiva é permitida expressamente pelo Texto Constitucional desde a Emenda Constitucional nº 3/93, tendo sido reconhecida a sua legitimidade pelo STF inclusive no período anterior à referida Emenda. Atualmente, as discussões mais acaloradas passaram a se concentrar na restituição do tributo, que será analisado no tópico que segue.