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Legitimação individual no processo coletivo

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Agenda 04/06/2013 às 10:01

3.  ASPECTOS PROCESSUAIS DIFERENCIADOS NOS PROCESSOS COLETIVOS

3.1 LEGITIMAÇÃO ATIVA

A questão da legitimação ativa nos processos coletivos tem suscitado enorme controvérsia doutrinária que perpassa por vários conceitos e institutos processuais, como a teoria sobre o direito de ação e o interesse de agir. A doutrina reconhece que a limitação da legitimação ativa nas ações coletivas decorre de opção legislativa para impedir que indivíduos isoladamente tenham acesso a tutela de direitos coletivos, vislumbrando-se nessa possibilidade situação que poderia fragilizar essa modalidade de atuação jurisdicional, o que RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO percebeu ao tratar dos “corpos intermediários” quando denominou de “temor de ‘pulverização’ do poder estatal”.

Em tópico próprio se demonstrará a inconsistência teórica e prática dessa opção legislativa, visto que a legitimação individual em alguns casos não traria nenhuma depreciação ao sistema de tutela coletiva, antes, o fortaleceria dentro da ótica democrática de participação social. O certo é que o microssistema de direito coletivo positivou a legitimação processual apenas para algumas pessoas ou entidades intermediárias, o que pode ser visto das diversas espécies de ações coletivas, inclusive, no sistema de controle concentrado de constitucionalidade (CF, art. 103).

Em primeiro lugar está a legitimação do Ministério Público para a tutela dos interesses sociais e coletivos o que é natural diante da missão constitucional reservada ao parquet no artigo 127 da Constituição Federal, afirmando o texto constitucional que “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Ao aludir aos “interesses sociais” fica evidenciado que o Ministério Público tem plena legitimação para a defesa dos direitos difusos e coletivos em qualquer espécie de processo judicial, o que é reafirmado no artigo 129, III, da Lei Maior quando dispõe que “são funções institucionais do Ministério Público [...] III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;”.

No ambiente infraconstitucional a legitimação do Ministério Público para a tutela de direitos difusos e coletivos é disciplinada na Lei nº. 8.625/93, artigo 25, IV (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público); na Lei Complementar nº. 75/93, artigo 6º, VII (Estatuto do Ministério Público da União); Nas diversas ações civis, inclusive ações civis públicas – Lei nº. 6.938/81 (reparação por dano ecológico); Lei nº. 7.347/85 (responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico); Lei nº. 7.853/89 (disciplina o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, bem como as tutelas jurisdicionais específicas para a proteção desta classe de pessoas); Lei nº. 7.913/89 (regula a proteção aos investidores no mercado de valores mobiliários); Lei nº. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor); Lei nº. 8.429/92 (Improbidade administrativa); Lei nº. 4.717/65 (ação popular); Lei nº. 12.016/2009 (mandado de segurança coletivo).    

Essa legitimação para a tutela de direitos difusos e coletivos não se dá na função de custus legis como apregoa o art. 83 do Código de Processo Civil, mas na qualidade de titular da ação na forma definida pelo art. 81 do mesmo Código. É bem verdade que quando se fala em titularidade da ação não se está afirmando que exista relação com a titularidade do direito material envolvido na demanda no caso do Ministério Público, posto que a legitimação assenta-se no instituto da substituição processual, conforme anota TEORI ALBINO ZAVASCKI:

Os direitos e interesses difusos e coletivos se caracterizam por não terem titular determinado, por serem transinviduais. Seu conteúdo é formado por bens ou valores jurídicos de relevante interesse geral, mas que não tem “dono certo”, na expressão de Caio Tácito. Segundo definição da Lei 8.078/90, são direitos e interesses “transindividuais, de natureza indivisível”, pertencentes a pessoas indeterminadas, ligadas por circunstâncias de fato, ou a grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica (art. 81, parágrafo único, I e II). O que se quer realçar é que, em todas as hipóteses de promoção de ação civil pública, seja na defesa do patrimônio público ou social, seja, ainda, na defesa de interesses ou direitos difusos ou coletivos, o Ministério Público estará sempre defendendo não um direito próprio, mas sim um direito alheio. Direito, ou de toda a comunidade, ou de pessoas indeterminadas, ou determinadas por classes, categorias ou grupos. Trata-se, portanto, de legitimação extraordinária, para a qual se exige habilitação legal especifica, a teor do art. 6º, do CPC. Quem defende em juízo, em nome próprio, direito de que não é titular assume, no processo, a condição de substituto processual. Assim, o Ministério Público, autor da ação civil pública, é substituto processual.[28]

Dois aspectos importantes merecem relevo quanto à atuação do Ministério Público na defesa de direitos difusos e coletivos. O primeiro aspecto refere-se aos direitos homogêneos que, na verdade, não tem natureza coletiva como os difusos e coletivos strictu sensu. São na verdade direitos individuais, que por se referirem a um grupo determinado de pessoas atingido por um mesmo fato podem ser tutelados de forma coletiva. Neste caso, a tutela é coletiva e não o direito material envolvido que continua sendo individual.

É o que ocorre, v. g. com os danos aos consumidores que por atingirem número elevado de pessoas permitem a tutela de forma coletiva sem, contudo, perder a natureza individual, como preconiza o art. 81, III, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90). Nestes casos, como opina TEORI ZAVASCKI[29], o Ministério Público não teria legitimidade para atuar sem previsão legal especifica, a não ser que exista no fato algum aspecto que envolva direitos difusos ou coletivos a ser defendido. 

Para aquelas situações em que se opera a plena legitimação do parquet também na defesa desta espécie de direitos (individuais homogêneos) como é o caso da previsão legal da ação civil coletiva do artigo 91 do Código de Defesa do Consumidor, deve ser relembrado  que a atuação do Ministério Público na condição de substituto processual não poderá ocorrer na execução do titulo judicial que condenar o demandado a indenizar os danos aos consumidores vitimados, exceção feita no caso da execução dos resíduos (art. 100) a serem destinados ao fundo criado pela Lei nº. 7.347/85, hipótese em que a legitimação continua a se operar por substituição processual.

Os artigos 97 e 98 do Código Consumerista dispõem:

Art. 97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vitima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.

Art. 98. A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as vitimas cujas indenizações já tiverem sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções.

Todavia, esta legitimação para a ação de cumprimento e para a execução individual se faz sob o instituto da representação e não o de substituição processual, o que indica a necessidade da presença individual das vitimas, conforme anota TEORI ZAVASCKI:

[...] obtida a sentença genérica de procedência na ação coletiva, cessa a legitimação extraordinária. A ação especifica para seu cumprimento, em que os danos serão liquidados e identificados os respectivos titulares, dependerá da iniciativa do próprio titular do direito lesado, que será, por conseguinte, representado, e não substituído, no processo. Aliás, mesmo quando ajuizada coletivamente, como prevê o art. 98 da Lei 8.078/90, a ação de cumprimento se desenvolverá pelo procedimento comum e em litisconsórcio ativo, em que os titulares do direitos serão nomeados individualmente e identificadas particularmente as respectivas situações jurídicas. Assim, ainda nestes casos, a ação de cumprimento será proposta em regime de representação, e não de substituição processual.[30]

Isto porque, na fase executiva se dará a individualização da condenação, situação que exige a presença do titular do direito material, ou seja, o consumidor que deverá ser indenizado não sendo permitido que o Ministério Público atue na defesa do interesse particular sem a iniciativa de seu titular.

É que nesta modalidade de processo a sentença será necessariamente genérica, bipartindo a atividade jurisdicional cognitiva em duas fases, a primeira destinada a conhecer o núcleo homogêneo do direito questionado e a segunda (ação de cumprimento) tendente a individualização quando se fará a liquidação e execução do direito individual. A respeito deste tema LUIZ PAULO DA SILVA ARAUJO FILHO pontificou:

[...] a ação referente a interesses individuais [...] só admite a feição coletiva porque – e enquanto – a homogeneidade desses direitos, decorrentes de origem comum, permite que sejam desprezadas e necessariamente desconsideradas as peculiaridades agregadas à situação pessoal e diferenciada de cada interessado. Tornando-se relevante, porém, para o julgamento do feito, à vista da demanda, verificar aspectos pessoais e diferenciados dos titulares dos direitos individuais, a tutela coletiva torna-se absolutamente inviável. Por isso, para que seja realmente coletiva a ação respeitante a interesses individuais, é indispensável que seja(m) formulado(s) pedido(s) individualmente indeterminado(s), que despreze(m) e necessariamente desconsidere(m) as peculiaridades agregadas à situação pessoal e diferenciada de cada interessado, como diz a doutrina, para permitir a prolação da sentença genérica prevista em lei.[31]

O segundo aspecto relaciona-se com a indisponibilidade do direito pleiteado, ou seja, o Ministério Público na condição de substituto processual nesta espécie de ação, não está autorizado a transacionar o direito material a ser tutelado, o que é uma decorrência lógica do fenômeno da substituição processual. Evidente que a transação é instituto de direito material da qual se serve o direito processual apenas para por fim ao processo. E como instituto de direito material subordina-se a todas as exigências legais de validade do ato, entre os quais, a presença do titular do direito.

No campo processual, as limitações decorrentes da substituição processual são ainda maiores, visto que a atuação do parquet atende ao interesse publico tornando indisponível o direito tutelado. Em virtude dessa indisponibilidade, a confissão dos fatos não tem valor (art. 351); Não há incidência dos efeitos da revelia sobre os fatos (art. 320, II); Não pode haver assunção do ônus probatório não previsto em lei (art. 333, parágrafo único, I). 

Nessa direção se posicionam ANTONIO AUGUSTO MELLO DE CAMARGO, ÉDIS MILARÉ e NELSON NERY JUNIOR quando anotam:

[...] a legitimação para agir, conferida ao Ministério Público nos casos de ação civil, atende sempre ao interesse público. Este interesse é indisponível, dado que o direito substancial derivado do interesse público é indisponível. Isso vale ainda que se trate de direito meramente patrimonial, pois, legitimado o Ministério Público para vir a juízo agir na defesa desse interesse, ele se transforma de privado em público. Logo, o Ministério Público não poderá praticar atos que importem disposição do direito material como v.g., a renúncia ao direito, a confissão, a transação e o reconhecimento jurídico do pedido, no caso de estar no pólo passivo, como parte, na relação jurídica processual.[32]

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Os termos de ajuste de conduta previstos na Lei nº. 7.347/85, artigo 5º, § 6º, firmados pelo Ministério Público não estão abrangidos por esta proibição uma vez que tratam apenas de regular o modo de cumprimento de obrigação de fazer e não fazer não representando transação do direito material.

No caso da ação civil publica o interesse público atinge o próprio direito de ação, ou seja, se o Ministério Público ajuizar a demanda não poderá ofertar desistência a não ser que tal providencia melhor atenda aos interesses tutelados, como é o caso de eventual vicio processual que comprometa a prestação jurisdicional. Neste caso, a desistência será sucedida de novo ajuizamento com a correção dos defeitos que comprometia o processo anterior.

Fora dessas hipóteses não se admite a desistência, o que se infere do disposto no art. 5º, § 3º, da Lei nº. 7.347/85 ao dispor que “em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa”.

Para a defesa dos direitos difusos e coletivos é imprescindível que o legitimado ativo atue com vigor no processo para se evitar representação defeituosa que leve ao comprometimento da prestação jurisdicional que atinja os direitos materiais a serem protegidos. É por essa razão que no sistema de class action do direito norte-americano, o juiz deve verificar a adequada representação, certificando-se que a defesa dos direitos e interesses difusos e coletivos se fará por agentes idôneos e qualificados para litigar à altura das necessidades processuais.

Reflexo dessa experiência em nosso microssistema de tutela dos direitos e interesses coletivos pode ser visto, v. g., nas exigências previstas no art. 5º, V, da Lei 7.347/85; no artigo 21 da Lei nº. 12.016/2009 e no art. 82, IV, da Lei nº. 8.078/90, exigindo que as entidades legitimadas estejam constituídas há pelo menos um ano e tenham em seu objeto social estreita relação com as pessoas representadas e com o direito material a ser tutelado, para se evitar a fraude e a ilegitimidade apócrifa que comprometa a tutela jurisdicional.

Existem criticas a nível doutrinário a atuação do Ministério Público em algumas espécies de demanda onde o direito material discutido é singular exigindo conhecimentos técnicos e científicos muito específicos dos quais o parquet não tem familiaridade, justificando a intervenção de entidades igualmente legitimadas que tenham afinidade com a questão controvertida, como aponta RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO:

Resta, agora, examinar a alternativa de outorga de legitimação, para agir em tema dos interesses difusos, ao Ministério Público. E, nesse passo, força é reconhecer, vênia concessa, que de início a posição doutrinária revelou-se um tanto restritiva. Basicamente, vinham alinhados estes pontos críticos: a) o Ministério Público é uma instituição naturalmente voltada à persecução de delitos “tradicionais”, comuns, mostrando pouca vocação persecutória quando se trata de delitos de natureza econômica ou “coletiva; b) o Ministério Público estrutural e funcionalmente está demasiadamente conexo ou subjacente à estrutura do poder estatal, para que dele se pudesse esperar a necessária autonomia e combatividade desejáveis quando se trata de tutela aos interesses supra-individuais; c) ao Ministério Público faltam aparelhamento e infra-estrutura indispensáveis à tutela desses interesses “especiais”.[33]

O mesmo autor, porém, deixa claro que tais críticas não correspondem à atual realidade espelhando suas conclusões na atuação do Ministério Público paulista que tem demonstrado a eficácia que se espera desse órgão tão importante. Em outro campo, cita, por exemplo, a experiência com a ação civil pública em âmbito trabalhista em que, embora os sindicatos profissionais estejam legitimados a iniciá-la, preferem requerer que o parquet faça uso do inquérito civil e posteriormente ajuíze a demanda, funcionando a entidade sindical como um litisconsorte ativo. 

Essas observações levam a crer que a atuação do Ministério Público é indispensável na tutela a direitos e interesses difusos e coletivos, seja como legitimado originário, seja como litisconsorte ativo, visto que eventual deficiência da atuação processual da outra parte legitimada poderia ser suprida pela experiência e inegável qualificação dos representantes do parquet.

A importância e significado social que as decisões judiciais possuem nos casos de tutela a direitos e interesses coletivos recomenda que o respectivo processo seja conduzido com o máximo cuidado a fim de que estes interesses estejam sendo bem defendidos por aqueles que receberam a legitimação processual para tanto.

Seguindo-se, o microssistema de tutela a direitos coletivos também legitimou as denominadas por MANCUSO de “corpos intermediários”, associações, sindicatos, partidos políticos que congregam pessoas com os mesmos propósitos e interesses de forma a possibilitar a defesa desses direitos e interesses em nome da entidade na qual se subsume o individuo.

Nesse rumo, a Lei nº. 7.347/85 dispõe em seu artigo 5º, V, quem tem legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

V - a associação que, concomitantemente:

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;

b) inclua, entre sua finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

A lei do mandado de segurança nº. 12.016/2009 traz em seu artigo 21 a legitimação para o mandado de segurança coletivo:

Art. 21.  O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.

No mesmo sentido está o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069/90) ao dispor em seu artigo 210:

Art. 210. Para as ações cíveis fundadas em interesses coletivos ou difusos, consideram-se legitimados concorrentemente:

[...]

III - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por esta Lei, dispensada a autorização da assembléia, se houver prévia autorização estatutária.

Já o artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor outorga legitimidade para a tutela de direitos e interesses coletivos dos consumidores “às associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear”.

No campo do controle concentrado de constitucionalidade, o artigo 2º, da Lei 9.868/99 legitimou “o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional; Confederação Sindical ou entidade de classe de âmbito nacional” para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade.

Veja-se que em todas estas situações o legislador se preocupou em limitar a legitimidade para agir em tema de direitos difusos e coletivos apenas a alguns poucos representantes de classe ou grupos, o que pode ser explicado por questão de opção legislativa e também por equivoco advindo da simples aplicação dos institutos do processo civil individual que fundamentam a legitimidade na titularidade do direito material envolvido na demanda.

A primeira situação foi bem percebida por VICENTE DE PAULA MACIEL JUNIOR ao observar com percuciência:

De certo modo essa perspectiva de demanda coletiva como um veículo de participação, ao mesmo tempo em que se propôs a solucionar os problemas de acesso à justiça por uma massa de pessoas, revelou o receio de que esses participantes se fortalecessem demasiadamente, sem que sobre eles pudesse haver algum controle.Em uma lógica compreensível, mas perversa, tanto os legisladores quanto os governantes utilizaram-se do instituto processual da legitimação para agir como um mecanismo limitador do acesso à justiça a todos os interessados difusos. Com isso somente teriam a possibilidade de ajuizar a demanda coletiva algumas poucas entidades e desde que cumprissem certos requisitos pré-estabelecidos na norma. O maior receio dos agentes políticos é que a ação coletiva adotada em um modelo participativo amplo pudesse no fundo se transformar em um veículo do controle difuso do ato administrativo e da lei em tese, a ser exercido por qualquer interessado.[34]

A outra afirmação decorre da previsão legal contida no artigo 6º, do Código de Processo Civil ao estatuir que “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei” aplicada ao processo coletivo sem temperamentos.

Seguindo esse raciocínio é que TEORI ALBINO ZAVASCKI anotou a diferença acerca da legitimação do Ministério Público e das entidades públicas e privadas na ação civil pública:

[...] é diferente, entretanto, com os demais legitimados, cujas funções primordiais são outras e para as quais a atuação em defesa de direitos transindividuais constitui atividade acessória e eventual. Embora sem alusão expressa no texto normativo, há, em relação a eles, uma condição de legitimação implícita: não é qualquer ação civil pública que pode ser promovida por tais entes, mas apenas as que visem tutelar direitos transindividuais que, de alguma forma, estejam relacionados com interesses da demandante. Seja em razão de suas atividades, ou das suas competências, ou de seu patrimônio, ou de seus serviços, seja por qualquer outra razão, é indispensável que se possa identificar uma relação de pertinência entre o pedido formulado pela entidade autora da ação civil pública e seus próprios interesses e objetivos como instituição.[...] Essa mesma relação de interesse jurídico deve estar presente quando a demanda for promovida pelos demais legitimados do art. 5º da Lei 7.347/85: autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e associações. Também para a adequada legitimação ativa de qualquer delas há que ficar evidenciada a situação de vantagem, ainda que em sentido genérico, para seus próprios interesses, de eventual procedência do pedido.[35]

Como já se afirmou alhures, a simples aplicação dos institutos processuais civis tais como plasmados para a tutela de direitos individuais nem sempre funcionam com a mesma eficácia na tutela aos direitos difusos e coletivos, como é o caso da legitimação processual ativa.

De qualquer sorte o direito positivo está estabelecido desta forma, legitimando apenas algumas entidades ou “corpos intermediários” para a defesa dos interesses difusos e coletivos e exigindo, de outro lado, que a defesa em juízo de direitos que não são próprios da parte seja expressamente autorizada na lei.

Além das entidades já referidas, o microssistema também legitima pessoas jurídicas de direito público tais como a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, autarquias, fundações, sociedades de economia mista, empresas públicas, além da Defensoria Pública no caso da Ação Civil Pública e de entidades ou órgãos da administração pública, ainda que sem personalidade jurídica desde que especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor.

Quanto ao controle concentrado de constitucionalidade, a Constituição Federal e a Lei nº. 9.868/1999 outorgaram legitimação para a ação direta de inconstitucionalidade ao Presidente da República, a mesa do Senado Federal; a mesa da Câmara dos Deputados; a mesa de Assembléia Legislativa ou a mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal; ao Governador de Estado ou Distrito Federal; ao Procurador-Geral da República o mesmo se repetindo na Ação Declaratória de Constitucionalidade em que funcionam como legitimados ativos o Presidente da República, a mesa da Câmara do Senado Federal e o Procurador-Geral da República.

A única hipótese em que há legitimação individual assim considerada a pessoa natural para a defesa de direitos difusos e coletivos, ocorre na ação popular regulada pela Lei nº. 4.717/65 em que o legitimado ativo será “qualquer cidadão” e mesmo assim a legitimação não é irrestrita, já que a lei alude ao “cidadão” que pode ser traduzido somente por aquele que está em gozo de seus direitos políticos, ou seja, o eleitor.

Nesse sentido anota EURICO FERRARESI:

Nos termos da Constituição Federal de 1988, qualquer cidadão é parte legitima para propor ação popular, e, por cidadão, entende-se a pessoa física detentora de cidadania ativa. Com efeito, a prova da cidadania para ingresso em juízo, conforme reza o art. 1º, § 3º, da Lei nº. 4.717/65, será feita com o título eleitoral, ou com documento que a ele corresponda. A falta de comprovação da qualidade de cidadão conduz à extinção do processo.[36]

A natureza dessa legitimação é controvertida na doutrina. Para alguns como JOSÉ AFONSO DA SILVA a legitimação do autor corresponde a interesse primário de sua titularidade como manifestação da democracia direta o que se observa da seguinte anotação:

Concebida a ação popular como instituto de democracia direta, a posição do autor deixa de oferecer dificuldade, visto ser o cidadão o titular do poder democrático que ela consubstancia. Enfim, o autor, que intenta a ação popular exerce o direito primário decorrente da soberania popular, de que ele é titular, como qualquer outro cidadão.[37]

Para outra corrente, com o apoio de JOSÉ FREDERICO MARQUES, a legitimação assenta-se no instituto da substituição processual já que a titularidade do direito material invocado tem natureza coletiva. É o que se observa das anotações do insigne processualista quando assevera:

Na ação popular, aquele que vai a juízo pleitear a anulação ou declaração de nulidade de um ato lesivo ao patrimônio público, atua em nome próprio, mas para obter o reconhecimento, através da aplicação da lei, de um direito da coletividade. O autor, em uma ação popular, funciona como substituto processual, por isso que não defende direito seu em juízo, e sim o da comunidade, de que é parte integrante.[38]

Ao contrário do posicionamento da maioria da doutrina, pensamos que a legitimação de fato é individual e inerente à condição de cidadão como manifestação da participação democrática direta no controle dos atos administrativos, porém, para a tutela de direitos difusos e coletivos dos quais ele também é um dos titulares. Não se deve confundir a titularidade do direito material com legitimidade processual no processo coletivo, uma vez que o sistema processual neste caso deve estar voltado para a tutela do direito material meta-individual que tem relevância social e pública por si mesmo, independentemente de quem seja o legitimado ativo, já que impossível delimitar os titulares que são todos e cada individuo ao mesmo tempo, posição que se pretende sustentar em tópico próprio.

Deve ser dito que cada espécie de instituto de tutela de direitos metaindividuais dentro do microsssitema com características intercambiantes serve ao propósito de tutelar bens e direitos específicos. Assim v. g., como já foi dito alhures, têm-se ação popular para a proteção da moralidade administrativa e o patrimônio público; as ações civis públicas para a tutela do meio ambiente e de outros direitos difusos e coletivos; o código de defesa do consumidor para a tutela dos interesses difusos e coletivos pertencentes aos consumidores; as ações de controle concentrado de constitucionalidade para a manutenção da ordem constitucional, entre outros.

Disso resulta que o legitimado ativo deve ter à sua disposição todos os meios adequados e eficazes para a tutela desses direitos difusos e coletivos, tais como provimentos cautelares, tutelas de urgência, inibitórias, de obrigação de fazer, não fazer, declaratórios, condenatórios, enfim, o que for o mais adequado.

3.2 RELAÇÃO ENTRE DEMANDA COLETIVA E INDIVIDUAL SOBRE DIREITOS SUPRA-INDIVIDUAIS.

Outro aspecto que diferencia o processo coletivo relaciona-se com as situações na qual a tutela está sendo reclamada ao mesmo tempo de forma individual e coletiva possibilitando a aplicação do instituto da litispendência. É tormentosa essa questão em nosso microssistema processual coletivo, visto que embora inspirado em grade parte na class action do direito norte-americano deixou de adotar várias soluções ofertadas por aquele sistema em busca de harmonizá-lo com nosso ordenamento.

No sistema norte-americano, como informa, TEORI ALBINO ZAVASCKI:

[...] atendidos os requisitos de admissibilidade e de desenvolvimento do processo, a sentença fará coisa julgada com eficácia geral, vinculando a todos os membros da classe, inclusive os que não foram dele notificados, desde que tenha ficado reconhecida a sua adequada representação.[39]

Em nosso sistema o legislador a tanto não se atreveu, procurando proteger o individuo que não deseja participar da relação jurídica processual para a tutela coletiva, fundamentando essa posição no clássico princípio relacionado à coisa julgada, segundo o qual esta não poderá prejudicar terceiros.

É o que se observa do disposto no art. 104 do Código de Defesa do Consumidor que informa as demais ações para tutela de direitos meta-individuais quando não contiverem normas especificas (Lei nº. 7.347/85, art. 21), diz o texto legal:

Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

Com efeito, o legislador estimulou o autor individual a aderir ao processo coletivo impedindo-o de participar do resultado positivo da tutela coletiva caso não for requerida a suspensão do processo individual no prazo de trinta dias da ciência do ajuizamento da ação coletiva.  É por esta razão que o artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor exige a ampla divulgação do ajuizamento da ação coletiva, fato reforçado no já citado artigo 104 que determina a “ciência nos autos” da ação individual da propositura da ação coletiva, a fim de que se possa melhor controlar a decisão a ser tomada pelo autor individual.

Desta forma, não há litispendência entre ação coletiva e ação individual onde se pleiteia a tutela ao mesmo direito senão somente mecanismos de estimulo à adesão ao processo coletivo. Diante dessa regra poderá ocorrer situação inusitada em que o pedido no processo coletivo seja provido e o pedido individual não seja provido, trazendo prejuízo ao demandante individual que não se beneficiará do resultado da ação coletiva.

Melhor seria, então, requerer a suspensão do feito individual até o julgamento definitivo da ação coletiva, e, caso negativo o provimento naquele processo, retomar-se a marcha processual individual onde o autor poderá ter outra chance de demonstrar seu direito escapando dos efeitos da decisão coletiva.

Nota-se um avanço nessa questão no mandado de segurança coletivo, uma vez que o artigo 22, § 1º., da Lei nº. 12.016/2009, dispõe que:

§ 1º O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva.

Ou seja, nos casos de mandado de segurança onde primordialmente se busca a proteção a direito liquido e certo quase sempre contra atos ilegais praticados pela administração pública, o legislador exige que o impetrante individual desista da ação ao invés simplesmente de determinar a suspensão do processo, como é o caso das demandas onde se discute direitos do consumidor.

Parece não haver justificativa nessa diferenciação, a não ser conferir maior proteção ao patrimônio público.

A solução preconizada pelo Código de Defesa do Consumidor é mantida com pequenas alterações no anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos de Autora de ADA PELLEGRINI GRINOVER assim como definido no artigo 7º que tema seguinte redação:

Art. 7º. Relação entre demanda coletiva e ações individuais – A demanda coletiva não induz litispendência para as ações individuais em que sejam postulados direitos ou interesses próprios e específicos de seus autores, mas os efeitos da coisa julgada coletiva (art. 13 deste Código) não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência efetiva da demanda coletiva nos autos da ação individual.

§ 1º. Cabe ao demandado informar o juízo da ação individual sobre a existência de demanda coletiva que verse sobre idêntico bem jurídico, sob pena de, não o fazendo, o autor individual beneficiar-se da coisa julgada coletiva mesmo no caso de a ação individual ser rejeitada.

§ 2º. A suspensão do processo individual perdurará até o transito em julgado da sentença coletiva, facultado ao autor requerer a retomada do curso do processo individual, a qualquer tempo, independentemente da anuência do réu, hipótese em que não poderá mais beneficiar-se da sentença coletiva.

§ 3º. O Tribunal, de oficio, por iniciativa do juiz competente ou a requerimento da parte, após instaurar, em qualquer hipótese, o contraditório, poderá determinar a suspensão de processos individuais em que se postule a tutela de interesses ou direitos referidos a relação jurídica substancial de caráter incindível, pela sua própria natureza ou por força de lei, a cujo respeito as questões devam ser decididas de modo uniforme e globalmente, quando houver sido ajuizada demanda coletiva versando sobre o mesmo bem jurídico.

§ 4º. Na hipótese de parágrafo anterior, a suspensão do processo perdurará até o trânsito em julgado da sentença coletiva, vedada ao autor a retomada do curso do processo individual antes desse momento.

É fácil notar que, mesmo no anteprojeto de Código de Processo Coletivo, não se levou essa relação ao mesmo nível em que o tema é tratado nas class action, preservando a liberdade individual em demandar pessoalmente a tutela do direito supra-individual.

Por outro lado, já se detectou a existência de problemas relacionados à insegurança jurídica decorrente do ajuizamento de várias ações coletivas nas quais se pleiteiam tutelas para os mesmo direitos, situação em que se tem visto liminares em sentidos opostos.

Vislumbrando solução para esse problema, o anteprojeto disciplinou a questão por meio de atribuição de competência territorial versada no artigo 22 e a observância da litispendência com uma interpretação mais extensa do instituto, acrescentando que se aplicam as regras de conexão e continência (art. 6º, § 3º.).

Evidente a necessidade de organização judiciária que assegure efetividade e segurança jurídica na tutela a esta classe de direitos, daí a razão da intervenção do Superior Tribunal de Justiça nos conflitos de competência concorrente.

3.3 COISA JULGADA

Matéria que também tem suscitado esforço doutrinário em sua reinterpretação é a questão relacionada ao instituto da coisa julgada nos processos coletivos, visto que a pura e simples adoção deste instituto assim como ocorre no processo individual, apresenta alguns inconvenientes e incompatibilidade com as demandas coletivas.

Diz o artigo 467 do Código de Processo Civil que “denomina-se coisa julgada material a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.

O artigo 472 do mesmo Código afirma que:

Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.

Percebe-se que a imutabilidade da decisão judicial de acertamento do direito é o principal alvo da coisa julgada, ou seja, busca-se imunização desta decisão para que não sofra ataques ao longo do tempo, impedindo que nova discussão sobre a mesma demanda torne a ocorrer.

Outro aspecto relevante é a limitação subjetiva do instituto da coisa julgada, ou seja, ela incide apenas em relação às partes no processo, “não beneficiando e nem prejudicando terceiros”. Na verdade sempre foi grande a preocupação direito processual em proteger terceiros que não participaram da relação processual como corolário do devido processo legal.

E justamente nesses dois aspectos é que há necessidade de adaptação do instituto para aplicação no processo coletivo. Pelo menos em quatro oportunidades o legislador cuidou de plasmar o instituto da coisa julgada segundo as necessidades do processo coletivo e em todas elas, com algumas variações, manteve as mesmas soluções.

Referimo-nos a Ação Civil Pública; ao Código de Defesa do Consumidor; Ao Mandado de Segurança Coletivo e à Lei nº. 9.494/97. Para melhor compreensão do tema, traz-se à colação os textos legais.

Lei nº. 7.347/85, artigo 16 – Ação Civil Pública:

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Lei nº. 8.078/90, artigo 103 – Código de Defesa do Consumidor:

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

 III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

§ 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.

§ 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.

§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.

§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.

Lei nº. 12.016/2009, art. 22 – Mandado de Segurança Coletivo:

Art. 22.  No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante. 

§ 1º  O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva. 

Lei nº. 9.494/97, art. 2º-A:

Art. 2º-A.  A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator.

Como se observa claramente, houve enorme preocupação do legislador em respeitar o dogma da limitação subjetiva da coisa julgada ao âmbito dos litigantes, se bem que no processo coletivo esse fenômeno tem outra compreensão, servindo ao tema a aplicação dos institutos da coisa julgada secundum eventus litis e secundum eventus probatione.

Com efeito, para que ocorra a imunização da decisão judicial resolutiva do processo de tutela a direitos difusos e coletivos é preciso algo mais do que a simples impossibilidade de recurso (preclusão máxima) como ocorre no processo civil individual. Além desse requisito, deve-se acrescentar a outra característica, qual seja, a sentença deverá ser de procedência do pedido ou se de improcedência esta não ocorrer por insuficiência probatória, demonstrando-se, mais uma vez, a importância da representação adequada nos processos de tutela a direitos meta-individuais.

Interessante notar o que consta do artigo 16 da Lei 7.347/85 quando dispõe que “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator” dando a impressão de que coisa julgada nessa modalidade de processo sofre uma limitação territorial o que não corresponde à realidade.

Como já afirmado alhures, a coisa julgada é uma característica da sentença de se tornar imune a alteração ao longo do tempo. Dessa forma ou ela está imune ou não está imune. Por outras palavras, não há como conceber que determinada sentença esteja acobertada pela coisa julgada em um lugar e ao mesmo tempo não esteja em outro.

Na verdade a atual redação do artigo 16 da lei da ação civil pública foi introduzida por meio do artigo 2º da Lei 9.494/97 que tinha como objetivo limitar o alcance subjetivo da coisa julgada, o que pode ser notado da redação do art. 2º - A, desta mesma lei quando alude às ações coletivas promovidas por entidades associativas afirmando que estas sentenças abrangeriam “apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicilio no âmbito da competência territorial do órgão prolator”.

Portanto, o dispositivo está direcionado a regular os efeitos subjetivos da sentença em processo coletivo para a tutela de direitos individuais homogêneos, conforme defende TEORI ALBINO ZAVASCKI ao afirmar:

O que ele objetiva é limitar a eficácia subjetiva da sentença (e não a coisa julgada), o que implica, necessariamente, limitação do rol dos substituídos no processo (que se restringirá aos domiciliados no território da competência do juízo). Ora, entendida nesse ambiente, como se referindo à sentença (e não à coisa julgada), em ação para tutela coletiva de direitos subjetivos individuais (e não em ação civil pública para tutela de direitos transindividuais), a norma do art. 16 da Lei 7.347/85 produz algum sentido. É que, nesse caso, o objeto do litígio  são direitos individuais e divisíveis, formados por uma pluralidade de relações jurídicas autônomas, que comportam tratamento separado, sem comprometimento de sua essência. Aqui, sim, é possível cindir a tutela jurisdicional por critério territorial, já que as relações jurídicas em causa admitem divisão segundo o domicilio dos respectivos titulares, que são perfeitamente individualizados. Compreendida a limitação territorial da eficácia da sentença nos termos expostos, é possível conceber idêntica limitação à eficácia da respectiva coisa julgada. Nesse pressuposto, em interpretação sistemática e construtiva, pode-se afirmar, portanto, que a eficácia territorial da coisa julgada a que se refere o art. 16 da Lei 7.347/85 diz respeito apenas às sentenças proferidas em ações coletivas para tutela de direitos individuais homogêneos, de que trata o art. 2º. – A da Lei 9.494, de 1997, e não, propriamente, às sentenças que tratam de típicos direitos transindividuais”.[40]

Importante destacar que o anteprojeto do Código de Processo Coletivo deixa claro que “a competência territorial do órgão prolator não representará limitação para a coisa julgada erga omnes” (art. 13, § 4º) procurando de certa forma corrigir o equivoco da redação defeituosa do artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública.

 O efeito erga omnes, por outro lado, é decorrência lógica da indivisibilidade e da transindividualidade do direito material difuso e coletivo veiculado na ação coletiva já que não se pode identificar quais os indivíduos que serão atingidos pelos efeitos da coisa julgada, revelando extensão subjetiva universal.

Sobre o autor
Hamilton Donizeti Ramos Fernandez

Mestrando em Direito pela FADISP - Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo. Advogado em São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDEZ, Hamilton Donizeti Ramos. Legitimação individual no processo coletivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3625, 4 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24606. Acesso em: 23 dez. 2024.

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