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O erro médico e o direito

Agenda 01/11/2001 às 01:00

1. Introdução

     Tema de suma importância no direito brasileiro é a responsabilização civil dos profissionais de medicina que por dolo, imprudência, negligência ou imperícia causam algum tipo de lesão, seja moral, material ou estética, e até a morte, aos seus pacientes.

Inicialmente cumpre ressaltar que tais profissionais desenvolvem um dos trabalhos mais nobres e necessários ao bem estar da sociedade: zelam pela saúde do ser humano. Porém, embora o direito à saúde seja garantido constitucionalmente a todos os cidadãos, o fato é que a adequada prestação de serviços médicos depende intimamente do grau de capacitação dos profissionais ligados a essa área.

Assim, é dever de todo médico ter o mínimo que seja de aptidão técnica para intervir na saúde do ser humano. A falta dessa qualificação, saliente-se desde já, caracteriza a imperícia, uma das modalidades da culpa, pressuposto da responsabilidade civil.

Qualquer pessoa sabe, entretanto, que muitos dos quase 260 mil médicos existentes no país cometem erros grosseiros, causando algum tipo de lesão dos mais variados graus nos seus pacientes: basta conferir diariamente os jornais, revistas etc. Nesses casos, nada mais justo do que a instauração de uma ação visando indenização pelos danos causados pelo profissional liberal infrator, com fulcro na Constituição Federal de 1988, no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor.

Outro aspecto, porém, se destaca. Nem sempre as ações supra são propostas visando realmente obter o ressarcimento das lesões injustamente causadas pelo médico. Muitas vezes a busca da prestação jurisdicional visa unicamente o enriquecimento ilícito do paciente. Nesse caso, cabe ao profissional de saúde processado produzir uma defesa técnica de qualidade, e ao juiz proceder com a devida imparcialidade, analisando singularmente o caso concreto, a fim de coibir esse enriquecimento sem causa.

Tal fato, infelizmente, é uma realidade no mundo jurisdicional brasileiro, que segue a tendência norte-americana, onde no início da década de 70 foi criada uma verdadeira "indústria das indenizações" contra profissionais ligados à área da saúde.

O presente texto visa analisar algumas peculiaridades acerca da responsabilidade civil subjetiva dos médicos em casos de ações indenizatórias. Ressalte-se, desde já, que nesses casos, apesar de haver a necessidade da comprovação da culpa médica para ensejar o dever de indenizar, há a possibilidade da inversão do ônus da prova à luz do Código do Consumidor, o que vem dificultando veementemente a defesa desses profissionais nas ações judiciais. Não será analisada, aqui, profundamente, a responsabilidade objetiva que cerceia as instituições prestadoras de serviços da saúde em geral e os médicos em casos peculiares, onde não há a necessidade de verificação de culpa para consumar-se a obrigação de indenizar.

Essa dissertação não visa, de modo algum, esgotar o tema proposto, visto sua insuperável amplitude, o que deve ser objeto de inúmeras discussões presentes e futuras na doutrina e na jurisprudência pátria.


2. Obrigação do médico

A qualificação da obrigação médica ao prestar serviços profissionais ao paciente pode ser analisada sob dois ângulos.

O primeiro diz respeito à clássica classificação doutrinária. Nesse caso, dúvida não há quanto à tipificação da obrigação do médico que é chamado a prestar serviços profissionais a um paciente: trata-se de obrigação de meio. Isso significa que o médico "não assume o compromisso de curar o doente (o que seria contra todas as lógicas dos fatos) mas de prestar-lhe assistência, não quaisquer cuidados, porém contenciosos e adequados "[1].

A única controvérsia existente na doutrina e na jurisprudência diz respeito à cirurgia estética, que se subdivide em cirurgia estética reparadora e eletiva. A primeira dispensa maiores considerações, pois é vista como os atos cirúrgicos em geral: trata-se de obrigação de meio (caso de plásticas decorrentes de ferimentos estéticos causados por acidentes de trânsitos, v.g.).

Com relação à segunda espécie de cirurgia plástica (eletiva), a jurisprudência pátria dominante tende a considerar o ato cirúrgico como uma obrigação de resultado, onde exige-se a obtenção do resultado pretendido e contratado entre paciente e médico, sob pena de inadimplemento da obrigação e o conseqüente dever de indenizar.

Em que pese tal opinião de peso no ordenamento jurídico brasileiro, não nos parece ser essa a posição mais adequada.

Com efeito, os Drs. Carlos Alberto Jaimovich, Talita Franco, e Márcia Rosa Araújo, membros da Câmara Técnica de Cirurgia Plástica do Conselho federal de Medicina do Rio de Janeiro já se pronunciaram no sentido de que "toda reparação busca a beleza, sempre que possível, e alterações estéticas podem representar, para seus portadores, verdadeiras patologias com repercussões graves na esfera emocional", concluindo ainda que "a cirurgia plástica, portanto, em qualquer dos seus aspectos, é uma atividade médica que trata de doenças, sejam predominantemente físicas ou psicossomáticas"[2].

Ora, o paciente que vai até o cirurgião buscando reformar, através da cirurgia plástica, o seu nariz, os seus mamilos, a sua orelha etc., é porque esses órgãos o estão prejudicando, quer fisicamente, quer psicologicamente. Não há que se distinguir, portanto, tais atos cirúrgicos com os demais, visto que ambos buscam eliminar uma patologia. Assim, entendemos que a obrigação do médico que efetua uma cirurgia estética eletiva também é de meio.

A obrigação do profissional de medicina também pode ser analisada sobre o aspecto da teoria das vontades. Assim, todo ato médico resume-se num simples fato natural, "ausente de juízo de aprovação ou de reprovabilidade"[3]. Tal ato só ingressará no mundo jurídico após a análise do pactuado entre as partes, de modo que o que definirá se a obrigação do profissional de saúde é de meio ou de resultado é o contrato realizado entre este e o paciente.

Dessa forma, se o médico se comprometeu apenas a agir com todo o zelo possível inerente à sua profissão, mas sem se obrigar a alcançar o resultado pretendido, e o paciente consumou tal contratação através de um consentimento válido, a obrigação será de meio.

Já se o médico se comprometeu a alcançar o fim almejado pelo paciente, a obrigação será de resultado, independente do consentimento do paciente.

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Válido é salientar a lição do saudoso Aníbal Bruno, sobre o valor do consentimento do paciente nas intervenções médicas: "O fundamento da determinação não é o consentimento do paciente. Mas a ausência de consentimento torna a intervenção ilegítima, porque, então, não haveria exercício regular de uma faculdade, mas constrangimento ilícito, que tiraria desse exercício a sua legitimidade, salvo quando a vontade do paciente não se pode manifestar ou quando ocorrem os extremos do estado de necessidade"[4].

Temos, pois, que nas obrigações de meio, o médico "obriga-se a empregar diligência, a conduzir-se com prudência, para atingir a meta colimada pelo ato"[5]. Verificada a inexecução da obrigação, "cumpre examinar o procedimento para se averiguar se o mesmo deve ou não ser responsabilizado"[6]. Já nas obrigações de resultado, "a simples verificação material do inadimplemento basta para determinar a responsabilidade do devedor"[7].

O médico, portanto, que não atinge o fim objetivado pelo paciente no ato da contratação, somente responderá civilmente pelos atos a que deu causa se tiver agido com imprudência, negligência ou imperícia inerentes à sua profissão, se a obrigação assumida for de meio. Tal fato decorre diretamente dessa forma obrigacional, que gera a chamada responsabilidade subjetiva, sujeita à verificação de dolo, imprudência, negligência ou imperícia para caracterizar o dever de resssarcir os danos causados, diferentemente da obrigação de resultado, que dá azo à responsabilidade objetiva, que dispensa a verificação da culpa para ensejar o ônus de indenizar do profissional de medicina.


3. Responsabilidade médica

Em se tratando de uma obrigação contratual[8], de meio, o direito brasileiro institui que para a verificação da responsabilidade civil do médico deve ser aplicada a teoria da responsabilidade subjetiva. Tal implicação já vinha expressa no Código Civil de 1916, especialmente nos arts. 159 e 1545.

Atualmente, tal fundamento vem também expresso no art. 14, §1º, do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe, in verbis: "A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação da culpa".

Segundo a teoria em tela, são pressupostos necessários para caraterizar a responsabilidade civil do médico: o dano, o nexo de causalidade e a existência da culpa.

O primeiro pressuposto diz respeito à ocorrência de uma efetiva lesão moral, patrimonial ou estética no paciente, de forma que essa prejuízo seja antijurídico, ou seja, contrário ao direito. O nexo causal impõe que necessariamente a lesão deve ter sido causada por ato do médico, ou seja, deve haver o nexo de causalidade entre o dano e o fato imputado ao médico.

O terceiro pressuposto da responsabilidade civil subjetiva merece algumas considerações de maior complexidade. Inicialmente, cumpre ressaltar que a culpa, aqui, deve ser entendida como culpa "lato sensu", abrangendo o dolo (onde, no caso, o médico tinha a intenção, psicologicamente falando, de causar algum dano ao paciente) e a culpa "stricto sensu", que abrange suas várias modalidades: negligência, imprudência ou imperícia.

Assim, se o médico sempre tiver sua conduta abalizada pela perícia médica, ou seja, se sua atuação estiver de acordo com a lex artis médica, dificilmente ele será condenado em uma ação indenizatória, devido à ausência de culpa na sua conduta. Nesse sentido, vejamos os escólios do Prof. Gilberto Baumann de Lima sobre o lex artis dos médicos: "A atuação do profissional de medicina deverá ser de conformidade com a lex artis, ou seja: ‘Ya se ha visto que la jurisprudencia exige su concurrencia para que el acto sea legítimo, y pueda decirse que se há hecho com la observancia del cuidado ojetivamente debido; com la diligencia y pericia debidas. Por lex artis se entiende "la técnica correcta", o "aquellos principios essenciales que tiendam a su normal desenvolvimento"."[9]

Caso, porém, o médico cause um dano a um paciente em decorrência de um ato profissional de sua autoria, e desde que ele atue com dolo, imprudência, negligência e/ou imperícia, deve o mesmo ser condenado, via ação competente, a ressarcir os danos morais, materiais e/ou estéticos causados ao paciente ou a terceiros.

O Prof. Miguel Kfouri, citando conclusão do Procurador Geral da Corte de Apelação de Milão, assim define as modalidades de culpa em sentido estrito: "Não é imperito quem não sabe, mas aquele que não sabe aquilo que um médico ordinariamente deveria saber; não é negligente quem descura alguma norma técnica, mas quem descura daquela norma que todos observam; não é imprudente quem usa experimentos terapêuticos perigosos, mas aquele que os utiliza sem necessidade". Sobre a imperícia, aliás, conclui o ilustre magistrado que "o médico deverá, diante de um caso que supere seus conhecimentos, conferenciar com colegas ou indicar um especialista. Antes de intervir, deve avaliar a si mesmo"[10].

Assim, observados no caso concreto uma das modalidades da culpa, o dano e o nexo causal entre a conduta do médico e a lesão causada, deve o profissional liberal ser responsabilizado civilmente. Ausentes, porém, um dos três pressupostos caracterizadores da responsabilidade subjetiva, a ação deverá ser julgada improcedente, com a conseqüente condenação do paciente às custas sucumbênciais, e, dependendo do caso, à litigância de má-fé (art. 18 do Código de Processo Civil brasileiro).

Vale ainda lembrar a lição do insigne mestre Arnoldo Wald sobre outros aspectos da culpa: "A culpa pode ser presumida juris tantum, admitindo a prova contrária, ou juris et de jure, quando a lei não permite que se comprove a sua inexistência. Em certos casos, a responsabilidade pelo ato de outrem decorre da culpa in vigilando ou in eligendo, a primeira significando a falta de fiscalização e a segunda a má escolha do preposto, empregado ou representante"[11].

Já nos casos que comportam a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva, ou teoria do risco, decorrentes diretamente da obrigação de resultado, exclui-se a necessidade da verificação da culpa para se determinar a condenação ou não do médico ao dever de indenizar. Nada impede, porém, que esse se utilize processualmente das excludentes de responsabilidade para se eximir de tal compromisso.


4. Da prova

O processo civil contempla uma regra inerente aos processos em geral no sentido de que ao Autor incumbe provar os fatos constitutivos de seu direito (art. 333, I, do CPC), e ao Réu os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Autor (art. 333, I, do CPC). Assim, "para que a responsabilidade do médico emerja, mister se faz que o doente ou seus herdeiros demonstrem que o resultado funesto, por ele experimentado, derivou de negligência ou imprudência do profissional"[12].

Ocorre que a atividade médica equipara-se à prestação de serviços. Assim, o médico, como prestador de serviços que é, sujeita-se às normas do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), que, em seu art. 6º, VIII, dispõe que são direitos básicos do consumidor: "VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do Juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência".

Duas são, portanto, as possibilidades de se inverter o ônus da prova no caso de uma ação indenizatória em decorrência do chamado erro médico: caso haja a verossimilhança da alegação ou caso seja verificada a hipossuficiência do consumidor.

A primeira situação contempla aquelas alegações que realmente trazem um elevado grau de certeza de verdade ao Juiz da causa. Assim, na hipótese dos fatos alegados pelo paciente serem acreditáveis, pode o juiz inverter o ônus da prova, de tal forma que ao médico incumbirá provar sua inocência. Entendemos, contudo, que o grau de convencimento do Juiz deve ser efetivamente elevado para que se conceda tal benefício processual ao consumidor, de forma que uma pessoa de grau médio de conhecimento, diante da exposição fática do caso concreto, pudesse chegar à mesma conclusão.

A segunda hipótese de inversão do ônus da prova contempla a verificação da hipossuficiência, segundo as regras ordinárias de experiência, ou seja, nos casos em que o consumidor for parte mais fraca economicamente ou tecnicamente.

O caso de situação econômica desvantajosa é muito comum nos processos em geral, principalmente nas situações que envolvam prestação de serviços médicos pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Cabe ao juiz, então, verificar que esse desnível econômico realmente influenciará na decisão final do processo, segundo sua experiência pessoal em outros processos, em estudos anteriores etc.

A hipossuficiência técnica é ainda mais freqüente, e diz respeito às informações que o médico passa ao paciente sobre o tratamento a que deverá ser ou a que foi submetido o consumidor. Na maioria dos casos, tais informações são prestadas de maneira extremamente técnica, onde se presume que qualquer pessoa relativamente bem instruída fosse incapaz de entender tal comunicação. Verificada tal ocorrência, pode o Juiz inverter o ônus da prova no processo.

Para que o médico possa evitar essa desvantagem processual no caso de um pleito indenizatório, deve o mesmo buscar passar informações sobre sua conduta, os procedimentos pós e pré operatórios, as cautelas, os riscos inerentes a determinado ato etc., por escrito, recolhendo a assinatura do paciente em uma das vias do documento, além de explicar oralmente tais comunicações em uma linguagem mais acessível ao cidadão comum. Agindo dessa forma, a hipossuficiência técnica não mais se caracterizará, paciente e médico possuirão idêntica posição processual, e o sistema de provas seguirá a regra do Código de Processo Civil.

O fato é que atualmente a maioria dos profissionais de medicina não se previnem adequadamente contra possíveis ações judiciais propostas pelos seus pacientes, o que muitas vezes dificulta a atuação profissionais de seus procuradores, no momento da defesa processual. No instante em que o profissional adquire o consentimento do paciente para determinada prática médica, salvo situações de urgência ou emergência que dispensam tal formalidade de imediato, por exemplo, de nada adianta um documento extremamente técnico, fora dos padrões exigidos pelo ordenamento jurídico vigente. O consentimento não é um documento único, é um processo complexo, incluído aí a anamnese, as informações fornecidas ao paciente, a documentação utilizada nos padrões exigidos por lei etc. Se não estiver nesses termos, o consentimento do paciente não poderá ser utilizado como meio de prova idôneo a favor do profissional da saúde, sob pena, inclusive, de provar a conduta ilícita (presumidamente ou não) do mesmo. Deve o profissional de saúde, portanto, atuar nos conformes do direito moderno.


5. Dos excludentes de responsabilidade

Se o profissional de medicina comete erro grosseiro ou manifesto, deve o mesmo ser compelido a indenizar o paciente lesado. Nada mais justo. Existem causas, porém, que se verificadas, eximem o médico de culpabilidade, ensejando a improcedência de uma ação de indenização eventualmente proposta: são as chamadas causas excludentes de responsabilidade.

Jerônimo Romanello Neto[13], citando Kirmser, enumera algumas causas que eximem a responsabilidade do médico: iatrogenia, estado de necessidade, obediência devida, cumprimento de um dever legal e exercício regular de um direito, erro e ignorância, caso fortuito e força maior, dispensa de culpa, culpa do enfermo e culpa concorrente. Tal enumeração, porém, não é taxativa, e sim exemplificativa, podendo surgir outras causas do mesmo tom ao longo do desenvolvimento da ciência, do direito, e da análise do caso concreto pelo magistrado.

Ainda que haja controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca de um ou mais dos motivos supra (há autores, v.g., que entendem que a culpa concorrente não exime completamente o dever de indenizar do médico, apenas reduz tal obrigação; que entendem que apenas as iatrogenias de caráter lícito têm o condão de eximir o profissional da responsabilidade[14] etc.), o fato é que mesmo que haja o dano, o nexo causal entre a lesão e a conduta do médico, e a verificação da culpa deste (nos casos de obrigação de meio), exime-se a obrigação de indenizar se presentes uma ou mais das causas excludentes de responsabilidade.


6. Conclusão

Diante do exposto, concluímos que a obrigação do profissional de medicina pelos seus atos profissionais (aí incluído consultas, cirurgias, diagnósticos etc.) pode ser de meio ou de resultado, devendo-se sempre analisar de forma concreta o procedimento médico realizado e o acordo pactuado entre este e o paciente, para se definir qual forma obrigacional deve ser aplicada na medição da responsabilidade civil médica.

Dependendo da caracterização supra, poderá ser aplicada tanto a teoria da responsabilidade civil objetiva (ou teoria do risco), quanto a teoria subjetiva nas ações indenizatórias visando o ressarcimento dos danos morais, patrimoniais ou morais, causados pelo chamado erro médico. Dessa forma, para que o médico seja compelido a ressarcir os danos a que deu azo, mister se faz a presença dos três pressupostos da responsabilização: o dano, o nexo causal entre tal lesão e a conduta médica, e a existência de culpa.

Ocorre que nesses processos é possível que o Juiz inverta o ônus da prova, se verificada a verossimilhança da alegação do paciente ou sua hipossuficiência técnica ou econômica, fato que deve ser analisado no caso concreto, atendendo-se sempre ao princípio da razoabilidade.

Assim, a posição do médico no processo indenizatório pode torna-se bastante delicada, pois o mesmo é quem terá o ônus, nesses casos, de provar que é inocente, ou que não houve nexo causal entre sua conduta e a lesão etc.

Necessário se faz, portanto, que os referidos profissionais liberais sejam "reeducados", no sentido de proteger-se documentalmente, antes mesmo de uma ação indenizatória, nos moldes do ordenamento jurídico vigente, de forma a facilitar a prova de sua inocência na instrução processual de um eventual procedimento de indenização a seu desfavor.

Finalizando, sobrelevamos que cabe ao Magistrado responsável pela causa coibir as extrapolações processuais daqueles pacientes que ingressam com um processo contra determinado médico visando apenas o enriquecimento ilícito. Deve prosperar, nesses casos, os escólios do Prof. Washington de Barros Monteiro, no sentido de que "ao direito compete distinguir, cuidadosamente essas miragens de lucro, de que falava Derburg, da verdadeira idéia de dano"[15].


7-Notas

1.PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1989, p. 162;

2.DIREITO, Carlos Augusto. "Responsabilidade médica nas cirurgias estéticas", in www.solar.com.br/~amatra/carlosgustavo_1.html;

3.STOCO, Rui. Iatrogenia e Responsabilidade Civil do Médico. in RT 784/105;

4.BRUNO, Aníbal. Direito Penal – Parte Geral – v. I. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 1978, p. 13;

5.MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – v. 4. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 54;

6.MONTEIRO, Whashington de Barros. Ob. cit., p. 54;

7.Idem;

8.Nota do Autor: Alguns autores entendem, porém, que a obrigação do médico é extracontratual ou aquiliana, por causa da localização do art. 1545 do Código Civil na parte que versa sobre as obrigações por atos ilícitos. Tal caracterização, porém, é irrelevante, pois substancialmente a obrigação contratual e a aquiliana geram os mesmos efeitos civis.

9.Culpabilidade do Médico e a "Lex Artis", in RT 695/427, apud CASABONA, Carlos Maria, La Actividad Curativa (Licitud y Responsabilidad Penal), Barcelona: Ed. Boch, Casa Editorial S.A., 1981, p. 71;

10.Responsabilidade Civil do Médico. São Paulo: RT, 2ª edição revista e ampliada, 1999, p. 81;

11.Curso de Direito Civil Brasileiro – Obrigações e Contratos. São Paulo: RT, 2000, p. 582;

12.TJSP – Ap. Cív. 204.430-1 – São Paulo – p. 24.05.94;

13.Responsabilidade Civil dos Médicos. São Paulo: Ed. Jurídica Brasileira, 1998, p. 39;

14.STOCO, Rui, ob. cit.;

15.MONTEIRO, Washington de Barros. Ob. cit., p. 386.


8- Referências Bibliográficas

BRUNO, Aníbal. Direito Penal – Parte Geral – v. I. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 1978;

DIREITO, Carlos Augusto. Responsabilidade médica nas cirurgias estáticas, in www.solar.com.br/~amatra/carlosgustavo_1.html;

KFOURI NETO, Miguel, Responsabilidade Civil do Médico. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais: 2ª edição revista e ampliada, 1999;

LIMA, Gilberto Baumann de. Culpabilidade do Médico e a "Lex Artis", in RT 695/427;

MONTEIRO. Washington de Barros. Curso de Direito Civil – v. 4 – Obrigações – 1ª Parte. São Paulo: Saraiva, 1997;

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1989;

ROMANELLO NETO, Jerônimo. Responsabilidade Civil dos Médicos. São Paulo: Ed. Jurídica Brasileira: 1998;

STOCO, Rui. Iatrogenia e Responsabilidade Civil do Médico. in RT 784/105;

WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro – Obrigações e Contratos. São Paulo: RT, 2000.

Sobre o autor
Thiago Simões Rabello

acadêmico de Direito da Universidade Estadual de Londrina (PR), membro da Associação Brasileira de Administração dos Riscos na Saúde

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RABELLO, Thiago Simões. O erro médico e o direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2455. Acesso em: 23 dez. 2024.

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