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Considerações sobre a teoria da transcendência dos motivos determinantes da decisão judicial no direito processual coletivo especial brasileiro

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A eficácia da decisão do STF proferida em processo objetivo transcende o caso singular, de modo que os princípios derivados da parte dispositiva e dos fundamentos determinantes sobre a interpretação da Constituição devem ser observados pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela Administração.

Resumo: Diante da construção pretoriana da teoria da transcendência dos motivos determinantes da decisão proferida em controle de constitucionalidade, e da tendência à introdução de novos procedimentos e institutos de caráter marcadamente objetivo no sistema jurídico brasileiro, voltados à salvaguarda da ordem jurídico-objetiva, o presente artigo visa a, partindo-se da depuração conceitual de certos institutos do direito processual coletivo especial, investigar a possibilidade de extensão do mecanismo da transcendência das razões fundamentais da decisão judicial para além dos quadrantes da fiscalização normativa abstrata e concentrada.

Palavras-chave: Jurisdição constitucional. Efeito vinculante. Transcendência dos motivos determinantes da decisão.

Sumário: 1. Introdução. 2. Preliminar conceitual e dogmática – efeitos da decisão em sede de controle concentrado e abstrato de constitucionalidade: coisa julgada, eficácia erga omnes e efeito vinculante. 2.1 Coisa julgada: construção dogmática adotada. 2.2 Eficácia erga omnes 2.3 Efeito vinculante 3. O efeito vinculante na jurisdição constitucional. 3.1 A Experiência do efeito vinculante no Direito Comparado. 3.1.1 O efeito vinculante na prática constitucional alemã. 3.1.2 Efeito vinculante: outras experiências estrangeiras. 3.2 A experiência do efeito vinculante no sistema constitucional brasileiro 4. A transcendência dos motivos determinantes da decisão: repercussões no âmbito da garantia da autoridade das decisões proferidas em ADI, ADC e ADPF. 5. Outros casos de vinculação aos motivos determinantes: o efeito vinculante para além do controle normativo concentrado e abstrato? 5.1 O art. 52, X, da Constituição da República reinterpretado: controle difuso de constitucionalidade “objetivado” e dotado de efeitos vinculantes 5.2 O novo perfil dos recursos extraordinário e especial: a transcendência dos motivos determinantes da decisão proferida no processo-piloto como mecanismo de resolução uniforme de pretensões isomórficas 5.3 O pedido de uniformização e a reclamação destinada a dirimir divergência perante o STJ no âmbito do procedimento especial dos Juizados Especiais (Lei n. 10.259/2001, art. 14, §4º e Resolução n. 12/2009 do STJ) 6. À guisa de conclusão: os diferentes graus de vinculação às decisões em sede de processo objetivo e as críticas à dirigidas à jurisprudência (super)normativa.


1 INTRODUÇÃO

O Estado Democrático de Direito não convive com investidas normativas autoritárias e incompatíveis com os direitos e garantias constitucionais fundamentais. É que a Constituição que o alicerça, por se presumir hierarquicamente superior, não tolera a desconsideração de sua normatividade e imperatividade. Justamente por esse motivo, os sistemas constitucionais, como condição necessária à sua própria viabilidade, introduzem mecanismos de verificação e adequado sancionamento de condutas que atentem contra a Lei Fundamental, normativamente considerada.

Nesse contexto, exsurge o direito processual coletivo especial como imprescindível instrumento de preservação da superioridade hierárquica da Carta Política, na via do controle de constitucionalidade, por meio do fenômeno denominado de jurisdição constitucional.

Conforme salienta Gregório Assagra de Almeida, o processo de controle de constitucionalidade é especial, haja vista que não se julga a lide, no sentido em que ela é concebida, como conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. A matéria que versa é exclusivamente de direito, e a sua finalidade precípua é a salvaguarda da ordem jurídica (e sobretudo da ordem constitucional) objetivamente considerada, a fim de mantê-la coesa, coerente e constitucional.[1]

É certo que, modernamente, a jurisdição constitucional passa por novas tendências, que talvez possam ser reduzidas em uma só idéia matriz: expansão.

A jurisdição constitucional expande-se, seja no alusivo aos seus mecanismos de atuação, seja no sentido da vinculação à atuação dos órgãos de proeminência no exercício da jurisdição constitucional.

Nesse sentido, o objetivo do presente estudo é investigar, inicialmente, de que maneiras as decisões proferidas em sede de processo coletivo especial exercem sua eficácia perante os jurisdicionados – seja o Poder Público, seja os particulares. Daremos especial ênfase, nesse contexto, à apreciação dos verdadeiros contornos do instituto do efeito vinculante, tão mal compreendido entre nós. Partiremos, então, para a análise da construção pretoriana da teoria da transcendência dos motivos determinantes da decisão no controle de constitucionalidade.

Em um segundo momento, passaremos à análise de novos procedimentos e institutos que, por ganharem foros de “objetivação”, encontram-se cada vez mais vocacionados à tutela da ordem jurídica objetiva – casos da nova tendência à abstrativização do controle difuso, da nova sistemática de apreciação dos recursos extraordinários e especiais, do pedido de uniformização de jurisprudência no âmbito dos juizados especiais, e dos mecanismos processuais de empréstimo de efeito vinculante às decisões dos tribunais.

Discutiremos, em seqüência, a importância de analisá-los à luz do processo de controle de constitucionalidade e dos institutos que lhe são afetos, mormente no que concerne ao chamado efeito vinculante, diante do caráter impositivo que passam a adquirir os precedentes dos Tribunais. É que o mecanismo de transcendência dos razões que lastrearam a decisão da Corte nos processos-pilotos, presente em alguns novos institutos, em muito se aproxima do instituto do efeito vinculante, tal como compreendido modernamente pela doutrina e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Assim, evidencia-se que o presente estudo é uma tentativa de refletir, a partir da depuração conceitual de determinados institutos do direito processual coletivo especial, sobre os novos limites deste.


2 Preliminar conceitual e dogmática – efeitos da decisão em sede de controle concentrado e abstrato de constitucionalidade: coisa julgada, eficácia erga omnes e efeito vinculante

A análise da aplicação do efeito vinculante à realidade dos novos procedimentos e institutos de direito processual, vocacionados à tutela da ordem jurídico-objetiva, perpassa, como preliminar, o estudo dos efeitos e institutos próprios das decisões em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), e Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).

A depuração conceitual de tais institutos faz-se premente no intuito de avaliar seus verdadeiros contornos e possibilidades de extensão para além do controle concentrado e abstrato de constitucionalidade.

2.1 Coisa julgada: construção dogmática adotada

A autoridade de coisa julgada das decisões judiciais de mérito significa que o provimento que adquire tal status não mais pode ser impugnado pelos instrumentos jurídicos ordinários[2]. O instituto da res iudicata é informado, predominantemente, pela exigência de segurança e certeza do direito, frente ao inafastável imperativo de composição dos litígios, a fim da garantir a paz social, de interesse do Estado e da sociedade.[3]

A coisa julgada representa, fundamentalmente, uma opção política – técnica de que se pode valer o legislador, quando entender oportuno, sob o ponto de vista da convivência social e da estabilidade de certas relações jurídicas, para que determinados tipos de julgados permaneçam imutáveis e projetem essa imutabilidade erga omnes.

Entende-se, frente o perfil dogmático e jurídico-positivo da coisa julgada, que esta deve ser considerada, portanto, como a imutabilidade e indiscutibilidade do conteúdo do comando da decisão judicial, seja restrita aos limites do processo em que a decisão foi proferida (coisa julgada formal), seja projetando-se além dela (coisa julgada material).

Perfilha-se, portanto, a doutrina que compreende a coisa julgada como uma situação jurídica do conteúdo da decisão – em contraponto às demais concepções, que sustentam ser a res iudicata ou um efeito da decisão (Hellwig, Rosenberg, Pontes de Miranda, Araken de Assis), ou uma qualidade dos efeitos da decisão (Liebman, Ada Grinover, Cândido Dinamarco).

Os limites específicos do presente trabalho impedem-nos de desenvolver a temática com maior profundidade. Importante pontuar, todavia, alguns aspectos em contranota às doutrinas que não nos parecem dogmaticamente adequadas:

a) No tocante às doutrinas que destacam a imutabilidade da carga declaratória da decisão, forçoso concordar com as críticas de Liebman[4] no sentido de que: (i) a coisa julgada cobre também os elementos constitutivos e condenatórios da sentença; (ii) o direito positivo brasileiro não acolhe a teoria de Hellwig sobre a coisa julgada, frente o disposto no art. 468 do CPC, que alude à sentença, em sua integralidade, e não somente à declaração nela contida;

b) Quanto à doutrina da coisa julgada como qualidade dos efeitos da decisão, de nítida inspiração liebmaniana, sufragam-se as críticas realizadas por José Carlos Barbosa Moreira[5], no sentido de que os efeitos da sentença não estão fadados a perdurar definitivamente, de forma que, inevitável concluir, o que se coloca sob o pálio da incontrastabilidade, não são os efeitos, mas a própria decisão, ou, mais precisamente, a norma jurídica concreta nela contida.

A coisa julgada é, logo, imutabilidade do comando emanado de uma decisão judicial, por força da qual: (i) as partes submetidas à sua autoridade não poderão submeter novamente a matéria decidida à apreciação do Poder Judiciário; (ii) o Estado tem o dever de não reexaminar a controvérsia, já decidida, em sucessiva oportunidade[6].

As decisões do STF, em sede de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade, como as decisões de todo órgão jurisdicional, não poderiam deixar de ter os efeitos em geral reconhecidos às decisões judiciais. A coisa julgada é, sem dúvida, o principal deles. Parcela considerável da doutrina não discute que tais decisões são acobertadas pela autoridade da res iudicata. Nessa toada, calha à fiveleta cita literal do entendimento esposado por Luís Roberto Barroso, verbo ad verbum:

Como já assinalado, o controle de constitucionalidade no Brasil, tanto por via incidental como principal, se dá em sede judicial (...). Assim, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade tem natureza jurisdicional. Como conseqüência, uma vez operado o trânsito em julgado, tal decisão estará abrigada pela autoridade da coisa julgada. Isso significa que, não estando mais sujeita a recurso, seu conteúdo se tornará indiscutível e imutável (CPC, art. 467)[7]

Não obstante, cumpre mencionar que há quem julgue inapropriada a qualificação da decisão proferida em sede de processo objetivo com o predicado da res iudicata, avaliando como duvidosa a formação da coisa julgada material. Primus, porque, dada a natureza abstrata e a ausência de interesses subjetivo-individuais, não haveria propriamente interest rei publicae ut sit litium fines a justificar a imutabilidade do comando decisório emanado do pronunciamento jurisdicional. Secundus, a formação da coisa julgada poderia implicar o engessamento da interpretação constitucional, prejudicando uma possível mudança da orientação perfilhada pela Corte.[8]

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Sem embargo dessa discussão, o certo é que, quanto aos limites subjetivos da decisão proferida em sede de controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, a autoridade da decisão é oponível em face de todos. Assim, quando se trata das ações diretas ou da argüição de descumprimento, a questão constitucional é o objeto mesmo do julgamento, e tem-se, aí, segundo a doutrina dominante, uma coisa julgada erga omnes[9] – em moldes semelhantes ao que sucede nos quadrantes do direito processual coletivo comum –, de forma tal a vincular também os terceiros que não integraram a relação jurídico-processual.

2.2 Eficácia erga omnes

O art. 102, §2º, da Constituição da República e o art. 28, parágrafo único, da Lei n. 9.868/1999 prevêem que as decisões declaratórias de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade têm eficácia erga omnes.

Por eficácia erga omnes das decisões proferidas no controle concentrado de constitucionalidade – principal efeito existente até anteriormente à introdução no sistema das regras constantes da Emenda Constitucional n. 3/1993 –, há de se entender, segundo a doutrina dominante, a extensão dos efeitos do aludido decisum a todos aqueles que se encontram sob a jurisdição da lei ou ato normativo questionado. Trata-se, como bem destaca André Ramos Tavares, de efeito implícito às decisões da Corte Constitucional quando proferidas no desempenho de seu mister. Com efeito, se se pronuncia a inconstitucionalidade em abstrato, se se reconhece o descumprimento, independentemente de uma situação concreta litigiosa, se o autor das ações de controle abstrato age em nome da sociedade e da ordem constitucional, e não em nome próprio na busca de interesse pessoal seu, tem-se de reconhecer, naturalmente, que a decisão deve contar com força geral, no sentido de alcançar todos.[10]

A rigor, e sobretudo por um imperativo de coerência científica, somos da opinião que a eficácia erga omnes, se assume um perfil dogmático próprio e se configura um elemento autônomo da decisão proferida em sede de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade, não pode significar apenas a vinculação de todos ao pronunciamento jurisdicional – a noção de coisa julgada erga omnes, discutida acima, seria bastante para tanto, vez que garante a vinculação de terceiros ao decisum.

Nessa toada, a eficácia erga omnes, tal como concebida no ordenamento jurídico pátrio (e notadamente pelo texto constitucional), parece corresponder à noção da Gesetzkraft do direito tedesco, de forma tal a conferir a tais decisões, na precisa lição de Gomes Canotilho, “força de lei, porque as sentenças têm valor normativo (como as leis) para todas as pessoas físicas e colectivas (e não apenas para os poderes públicos) juridicamente afectadas nos seus direitos e obrigações pela norma declarada inconstitucional”[11]. Para Marcelo Alves Dias de Souza[12]:

A eficácia erga omnes em uma decisão no controle concentrado, que se restringe à sua parte dispositiva, quer significar que ela atinge a própria eficácia geral e abstrata da norma objeto de controle e, por conseguinte, atinge a todos. Já faz bastante tempo que Calamandrei, fundado no modelo italiano e tratando apenas da declaração da inconstitucionalidade, dizia isto: ‘Pela extensão de seus efeitos, pode-se distinguir em geral ou especial, segundo a declaração de certeza da ilegitimidade conduza a invalidar a lei erga omnes e a lhe fazer perder para sempre eficácia normativa geral e abstrata, ou bem que conduza somente a negar sua aplicação ao caso concreto, com efeitos limitados ao só caso decidido.’

Declarando a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no primeiro caso confirmando a eficácia geral e abstrata que lhe é inata, no segundo retirando-lhe essa eficácia, a decisão atinge, por isso mesmo, todos os potenciais destinatários, incluindo os órgãos do Poder Judiciário e, inclusive, o próprio Supremo Tribunal Federal

Logo, na perspectiva da declaração de inconstitucionalidade propriamente dita, a Gesetzkraft significa dizer, portanto, que, uma vez reconhecida a incompatibilidade vertical de uma na norma, deve-se reconhecer, ipso jure, a sua imediata eliminação do ordenamento jurídico – o que só poderia ser alcançado, cumpre ressaltar, justamente pela concessão de dimensão normativa à decisão prolatada, e eis então força de lei a que se referem os alemães –, salvo se, por algum fundamento específico, puder o Tribunal restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade (v.g., declaração de inconstitucionalidade com efeito a partir de dado momento no futuro). Ademais, efeito necessário e imediato da declaração de nulidade há de ser a exclusão de toda ultra-atividade da lei inconstitucional – sendo que a eventual eliminação dos atos praticados com fundamento na lei inconstitucional há de ser considerada em face de todo o sistema jurídico, especialmente das chamadas fórmulas de preclusão.[13]

Quanto aos seus limites objetivos, diga-se que é assente na doutrina e na jurisprudência que a eficácia erga omnes da decisão do STF refere-se à parte dispositiva do julgado[14]. Por essa razão, ficam os órgãos do Poder Público – e os próprios particulares, deve-se aditar –, ainda que não tenham integrado o processo, obrigados, na medida de suas responsabilidades e atribuições, a seguir a orientação (rectius: decisão sobre eliminação ou manutenção da norma do sistema jurídico) fixada pela Corte, mesmo porque, aceita, a uma, a idéia de nulidade da lei inconstitucional, e, a duas, a concepção de que o decisum atinge a mesma eficácia geral e abstrata da norma objeto de controle (força de lei – Gesetzeskraft), sua eventual aplicação após a declaração de inconstitucionalidade equivaleria à aplicação de cláusula juridicamente inexistente.

2.3 Efeito vinculante

O efeito vinculante foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Emenda Constitucional n. 3/1993. Muito se discute quais as suas verdadeiras implicações no âmbito das decisões tomadas em sede de controle de constitucionalidade.

Sustenta-se em doutrina, de maneira geral, que tal efeito seria um plus em relação à eficácia erga omnes, implicando uma maior vinculação à decisão proferida pelo STF. Nesse sentido, aduz Marcelo Alves Dias de Souza[15]:

Já o efeito vinculante significa algo diverso. Em resumo, ele é um plus em relação à eficácia erga omnes e significa a obrigatoriedade da Administração Pública e dos órgãos do Poder Judiciário, excluindo o Supremo Tribunal Federal, de submeter-se à decisão proferida na ação direta. Em termos práticos, significa que o Poder Executivo e os demais órgãos judicantes, nos julgamentos de casos de sua competência em que a mesma questão deva ser decidida incidentalmente, devem, obrigatoriamente, aplicar o provimento contido nessa decisão. Se não o fizerem, afrontam a autoridade de julgado do Supremo Tribunal Federal (...).

Outros procuram destacar que, por meio do efeito vinculante, não apenas os terceiros alheios à relação jurídico-processual, mas também os Poderes Públicos ficariam submetidos à decisão. Nessa esteira, o pensamento de Luís Roberto Barroso[16], verbis:

O efeito vinculante da decisão de inconstitucionalidade se produz, conforme a letra expressa do dispositivo legal e do art. 102, §2º, da Constituição Federal, em relação ao Judiciário e à Administração. No tocante aos órgãos judiciais, já não lhes caberá o juízo incidental acerca da constitucionalidade da norma, devendo sua decisão no caso concreto partir da premissa estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal sobre a validade ou não da norma. Em caso de inobservância do efeito vinculante pelo juiz ou Tribunal, caberá reclamação (CF, art. 102, I, l). No tocante aos órgãos da Administração, eventual descumprimento da orientação do Tribunal sujeitar-se-á à impugnação pelos meios judiciais cabíveis, podendo ser o caso, igualmente, de responsabilização do agente público

E também de Walber de Moura Agra[17]:

Questão bastante importante é diferenciar o efeito vinculante do efeito erga omnes. O primeiro refere-se à intensidade dos efeitos produzidos; o segundo, refere-se à extensão subjetiva.

A principal diferença é a intensidade dos efeitos, porque o erga omnes vincula de forma mandamental apenas os órgãos judiciais, sem se estender a outras searas, enquanto o efeito vinculante gera obrigação não apenas para o Judiciário, atingindo igualmente o Executivo. O efeito vinculante é um plus em relação ao efeito erga omnes, pois este atinge todos os órgãos do Poder Judiciário e aquele, todos os órgãos do Poder Judiciário e do Executivo, com efeito vinculante, obrigatório

Essa a posição amplamente consolidada em sede doutrinária.

Contudo, objetamos: o dever de respeito à decisão do Supremo já não derivaria da própria coisa julgada e, sobretudo, da eficácia erga omnes, que é geral, universal? Considerar o efeito vinculante como um plus desse cariz é, a bem da verdade, a nosso sentir, não acrescentar nada à eficácia da decisão.

Explica-se.

Entender que, pelo efeito vinculante, a autoridade da decisão passa a alcançar também o Poder Público, não implica acrescer em nada à eficácia da decisão e à sua estabilidade. Afinal, não já estariam a Administração Pública e o Poder Judiciário atados à autoridade da decisão, por força da coisa julgada erga omnes (que abrange os terceiros que não integraram a relação processual) e da eficácia erga omnes (que atribui força normativa – gesetzkraft – à decisão)?

Dizendo de uma maneira mais simples: em que o efeito vinculante, partindo-se da compreensão acima esposada, realmente acresceria à garantia e estabilidade da decisão proferida em sede de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade?

Ou ainda, de forma retórica: se retirássemos, do ordenamento jurídico constitucional, o efeito vinculante das decisões proferidas em ADI, ADC e ADPF, que conseqüência teríamos?

Quanto a esta última indagação, somos obrigados a responder da seguinte maneira: nenhuma! Deveras, se se partir da compreensão de que o efeito vinculante significa esse plus – que a nosso sentir nada acresce –, impositivo de uma vinculação do Poder Judiciário e da Administração Pública, é de rigor reconhecer que sua eliminação do sistema jurídico em nada alteraria o panorama dos efeitos das decisões emanadas de nossa Corte Constitucional[18].

Ora, antes de 1993, quando não existia o efeito vinculante, por acaso a decisão de um juiz que aplicasse uma norma declarada inconstitucional pelo STF – e, portanto, eliminada do ordenamento jurídico, por força da eficácia erga omnes! – não violaria a autoridade da decisão anteriormente proferida pela Corte?

Da mesma forma, uma decisão administrativa que aplicasse lei declarada inconstitucional – e, portanto, declarada nula e írrita, e assim extirpada do sistema – também não teria a mesma sorte e significaria, insofismavelmente, vilipêndio ao pronunciamento do Tribunal na ADI, ADC ou ADPF?

De tais decisões, pois, antes mesmo de 1993 (e da introdução do efeito vinculante pela EC n. 3), não caberia, em um juízo crítico[19], reclamação constitucional com fundamento no art. 102, I, l da Carta da República?

Ademais, impende destacar, em reforço, seria admitido que um órgão estatal – que deve estrita subserviência ao postulado da legalidade (CR/88, art. 5º, II e art. 37, caput) – aplicasse ato normativo inexistente? Voltamos a enfatizar: se o decisum da ADC, ADI ou ADPF atinge a mesma eficácia geral e abstrata da norma objeto de controle (força de lei – Gesetzeskraft) – e essa aptidão não se discute, eis que desde a representação de inconstitucionalidade é assim! –, sua eventual aplicação após a declaração de inconstitucionalidade equivaleria à aplicação de cláusula juridicamente inexistente, o que não se pode admitir.

Por essas razões, somos levados a crer que o constituinte derivado, ao atribuir, por meio da EC n. 3/1993, efeito vinculante à decisão prolatada em ADC, quis dizer algo novo, e acrescer uma eficácia distinta ao decisum proferido pela Corte Constitucional no âmbito dos processos de fiscalização concentrada e abstrata de constitucionalidade.

Com efeito, como obtempera Roger Stiefelmann Leal, a literalidade do texto constitucional que consagra o efeito vinculante o dissocia da eficácia contra todos (erga omnes). Ao atribuir às decisões proferidas em sede de controle abstrato de constitucionalidade eficácia geral e efeito vinculante, lógica e naturalmente, está-se a distinguir conceitualmente os dois institutos. E “assimilar o efeito vinculante à eficácia erga omnes, ou mesmo à coisa julgada, seria negar-lhe autonomia de conteúdo e utilidade prática, bem como violentar o dogma do legislador – ou constituinte – racional”.[20]

Importante, logo, revisar a compreensão do instituto do efeito vinculante, a fim de compreender suas reais dimensões e implicações.

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Sobre o autor
Bruno Felipe de Oliveira e Miranda

Advogado em Natal (RN).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Bruno Felipe Oliveira. Considerações sobre a teoria da transcendência dos motivos determinantes da decisão judicial no direito processual coletivo especial brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3619, 29 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24550. Acesso em: 2 nov. 2024.

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