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Legitimação individual no processo coletivo

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Nas ações coletivas para a tutela de direitos difusos e coletivos, a legitimação ativa deve contemplar o individuo que demonstrar interesse jurídico na proteção ao direto material invocado.

INTRODUÇÃO

Um dos focos principais do processo coletivo é relativo à legitimação. Esta tem sido objeto de estudo e reflexões de boa parte da doutrina nacional e estrangeira, que busca um modelo a contemplar a melhor forma de tutelar os direitos difusos e coletivos.

 Essa classe de direitos principalmente no pólo ativo tem reclamado cada vez mais a proteção jurisdicional em face das mudanças operadas pelos sistemas econômicos e sociais, em direção a uma sociedade de massas, na qual as preocupações individuais vão cedendo espaço para aquelas de ordem coletiva.

É o resultado natural do processo civilizatório que caminha inexoravelmente na ampliação das relações entre indivíduos e grupos. Nesse contexto, dentro das sociedades, determinados fatos adquirem importância e repercussão que atingem uma gama considerável de indivíduos, por vezes indeterminados ou indetermináveis, dificultando a tutela jurisdicional.

Com o desenvolvimento proporcionado pelo processo de civilização percebeu-se a necessidade de tutelar juridicamente alguns bens e situações jurídicas que são de interesse coletivo. O Estado Liberal sob o qual foram forjados os instrumentos de tutela de direitos influenciou os sistemas jurídicos, especialmente a ciência processual, de tal sorte a colocar o indivíduo e a propriedade privada no cento do sistema de valores.

Por essa razão, a ciência jurídica processual sempre se preocupou em estudar e desenvolver os institutos processuais com vistas a proteção do direito individual, razão pela qual, sem uma reinterpretação destes institutos, não há como tutelar de forma eficaz os direitos difusos e coletivos.  

A própria indeterminação dos sujeitos afetados por estes fatos coletivos ou até mesmo por normas coercitivas em abstrato é um obstáculo a efetiva proteção dos bens supraindividuais.

Com efeito, entre os institutos próprios do modelo jurídico concebido sob o Estado Liberal está a legitimação processual, que aplicada aos processos coletivos da mesma forma que nos litígios individuais não atende as necessidades de tutela a bens difusos e coletivos.

A legitimação processual individual está alicerçada no liame jurídico que liga o individuo ao bem ou à outra pessoa numa relação de pertinência. É o que dispõe o artigo 6º do Código de Processo Civil quando afirma que ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.

A transposição deste conceito para o processo coletivo traz indesejáveis conseqüências como, por exemplo, a limitação legal de possibilidade de legitimação, o que dificulta o acesso ao judiciário na proteção dessa classe de bens.

Como identificar que parte do meio ambiente ecologicamente equilibrado pertence ao individuo “A”?  Ou que porção do patrimônio público pode ser atribuído ao individuo “B”? São questões que suscitam a problemática da legitimação processual na tutela a esses bens.

Fica evidente que a noção de propriedade não é adequada ao conceito de legitimação processual em temas de direitos difusos e coletivos. O caminho a ser percorrido passa por outras paragens, como é o caso do interesse.

Se não é possível atribuir ao individuo “A” uma porção do meio ambiente sadio, é, no entanto, permitido identificar um interesse seu em proteger esse bem difuso que é juridicamente tutelado.

O elevado grau de importância na proteção dos direitos de natureza difusa ou coletiva pode recomendar a releitura do instituto da legitimação processual. É o tema que se pretende examinar neste trabalho.

E por direitos de natureza difusa ou coletiva também se insere o acesso a uma ordem jurídica justa e a plena higidez do sistema constitucional para garantias de direitos, passando pelo controle concentrado de constitucionalidade.

Seria possível ampliar o conceito de legitimidade para permitir o acesso de grupo de indivíduos a essa espécie de tutela jurídica constitucional?

A singela investigação que se pretende fazer nesta monografia objetiva oferecer algumas possíveis respostas, que serão informadas pelos valores do acesso a justiça como manifestação plena da democracia.


1. ESCORÇO HISTÓRICO SOBRE A EVOLUÇÃO DA TUTELA DOS DIREITOS E INTERESSES COLETIVOS NO BRASIL

Partindo-se da experiência nacional, verifica-se que o processo civil tradicionalmente, como em outros países, foi idealizado para solucionar o conflito de interesses entre indivíduos, admitindo no máximo a cumulação de demandas, por meio do instituto do litisconsórcio, previsto atualmente no artigo 46 do Código de Processo Civil com o seguinte parágrafo único: “o juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa [...]”.

O próprio texto normativo traz implícito o reconhecimento da dificuldade desse modelo tradicional em prestar a jurisdição para a solução de litígios que envolvam maior número de litigantes, o que indica a necessidade de outros institutos para cumprir essa missão.

O sistema processual de 1973 foi construído sobre o fundamento tradicional da divisão da tutela jurisdicional em conhecimento, cautelar e de execução seguindo-se os ensinamentos de LIEBMAN que defendia a idéia segundo a qual “no sistema do direito processual, a única classificação legítima e importante é a que se refere à espécie do provimento pedido”[1]. Basta verificar a estrutura codificada nos diversos livros que compõem o Código de Processo Civil, destinados ao processo de conhecimento (Livro I); Executivo (Livro II); Cautelar (Livro III); Procedimentos Especiais (Livro IV) e que leva ao desiderato da tutela reparatória ou preventiva sempre no prisma da individualidade.

A regra estatuída no artigo 6º, do Código de Processo Civil assevera que “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”, revelando também por este ângulo, a limitação do sistema processual na solução de conflitos quando o direito material não for postulado por seu titular, ou, no caso da própria titularidade do direito ser indeterminada ou transubjetiva, dita de outro modo, difuso ou coletivo.

É de ser dito também, que outro norte do sistema indica que as normas processuais objetivam solucionar um conflito de interesse manifestado no caso concreto, como adverte GALENO LACERDA ao anotar que a função jurisdicional “existe por causa de um conflito e para solucioná-lo”[2], revelando neste vértice os limites quanto ao fenômeno da cognição jurisdicional que fica adstrita ao caso concreto.

A propósito desse tema, MAURO CAPPELLETTI e BRYANT GARTH anotaram com propriedade que “o processo era visto como um assunto entre as partes, que se destinava à solução de uma controvérsia entre essas mesmas partes, a respeito de seus próprios interesses individuais”[3], conclusão afirmada por toda a doutrina processualística, revelando que o sistema está condicionado a prestar a jurisdição no caso concreto para solucionar a lide, o conflito de interesses, individualmente considerados.

Verificam-se, portanto, três aspectos relevantes do sistema processual civil codificado que limitam a atuação da jurisdição nas relações coletivas, a saber: a) impossibilidade da presença de grande número de litigantes; b) dificuldade de legitimação processual quando o detentor do direito material não pode estar em juízo; c) impossibilidade de atuação jurisdicional abstrata.

Ao longo do tempo, porém, a evolução da civilização fez surgir a sociedade de massas que é fenômeno universal e com maior ou menor intensidade demandou dos sistemas jurídicos soluções a altura do desafio de resolver os litígios de forma coletiva e/ou sobre direitos/interesses de titularidade indeterminada ou coletivos.

Do sistema de common law, originou-se na Inglaterra a ação de classes (class action) que avançou em relação ao modelo tradicional na qual era exigida a presença de todos os litigantes no processo, passando a admitir que determinados grupos ou classes de indivíduos postulassem ou fossem demandados em nome próprio por interesses alheios.

É o que informa TEORI ALBINO ZAVASCKI:

Aponta-se a experiência inglesa, no sistema da common law, como origem dos instrumentos do processo coletivo e, mais especificamente, da tutela coletiva de direitos. Desde o século XVII, os tribunais de equidade (Courts of Chancery) admitiam, no direito inglês, o Bill of Peace, um modelo de demanda que rompia com o principio segundo o qual todos os sujeitos interessados devem, necessariamente, participar do processo, com o que se passou a permitir, já então, que representantes de determinados grupos de indivíduos atuassem, em nome próprio, demandando por interesses dos representados ou, também, sendo demandados por conta dos mesmos interesses. Assim nasceu, segundo a maioria dos doutrinadores, a ação de classe (class action). [...] O certo é que da antiga experiência das cortes inglesas se originou a moderna ação de classe (class action), aperfeiçoada e difundida no sistema norte-americano, especialmente a partir de 1938, com a Rule 23 das Federal Rules of Civil Procedure, e da sua reforma, em 1966, que transformaram esse importante método de tutela coletiva em “algo único e absolutamente novo” em relação aos seus antecedentes históricos.[4]

Conforme anotou o mesmo autor, nos países europeus que adotam o sistema da civil  law não houve o desenvolvimento dos institutos processuais de tutela de direitos difusos e coletivos ao mesmo nível da class action norte-americana.

Mesmo assim, convêm citar a experiência de alguns desses países pela influência que exerceram sobre nosso ordenamento jurídico. É o caso, por exemplo, da França com a Loi Royer, de 1973, que foi posteriormente modificada em 1988, estabelecendo, por meio do artigo 46, que “as associações regularmente declaradas como tendo objeto estatutário explicito a defesa dos interesses dos consumidores podem, quando autorizadas para esse fim, atuar perante a jurisdição civil relativamente a fatos que produzam prejuízo direto ou indireto ao interesse coletivo dos consumidores”.

Na Espanha foi adotada solução semelhante por meio da Lei 20/84 (Ley General para La Defesa de los Consumidores y Usuarios), que legitimou ativamente as associações para promoverem demandas coletivas relativas ao consumidor, conforme se constata da leitura do artigo 26 dispondo que estas demandas coletivas poderiam versar, inclusive, sobre a informação e educação dos consumidores e usuários, seja em caráter geral ou em relação a produtos e serviços determinados.

Em seguida, a Ley Organica Del Poder Judicial, de 1985, permitiu maior abertura no interesse da proteção dos direitos coletivos ao conferir legitimação para as corporações, associações e grupos atingidos ou que estejam legalmente habilitados para a sua defesa, conforme preconizado no art. 7º, § 3º do diploma legal.

Na Itália, as mudanças ocorreram por meio da atuação jurisdicional com forte apoio doutrinário e somente com o advento do Tratado da União Européia, de 1992, que disciplinou os temas de direito ambiental e do consumidor em seus artigos 129 e 130 é que foi editada a Lei 281, em 1998, reconhecendo os direitos coletivos dos consumidores e estabelecendo a forma de sua tutela jurisdicional.

Antes desta lei, o Código Civil Italiano continha uma previsão no artigo 1.469-sexies de espécie de ação inibitória a ser promovida por entidades associativas de consumidores em casos de urgência para coibir a utilização abusiva de contratos.

Na Alemanha o panorama não era muito diferente, uma vez que o sistema processual concebeu formas de tutela coletiva em favor de associações somente em temas de consumidor e de meio ambiente.

Já em Portugal houve significativo avanço com o surgimento da ação popular prevista na Constituição de 1976 (art, 20, n. 1, e art. 52, n 2), que tutelou de forma preventiva a saúde pública, o meio ambiente, a qualidade de vida e patrimônio cultural, sendo posteriormente complementada por meio das leis 83/95e 24/96 com clara inspiração na legislação brasileira.  

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Fica evidenciado dessa forma, que a defesa dos consumidores e do meio ambiente (primeiros direitos coletivos tutelados) se tornou imprescindível à própria civilização na sociedade industrial de massa que exerce sobre esses bens jurídicos uma enorme pressão econômica e mesmo física, exigindo que o direito processual concebesse instrumentos capazes de solucionar de forma eficaz os inúmeros conflitos advindos das tensões provocadas por este modo de vida gregária.

Essa realidade é vivenciada em todos os países com maior ou menor intensidade, e a troca de experiências é de importância vital para que se chegue a instrumentos ideais para cada sistema, daí se compreender os projetos de códigos modelos como o sugerido por ANTONIO GIDI[5] e outros.

No Brasil, tais influxos foram demandando paulatinamente as adaptações de institutos processuais já existentes para as soluções das tensões e dissídios provocados pela mudança de paradigmas, sobre os quais se fará breve histórico a fim de melhor situar o tema da legitimidade ativa que se pretende explorar.

Antes de ingressar nesse campo e em face dos reflexos processuais que acarretam, convém descrever brevemente a classificação e as definições adotadas sobre o que sejam direitos coletivos, incluindo-se nessa classe os interesses e direitos individuais homogêneos assim como definidos no Código de Defesa do Consumidor:

VICENTE DE PAULA MACIEL JUNIOR assim os resume:

O Código de Defesa do Consumidor prevê uma definição legal no art. 81, itens I, II e III, para a tutela em sede coletiva de três ordens de interesses, sendo os primeiros difusos, assim denominados os transindividuais, de natureza indivisível, cujos titulares são pessoas ligadas por circunstâncias de fato. Os segundos são os interesses coletivos, também transindividuais, de natureza indivisível, cujos titulares são grupos, categorias ou classes de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base. E por fim os interesses individuais homogêneos, que são decorrentes de origem comum (tais interesses não são coletivos nem difusos, mas individuais, tendo um ponto de fato comum que recomenda a defesa a um só tempo (FREITAS, 1992, p. 328). Essa classificação denota o reconhecimento dentro da relação de consumo de três possibilidades de manifestação dos interesses de forma pluralizada, quais sejam, a difusa, a coletiva e a homogênea.[6]

Por sua vez, TEORI ALBINO ZAVASCKI, assim sintetiza o tema:

“Direito coletivo é designação genérica para as duas modalidades de direitos transindividuais; o difuso e o coletivo stricto sensu. É denominação que se atribui a uma especial categoria de direito material, nascida da superação, hoje indiscutível, da tradicional dicotomia entre interesse público e interesse privado. É direito que não pertence à administração pública nem a indivíduos particularmente determinados. Pertence, sim, a um grupo de pessoas, a uma classe, a uma categoria, ou à própria sociedade, considerada em seu sentido amplo. Na definição de Péricles Prade, “são os titularizados por uma cadeia abstrata de pessoas, ligadas por vínculos fáticos exsurgidos de alguma circunstancial identidade de situação, passíveis de lesões disseminadas entre todos os titulares, de forma pouco circunscrita e num quadro abrangente de conflituosidade. Já os direitos individuais homogêneos são, simplesmente, direitos subjetivos individuais. A qualificação de homogêneos não altera nem pode desvirtuar essa sua natureza. É qualificativo utilizado para identificar um conjunto de direitos subjetivos individuais ligados entre si por uma relação de afinidade, de semelhança, de homogeneidade, o que permite a defesa coletiva de todos eles. Para fins de tutela jurisdicional coletiva, não faz sentido, portanto, sua versão singular (um único direito homogêneo), já que a marca da homogeneidade supõe, necessariamente, uma relação de referência com outros direitos individuais assemelhados. Há, é certo, nessa compreensão, uma pluralidade de titulares, como ocorre nos direitos transindividuais; porém, diferentemente desses (que são indivisíveis e seus titulares são indeterminados), a pluralidade, nos direitos individuais homogêneos, não é somente dos sujeitos (que são indivíduos determinados), mas também do objeto material, que é divisível e pode ser decomposto em unidades autônomas, com titularidade própria. Não se trata, pois, de uma nova espécie de direito material. Os direitos individuais homogêneos são, em verdade, aqueles mesmos direitos comuns ou afins de que trata o art. 46 do CPC (nomeadamente em seus incisos II e IV), cuja coletivização tem um sentido meramente instrumental, como estratégia para permitir sua mais efetiva tutela em juízo.[7]

Como marco inicial no Brasil desse movimento em direção à positivação do direito transindividual cita-se a alteração procedida na Ação Popular levada a efeito por meio da Lei nº. 6.513/1977 que modificou a redação do art. 1º, § 1º, daquele diploma popular para incluir no conceito de patrimônio público protegido por meio desta lei especial “os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico”.

Essa alteração positivou em nosso sistema jurídico, a tutela de direitos materiais tipicamente difusos, dando inicio ao crescente e progressivo desenvolvimento do tema em seus múltiplos aspectos. É de ser observado que o primeiro movimento legislativo nesse rumo cuidou dos aspectos materiais do direito coletivo, ou seja, o legislador preocupou-se em positivar a proteção a direitos difusos de natureza coletiva, entregando ao rito da lei da Ação Popular o meio processual para a tutela desse direito material.

Outro movimento legislativo de importância vital nesse tema ocorreu com a edição da Lei nº. 7.347/85 conhecida como Lei da Ação Civil Pública, que dotou nosso ordenamento jurídico de instrumento processual de enorme abrangência para a tutela dos direitos difusos e coletivos, sendo certo que no artigo primeiro deste diploma já se afirmava claramente seu propósito de proteger os direitos difusos e coletivos, quando dispunha na primitiva redação:

Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos causados:

I – ao meio ambiente;

II - ao consumidor;

III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo

 A lei em referência, na verdade, criou um sub-sistema processual destinado a tutela de direitos coletivos e difusos até então sem instrumento eficaz para a adequada proteção, visto que a estrutura do processo civil codificado, como se disse alhures, estava fundamentada na tutela a direitos individuais assim como concebidos na esteira no liberalismo.

Porém, foi com a Constituição Federal de 1988 que o tema de direitos difusos e coletivos ganhou importância de direito fundamental. Com efeito, o art. 5º, XXXIII, garante a proteção ao consumidor; o art. 37, § 4º, protege a probidade administrativa; o art. 216, preserva o patrimônio cultural; o art. 225, assegura o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado.

Além de garantir a proteção a esses bens de natureza difusa e coletiva, a Constituição proveu os instrumentos processuais adequados e eficazes à tutela desses direitos, quando, por exemplo, ampliou o espectro da Ação Popular (art. 5º, LXXIII), para ser usada também para a proteção da moralidade administrativa, do meio ambiente, do patrimônio histórico e cultural; Quando conferiu às entidades associativas a legitimidade para defesa de direitos ou interesses de seus filiados (Art. 5º, XXI), ou as entidades sindicais em favor de seus membros (Art. 8º, III); Quando criou o mandado de segurança coletivo previsto no art. 5º, LXXX, “d”; Ou, quando dotou o Ministério Público da legitimação necessária para tutelar qualquer espécie de direitos ou interesses difusos e coletivos, conforme dispõe o art. 129, III, da Constituição Federal.

Ainda dentro do âmbito constitucional é digno de nota a significativa ampliação do sistema de controle de constitucionalidade concentrado, com a criação de meios coletivos de tutela da ordem constitucional, tais como a Ação Direta de Inconstitucionalidade a Ação Direta de Constitucionalidade (CF, art. 103) e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (CF, art. 102, § 1º), que representam no ambiente do controle de constitucionalidade, forma de processo coletivo.

  Após a Constituição, surgiram outros diplomas legais versando a proteção de direitos difusos e coletivos, como, por exemplo, a Lei nº. 7.913/89 que estabelece a proteção dos investidores no mercado de capitais; A Lei nº. 7.853/89 que tutela o direito coletivo dos portadores de deficiência (arts. 3º a 7º); O Código de Defesa do Consumidor – Lei nº. 8.078/90, que trouxe a inovadora ação civil coletiva prevista no artigo 91[8]. No mesmo rumo, citam-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº. 8.069/90, prevendo em seus artigos 208 a 224 a tutela coletiva especifica dessa classe de pessoas, ou, ainda, e o Estatuto do Idoso, Lei nº. 10.741/03 que em seus artigos 69 a 92 também oferece os meios para assegurar a proteção dos idosos, ou, a Lei nº. 12.016/2009, regulamentando o mandado de segurança coletivo, conforme disposto nos artigos 21 e 22.[9]

Evidente que o ordenamento jurídico está agora dotado de vários instrumentos para a tutela de direitos e interesses difusos e coletivos bem como, a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos que podem ser classificados, também, como espécie de direito coletivo, revelando considerável avanço nesse campo podendo-se afirmar a presença de um microssistema de direito coletivo, composto de diversas normas intercambiantes (Lei nº. 7.347/85 – art. 21 e Lei nº. 8.078/90, art. 90) que formam um arcabouço de inegável eficácia na tutela dessa classe de direitos, aliás, reconhecido como um dos mais avançados do mundo, segundo propala BARBOSA MOREIRA.

Nesse prisma, deve ser mencionada a constatação de CAPPPELLETTI e GARTH que a propósito desse tema anotaram “a visão individualista do devido processo judicial está cedendo lugar rapidamente, ou melhor, está se fundindo com uma concepção social, coletiva. Apenas tal transformação pode assegurar a realização dos ‘direitos públicos’ relativos a interesses difusos”.

Por fim, de se registrar o projeto de lei nº. 5.139/09 que pretende a positivação do Código de Processo Civil Coletivo reunindo a experiência com as normas já mencionadas e inovando em vários outros aspectos para dotar o ordenamento de instrumentos ainda mais avançados na busca de melhorar a tutela aos interesses e direitos transindividuais, uma vez que se reconhece ainda existirem vulnerabilidades a serem superadas, conforme anota ADA PELLEGRINI GRINOVER:

[...] a aplicação prática das normas brasileiras sobre processos coletivos (ação civil pública, ação popular, mandado de segurança coletivo) tem apontado para dificuldades práticas decorrentes da atual legislação: assim, por exemplo, dúvidas surgem quanto à natureza da competência territorial (absoluta ou relativa), a litispendência (quanto é diverso o legitimado ativo), a conexão (que, rigidamente interpretada, leva à proliferação de ações coletivas e à multiplicação de decisões contraditórias), o controle difuso da constitucionalidade, a possibilidade de repetir a demanda em face de prova superveniente e a de intentar ação em que o grupo, categoria ou classe figure no pólo passivo da demanda.[10]

Alguns doutrinadores debruçaram no assunto ao conceber uma estrutura processual própria para tutelar os direitos difusos e coletivos, o que demanda revisitar os vetustos conceitos de interesse e direitos, de legitimidade, coisa julgada, entre outros institutos na busca de uma teoria do processo coletivo que será cada vez mais requisitado nas soluções dos inúmeros problemas de nosso tempo, pois como já se afirmou: problemas coletivos exigem soluções coletivas. 

O propósito deste singelo trabalho não é esquadrinhar essas inúmeras necessidades e suas soluções, mas tão somente se ater a alguns compartimentos dessa nova teoria que se busca construir, rememorando algumas idéias já expostas, mas que, observadas por outro prisma, talvez possam contribuir com o avanço da ciência processual, referindo-se especificamente ao instituto da legitimação processual ativa no ambiente da tutela aos direitos coletivos.

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Sobre o autor
Hamilton Donizeti Ramos Fernandez

Mestrando em Direito pela FADISP - Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo. Advogado em São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDEZ, Hamilton Donizeti Ramos. Legitimação individual no processo coletivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3625, 4 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24606. Acesso em: 20 nov. 2024.

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