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Weber e a complexa modernidade

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Agenda 16/05/2013 às 15:39

Conclusão- O desencantamento do mundo    

Ao olhar para a sociedade moderna Weber observa com cuidado a questão referente ao que ele chama de racionalização. Ou seja, uma maneira de levarmos a vida em que temos a sensação de que tudo podemos dominar ou conhecer, utilizando-se para isso os método da ciência moderna. Busca-se a constante especialização a fim de se investigar mais a fundo os objetos de interesse dentro do mundo. É um processo de intelectualização crescente, portanto. Isso leva ao despovoando da magia do mundo, haja vista que deixamos de acreditar nas coisas e nos poderes relativos ao transcendental, e passamos a acreditar naquilo que se pode mensurar e prever através da técnica disciplinada. Este progresso do qual participa a ciência moderna passa a atuar diretamente na vida de todos os seres humanos, pois a nossa confiança passa a ancorar-se nos experimentos e nas descobertas feitas por ela. Acreditamos nos conceitos elaborados por astrônomos, biólogos, físicos e químicos, mas eles próprios sabem que a ciência é feita de verdades provisórias, logo o máximo que eles podem proporcionar ao homem moderno é um certo conhecimento do mundo, mas jamais orientá-lo quanto ao que fazer nesse mundo. Ou seja, vemos o mundo desencantado dos seus mitos e das suas crenças tradicionais. É como se nossas crenças atuais estivessem baseadas em “verdades” passageiras, que não pode confortar o nosso interior.

A própria religião protestante ascética secular é um exemplo de fuga dos “encantos” do mundo, pois passa-se a devotar um Deus  prático, que se revela através do êxito no trabalho, e não mais a um Deus que vivia tão somente no interior das pessoas e nas suas crenças íntimas. Com isso tudo, Weber olha para a modernidade como estando “desencantada” dos mitos, das ilusões e das crenças antigas. O racionalismo, através do qual procura-se explicar o mundo por meio da utilização das técnicas desenvolvidas pela ciência, quase não dá espaço para o que seja não-racional.

Exemplo disso, escapando da esfera da ciência, consiste na própria política moderna, cuja burocracia predomina nas relações entre quem manda e quem obedece. Nesse caso a liderança carismática seria algo não racional, visto que extrapola as regras da rotina e da previsibilidade, sendo, pelo contrário, a prova viva do extraordinário e do imprevisível. Ou seja, a modernidade desencantou também aqui as possibilidades do encanto do líder-mito, daquele sujeito que lideraria legitimando-se nos valores encantáveis da persuasão sobre os seus comandados.

E quando pensamos no âmbito da economia moderna percebemos que também aqui não há espaço para qualquer coisa que não seja racional, calculado, previsível e disciplinado metódica e sistematicamente. Por isso Weber termina o livro “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” com o seguinte escrito, referindo-se sobre a sua visão a respeito do possível futuro da sociedade ocidental moderna:

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“Ninguém sabe a quem caberá no futuro viver nessa paixão ou se, no final desse tremendo desenvolvimento surgirão profetas inteiramente novos, ou se haverá um grande ressurgimento de velhas idéias e ideais ou então, no lugar disso tudo, uma petrificação mecanizada ornamentada com um tipo de convulsiva auto-significância. Neste último estágio de desenvolvimento cultural, seus integrantes poderão de fato, ser chamados de ‘especialistas sem espírito, sensualistas sem coração, nulidades que imaginam ter atingido um nível de civilização nunca antes alcançado’” (WEBER, 2002: 135).

Neste parágrafo Weber lança mão do seu julgamento sobre uma sociedade por ele caracterizada como sendo marcada pelo “desencantamento do mundo”, quer dizer, pelo despovoamento de todas as magias que poderiam dar sentido a vida humana, sendo substituída, pois, por uma espécie de mecanização da vida, regida por regras burocratizadas, por uma disposição para o trabalho capitalista  racional e pela crença num sistema científico que lida com verdades efêmeras. Nesse momento, o progresso do processo de racionalização alcançou tamanho nível de desenvolvimento que chegou a ultrapassá-lo, alcançando um nível de irracionalidade. Por isso o termo “nulidades”, referindo-se aos membros desta sociedade ocidental moderna, que acreditam estar em grande nível de desenvolvimento, mas que na verdade são reféns desse próprio modelo de sociedade. Uma sociedade que produz desigualdades e guerras, por exemplo, transformando seus membros em algozes e vítimas ao mesmo tempo. Acredita-se estar se valendo de práticas por demais racionais, mas como conseqüência produz-se resultados irracionais. Eis o lamento de Weber, em “A Ciência como Vocação”:

“O fim precípuo de nossa época, caracterizada pela racioanalização, pela  intelectualização e,  principalmente, pelo ‘desencantamento do mundo’ levou os homens a banir da vida pública os valores supremos e mais sublimes” (WEBER,  2002: 57)


Bibliografia:

ARON, Raymond. As Etapas do Pensamento Sociológico. 2.ed: Editora Universidade de Brasília, 1987.

WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002.

WEBER, Max. “A Ciência como Vocação”. In: Ciência e Política: Duas Vocações. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002.

WEBER, Max. A “objetividade” do conhecimento nas Ciências Sociais. In: COHN, Gabriel (org.). Sociologia. São Paulo: Ática, 1997.

__________. Os três tipos puros de dominação legítima. In: COHN, Gabriel (org.). Sociologia. São Paulo: Ática, 1997.

WEBER, Max. “A política como vocação”. In: GERTH, H.H & MILLS, Wright (orgs.), Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro, 1982.

__________. As seitas protestantes e o espírito do capitalismo. In: GERTH, H.H & MILLS, Wright (orgs.), Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro, 1982.

Sobre o autor
Walace Ferreira

Professor de Sociologia da UERJ. Pesquisador. Doutor em Sociologia pelo IESP/UERJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Walace. Weber e a complexa modernidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3606, 16 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24448. Acesso em: 24 nov. 2024.

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