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Considerações sobre a teoria da transcendência dos motivos determinantes da decisão judicial no direito processual coletivo especial brasileiro

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Agenda 29/05/2013 às 15:55

5 Outros casos de vinculação aos motivos determinantes: O EFEITO VINCULANTE PARA ALÉM DO CONTROLE NORMATIVO CONCENTRADO E ABSTRATO?

Vem sustentando a doutrina, sobretudo através da respeitável voz do Ministro Gilmar Mendes, que o efeito vinculante – tanto que compreendido como vinculação aos motivos determinantes da decisão – subsiste para além do controle concentrado e abstrato de constitucionalidade.

Com efeito, existem, sobretudo na normatividade do direito processual civil, mecanismo idôneos a emprestar efeito vinculante (transcendência à ratio decidendi) às decisões dos Tribunais em sede de controle de constitucionalidade e de legalidade[56].

Para Gilmar Mendes, em se tratando de juízo de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, por exemplo, tem-se o caso da aplicação do art. 557 do CPC, que é, segundo o Ministro, “um forma brasileira de atribuição de efeito vinculante às decisões do Tribunal”[57]. Sustenta que, tendo em vista o disposto no caput e no §1º-A do art. 557 (que reza sobre a possibilidade de o relator julgar monocraticamente recurso interposto contra decisão que esteja em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do STF), torna-se possível aplicar as teses (motivos determinantes) fixadas em precedentes onde se discutiu a (in)constitucionalidade de lei, em sede de controle difuso. Aplicam-se, assim, os fundamentos determinantes de um leading case em hipóteses semelhantes – o que, segundo Mendes, tem sido feito sobretudo no controle de constitucionalidade de leis municipais.[58]

Ora, inevitável concluir no sentido de que efetivamente existem, no âmbito no sistema jurídico brasileiro, outros mecanismos de empréstimo de efeito vinculante às teses fixadas pelo Tribunal – mormente se compreendamos, aqui, o efeito vinculante em um sentido mais amplo, isto é, como efeito de cariz intra-processual que, se não alcança a mesma força vinculativa que emana do efeito vinculante das decisões proferidas em sede de controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, seguramente vai muito além da mera força persuasiva dos precedentes judiciais.

É o caso, por exemplo, do art. 285-A, do Código de Processo Civil, que permite, quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, seja proferida de pronto a sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.

Dessa forma, procuraremos sistematizar, nessa quadra da investigação, as situações em que a razão de decidir veiculada em determinando caso posto à apreciação dos tribunais – e mormente em sede de processo objetivo – transcende e passar a servir de paradigma para a resolução de outras demandas deduzidas em juízo – o que, de alguma forma, nos levar a crer que o art. 469 do CPC merece ser reinterpretado à luz das balizas e institutos que informam o direito processual coletivo especial.

Vale o registro, porém, de que mesmo o direito processual civil individual também conhece um caso clássico, embora não afeto ao controle de constitucionalidade e de legalidade, de transcendência dos motivos determinantes: trata-se do efeito resultante do trânsito em julgado da sentença na causa em que interveio o assistente. Este não poderá, em virtude da chama eficácia da intervenção (interventionswirkung) em processo posterior, discutir a justiça da decisão – o que significa a impossibilidade de rediscutir os motivos determinantes do decisum, frente à extensão dos limites objetivos da coisa julgada para que abarquem também a motivação[59] – uma exceção frente o disposto no art. 469 do CPC.

Feito o breve destaque, passemos à análise de outros mecanismos de empréstimo de efeito vinculante às decisões dos tribunais.

5.1 O art. 52, X, da Constituição da República reinterpretado: controle difuso de constitucionalidade “objetivado” e dotado de efeitos vinculantes

Como é cediço, também ao STF cabe declarar incidentalmente a inconstitucionalidade de uma lei. Poderá fazê-lo em causa de sua competência originária – v.g., um mandado de segurança contra ato do Presidente da República –, ao julgar recurso ordinário – v.g., interposto contra a denegação de um habeas corpus pelo STJ – ou na apreciação de um recurso extraordinário – por exemplo, irresignação dirigida contra acórdão de Tribunal de Justiça que, respeitada cláusula de reserva de plenário (CR/88, art. 97), declarou incidentalmente lei federal inválida diante da Constituição.

Em qualquer dessas hipóteses – dentre as quais a mais corriqueira é a do recurso extraordinário –, o STF, em decisão do Pleno, por maioria absoluta, poderá declarar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade de um ato normativo. Nesse caso, a tradição brasileira, prevê a comunicação ao Senado Federal, que poderá suspender, no todo ou em parte, a execução da lei[60] declarada inconstitucional. Na Carta de 1988, a referida providência/competência consta do art. 52, inciso X.[61]

O objetivo da previsão – herança do art. 91, inciso IV, da Constituição de 1934 – é possibilitar a extensão para todos os jurisdicionados dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade proferida pela Corte Constitucional em um determinado caso concreto, na via difusa. Desse modo, o juízo de inconstitucionalidade – que ordinariamente se irradiava apenas entre as partes no processo, vez que relativo à situação concretamente deduzida em juízo –, passa a produzir efeitos gerais.[62]

Essa é a fórmula tradicional, decorrente da literalidade do texto constitucional vigente.

Entretanto, tem-se evidenciado que, no atual contexto de crescente vinculação às decisões pretorianas, a necessidade de comunicação ao Senado para que, se assim entender conveniente, suspenda a execução do ato normativo declarado inconstitucional pelo STF vem sendo questionada, sobretudo pela própria Corte.[63]

Mormente na voz do Ministro Gilmar Mendes, tem-se recomendado um releitura do papel do Senado no processo de controle de constitucionalidade, vez que a suspensão de execução da lei declarada inconstitucional teve o seu significado abalado com a ampliação do controle abstrato de normas na Carta de 1988 – e notadamente com a projeção do efeito vinculante após as Emendas Constitucionais n. 3/1993 e n. 45/2004. Nesse diapasão, assim se manifestou o Ministro, em voto proferido na Reclamação Constitucional n. 4.335/AC:

A amplitude conferida ao controle abstrato de normas e a possibilidade de que se suspenda, liminarmente, a eficácia de leis ou atos normativos, com eficácia geral, contribuíram, certamente, pra que se quebrantasse a crença na própria justificativa desse instituto [suspensão da lei pelo Senado Feral – CR/88, art. 52, X], que se inspirava diretamente numa concepção de separação de Poderes – hoje inevitavelmente ultrapassada. Se o Supremo Tribunal pode, em ação direta de inconstitucionalidade, suspender, liminarmente, a eficácia geral de uma lei, até mesmo de uma Emenda Constitucional, por que haveria a declaração de inconstitucionalidade, proferida no controle incidental, valer tão-somente para as partes? A única resposta plausível nos leva a crer que o instituto da suspensão pelo Senado assenta-se hoje em razão de índole exclusivamente histórica

Sem prejuízo das diversas críticas dirigidas à tese[64], o certo é que vem sendo argüida a ocorrência de mutação constitucional como fator impositivo de nova compreensão a respeito do preceito normativo aludido. Assim, nessa nova conjuntura, as decisões proferidas pelo STF no campo do controle difuso de constitucionalidade teriam efeitos vinculantes – isto é, os motivos determinantes da decisão irradiar-se-iam, passando a informar casos futuros – em relação à coletividade, independentemente da expedição de resolução pelo Senado Federal que, se editada, serviria apenas para conferir uma maior publicidade à decisão então proferida.[65]

Parte-se da compreensão de que o exercício da fiscalização incidental de constitucionalidade, pelo STF, assume foros de objetivação, eis que, posto se discuta uma lide concretamente deduzida, a apreciação da questão constitucional subjacente ocorre – mormente em sede de recurso extraordinário – em abstrato, em moldes semelhantes ao que sucede nas ações diretas. O paralelismo do modus operandi conduziria à qualificação da decisão do Supremo com idêntica eficácia, vez que, em ambas as situações, a Corte operaria como guardiã da Constituição, cabendo-lhe fixar a última palavra em matéria de interpretação constitucional e zelar pela força normativa da Carta. Daí, pois, a compreensão de que a tese (ratio decidendi) veiculada no decisum – tese essa de inarredável teor constitucional – transcenderia o caso deduzido em juízo, passando a orientar situações semelhantes.

5.2 O novo perfil dos recursos extraordinário e especial: a transcendência dos motivos determinantes da decisão proferida no processo-piloto como mecanismo de resolução uniforme de pretensões isomórficas

Os recursos extremos – recurso extraordinário, recurso especial e recurso de revista – sempre foram compreendidos como recursos excepcionais, em que o recorrente não pode alegar quaisquer questões. São recursos de fundamentação vinculada, destinados a veicular questões de direito, exigindo, para sua admissibilidade, o atendimento a pressupostos de base constitucional.

Tais recursos, pois, não são porta de entrada para um “terceiro grau de jurisdição”, no qual possa haver rediscussão dos fatos e reexame da prova. Nesse sentido, é categórica a antiga (e ainda atual e vigente) Súmula n. 279 do STF: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.

Especificamente no que tange ao recurso extraordinário, a pretensão veiculada diz sempre respeito a uma questão constitucional, como se percebe nas várias alíneas do inciso III do art. 102 da CR/88, que elencam suas hipóteses de cabimento. Assim, até por força de sua necessária fundamentação em questão constitucional, o recurso extraordinário é o instrumento por excelência do controle difuso realizado pelo STF, afigurando-se como uma das competências que o caracterizam como guardião da Constituição, ao permitir-lhe fixar o sentido e o alcance das normas constitucionais, bem como assegurar a sua observância.

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Nessa tessitura, verifica-se que relevante alteração engendrada pela EC n. 45/2004, na disciplina do recurso extraordinário, foi a introdução do §3º no art. 102 da Carta da República. A imposição constitucional de que o recorrente, ao interpor o recurso extraordinário, deve demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso trouxe consigo um sem-número de questões de grande interesse teórico e prático.

A introdução desse novo requisito de admissibilidade recursal insere-se, certamente, no âmbito das preocupações em se equacionar adequadamente a função dos Tribunais Superiores no país e a maneira pela qual é desempenhada. Isso porque, e esse é o alerta de José Carlos Vasconcellos dos Reis[66], vivencia-se hoje um momento em que a função dos Tribunais Superiores já não se limita à defesa da lei em abstrato ou à uniformização da jurisprudência. Para além disso, as Cortes Supremas têm o alto papel de outorgar unidade ao Direito, situação que, no âmbito do STF, significa outorgar unidade à Constituição e, em decorrência disso, a todo o ordenamento jurídico.

Sucede que essa função só pode ser satisfatoriamente cumprida mediante uma seleção (“filtragem”), realizada pela Corte, das questões que lhe pareçam mais ligadas à obtenção da unidade do Direito, não lhe devendo competir a análise de todo e qualquer caso que lhe seja levado a conhecimento. E veio agora funcionar, como instrumento viabilizador dessa “filtragem”, a instituição da repercussão geral da controvérsia constitucional afirmada no recurso extraordinário, como requisito de admissibilidade deste. Nessa toada, sobre o novo instituto, assim se manifestam Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero[67]:

Guardam-se as delongas inerentes à tramitação do recurso extraordinário apenas quando o seu conhecimento oferecer-se como um imperativo para a ótima realização da unidade do Direito no Estado Constitucional brasileiro. Resguardam-se, dessarte, a um só tempo, dois interesses: o interesse das partes na realização de processos jurisdicionais em tempo justo e o interesse da Justiça no exame de casos pelo Supremo Tribunal Federal apenas quando essa apreciação mostrar-se imprescindível para a realização dos fins a que se dedica a alcançar a sociedade brasileira

Ultrapassada, porém, a questão da relevância da repercussão geral como uma tendência de restringir a atuação das Cortes Superiores a um número reduzido de causas de relevância transcendente, importante discussão – sobretudo no que toca ao objeto do presente estudo – gira em torno da vinculação vertical e dos efeitos vinculantes das decisões do STF proferidas segundo a novel sistemática, isto é, em sede de recursos extraordinários nos quais haja sido reconhecida a repercussão geral das questões constitucionais controvertidas.

Com efeito, a vinculação vertical dos tribunais inferiores às decisões da Corte em muito se aproxima do sistema norte-americano do stare decisis. Hoje, tal tendência foi positivada em texto legal, com a inserção do art. 543-B no CPC, pela Lei n. 11.418/2006, ao menos no que se refere aos chamados conflitos de massa, que ensejam multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia.[68]

Ademais, no concernente à atuação jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça, outra importante inovação legislativa sobreveio com a inclusão do art. 543-C no Código de Processo Civil, pela Lei 11.672/2008, também denominada Lei dos Recursos Repetitivos. Trata-se de dispositivo que em tudo guarda semelhança com o estabelecimento de vinculação vertical às decisões do STF no âmbito dos recursos extraordinários[69]. Com efeito, de maneira análoga, reconhecida a existência de recursos de massa, com questão idêntica, admitir-se-ão recursos representativos da controvérsia, sobrestando o andamento dos demais, a fim de que, sendo aqueles decididos, o posicionamento firmado pela Corte seja ulteriormente aplicado a todos os demais processos sobrestados.

Nesse diapasão, é de rigor reconhecer que o atual panorama do julgamento dos recursos extremos nos permite avaliar que, no tocante à garantia de estabilidade e autoridade das decisões proferidas em sede de recursos especial e extraordinário, em muito a eficácia dos pronunciamentos das Cortes se assemelha ao efeito vinculante de que são dotadas as decisões prolatadas em fiscalização normativa abstrata e concentrada.

É que, como sobressai patente, a vinculação vertical dos tribunais inferiores às decisões do STF e STJ proferidas na via extraordinária/especial se dá em face da orientação ou tese (ratio decidendi) firmada pelos Tribunais na apreciação dos referidos recursos. Isso porque há uma eficácia “pan-processual”[70] da decisão do STF e do STJ sobre a matéria constitucional ou legal deduzida no recurso, que afetará outros processos, cuja irresignação se funde em pretensão isomórfica.[71]

Com efeito, as técnicas de recursos repetitivos (543-C, CPC) e da repercussão geral (Art. 102, §3º, CR/88 e 543-A e B, CPC) encaixam-se no perfil das chamadas “causas piloto” ou “processos teste” (Pilotverfahren ou test claims), no qual, para resolução dos litígios em massa, “uma ou algumas causas que, pela similitude na sua tipicidade, são escolhidas para serem julgadas inicialmente, e cuja solução permite que se resolvam rapidamente todas as demais”[72], a partir do mecanismo de transcendência dos motivos determinantes da decisão prolatada no caso-líder.

Daí porque há quem defenda que, com a introdução da nova sistemática de julgamento dos recursos extremos, após as reformas levadas a cabo pelas Leis Federais n. 11.418/2006 e n. 11.672/2008, as decisões proferidas pelo STF e pelo STJ nas vias extraordinária e especial passaram a ser dotadas de acréscimo eficacial correspondente ao efeito vinculante, eis que os fundamentos determinantes transcendem o caso concreto e passam informar situações paralelas, a símile do que sucede nos quadrantes do controle de constitucionalidade concentrado e abstrato.

Nesse sentido, a opinião de José Carlos Vasconcellos dos Reis[73], ao tratar do julgamento dos recursos extraordinários pelo STF:

Em suma, o art. 543-B do CPC – e sua regulamentação no RISTF – veio colocar no Direito Positivo a tendência doutrinária e jurisprudencial de estender aos efeitos da decisão do STF em recurso extraordinário (controle difuso e concreto de constitucionalidade) a mesma força vinculante das decisões em controle direto e abstrato de constitucionalidade (no qual não há caso concreto sendo julgado e a decisão do STF acerca da (in)constitucionalidade da lei vincula todos os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública)

(...)

Em termos mais amplos, a questão se acha conectada diretamente com o fenômeno da ascensão normativa da jurisprudência, inclusive em sistemas filiados à tradição romano-germânica (e não à common law), como o nosso. Assistimos, pouco a pouco, ao surgimento de variadas formas e graus de eficácia vinculante das decisões judiciais, especialmente dos Tribunais Superiores, e as inovações surgidas quanto ao recurso extraordinário inserem-se, inegavelmente, nesse panorama

Em sentido semelhante o posicionamento de Luiz Guilherme Marinoni[74] que, embora não qualifique o acréscimo eficacial conferido aos recursos especiais repetitivos com o predicado do efeito vinculante, reconhece a força cogente das decisões, verbis (grifos acrescidos):

Na verdade, poder-se-ia ir além, uma vez que é tranquilamente possível, em termos lógicos e jurídicos, sustentar que as decisões do STJ devem ter efeito vinculante sobre os juízes e tribunais inferiores. Neste momento, isto não é possível em termos concretos e práticos em razão de a importância das decisões não ser assimilada pela cultura jurídica brasileira. Ora, se inexiste cultura de respeito aos precedentes, ou melhor, se as próprias Turmas do STJ não se vinculam às suas decisões, elimina-se, de forma natural, a autoridade ou a força obrigatória dos seus precedentes em relação aos tribunais superiores.

Não obstante, o instituto do recurso especial repetitivo – que embora recém introduzido no Código de Processo Civil (art. 543-C), já faz parte da prática do STJ – é prova bastante de que se começa a trilhar caminho rumo ao precedente com força obrigatória

Os que defendem tal concepção baseiam-se na nova roupagem conferida aos recursos extraordinário e especial, que são “objetivados”, visto que, embora o STF e o STJ estejam apreciando um caso concreto, a análise da (in)constitucionalidade ou da (i)legalidade é feita em tese, além do que a manifestação das Cortes centra-se mais no imperativo de salvaguarda da Constituição e da legislação federal (direito objetivo) do que propriamente em atenção aos interesses subjetivo-individuais em disputa. Repercussões processuais desse fenômeno são, por exemplo, a admissibilidade de sustentação oral por amici curiae em sede de recurso extraordinário[75] e a inviabilidade de desistência recursal quando já iniciado o procedimento de julgamento do recurso especial representativo da controvérsia, de forma a tornar indisponível e inafastável a manifestação da Corte[76]. Características típicas dos processos de caráter marcadamente objetivo. Assim, para Gilmar Ferreira Mendes[77] – e suas conclusões são igualmente válidas para o controle de legalidade conforme o novo modelo de julgamento dos recursos especiais submetidos ao regime do art. 543-C do CPC:

Esse novo modelo legal traduz, sem dúvida, um avanço na concepção vetusta que caracteriza o recurso extraordinário entre nós. Esse instrumento deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesse das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva. Trata-se de orientação que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm conferindo ao recurso de amparo e ao recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde). Nesse sentido, destaca-se a observação de Häberle segundo a qual ‘a função da Constituição na proteção dos direitos individuais (subjectivos) é apenas uma faceta do recurso de amparo’, dotado de uma ‘dupla função’, subjetiva e objetiva, ‘consistindo esta última em assegurar o Direito Constitucional objetivo’ (Peter Häberle, o recurso de amparo no sistema germânico, Sub judice 20/21, 2001, p. 33)

Forçoso concluir, portanto, que aos recursos extraordinário e especial foi conferido um novo perfil, porquanto se encontram, como acertadamente encarece a doutrina, vocacionados sobretudo (e não apenas, cumpre frisar) à tutela da ordem objetiva, permitindo aos Tribunais Superiores estabelecer uma esfera de decisão unitária de questões comuns a várias demandas isomórficas[78] – o que, a nosso sentir, permite incluir os recursos extremos como instrumento direito processual coletivo especial, a símile das ações diretas.

Sem embargo de tais inovações, pensamos que é exagerado qualificar como dotada de efeito vinculante a decisão proferida nos julgamentos dos recursos extraordinários e especiais submetidos aos regimes das Leis n. 11.418/2006 e n. 11.672/2008.

Explica-se.

É que, embora haja vinculação vertical ao mérito do recurso extremo, isto é, à decisão tomada pela Corte no julgamento por amostragem, e ainda que os motivos determinantes que ampararam o decisum sirvam de referência para casos semelhantes, em muito a eficácia da decisão tomada nos recursos se distingue dos efeitos exsurgentes do julgamento das ações diretas (ADI, ADC e ADPF).

Primus, porque a vinculação ao acórdão prolatado é apenas vertical e imediata. Vertical porque dirigida apenas a órgãos do Poder Judiciário, excluindo-se, pois, a Administração Pública, que, a toda evidência, não queda vinculada à orientação perfilhada pela Corte. Imediata porque voltada apenas aos órgãos jurisdicionais de origem dos recursos – isto é, aos órgãos de instância imediatamente inferior: no caso do STF, o órgão que tiver proferido, em única ou última instância, a decisão recorrida (CR/88, art. 102, III); quanto ao STJ, apenas os Tribunais Regionais Federais, Tribunais estaduais, do Distrito Federal ou dos territórios (CR/88, art. 105, III). A fortiori, tem-se que a vinculação não é geral, eis que a eficácia da decisão não abrange todos os órgãos judicantes, de forma que o precedente assume, quando a estes, tão-somente papel persuasivo.

Secundus, não há de se falar em cabimento de reclamação, com suposto fundamento nos arts. 102, I, l (para o STF) ou 105, I, f (para o STJ), na hipótese de desrespeito às teses firmadas pelas Cortes nos julgamentos por amostragem. Com efeito, uma vez negada aplicação à razão de decidir veiculada pelos Tribunais Superiores, não há de se falar, propriamente, em desrespeito à autoridade da decisão, como se exige para fins de manejo da reclamação[79]. A questão resolve-se intra-processualmente, isto é, no bojo do próprio recurso (extraordinário ou especial) em que foi negada aplicação à tese, nos moldes propostos pelos arts. 543-B, §4º e 543-C, §8º do CPC: o recurso interposto terá seguimento e o Tribunal Superior competente, em o conhecendo, poderá cassar ou reformar liminarmente o decisum contrário à orientação firmada.

Assim, sobressai patente que o grau de vinculação à decisão prolatada no âmbito dos recursos extremos – e sem prejuízo de sua tendência à objetivação ou abstrativização – é consideravelmente reduzido no cotejo com a eficácia que dimana do julgamento em sede de fiscalização normativa abstrata e concentrada, mormente no aspecto subjetivo. Logo, o efeito vinculante, tal como compreendido nos limites do presente estudo, continua a ser, a nosso sentir – e não obstante a reconhecida existência de um mecanismo de transcendência dos motivos determinantes no âmbito dos recursos extraordinários e especiais –, apanágio das decisões proferidas em ações diretas.

É certo, porém, que o atual panorama pode mudar. Em notícia veiculada no sítio eletrônico do STJ, no dia 14 de abril de 2010, anunciou-se que, no anteprojeto do novo CPC, a decisão em recurso repetitivo deverá ser vinculante:

Novo CPC: Decisão em recurso repetitivo deverá ser vinculante. As decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento de processos sob o rito da Lei dos Recursos Repetitivos deverão ser seguidas por todos os magistrados de primeiro e segundo graus. Essa é uma das mudanças previstas para o Novo Código de Processo Civil (CPC), que está sendo discutido pelo Senado Federal[80]

Não nos parece imune a críticas a proposta. É que a introdução do efeito vinculante na sistemática de julgamento dos recursos especiais, muito embora revele uma tendência à objetivação e abstrativização de tal instrumento, não configura, a nosso sentir, matéria de direito processual civil, mas sim de processo constitucional, de forma que não é a lei federal ordinária o mecanismo formalmente constitucional a ser empregado. A atribuição de maior abrangência ao efeito vinculante para alcançar também o julgamento dos recursos especiais repetitivos, de maneira análoga ao que sucedeu com a sua introdução em 1993, parece ser da alçada do Congresso Nacional em sua competência constituinte derivada, na via da edição de emenda constitucional.

5.3 O pedido de uniformização e a reclamação destinada a dirimir divergência perante o STJ no âmbito do procedimento especial dos Juizados Especiais (Lei n. 10.259/2001, art. 14, §4º e Resolução n. 12/2009 do STJ)

Prevê o art. 14 da Lei n. 10.259/2001 – Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais, que, no âmbito do procedimento sumariíssimo em trâmite perante a Justiça Federal, caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.

Trata-se, segundo o abalizado magistério de Alexandre Freitas Câmara[81], de instrumento de inarredável natureza recursal, que exerce função análoga à do recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial (previsto no art. 105, III, c, da Constituição da República), tendo por finalidade assegurar a uniformização da jurisprudência dentro do microssistema dos Juizados Especiais Cíveis Federais, combatendo-se as divergências estabelecidas entre decisões de Turmas Recursais diferentes.

Sufragando a tese da natureza recursal do pedido de uniformização, manifestam-se Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, para quem o instituto distingue-se do incidente de uniformização de jurisprudência previsto no art. 476 do CPC, eis que neste há um incidente processual no qual apenas se fixa a tese jurídica in abstracto. A seu turno, o pedido de uniformização funciona como verdadeiro recurso, pois o órgão julgador – Turmas Recursais Reunidas ou Turma Nacional de Uniformização –, ao dar-lhe provimento, substituirá a decisão da turma recursal na qual ocorreu a divergência e que ensejou o pedido.[82]

De maneira semelhante, introduzindo instituto de cariz igualmente recursal, estabelece o art. 14, §4º que, quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questão de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação do Tribunal, que dirimirá a divergência – trata-se do pedido de uniformização[83] ou reclamação destinada a dirimir divergência[84] dirigido(a) ao STJ.

Sem embargo da acesa discussão em torno da inconstitucionalidade do preceito veiculado na Lei n. 10.259/2001, eis que teria criado uma nova hipótese de competência para o STJ para além dos casos previstos taxativamente no art. 105, incisos I a III, da Constituição da República (inserindo, pois, um “recurso especial disfarçado”)[85], o certo é que, comprovada a divergência jurisprudencial, a Corte poderá ser instada a se manifestar e rever a decisão vergastada.

Com o fito de permitir a incidência tal “regime recursal” também no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais, o STJ editou a Resolução n. 12/2009, que permitiu o manejo de reclamação destinada ao Tribunal a fim de dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e súmula, jurisprudência ou orientação decorrente do julgamento de recursos especiais repetitivos do STJ.

Para edição da referida Resolução, o STJ baseou-se em precedente firmado pelo Plenário do STF nos EDcl no RE n. 571.572/BA[86], assentada em que se entendeu que, diante da inexistência de órgão uniformizador nos juizados estaduais – circunstância que inviabilizaria a aplicação da jurisprudência do STJ –, haveria grave risco de manutenção de decisões divergentes quanto à interpretação da lei federal, gerando insegurança jurídica e prestação jurisdicional incompleta, fato este que tornaria cabível o manejo da reclamação prevista no art. 105, I, f, até que fosse criada a turma de uniformização dos juizados especiais estaduais.

Quanto às diversas considerações que merecem ser tecidas em face da edição da Resolução n. 12/2009, reservamo-nos o direito de fazê-las em outra oportunidade.

Por ora, pretendemos destacar os aspectos concernentes ao procedimento de julgamento dos pedidos de uniformização/reclamações destinadas a dirimir divergência pelo STJ.

É que, também nesse quadrante – e a símile do que sucede nos recursos extraordinários e especiais submetidos ao regime dos arts. 543-B e 543-C do CPC –, constata-se a existência de mecanismo processual de transcendência dos motivos determinantes da decisão proferida no processo-piloto no intuito de resolver, de maneira uniforme, pretensões isomórficas. Certamente por esse motivo, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery aduzem que, “Ao que tudo indica, essa decisão do STJ no caso da LJEFed 14 § 4º terá efeito vinculante para todas as Turmas Recursais dos juizados especiais federais, porque estes só poderão aplicar ao caso concreto (...) o efetivo resultado da decisão do STJ (LJEFed 14 § 9º)”[87]. O referido mecanismo, imposto pelo art. 14, §9º, da Lei n. 10.259/2001, foi estendido aos juizados especiais estaduais, por força do art. 1º, §2º da Resolução n. 12/2009 do STJ.

Deveras, conforme preconizam os §§ 5º e 6º do art. 14 da Lei n. 10.259/2001, quando tiver havido interposição de pedido de uniformização para o STJ, os pedidos idênticos que foram interpostos em quaisquer turmas recursais, e mesmo na TNU, ficarão retidos nos autos até que o STJ dirima a controvérsia. Criou-se, assim, um sobrestamento dos pedidos de uniformização até que sobrevenha a decisão da Corte

Mais ainda: as turmas recursais ou a TNU que tenham sobrestado o pedido de uniformização, quando a matéria versada no processo-piloto tiver sido submetida à apreciação do STJ, terão necessariamente de aplicar a tese que tiver sido adotada pela Corte. Note-se que, nos moldes do §9º do art. 14 da Lei n. 10.259/2001, a norma não confere outra alternativa senão a adoção da orientação firmada pelo STJ – seja julgando prejudicados os pedidos de uniformização sobrestados, seja retratando-se e decidindo novamente em conformidade com a tese veiculada no caso-líder –, de modo que a turma recursal ou a TNU não está autorizada a mandar processar o pedido de uniformização, motivo porque, para Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, “O efeito vinculante é evidente”[88].

Nos juizados especiais estaduais, por injunção da Resolução n. 12/2009, houve introdução de sistemática análoga, eis que, pelo §2º do art. 1º, o relator da reclamação destinada a dirimir divergência decidirá de plano pedido em conformidade ou dissonância com decisão proferida em reclamação anterior de conteúdo equivalente.

É de rigor reconhecer, portanto, que, também os pedidos de uniformização/reclamações destinadas a dirimir controvérsia, inserem-se no espectro dos novos procedimentos de índole eminentemente objetiva vocacionados à tutela da ordem jurídica, os quais permitem aos Tribunais Superiores (in casu, ao STJ), por extensão, estabelecer uma esfera de decisão unitária de questões comuns a várias demandas isomórficas.

Seguramente percebendo tal realidade, Antonio do Passo Cabral qualifica tal mecanismo típico do microssistema dos juizados especiais como importante instrumento de coletivização de questões comuns que estejam à base da fundamentação de pretensões individuais, motivo porque, para o autor, é possível traçar um paralelo entre o pedido de uniformização previsto no art. 14 da Lei n. 10.259/2001 e o Musterverfahren do direito alemão. Com efeito, em ambos os casos, estar-se-ia diante de procedimentos de grupo, de formato não representativo, voltados à solução conjunta de temas idênticos, evitando-se, porém, as distorções da legitimidade extraordinária e da coisa julgada coletiva. Assim, de acordo com Antonio do Passo Cabral[89]:

O incidente prevê vários mecanismos assemelhados ao Musterverfahren: a possibilidade de suspensão dos processos onde a controvérsia tenha lugar, para espera da decisão coletiva (art. 14 § 5.º); retenção de pedidos de uniformização idênticos (§ 6.º); amplo exercício do contraditório pelos interessados (§ 7.º); cisão da cognição, com julgamento da pretensão individual pelo juízo de origem (§ 9.º); possibilidade de transferência da competência para julgamento a órgãos judiciários hierarquicamente superiores para resolução uniforme das questões (§§ 1.º, 2.º e 4.º)

Porém, sem embargo de, como conseqüência do julgamento por amostragem, os fundamentos determinantes do decisum transcenderem o caso posto à apreciação da Corte no processo-piloto, pensamos que, de maneira semelhante ao que dissemos quanto à nova sistemática de julgamento dos recursos extremos, é exagerado qualificar como dotada de efeito vinculante a decisão proferida nos julgamento dos pedidos de uniformização/reclamações destinadas a dirimir controvérsia.

Primus, porque a eficácia da decisão é vertical, vinculando apenas órgãos jurisdicionais (excluindo-se, pois, a Administração Pública), e imediata, na medida em que abrange, sob o aspecto subjetivo, tão-somente as turmas recursais. Secundus, porque não se pode admitir o manejo da reclamação com o fito de ver resguardada a orientação da Corte – a querela deve ser resolvida intra-processualmente.[90]

Interessante observação é que, quanto à natureza do mecanismo de vinculação, também no direito tedesco, muito se discute acerca da natureza do instituto de que se valeu o legislador para estender aos processos individuais os efeitos e a vinculação do julgamento do Musterverfahren – instituto que, como já ressaltado, guarda semelhança com o pedido de uniformização/reclamação destinada a dirimir controvérsia dos juizados especiais. Deveras, conforme salienta Antonio do Passo Cabral, diante da imprecisão da lei alemã, a doutrina vem debatendo se, em verdade, foi introduzida previsão do efeito vinculante (bindungswirkung), da coisa julgada (rechtskraft), da chamada eficácia da intervenção (interventionswirkung) ou de outros institutos assemelhados.[91]

Conclui o autor afirmando que, tanto em relação às partes do incidente, como em relação aos intervenientes, a doutrina tem se inclinado pela aplicação do instituto da coisa julgada, seja coisa julgada formal ou a técnica da extensão da coisa julgada, “afastando interpretações pela adoção do efeito vinculante ou qualquer outro instituto”.[92]

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Bruno Felipe Oliveira. Considerações sobre a teoria da transcendência dos motivos determinantes da decisão judicial no direito processual coletivo especial brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3619, 29 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24550. Acesso em: 5 nov. 2024.

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