1. INTRODUÇÃO
A Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, imprimiu profundas e importantes alterações relativas à execução fundada em título judicial. Dentre essas alterações, encontra-se a inclusão do art. 475-M, §3º, do CPC.
Esse dispositivo estabelece que o remédio jurídico cabível contra a decisão que resolve a impugnação à execução é o agravo de instrumento, exceto quando da decisão resultar a extinção da execução, caso em que caberá apelação. In verbis:
Art. 475-M. A impugnação não terá efeito suspensivo, podendo o juiz atribuir-lhe tal efeito desde que relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
[...]
§ 3º A decisão que resolver a impugnação é recorrível mediante agravo de instrumento, salvo quando importar extinção da execução, caso em que caberá apelação. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005) (grifos nossos)
Paulatinamente, vem ganhando espaço uma corrente de pensamento que aplica o aludido art. 475-M, §3º, do CPC, nos Juizados Especiais Cíveis[1]. Ocorre que esse tipo de jurisdição não admite a interposição de agravo de instrumento[2].
Assim, essa corrente acaba por afirmar que a decisão que resolve a impugnação à execução no âmbito dos JEC é irrecorrível - salvo quando importar a extinção da execução, quando indiscutivelmente caberá o recurso inominado.
Não se pretende discutir, através do presente estudo, qual o remédio jurídico mais adequado[3] para combater a decisão que resolve a impugnação à execução em sede de Justiça Comum.
Ao longo desse arrazoado, debruçaremo-nos sobre a ampla recorribilidade dessas decisões no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis.
2. DESENVOLVIMENTO
Ab initio, ressalte-se que, desde o advento da Lei nº 9.099/95, a execução de título judicial já unia as fases cognitiva e executiva em um só processo[4].
O sincretismo processual é uma tendência moderna que contribui para a economia, celeridade e instrumentalidade do processo. Nos processos sincréticos, tanto a decisão proferida em fase de cognição, quanto a decisão proferida em fase de execução, têm natureza de sentença.
Destaque-se, nesse ponto, que o sincretismo processual operou uma mudança de paradigma, que culminou inclusive na modificação do conceito de sentença.
Alexandre Câmara atualmente conceitua sentença como “o ato pelo qual o juiz põe fim a um módulo processual, resolvendo ou não o mérito da causa”[5]. Já para Fredie Didier Júnior, “sentença é o ato que encerra o procedimento na fase de conhecimento ou de execução em primeira instância”[6].
Inegável, portanto, que a decisão que julga impugnação à execução possui natureza de sentença, merecendo assim ser combatida através de recurso inominado.
Quando do advento da Lei nº 9.099/95, era pacífico o entendimento da ampla recorribilidade, que não deve ser modificado com o surgimento da Lei nº 11.232/05, que incluiu o art. 475-M, §3º, no CPC.
Coaduna com esse sentir o Enunciado nº 143 do FONAJE, aprovado no ano de 2010. Vejamos:
ENUNCIADO 143 (novo) - A decisão que põe fim aos embargos à execução de título judicial ou extrajudicial é sentença, contra a qual cabe apenas recurso inominado. (grifos nossos)
De outro giro, cumpre evidenciar que, diante de conflito entre uma norma mais específica e uma norma mais recente, a mais específica deve prevalecer. O art. 92 da Lei nº 9.099/95 ratifica o que aqui se afirma:
Art. 92. Aplicam-se subsidiariamente as disposições dos Códigos Penal e de Processo Penal, no que não forem incompatíveis com esta Lei. (grifamos)
Segundo a boa regra processual, de toda sentença proferida no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis cabe recur, excetuando-se apenas a sentença que homologa conciliação e a “sentença” arbitral[7].
Corrobora esse entendimento a decisão do Conselho Recursal do estado do Rio de Janeiro, na decisão do Recurso nº 2010.700.025815-1. Observe-se:
Trata-se de mandado de segurança impugnando decisão que deixou de receber o recurso inominado interposto pela impetrante contra a decisão que julgou embargos à execução. O Juízo a quo entendeu que a decisão que julgou a "impugnação à execução" seria irrecorrível. [...] No mérito, assiste razão à impetrante. O recurso inominado é o meio adequado para impugnar a decisão que julgou os embargos à execução, conforme enunciado dos Juizados Especiais e das Turmas Recursais Cíveis abaixo transcrito: 12.2.1 - Na execução por título judicial o prazo para oferecimento de embargos será de 15(quinze) dias e fluirá da intimação da penhora. Da sentença que julgar os embargos caberá o recurso inominado previsto no art. 42 da Lei 9.099/95. Na sistemática dos Juizados Especiais Cíveis os embargos à execução subsistem como meio posto à disposição de devedor para se insurgir contra a pretensão executória. Não cabe aplicar o art. 475-M, do CPC: a uma porque a Lei 9.099/95 é lei especial em relação ao CPC e não pode ser por este revogada; a duas porque aquele dispositivo legal consagra meio de insurgência contra a decisão que julga a impugnação (agravo de instrumento), de modo que a aplicação do CPC significaria, nesta hipótese, impedir o acesso ao duplo grau de jurisdição, considerando a impossibilidade de interposição do recurso de agravo de instrumento no procedimento da Lei 9.099/95. Isto posto, concedo a segurança postulada pela impetrante para que o recurso inominado por ela interposto seja recebido e processado. [...] (Conselho Recursal – 1ª Ementa – Recurso nº 2010.700.025815-1; Juiz(a) Tiago Holanda Mascarenhas – Julgamento: 12/07/2010). (grifos nossos)
No mesmo sentido, a decisão da Turma Recursal Cível do Rio de Janeiro no Recurso nº 2008.700.011338-2. Ipsis litteris:
Trata-se de mandado de segurança impetrado contra a decisão que deixou de receber o recurso inominado interposto pela Ré, nos seguintes termos: "Tendo em vista que trata-se de decisão interlocutória que julga a impugnação judicial, deixo de receber o recurso pela não cabimento, além do que trata-se de medida meramente procrastinatória. [...] Ouso divergir do ínclito julgador. [...] Como inexiste a figura do recurso de Agravo no procedimento regido pela Lei nº 9.099/95, inadmitir o cabimento do inominado para reexame das decisões proferidas na Impugnação à Execução, importa em violação ao direito de petição e aos princípios do duplo grau de jurisdição, da ampla defesa e do contraditório. Ademais, qualquer que seja a denominação doutrinária e jurisprudencial que lhe é atribuída, a decisão que julga a Impugnação à Execução tem natureza jurídica de sentença e, portanto, sujeita à interposição de recurso inominado previsto na lei suso mencionada. Nesse passo, resta caracterizada a ilegalidade da decisão guerreada, razão por que VOTO no sentido de CONCEDER A ORDEM para determinar o prosseguimento regular do recurso interposto e posterior remessa ao órgão recursal. [...] (Turma Recursal Cível - Mandado de Segurança - Recurso nº 2008.700.011338-2; Juiz(a) Alexandre Chini Neto – Julgamento: 16/07/2008; Impetrante: Telemar S.A. Impetrado: I Juizado Especial Cível de Campos). (grifos nossos)
À guisa de arremate, ressalte-se que impor óbice à reanálise de decisão com natureza de sentença resultaria em grave dano a direitos fundamentais garantidos constitucionalmente, mormente o devido processo legal (art. 5º, LIV), a ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LV).
3. CONCLUSÃO
Por tudo quanto exposto, resta manifesto o cabimento de recurso inominado contra sentença que julga impugnação à execução em sede dos Juizados Especiais Cíveis.
Em primeiro lugar porque a decisão que resolve impugnação à execução apresenta verdadeira natureza de sentença, podendo, por isso, ser combatida através de recurso inominado, em deferência aos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.
Ademais porque, ante o aparente conflito entre o art. 475-M, §3º, do CPC e o art. 41 da Lei nº 9.099/95, deve prevalecer a Lei dos Juizados Especiais Cíveis. Afinal, conforme a boa regra processual, a norma mais específica prepondera sobre a mais recente.
Notas
[1] Vide ACJ 132445620078070009 DF 0013244-56.2007.807.0009, Relator: SILVA LEMOS, Data de Julgamento: 30/06/2009, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., Data de Publicação: 10/08/2009, DJ-e Pág. 190
[2] Segundo a decisão do RE 576847 BA, de repercussão geral reconhecida, a Lei nº 9.099/95 consagra a regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, sendo incabível agravo de instrumento nos casos por ela abrangidos.
[3] Vale lembrar que o advento do art. 475-M, §3º, do CPC, veio conferir maior celeridade à execução de título executivo judicial, uma vez que o agravo de instrumento exige prestação jurisdicional mais rápida que o recurso de apelação.
[4] Vide art. 52, IV, da Lei nº 9.099/95.
[5] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. v. I. p. 441.
[6] JORGE, Flávio Cheim; DIDIER JUNIOR, Fredie; RODRIGUES, Marcelo Abelha. A Nova Reforma Processual. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
[7]Vide art. 41 da Lei nº 9.099/95.