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Limites à liberdade de expressão e de informação da mídia face ao direito à honra de pessoas envolvidas no processo criminal

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Agenda 27/07/2013 às 16:43

7. LIMITES À ATUAÇÃO DA MÍDIA

Como já abordado, no intuito de cumprir a sua função, a mídia narra fatos, cita pessoas, estabelecendo conexões, muitas vezes infundadas, entre os mesmos, além de noticiar críticas e opiniões, o que acaba por desencadear uma série de conflitos envolvendo a liberdade de expressão e outros direitos fundamentais. Essa situação agrava-se quando se trata de publicação de fatos delituosos ou crimes, em que os envolvidos são praticamente exorcizados, expostos às mais cruéis das penas, porque perpétua, qual seja, a devassa total de suas honras.

Das pessoas envolvidas em processos criminais são arrancadas suas dignidades, passa-se ao público uma imagem surreal, sensacional, como se elas se tratassem não de seres humanos, e sim de personagens cruéis, despidos de qualquer tipo de sentimentos, os mais frios dos vilões dos filmes de terror. Assim, a mídia acaba por cometer o absurdo exagero de tirar delas o que é ínsito a todo o ser humano, independentemente de qualquer situação: a dignidade, a reputação social, o bom nome, e decoro, e, principalmente, a honra.

Dessa forma, questiona-se: quais devem ser os limites da atuação jornalística diante da proteção da honra dessas pessoas? Seria possível divulgar fatos e notícias capazes de atingir a reputação de alguém sem que isto configure-se crime contra a honra? Ou ainda: deve sempre o interesse público prevalecer frente ao individual? Todas essas questões são polêmicas, motivo pelo qual devem ser minuciosamente analisadas para que não se caia em extremos, até mesmo porque, como dito, a Lei de Imprensa dispõe em seu artigo 27 o que não constitui abuso na atividade dos profissionais da mídia. Assim, deve-se tecer considerações a cerca dos principais limites à atuação da mídia para que seja preservada a honra das pessoas envolvidas em processos criminais.

7.1. INTERESSE PÚBLICO – DISTINÇÃO COM O INTERESSE PÚBLICO.

Dispõe o art. 27, VIII, da Lei de Imprensa, que não constitui abuso “a crítica inspirada no interesse público”. Esse inciso é uma verdadeira válvula de escape utilizada pelos profissionais da mídia na tentativa de defenderem-se de acusações relativas a ofensa à honra dos acusados (e demais direitos personalíssimos), norma que acaba por deixar o cidadão vulnerável diante da imprensa. Por isso, merece ser estabelecido, minuciosamente, o que é interesse público, a fim de que não sejam publicadas críticas descomedidas sob o mero argumento de que nenhum abuso ou excesso foi cometido, pois interessa à população tomar conhecimento, criticamente, dos fatos. Justamente pela dificuldade de se identificar precisamente o interesse público é que sob esse argumento tantos crimes são cometidos. Assim, estabelece Pimentel que:

“O ponto de partida para o reconhecimento da existência de um crime contra a honra é a presença do animus injuriandi vel diffamandi. (...) Quem age movido pela intenção de defender o interesse público não está pretendendo ofender a honra das pessoas visadas, sem embargo de que, algumas vezes, o próprio fato narrado, embora verdadeiro, soa aos ouvidos das pessoas envolvidas como ofensa à sua reputação”210.

Daí já se percebe ser mínimo o liame existente entre a crítica inspirada no interesse publico e a ofensa à honra das pessoas. É muito difícil estabelecer um conceito único e preciso para o mesmo. Logo, pode-se dizer que ele consiste no interesse que diz respeito a toda sociedade, ultrapassando o interesse de um único individuo ou grupo deles. Segundo Milton Sanseverino:

“É o interesse de preservação permanente dos valores transcendentais da sociedade. Não é assim o interesse de um ou de alguns; de um grupo ou de uma parcela da comunidade; nem mesmo é o interesse só do Estado, enquanto pessoa jurídica empenhada na consecução de seus fins. É o interesse de todos, abrangente e abstrato”211.

Assim, a crítica inspirada no interesse publico não deve estar envolvida por sentimentalismos, posicionamentos pessoais, paixões interiores. Importantíssimo ressaltar que o interesse ora tratado não se confunde com o interesse do público. Esse último está ligado à curiosidade popular de tomar conhecimento de todos os aspectos, mesmo dos mais íntimos, das vidas alheias, o que dá origem às fofocas e mexericos, o chamado voyeurismo, o qual não fundamenta a divulgação de fatos pela mídia.

Entretanto, face à dificuldade de conceituação do interesse público, persiste um grande campo de dúvidas no tocante ao fato de estar a atuação do agente verdadeiramente norteada pelo referido interesse ou não. Sabe-se que existe sim um interesse da sociedade pelo conhecimento de crimes e processos. Entretanto, da mesma maneira, não há nenhuma garantia absoluta de que toda a publicidade deles estejam sempre revestidas pelo interesse público212.

Assim, é à lei que cabe, em primeiro lugar, determinar a existência ou não do tratado interesse, até porque impera no país o Princípio da Legalidade. Entretanto, em todas as situações que o legislador referiu-se ao interesse público (a exemplo do art. 20. do CPC e do art. 792, parágrafo 1º do CPP), utilizou-se de conteúdos abertos, imprecisos, deixando ao aplicador da lei o papel de fazer a ponderação no caso concreto. Assim, nos dizeres de Pontes de Miranda:

“O segredo de justiça pode ser ordenado sempre que se trate de matéria que humilhe, rebaixe, vexe ou ponha em situação de embaraço que dificulte o prosseguimento do ato, a consecução de sua finalidade, do processo, ou possa envolver revelação prejudicial à sociedade, ao Estado ou a terceiro”213.

Exemplo desse conflito de difícil solução encontra-se no julgamento da seguinte apelação criminal:

“Crime contra honra – Publicação de fotografia pelo jornal, rotulando pessoa, cujo nome e endereço não foram declinados, como suspeita da prática de crimes – Falta de justa causa para a ação penal privada.” (TJSP – Apelação Criminal nº. 671.229/1. Relator: Juiz Alberto Marino. Data do julgamento: 12/12/1991).

Nesse caso, o relator entendeu que a divulgação da fotografia não atingiu a honra da pessoa, por tratar-se questão de interesse público descobrir o possível criminoso, além de não haver, por parte do jornal, interesse em difamar o indivíduo. No mesmo sentido opinou o Ministério Público, ao defender que a notícia foi norteada pelo mais legítimo interesse da comunidade. Porem, não há como se negar que teve o indivíduo cuja fotografia foi publicada a sua reputação e honra afetadas, mesmo que apenas no seu âmbito de convívio pessoal.

Assim, infere-se que a utilização do argumento, pelo profissional da mídia, de estar agindo em nome do interesse público por si só não se mostra suficiente para justificar a ofensa aos direitos personalíssimos. Junto a essa argumentação, deve o Estado-julgador fazer uma ponderação da situação in casu, através da aplicação do princípio da proporcionalidade, de forma a resolver o conflito.

7.2. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

O princípio da presunção da inocência nada mais é do que a normatização de regra apta a limitar a atuação estatal no âmbito da persecução penal. Partindo-se dele, percebe-se claramente que no sistema punitivo brasileiro deve prevalecer a liberdade do indivíduo quando em choque com a atividade repressiva do Estado e isso resta evidente da leitura do art. 5º, LVII da CF: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

No Brasil, ele apresenta-se como um coronário do due process of law, demonstrando a crença depositada nos valores éticos e individuais da pessoa, o que é inerente a toda sociedade livre214. Segundo o princípio215 ora tratado, até que não seja definitivamente condenado, presume-se a inocência do réu, o que é doutrina e jurisprudencialmente conhecido como in dúbio pro réu216. Assim, mostra-se como uma garantia constitucional de transcendental importância, na medida em que garante ao acusado a posição de um sujeito de direitos (como, aliás, qualquer outro cidadão), na relação jurídico-processual, devendo ter ele todos os seus direitos e garantias sempre respeitados. Esta é uma forma de evitar que qualquer tipo de sanção legalmente prevista lhe seja imposta ao mero arbítrio do Estado-repressor antes de transitada em julgado a decisão final.

Nos dizeres de Simone Schreiber, nessa concepção, “o processo penal deixa de ser um mero instrumento de realização da pretensão punitiva do Estado, para se transformar em instrumento de tutela da liberdade, no que está a chave para se compreender o conteúdo e alcance do princípio da presunção de inocência” 217. Assim, qualquer pessoa envolvida em processos criminais tem de ter sua honra e dignidade preservadas, não podendo ser antecipadamente julgada e nem ter seus direitos devassados (o que vem a imprensa sensacionalista comumente fazendo), visto que a mesma é inocente até que as acusações em seu desfavor sejam solidificadas e a sentença condenatória proferida.

Envolvendo o princípio da presunção da inocência, um dos aspectos que mais vem atingindo os cidadãos é a forma por meio da qual vem a mídia sensacionalista utilizando-se de sua liberdade de informação para noticiar a ocorrência de crime e para divulgar ao público todo o iter do processo criminal envolvendo determinado indivíduo. Apesar das já referidas garantias constitucionais estarem expressamente previstas no ordenamento jurídico, não vêm sendo os imputados preservados dos mais horríveis constrangimentos. Assim, diz João Paulo Martinelli que, em relação ao envolvido em processos criminais, como salvaguarda de suas honras, deveria ser:

“Evitado que sua imagem seja divulgada durante o processo que incorre contra ele. Nem mesmo seu nome pode ser exibido, para evitar um dano à sua moral. O procedimento mais coeso seria evitar qualquer exposição, relatando os fatos, sem envolver acusados. Também, é incorreto utilizar-se de termos como "bandido", "assassino" ou outros que possam ofender a integridade do imputado. O poder da imprensa é imensurável, podendo deixar seqüelas por toda a vida do acusado. Se o mesmo for comprovadamente inocente, nada fará que sua honra volte a ser como antes. Nem mesmo uma grande indenização seria suficiente para cobrir o buraco causado pelo tratamento impróprio “218.

Uma imprópria cobertura de julgamentos tem o condão de acarretar efeitos nocivos para o réu, principalmente quando a mídia já o pré-julga e embota na opinião pública a idéia de que ele é realmente culpado219. Assim, a forma como a imprensa veicula determinado fato pode acarretar ao envolvido no processo penal um tratamento e desrespeito de seus direitos incompatíveis com a sua presumida inocência. Segundo Simone Schreiber:

“A hipótese é de colisão de princípios constitucionais. De um lado, o princípio da presunção de inocência; de outro, os princípios da publicidade dos atos processuais e da liberdade de expressão e de informação. A questão proposta se insere em um debate mais amplo a respeito dos mecanismos de controle democrático sobre os veículos de comunicação e proteção a direitos individuais eventualmente lesados pela atividade jornalística, debate ainda incipiente no Brasil” 220.

Face ao exposto, percebe-se não ser o critério do in dubio pro reu o mais eficaz para a imposição de limites à atuação da mídia. Ele retrata mais um posicionamento adotado pelo sistema punitivo brasileiro, como forma de garantia de racionalidade na aplicação das penas, mediante a constatação de que, necessariamente, em toda decisão penal, deve estar presente a certeza subjetiva da cognição dos fatos, principalmente por tratar-se de uma seara em que estão em jogo as liberdades individuais. Assim, para proferir a sentença, o juiz deve estar convicto e demonstrar a sua convicção, como fundamentação de sua decisão, de que os fatos imputados ao acusado foram comprovados no curso do processo, não podendo, consequentemente, a sua motivação lastrear-se simplesmente no que ele pensa ou em outras modalidades de conhecimento, que não a empírica.

Alguns jornalistas, ao publicarem suas notícias sensacionalistas, parecem jamais terem ouvido falar na existência desse princípio, tamanhas as ofensas às liberdades democráticas, bem como aos direitos humanos daqueles que estão envolvidos em processos penais. Normalmente, para defenderem-se de eventuais acusações de ofensa à honra, dentre outros direitos, afirmam estarem agindo dentro do âmbito que lhes é garantido pela liberdade de expressão e de informação, cumprido seu papel de informar a comunidade, em atendimento ao interesse público (frise-se, àquilo que eles consideram ser interesse público, e não realmente o que este é). Logo, outra forma de solução mais adequada para a solução dessas colisões deve ser apontada.

7.3. DIREITO DE “RESSOCIALIZAÇÃO” DO SENTENCIADO

O fato de um indivíduo ter cometido determinado crime não deve marcar-lhe pelo resto de sua vida. Ora, se assim o fosse, ainda viver-se-ia em um sistema punitivo adepto à aplicação de penas perpétuas, de forma que a pessoa tivesse de passar o resto dos seus dias pagando pelo delito cometido, como ocorria na Idade Media, em que o criminosos eram largados, até suas mortes, nas famosas “Torres de Londres” e “Bastilha de Paris”, dentre outros221. Não! Vive-se em um Estado Democrático de Direito, no qual há uma Magna Carta garantidora de direitos aos cidadão, bem como do princípio da legalidade. Penas intermináveis não podem, de forma alguma, serem impostas pelo Estado-julgador, dispondo assim, a CF, art. 5º, XLVII, letra “b” (omissis), que “não haverá penas de caráter perpétuo”. Nesse mesmo sentido, determina o art. 75. do CP que “o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a trinta anos”.

Tendo em vista ser a pena privativa de liberdade a punição mais gravosa prevista no sistema brasileiro, assomando-se ao fato de, mesmo nela, existir um limite máximo temporal para que o indivíduo fique preso, não podendo o Estado, por determinação legal, ultrapassá-lo, não há dispositivo legal algum que deixe margens para o entendimento de que pessoa alguma possa ser moralmente punida pelo resto de sua vida. Do condenado jamais pode ser retirada a “esperança de liberdade e a aceitação da disciplina” 222.

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Hodiernamente, a pena tem a função de ressocializar o preso, além de servir também como uma forma de prevenção geral, no tocante ao seu papel de influenciar o não cometimento de crimes. Logo, o infrator deve ser punido de maneira justa e eficaz, para que sai da prisão recuperado e volte a viver normalmente em sociedade, sem tornar a agir em desacordo com a lei223.

O Brasil tem uma Lei de Execuções Penais (L. 7.209/84) que é considerada uma das mais avançadas do mundo. Infelizmente, raramente ela é integralmente cumprida, motivo pelo qual se presencia tamanhos problemas nas penitenciárias brasileiras, seja pela superlotação ou pelas más condições de sobrevivência para os presos, o que realmente dificulta a reeducação da população carcerária.

Sabe-se que a Lei é proveniente de um consenso daqueles que o povo elegeu para representá-los, um dos motivos pelo qual ela deve ser respeitada. Mesmo assim, parte da sociedade parece não ter consciência de que as determinações legais devem ser cumpridas no Estado Democrático, de forma que pressiona os integrantes do Judiciário, bem como dos demais poderes públicos, a desrespeitarem certas regras garantidoras de direitos aos acusados e aos presos, muitas das quais estão previstas na CF, no CP e na LEP, pautando-se, para tanto, no argumento de que elas são injustas e brandas. Não se discorda de ser a crítica social importante elemento para um país Democrático, como é o caso do Brasil, que tem uma Constituição garantidora de amplas liberdades. Além disso, sabe-se que a mídia exerce enorme influência na crítica social, no seu papel formador de opiniões. Logo, deve-se evitar que exacerbadas críticas e sensacionalismos da imprensa transformem um fato em grande tensão social, para que não seja inviabilizada a aplicação da lei vigente. Se a população vier a considerar determinada norma injusta, deve-se repassar o problema para os representantes eleitos, de forma que, seguindo o devido procedimento, procedam-se as devidas alterações, e não continuar fazendo pressões nos responsáveis pela aplicação das mesmas (no caso em questão, os membros do Poder Judiciário) que em nada resolverão o problema, somente dificultarão ainda mais a solução.

Assim, como dito, depois de cumprir sua pena, o preso tem de reintegrar-se à sociedade como um outro cidadão qualquer, sendo-lhe garantido o respeito a todos os seus direitos fundamentais. Dessa forma, nem mesmo a condenação penal por sentença definitiva autoriza a execração pública do sentenciado, tendo em vista que isso poderá, certamente, dificultar a sua reinserção na comunidade quando findar o cumprimento de sua punição. Mesmo os carcerários têm o direito de viver dignamente, nos ditames das regras sociais, motivo pelo qual os servidores que trabalham nos locais de execuções das penas não podem prestar informações que denigram ou comprometam os presos frente à opinião pública224. Nos dizeres de Ana Maria:

“A divulgação excessiva e com caráter de espetáculo não só da sentença condenatória, mas também da execução da pena, poderá ter reflexos negativos na reintegração do réu. O estigma do criminoso se perpetua e a execração pública do preso poderá impedir o seu retorno digno à sociedade. A doutrina fala no direito ao esquecimento do passado criminoso do réu como uma das manifestações da vida privada do indivíduo. Não só após o cumprimento da pena, mas durante a execução dela, o sentenciado tem o direito a refazer sua vida e, finalmente, a ser esquecido” 225.

A imprensa sensacionalista tem o costume de veicular irresponsavelmente fatos a cerca do sentenciado, perpassando por desde os mais íntimos detalhes privados até os mínimos acontecimentos durante o processo, e, ainda, do cumprimento da pena, se for o indivíduo condenado. Só que, passado determinado período, aquela notícia já se tornou velha, por demais explorada e ultrapassada, de forma que passa a não ser mais vendida e nem gerar audiência, já que o público cansou-se do assunto. Entretanto, na lembrança das pessoas sempre ficarão os aspectos negativos que, na época, justificavam seus clamores por justiça. Assim, quando o carcerário cumpre a sua pena e volta ao convívio social, difícil a sua aceitação pela população, que, muitas vezes, acha injusto o fato de ele já ter sido solto, numa demonstração de pensamento segundo o qual aquele que já cometeu um crime deve pagar por ele eternamente226. Ora, quem vai querer dar emprego, ou mesmo conviver, com aquele indivíduo que cometeu tal absurdo crime?

E, nesse momento, as pessoas não se lembram de que o referido indivíduo já cumpriu sua pena, “pagou pelo que fez” no tempo em que ficou preso, período no qual, inclusive, foi submetido a métodos de ressocialização e reeducação para que ficasse apto ao normal convívio social. Não, a sentença definitiva e os aspectos negativos permanecem no imaginário popular, como uma conseqüência das exposições e acusações ofensivas feitas pela imprensa à época do acontecimento do fato.

Dessa forma, o direito de ressocialização é um limite (mesmo que não o mais eficaz) à atuação da imprensa no exercício de sua liberdade de informar. Face ao exposto, não pode mídia, continuada e desnecessariamente, expor o sentenciado, sem que haja motivo para tanto.

7.4. A PROPORCIONALIDADE – COMPATIBILIZAÇÃO COM OS DIREITOS DA PERSONALIDADE

No passado, predominava o pensamento positivista, segundo o qual a análise do Direito devia limitar-se ao estudo das regras, que possuíam importância muito maior do que os denominados princípios jurídicos. Essa situação, entretanto, foi sendo alterada, principalmente em decorrência dos trabalhos de Ronald Dworkin e de Robert Alexy227, que, após uma série de estudos, conseguiram suplantar a antiga idéia de supremacia das regras, dando aos princípios total importância dentro do ordenamento jurídico.

Hoje, os princípios adquiriram um patamar de fundamental importância, tendo sido elevados à condição de norma jurídica e passado a fundamentar todo o ordenamento. O atual Direito Constitucional acentuou a força principiológica, o que, consequentemente, acabou por suplantar o positivismo defensor das normas pragmáticas como os maiores expoentes de um sistema. Paulo Bonavides esclarece a mencionada transformação, afirmando que:

“É na idade do pós-positivismo que tanto a doutrina do Direito Natural como a do velho positivismo ortodoxo vêm abaixo, em decorrência de reação intelectual comandada por RONALD DWORKIN, jurista de Harvard. (...) Os princípios, então, passam a ser tratados como direito. Destarte, é possível afirmar que a teoria dos princípios, depois de acalmados os debates acerca da normatividade que lhes é inerente, converteu-se no coração das Constituições” 228.

Do exposto, infere-se que eles assumiram posição hegemônica na pirâmide normativa, a ponto de hoje ser possível afirmar que se vive na era principiológica. Veiculam liberdades e diretos. Na acepção jurídica, consistem os princípios em proposições normativas229 reveladoras dos valores fundamentais de todo o sistema jurídico, norteando e condicionando, assim, toda a aplicação do Direito posto. Nos dizeres de Fábio Martins:

“Hoje, parece unânime o entendimento dos estudiosos de que o conhecimento dos princípios chega a preceder em importância a análise das regras. Torna-se cada vez mais necessário distinguir de maneira adequada as duas categorias. Paulatinamente, o saturado estudo das regras vem cedendo lugar ao inovador conhecimento dos princípios. É precisamente por esta razão que já se disse que ‘os princípios hodiernamente atravessam uma idade de ouro’ (...) Com a constitucionalização dos princípios, ele deixaram para trás o seu antigo caráter supletivo, para assumir então a posição de fundamento da ordem jurídica” 230.

Defende Celso Bandeira de Mello ser muito mais grave a violação a um princípio do que a uma regra. Em suas palavras:

"Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada” 231.

Como solução à problemática do conflito entre a liberdade de expressão e de informação da mídia e o direito à honra as pessoas envolvidas no processo criminal, emerge a utilização do Princípio da Proporcionalidade, que, tendo surgido na Alemanha e na Suíça, rapidamente alcançou destaque nos ordenamentos jurídicos positivos de diversos países, em decorrência de sua transcendental importância doutrinária, a ponto de ser por Canotilho considerado “o princípio dos princípios”.

Esse princípio ainda não foi positivado pela Constituição Brasileira de 1988, diferentemente do que fez Constituição Portuguesa, fixando-o em seu art. 18, II. Porém, a mencionada ausência de positivação brasileira não cria, em hipótese alguma, embates à sua aplicação, devendo-se, assim, encará-lo como um princípio implícito do ordenamento jurídico. Frise-se que os princípios implícitos possuem a mesma importância axiológica e sistemática daqueles positivados.

Bonavides, citando Pierre Muller, estabelece dois conceitos para o Princípio da Proporcionalidade. Em sentido amplo, constitui-se em regra fundamental a ser seguida pelos detentores e submissos ao poder. Estritamente, consiste na necessidade de estabelecer a presunção de existência de uma adequada relação entre os fins fixados e meios empregados. Em ambos os aspectos, apresenta relevante importância interpretativa na solução de conflitos. Dispõe ainda que:

“Poder-se-á enfim dizer, a esta altura, que o princípio da proporcionalidade é hoje axioma do Direito Constitucional, corolário da constitucionalidade e cânone do Estado de direito, bem como regra que tolhe toda a ação ilimitada do poder do Estado no quadro de juridicidade de cada sistema legítimo de autoridade. A ele não poderia ficar estranho o Direito Constitucional brasileiro. Sendo, como é, princípio que embarga o próprio alargamento dos limites do Estado ao legislar sobre matéria que abrange direta ou indiretamente o exercício da liberdade e dos direitos fundamentais, mister se faz proclamar a força cogente de sua normatividade” 232.

Aponta-se a existência de três níveis de conteúdo para o princípio em enfoque, também chamados de sub-princípios, quais sejam, a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Definindo-os, afirma Bessa que:

“A adequação (aptidão ou pertinência) é um meio empregado para vedar o arbítrio, através da ponderação entre o meio empregado e o fim que se deve atingir. Assim, sob o prisma da adequação, numa colisão de direitos fundamentais, deve prevalecer aquele que se demonstre mais pertinente para atingir o fim, tendo como baliza a realização do interesse público (...) A necessidade impõe que a medida não exceda os limites indispensáveis à consecução do fim legítimo almejado. Deve-se lançar mão do menor esforço possível ou buscar o resultado menos gravoso dentre os prenunciados (...). Na perspectiva do presente estudo, temos que este sub-princípio é fundamental para o intérprete quando este se coloca diante de uma colisão de direitos, pois servirá de norte para a aplicação da solução que cause o menor gravame possível aos envolvidos no caso concreto. (...) O princípio da proporcionalidade em sentido estrito, também é denominado razoabilidade, exigibilidade ou de justa medida, exige que haja uma ponderação da relação entre os danos causados por determinada medida e os resultados obtidos. Fere-se este sub-princípio quando da aplicação de medida excessiva, injustificável” 233.

Complementando o referido autor, diz Bonavides:

“A simples análise dos sub-princípios da proporcionalidade é suficiente para elevar este princípio ao patamar de grande ferramenta para a solução de colisão de direitos fundamentais. O princípio da proporcionalidade vincula-se ao Direito Constitucional por via dos direitos fundamentais, na medida em que é nesta seara que ele ganha extrema importância e coloca-se no mesmo nível de prestígio e difusão dos princípios cardeais da Constituição, como o da igualdade” 234.

Importante ressaltar ser possível identificar o desempenho de duas funções pelo princípio ora tratado. Primeiramente, ele serve como instrumento de proteção dos direitos fundamentais contra a ação limitativa pelo Estado a ele imposta. Sua outra função, esta de maior relevância para o presente trabalho, é a de servir como critério solucionador de conflitos entre direitos fundamentais, o que é possibilitado pela realização de juízos de ponderação dos valores e interesses objetos do caso concreto. Nesse diapasão, manifesta-se Bonavides:

"Uma das aplicações mais proveitosas contidas potencialmente no princípio da proporcionalidade é aquela que o faz instrumento de interpretação toda vez que ocorre antagonismo entre direitos fundamentais e se busca daí solução conciliatória, para a qual o princípio é indubitavelmente apropriado. As cortes constitucionais européias, nomeadamente o Tribunal de Justiça da Comunidade Européia, já fizeram uso freqüente do princípio para diminuir ou eliminar a colisão de tais direitos” 235.

A determinação da prevalência de determinado princípio deve se dar através da realização de ponderação no caso concreto, aferindo o intérprete o peso de cada um na situação, preservando o máximo dos mesmos, em recíprocas concessões, diferentemente o que ocorre com as regras, cuja aplicação de uma exclui totalmente a outra. Nesse sentido, cabe destacar que os direitos à intimidade, à honra e conexos são materialmente constitucionais, e não meramente regras hierarquicamente inferiores à CF. Em igual patamar, estão a liberdade de expressão e de informação. Assim, inimaginável existir entre eles diferenças de grau ou qualidade, restando impossível a determinação, em abstrato, qual deverá prevalecer em caso de confronto.

Logo, deve ser feita uma justa e adequada ponderação casuística dos interesses, bens e valores envolvidos em eventual colisão com a liberdade de imprensa, maneira de extrema eficácia para a delimitação da abrangência dos direitos fundamentais, de forma que seus conteúdos mínimos não sejam desrespeitados, ou, ao contrário, evite-se a determinação das suas realizações em total amplitude, acarretando, indubitavelmente, o detrimento de outras liberdades igualmente relevantes. Assim, deve-se ressaltar, que os princípios, por sua estrutura e natureza, e observados determinados limites, podem ser aplicados com maior ou menor intensidade, à vista de circunstâncias jurídicas ou fáticas, sem que isso afete sua validade. Justamente por isso deve ser utilizada a proporcionalidade no caso concreto.

Somente pela atuação dos intérpretes e aplicadores da lei se esclarecerá quando deve um direito personalíssimo ceder lugar à sua constante colidente, qual seja, a liberdade de imprensa. Resumindo-se, trata-se esta de uma importantíssima questão face à enorme dificuldade para a resolução de colisões entre direitos de mesmo peso normativo e de suntuosa importância para uma convivência social tranqüila, figurando de um lado os direitos da personalidade e do outro a liberdade de informação e expressão. Nesse sentido:

“É através do trabalho do intérprete-aplicador em matéria de direitos colidentes que se saberá quando o direito de personalidade em conflito cede face à liberdade de imprensa, a qual, no seu legítimo exercício, não deve ter excedido manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econômico desse direito. Máxima igualmente válida para os direitos de personalidade, e que constitui limites a tais direitos de índole pessoal ao vincular o seu exercício lícito ao exercício dentro do fim sócio-econômico a que é proposto, pautado pela boa fé e pelos bons costumes assim consagrados pela comunidade em que o titular está inserido” 236.

Do exposto, infere-se ser o Princípio da Proporcionalidade o grande responsável pelo sopesamento dos direitos fundamentais conflitantes, através de mera relativização, sem necessidade de exclusão ou compressão dos mesmos no sistema, para a obtenção de uma decisão justa e coerente. Deve, então, o julgador, harmonizar os interesses dos contundentes, tecendo uma consideração conjunta a cerca dos interesses individuais e dos pertencentes à comunidade, para que, enfim, convivam, pacificamente, os interesses individuais, coletivos e gerais ou públicos.

A proporcionalidade apresenta-se como um imprescindível recurso à suavização da pura e direta aplicabilidade das normas constitucionais, por sempre considerar todos os valores envolvidos e buscar meios de otimização para aplicação, compatibilizando o interesse público aos individuas. Ela é instrumento apto para que se realizem, simultaneamente, as liberdades positivas.

7.5. ANIMUS NARRANDI DO JORNALISTA COMO PRINCIPAL LIMITE

Como já foi mencionado, os crimes contra a honra são delitos de tendência, assim, para a verificação da consumação, deve ser observado, além dos elementos constitutivos do tipo, a intenção ou animus do suposto ofensor. Daí a necessidade de analisar a teoria do animi, segundo a qual até mesmo uma palavra elogiosa proferida poderá causar ofensa à honra de determinada pessoa, o que vai ser verificado pela existência ou não do intuito de ofender.

Dessa forma, segundo a referida teoria, não haverá configuração de crime em caso de animus jocandi, ou seja, quando o emissor de determinada frase ou notícia teve a mera intenção de brincar com o seu destinatário. Justamente por isso não respondem os humoristas pela prática de crimes contra honra, pois fazem caricaturas ou críticas não com o objetivo de ofender as pessoas, e sim de brincar com as mesmas. Também não há crime face à presença do mero animus corrigendi, no qual a intenção do autor do fato é apenas a de corrigir alguém, de forma a chamar atenção para o cometimento de um erro, até como meio de evitar que o mesmo volte a ser repetido.

Existem, ainda, o animus retorquendi e o animus narrandi, consistindo o primeiro na intenção de evitar ou repelir uma agressão anteriormente sofrida e o segundo na mera intenção de contar ou narrar uma estória ou fato, sem a emissão de qualquer juízo de valor a cerca do ocorrido. Esse último apresenta grande relevância para o objetivo desse trabalho, motivo pelo qual merece análise mais detalhada.

Pode-se afirmar que o animus narrandi consiste na intenção de narrar ou contar sobre o que ouviu ou testemunhou a respeito de um fato ou de alguém237. Nesse significado, não estão compreendidos a exposição de opiniões subjetivas nem muito menos a utilização de artifícios para dar destaque ou relevo ao acontecido. Assim, àqueles que são responsáveis por manter democraticamente a população informada, narrando tudo o que aconteceu de forma objetiva, não se deve admitir que seja ultrapassada a simples intenção de narrar determinado fato, nem muito menos que se faça uma exploração do mesmo de forma a chamar a atenção do público por repetidas vezes. Observe-se a seguinte ementa do STJ:

“CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. REITERADA PUBLICAÇÃO DE NOTÍCIAS LESIVAS À HONRA DO AUTOR. EXTRAPOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO. DANO MORAL CONFIGURADO. RESSARCIMENTO. VALOR. ELEVAÇÃO. PUBLICAÇÃO DA DECISÃO. CABIMENTO. FORMA. DURAÇÃO. "SITE" DA INTERNET. EMBARGOS INFRINGENTES. ALCANCE. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS N. 282. E 356-STF.

I. Configurada a gravidade da lesão causada ao autor, pela sucessiva publicação de matérias acusatórias de imenso teor ofensivo, desprovidas de embasamento na verdade, procedente é o pedido reparatório, que deve ser o mais integral possível, pelo que a par de uma indenização compatível com o dano moral causado, impõe a publicação da decisão judicial de desagravo, pelos mesmos meios de comunicação utilizados na prática do ilícito civil, a fim de dar conhecimento geral, em tese, ao mesmo público que teve acesso às notícias desabonadoras sobre o postulante.

II. Elevação do valor indenizatório por considerado insuficiente aquele fixado no 2º grau da instância ordinária, ante a extensão do dano moral causado. Restabelecimento daquele fixado pela 1ª instância.

III. Figurando as reportagens em "site" mantido pela editora ré na Internet, pertinente a condenação imposta pelo acórdão a quo de divulgação da decisão judicial reparatória no mesmo local, dentro da exegese que se dá aos arts. 12, parágrafo único, e 75 da Lei n. 5.250/1967.

IV. Impossibilidade de exame da possível violação ao art. 530. do CPC, quanto ao tempo de permanência da decisão no sítio mantido na Internet, por ausência de efetivo prequestionamento da questão federal, sob o aspecto suscitado pelo autor na peça recursal. Incidência das Súmulas n. 282. e 356-STF”.

(STJ - Recurso Especial nº. 20070125948-4/2007. Relator: Ministro Aldir Passarinho Júnior. 4ª Turma. Data do julgamento: 18/03/2008).

Ora, da mesma maneira que existe o direito de informar, também existe o direito de ser informado, como já exposto. Nesse sentido, os receptores de uma notícia, no exercício de seu direito passivo à informação, têm plena capacidade para escolher aquilo a respeito de que querem tomar conhecimento, motivo pelo qual não se deve admitir a utilização de instrumentos aptos a prender suas atenções.

Nos crimes contra a honra, existem manifestações do psiquismo do agente que indicam determinadas intenções, propósitos ou tendências presentes no comportamento que lhes é anterior, mesmo que não se encontrem diretamente expressas no tipo penal. Nos dizeres de Daniela de Feitas:

“Em certos tipos legais de crimes, a licitude ou ilicitude faz-se presente segundo a intenção com que o agente praticou determinado comportamento. Essas intenções ulteriores, propósitos ou tendências é o que dão, segundo Pimentel, ‘o especial colorido da ação’. O comportamento humano, sob o enfoque puramente objetivo, é indiferente ao sistema jurídico-penal, pois é o fim especial do agente que confere vida à ilicitude. Certos comportamentos, para serem considerados lícitos ou para serem considerados ilícitos, dependem do propósito, das intenções ulteriores, das tendências presentes no psiquismo da pessoa humana” 238.

Do exposto, infere-se que não comete crime contra a honra aquele que age movido pelo animus jocandi, animus corrigendi, animus retorquendi e animus narrandi. Isso ocorre porque, nas referidas situações, há a exclusão dos animus injuriandi, que consiste na intenção de injuriar ou ofender alguém. Em apertada síntese, pode-se afirmar que, para o cometimento de crime contra a honra, é preciso praticar ação injusta com o intuito de fazê-lo, sendo por isso que esse direito fundamental não é ofendido quando o indivíduo pratica o ato sem a intenção de ofensa. Nesses casos, há exclusão dos animus injuriandi. Nos dizeres de Damásio de Jesus:

“É insuficiente a simples consciência do caráter lesivo da imputação ou expressão. (...) É indispensável, em face disso, que o sujeito tenha vontade de atribuir a outrem a prática de um fato definido como crime (calúnia), ou de atribuir a terceiro a prática de uma conduta ofensiva à sua reputação (difamação), ou de ofender dignidade ou decoro do sujeito passivo (injúria). (...) Além do dolo, é imprescindível que o sujeito aja com o elemento subjetivo do tipo próprio de cada figura delitiva, que se expressa na direção que confere à sua conduta. Ele pode agir com seriedade ou não. No primeiro caso, existe crime; no segundo não” 239.

Assim, exige-se, para que haja tipicidade, a ação do autor com animus diffamandi vel injuriandi. Se o agente apenas agiu no intuito de narrar, criticar, gracejar, pode-se dizer que não ocorreu fato típico face à ausência do elemento subjetivo do injusto. No tocante aos crimes contra a honra, afirma Daniela Marques que:

“Uma regra geral pode ser formulada: se nos crimes contra a honra não houve o propósito de ofender, o comportamento do agente é lícito ou encontra abrigo em uma causa de Justificação. Concluindo:

a) se o propósito do agente é de injuriar, difamar ou caluniar, os elementos subjetivos implícitos pertencem aos injustos penais (tipo-de-ilícito);

b) se o propósito do agente foi se adequar ao disposto no art. 142. do CP, os elementos subjetivos implícitos pertencem ao tipo permissivo/justificador;

c) se o propósito do agente revestir de licitude o seu comportamento, os elementos subjetivos são anteriores ao tipo legal de crime, isto é, os elementos subjetivos pertencem à teoria dos ânimos “240.

Dessa forma, deve o julgador, nos crimes contra a honra, basear-se na licitude ou ilicitude do comportamento do indivíduo, numa verdadeira verificação de sua intenção. Em alguns casos de reportagens divulgadas pela imprensa que atua com seriedade, o animus narrandi acaba por excluir o dolo. Observe-se:

“CRIMES CONTRA A HONRA – Advogado que em peça processual tece comentários contrários à atuação de investigador de polícia – Ausência de dolo demonstrada na atuação defensiva – Não caracterização:

– Os crimes contra a honra não se caracterizam na hipótese em que o Advogado em peça processual tece comentários contrários à atuação de investigador de polícia, pois as palavras, neste contexto, apresentam-se isentas da vontade livre e consciente de ofender a honra do querelante, mas sim o simples intuito de narrar objetivamente os fatos”.

(TACrimSP - Recurso em Sentido Estrito nº. 1.347.631/2 – Ribeirão Preto. Relator: Euvaldo Chaib. 2ª Câmara. Data do julgamento: 15/05/2003. V.U. - Voto nº. 2.430).

Se diferente o fosse, trar-se-ia à imprensa um cerceamento de sua liberdade, não podendo a mesma narrar fatos e acontecimentos com todos seus significados e clareza, noticiando a mais pura realidade. Nesse sentido, vide a seguinte ementa do STJ:

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE IMPRENSA. CRÍTICA E OFENSA. LIBERDADE DE IMPRENSA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA (ART. 648, INCISO I DO CPP).

I – Observações críticas, ainda que irritantes, nos limites da divulgação da situação fática, não configuram, de per si, crime de imprensa (art. 27, inciso VIII da Lei de Imprensa).

II – Não se pode alçar à condição de ilícito penal aquilo que somente é desejado pela especial susceptibilidade da pessoa atingida e nem se deve confundir ofensa à honra, que exige dolo e propósito de ofender, com crítica jornalística objetiva, limitada ao animus criticandi ou ao animus narrandi, tudo isto, sob pena de cercear-se a indispensável atividade da imprensa.

III – ‘A relação entre lei e liberdade é, obviamente, muito estreita, uma vez que a lei pode ou ser usada como instrumento de tirania, como ocorreu com freqüência em muitas épocas e sociedades, ou ser empregada como um meio de pôr em vigor aquelas liberdades básicas que, numa sociedade democrática, são consideradas parte essencial de uma vida adequada.’” (STJ – Habeas Corpus nº. 0067201-3/2001. Relator Ministro Felix Fischer. 5ª Turma. Data do julgamento: 20/09/2001).

Porém, é o animus caluniandi que exclui todo e qualquer outro tipo de animus, dada sua importância como elemento subjetivo para a constituição de um crime. Frise-se, entretanto, que se ultrapassados os limites do considerado razoável pela moral e bons costumes sociais, há sim de falar-se na prática de crime241, como comumente ocorre em publicações que excedem a brincadeira e acabem por ofender seus destinatários. Observe-se uma jurisprudência a esse respeito:

“Queixa-Crime – Injúria – Lei de Imprensa – Animus jocandi – Matéria escrita em defesa ao ataques verbais do ofendido – Perdão judicial – Absolvição – Improcedência – A publicação de texto em jornal envolvendo determinada pessoa, indo além do caráter jocoso, desviado para a vontade deliberada de atingir a sua honra subjetiva, configura crime disciplinado pela Lei de Imprensa. (...)”.

(TJRO – Apelação Criminal nº. 02.002474/6. Relator Desembargador Ivanira Feitosa Borges. – Câmaras Criminais. Data do julgamento: 05/06/2003).

Os tribunais pátrios vêm acolhendo o citado entendimento em seus julgados, o que é possível perceber pela simples leitura deste acórdão:

"CRIME DE IMPRENSA – DANOS MORAIS – CRÍTICA A ADVOGADO, ATRAVÉS JORNAL, ABORDANDO ERRO DE CONCORDÂNCIA CONSTANTE DE PETIÇÃO INICIAL DE AÇÃO QUE TRAMITA EM VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL – EXPRESSÕES UTILIZADAS PELO JORNALISTA QUE ULTRAPASSAM O SIMPLES ANIMUS NARRANDI E INCURSIONAM NA INJÚRIA E DIFAMAÇÃO, DOLO DIRETO EVENTUAL – OFENSA DE ORDEM SUBJETIVA E OBJETIVA – DIGNIDADE E REPUTAÇÃO – IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO MESMO SEM REFERÊNCIA NOMINAL – APELO PROVIDO PARA REFORMAR A DECISÃO QUE JULGOU IMPROCEDENTE A AÇÃO.”

(TJSC – Apelação Criminal nº. 48.349. Relator Desembargador Alcides Aguiar. 4ª Câmara. Data do julgamento: 03/04/1997).

Ao comentar o acórdão acima transcrito, Darcy Arruda Miranda destaca o enorme poder de influência da palavra escrita, defendo ser esta mais penetrante e incisiva do que a falada ou mesmo do que uma figura projetada. Diz que "o animus narrandi exclui o animus injuriandi, desde que, porém, não exceda os limites necessários e efetivos da narrativa. Ausente que seja a boa-fé da narração do fato, presente estará, por força, o ânimo de injuriar” 242.

Nesse caso, certo é que, um escrito que critica veementemente erro gramatical cometido por advogado, em peça dirigida a Juízo, transcende o mero animus corrigendi, emitindo um juízo de valor depreciativo a ponto de caracterizar o profissional como um “advogado insuficientemente alfabetizado”. Quando as palavras mostram-se por demais ofensivas, maculando a alta estima e ocasionando gozação no meio social e profissional, caracterizada está ofensa à dignidade e à reputação de um indivíduo, merecedora de indenização por danos morais, mesmo face à ausência de danos materiais.

"Inexiste difamação na conduta de quem, intimado a testemunhar em processo judicial, presta informações desabonadoras a respeito de terceiro. Impõe-se a solução, não só porque o acusado agiu sem dolo, mas com simples animus narrandi, como também em harmonia com os mandamentos de ordem jurídica que exigem responda o depoente às perguntas feitas pelo magistrado sob o compromisso de dizer a verdade, estando proibido de negar ou calar o que saiba”.

(JUTACRIM 34/75)243.

Nos crimes contra a honra, certo é que o animus narrandi exclui o dolo. Se contrário o fosse, seria imposta à imprensa um verdadeiro cerceamento de sua liberdade, já que ela não teria como desempenhar seu importante papel no Estado Democrático, caso estivesse proibida de narrar os fatos com clareza e objetividade, fiéis à realidade. Entretanto, repita-se, não se deve esquecer ser o animus caluniandi apto a excluir todo e qualquer outro tipo de animus, tamanha a sua relevância244.

"Para a configuração do delito de difamação, é necessário demonstrar o dolo específico de difamar, incompatível com animus defendendi ou com o animus narrandi".

(RJDTACRIM 36/185). (Grifos nossos).

Os próprios Tribunais já esclarecem a distinção existente entre os referidos institutos, como se observa a partir da análise de parte do voto do relator da apelação abaixo:

“CRIMES CONTRA A HONRA – Animus narrandi e animus diffamandi vel injuriandi – Distinção:

– Nos crimes contra a honra, distingue-se o animus narrandi, que é a intenção de narrar ou descrever, do animus diffamandi vel injuriandi, que é a intenção deliberada de difamar, de ferir, de menosprezar, menoscabar a honra e a reputação alheia”.

(Apelação nº. 1.377.309/4 – Santa Fé do Sul – 7ª Câmara – Relator: Salvador D’Andréa – 26.6.2003 – V.U. Voto nº. 4.317).

Dessa forma, ao extrapolar o limite da mera intenção de narrar, como já reiteradamente afirmado e exemplificado neste trabalho, a mídia comete verdadeiros crimes contra a honra dos noticiados, como ocorreu (e ainda ocorre, no que tange ao segundo) nos mencionados casos “Escola Base” e “Isabela Nardonni”, dentre inúmeros outros que vem sendo cometidos pelos mais diversificados meios de comunicação massivos, através de programas sensacionalistas já referidos em tópicos anteriores.

Os profissionais da comunicação só podem atuar até onde vai a intenção, o animus de narrar o fato. Ultrapassando-se esse limite, passa-se para o sensacionalismo, jornalismo baixo e antiético e até mesmo exploração monetária dos fatos. Dessa forma, para cumprir as liberdades que lhe são constitucionalmente garantidas, os profissionais da mídia não devem, em hipótese alguma, ultrapassar o animus narrandi, de forma a dar excessiva e ofensiva exploração ao fato e aos envolvidos em processos, em uma demonstração de total desrespeito a tamanho direito personalíssimo de todo indivíduo, qualquer que seja a situação, qual seja, o direito a ter respeitada a sua honra, seu bom nome e sua reputação na sociedade. Assim, mesmo que determinada pessoa venha a ser condenada ao final de um processo, terá condições de, depois de cumprida a pena, reinserir-se na sociedade com sua honra resguardada.

7.6. POSICIONAMENTO DO STF

O STF, em seus julgados, vem adotando posicionamento segundo o qual, nos crimes contra a honra, é necessária a existência do intuito de ofender, motivo pelo qual os mesmos não se configuram face à presença do animus narrandi, entendimento que corresponde à tese defendida no bojo deste trabalho. O Supremo Tribunal já decidiu inúmeras vezes nesse sentido, como se pode observar a partir da análise dos julgados abaixo transcritos:

“RECURSO DE "HABEAS CORPUS" - CRIME CONTRA A HONRA - PRÁTICA ATRIBUÍDA A ADVOGADO - PROTESTO POR ELE MANIFESTADO, EM TERMOS OBJETIVOS E SERENOS, CONTRA MAGISTRADO - INTANGIBILIDADE PROFISSIONAL DO ADVOGADO - CARÁTER RELATIVO - LIQUIDEZ DOS FATOS - "ANIMUS NARRANDI" - EXERCÍCIO LEGÍTIMO, NA ESPÉCIE, DO DIREITO DE CRÍTICA, QUE ASSISTE AOS ADVOGADOS EM GERAL - DESCARACTERIZAÇÃO DO TIPO PENAL - AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL - EXTINÇÃO DO PROCESSO PENAL - RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. INVIOLABILIDADE DO ADVOGADO. - A proclamação constitucional da inviolabilidade do Advogado, por seus atos e manifestações no exercício da profissão, traduz significativa garantia do exercício pleno dos relevantes encargos cometidos, pela ordem jurídica, a esse indispensável operador do direito. A garantia da intangibilidade profissional do Advogado não se reveste, contudo, de valor absoluto, eis que a cláusula assecuratória dessa especial prerrogativa jurídica encontra limites na lei, consoante dispõe o próprio art. 133. da Constituição da República. A invocação da imunidade constitucional pressupõe, necessariamente, o exercício regular e legítimo da Advocacia. Essa prerrogativa jurídico-constitucional, no entanto, revela-se incompatível com práticas abusivas ou atentatórias à dignidade da profissão ou às normas ético-jurídicas que lhe regem o exercício. Precedentes. CRIMES CONTRA A HONRA - ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. - A intenção dolosa constitui elemento subjetivo, que, implícito no tipo penal, revela-se essencial à configuração jurídica dos crimes contra a honra. A jurisprudência dos Tribunais tem ressaltado que a necessidade de narrar ou de criticar atua como fator de descaracterização do tipo subjetivo peculiar aos crimes contra a honra, especialmente quando a manifestação considerada ofensiva decorre do regular exercício, pelo agente, de um direito que lhe assiste e de cuja prática não transparece o "pravus animus", que constitui elemento essencial à configuração dos delitos de calúnia, difamação e/ou injúria. ‘PERSECUTIO CRIMINIS’ E AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. - A ausência de justa causa, quando líquidos os fatos (RTJ 165/877-878 - RTJ 168/853 - RTJ 168/863-865, v.g.), expõe-se, mesmo em sede de ‘habeas corpus’, ao controle jurisdicional, pois não se dá, ao órgão da acusação penal - trate-se do Ministério Público ou de mero particular no exercício da querela privada -, o poder de deduzir imputação criminal de modo arbitrário, notadamente quando apoiada em fatos destituídos de tipicidade penal. Precedentes”.

(STF – Habeas Corpus nº. 81750/SP. Relator: Ministro Celso de Mello. 2ª Turma. DJ 10/08/2007. Data do julgamento: 12/11/2002).

“CRIME CONTRA A HONRA. DIFAMAÇÃO. LEI DE IMPRENSA. 1. Simples veiculação de fatos, objeto de representação, regularmente formalizada perante a Corrregedoria-Geral da Justiça, contra juíza de direito não constitui crime contra a honra. Direito de informar garantido pela CF (art. 220). 2. HC deferido para trancar a ação penal”.

(STF – Habeas Corpus nº. 85629/RS. Relatora: Ministra Ellen Gracie. 2ª Turma. DJ 23/09/2005. Data do julgamento: 06/09/2005).

A partir da leitura das ementas acima elencadas, infere-se que o STF vem defendendo ser o elemento subjetivo do tipo essencial à configuração dos crimes contra honra. Assim, o autor do delito deve agir com o intuito de ofender e não apenas de narrar o fato, no exercício de seu legítimo animus narrandi. Dessa forma, caso um jornalista venha a divulgar a notícia, no intuito de informar objetivamente a população, sem a intenção de causar ofensas a quem quer que seja, não comete crime contra ninguém, agindo dentro dos limites que lhe é garantido pela liberdade de imprensa.

Isso porque há garantia do direito de informar pela Constituição aos profissionais da mídia, que têm resguardadas suas liberdades de veicular as matérias e notícias de cunho informativo. Entretanto, não podem ultrapassar, em hipótese alguma, o animus narrandi para agir descomedidamente, utilizando-se de termos e expressões ofensivas aos indivíduos, o que configura inconteste crime contra suas honras, direito personalíssimo de fundamental importância para suas existência e desenvolvimento. Logo, medidas urgentes devem ser tomadas para que os programas sensacionalistas, que sobrevivem às custas do cometimento de ofensas e da exploração de temas ofensivos ao bom nome e à reputação das pessoas, tenham suas veiculações proibidas.

Em suma, afirma-se que o STF adota posicionamento segundo o qual é garantida a liberdade de informar, desde que não sejam ultrapassados os limites do animus narrandi. Se isto ocorrer, há, inegavelmente, de se falar na prática de crime contra a honra.

Sobre a autora
Paula Leal Lordelo

Advogada, formada em Direito pela UFBA - Universidade Federal da Bahia. Pós graduação em Direito Processual e Material do Trabalho pelo JusPodivm.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LORDELO, Paula Leal. Limites à liberdade de expressão e de informação da mídia face ao direito à honra de pessoas envolvidas no processo criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3678, 27 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24377. Acesso em: 23 dez. 2024.

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