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Previdência privada fechada - fundos de pensão - e a relação de consumo

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Agenda 15/06/2013 às 16:01

2. As EFPC no contexto da relação consumerista e as questões a serem postas

Após a breve caracterização da previdência complementar, consigne-se que, com a edição relativamente recente da Súmula 321 do Superior Tribunal de Justiça – STJ – emergiu um problema que trafega na jurisprudência e especialmente na doutrina: trata-se de estabelecer a amplitude de interpretação e aplicação do enunciado da referida súmula na relação jurídica consumerista, se abrangeria apenas as EAPC – o que neste caso parece pacificado, conforme mais adiante sinalizaremos – ou se também contemplaria as EFPC. Assim, cabe no âmbito desta monografia discutir a incidência da referida súmula à luz também de posicionamentos da doutrina e da própria jurisprudência nas entidades fechadas de previdência complementar – EFPC – cujo teor transcreve-se abaixo:

O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes. [21]

No caso da Entidade Aberta de Previdência Complementar, há doutrinadores que entendem configurada relação consumerista, tendo em vista que o participante dos planos de benefícios – de forma facultativa e a partir de contrato de adesão – desembolsa prestações por determinado período a fim de obter para si ou para beneficiário que designar cobertura de risco de morte, invalidez ou mesmo aposentadoria, ocupando, por isso, a posição de consumidor. De outra lado, a entidade concede os benefícios pactuados em contrato e segundo o regulamento do plano de benefício, o que a caracteriza como fornecedora. In verbis:

O participante é a pessoa física sobre a qual recaem os riscos do contrato previdenciário, quais sejam: a morte, a invalidez e a sobrevivência, sendo o sujeito ativo da relação jurídica de previdência aberta ao qual é conferido o direito de recebimento dos benefícios pagos pela entidade aberta de previdência complementar na forma de pagamento único ou renda firmados no contrato.

O beneficiário é a pessoa indicada pelo participante para receber quaisquer benefícios previdenciários previstos no plano em decorrência do evento gerador.

Tais entidades (EAPC) têm por objetivo a comercialização em massa de planos previdenciários privados, cujo objeto é a concessão de benefícios ao participante ou ao beneficiário, sejam estes os próprios contratantes ou apenas favorecidos no plano contratado pela pessoa jurídica.[22]

Observe-se que nas entidades abertas os planos previdenciários são ofertados livremente no mercado a pessoas físicas ou a pessoas jurídicas, cuja relação jurídica se processa de forma facultativa e mediante contrato, o que coaduna com os fins lucrativos dessa espécie de previdência privada complementar. Parece não gerar controvérsias a patente configuração do consumidor (participante ou beneficiário) e da entidade aberta de previdência complementar (fornecedora de benefícios previdenciários).

Mais adiante, Arruda afirma que na relação jurídica firmada entre participante e Entidade Aberta de Previdência Complementar há incidência dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, conforme se depreende de seu posicionamento abaixo:

O participante, na qualidade de consumidor, é aquele que adquire produtos (benefícios previdenciários) ou utiliza o serviço previdenciário para a satisfação de necessidades pessoais como destinatário da atividade econômica exercida pela entidade aberta de previdência complementar.

As entidades abertas de previdência complementar são caracterizadas como verdadeiros fornecedores, pois são pessoas jurídicas as quais, mediante remuneração e de forma habitual, oferecem ao vasto mercado de consumo – já que acessíveis a todos que queiram com ela contratar – o serviço previdenciário privado, qual seja: a concessão de benefícios sob a forma de renda ou pagamento único. [23] (grifos nossos)

Em alinhamento ao posicionamento de Arruda, Léo Amaral Filho evoca julgado do Superior Tribunal de Justiça favorável à incidência do Código de Defesa do Consumidor nas relações jurídicos envolvendo participante e Entidade Aberta de Previdência Complementar, embora não indique se é um entendimento majoritário ou sedimentado na jurisprudência daquele Egrégio Tribunal, in verbis:

Civil e Processo Civil. Recurso Especial. Embargos de Declaratórios Protelatórios. Previdência Privada. Aplicação do código de defesa do consumidor. Ofensa ao ato jurídico perfeito. Matéria infraconstitucional. Reexame fático-probatório. Interpretação de cláusulas contratuais. Prequestionamento. Fundamento inatacado do acórdão recorrido.

[...]

- Aplicam-se os princípios e regras do Código de Defesa de Consumidor à relação jurídica existente entre a entidade de previdência privada e seus participantes.

[...]

A participação no plano oferecido pela previdência privada ocorre com a celebração do contrato previdenciário. Através deste negócio jurídico o participante transfere à entidade certos riscos sociais ou previdenciários, mediante o pagamento de contribuições, a fim de que, ocorrendo determinada situação prevista contratualmente, obtenha da entidade benefícios pecuniários ou prestação de serviços.

[...]

Dessa forma, o vínculo jurídico entre o participante e a entidade de previdência privada é relação de consumo, aplicando-se, assim, os princípios e regras do Código de Defesa do Consumidor. (grifos do autor) (Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 306.155, rel. Min. Nancy Andrighi, Diário de Justiça de 25.02.2002). [24]

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De forma semelhante, Arthur Bragança de V. Weintraub compartilha do entendimento de que as EAPC são enquadráveis na relação de consumo, haja vista que são constituídas como sociedades anônimas, tendo fins lucrativos e com acessibilidade a todas às pessoas, quer dizer, no mercado de consumo, in verbis:

Como são sociedades anônimas com natural finalidade lucrativa, as entidades abertas não despertam discussão sobre a sua caracterização como fornecedoras de serviços (colocando seus participantes como consumidores). Os planos destas entidades são acessíveis a quaisquer pessoas (físicas, em planos individuais e jurídicas, nos planos coletivos), e sua qualificação comercial pela exploração da atividade de fornecimento dos serviços securitários/previdenciários visando a obtenção de lucro é nitidamente de relação de consumo. [25]

Feito isso, a questão a ser posta e que permeará o presente trabalho é a seguinte: as características já apontadas a respeito das EFPC – Entidades Fechadas de Previdência Complementar – em termos de constituição e composição afastariam per se a incidência da Súmula 321 do STJ, ou seja, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor – CDC – nas relações entre a entidade e os participantes? Como tem se posicionado a doutrina e a jurisprudência a respeito do tema?

Antes de se prosseguir nas discussões a respeito do problema posto, cabe situá-lo, ainda que de forma panorâmica, sob o enfoque constitucional, a fim de não se enveredar por posicionamentos precipitados ou equivocados a respeito do tema. Nesse sentido, é forçoso transcrever o art. 5º, inciso XXXII, o art. 10 e o art. 170, caput e inciso V, todos da Constituição Federal, que dispõem:

Art. 5º [...]

[...]

XXXII. O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Art. 10. É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação. (grifos nossos)

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (grifos nossos)

[...]

V – defesa do consumidor [26]

Por seu turno, no que tange à previdência complementar, a Carta Magna traz o seguinte enunciado, conforme art. 202:

O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. [27]

No contexto constitucional, com base nos dispositivos indicados anteriormente, pode-se depreender a especial atenção dispensada ao consumidor, o que não significa desprezar a importância das demais variáveis imbricadas na relação de consumo, sob pena de inviabilizar o funcionamento do próprio mercado. De todo modo, fica evidente nos referidos dispositivos a ênfase que é dispensada ao consumidor, a exemplo do consignado no inciso XXXII, art. 5º, da Constituição Federal. [28]

Ora, desde já, registre-se que as questões envolvendo o consumidor remetem à dimensão de princípios (art. 170, V) e estão entre as garantias fundamentais (art. 5º, inciso XXXII), cuja análise será efetuada oportunamente. Portanto, não se pode olvidar na abordagem do problema posto as discussões constitucionais e principiológicas sob pena de se adotar posicionamentos reducionistas.

De qualquer modo, é forçoso esclarecer o seguinte ponto evocado no âmbito constitucional com os respectivos desdobramentos: mas de que proteção ou de quem, afinal, a Constituição Federal está se referindo, ou melhor, quais as figuras e contexto presentes nesse embate de relação jurídica de consumo? O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 2º, caput e § combinado com o art. 3º caput definem de forma bastante elucidativa esses aspectos, pelo menos para o presente propósito, senão vejamos:

Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviços. [29]

A par dos enunciados supra Amaral Júnior e Moraes, citados por Cláudia Lima Marques, ponderam que o consumidor não detém informações suficientes a respeito de produtos ou serviços que demanda no mercado, razões pelas quais se mostra hipossuficiente e vulnerável diante do fornecedor, sendo que sua vulnerabilidade se manifesta na dimensão técnica, jurídica, política ou legislativa, biológica ou psicológica, econômica ou social e ambiental. In verbis:

[...] o consumidor é vulnerável porque não dispõe dos conhecimentos técnicos necessários para a elaboração dos produtos ou para a prestação dos serviços no mercado. Por essa razão, o consumidor não está em condições de avaliar, corretamente, o grau de perfeição dos produtos e serviços [...] Por sua vez, Moraes identifica a vulnerabilidade técnica, jurídica, política ou legislativa, a biológica ou psicológica, a econômica ou social e a ambiental; assim com várias situações ou formas de tornar o consumidor vulnerável. Lista as seguintes formas de tornar o consumidor vulnerável: a) tecnicismo dos contratos; b) complexidade e extensão contratual; c) predisposição; d) generalidade dos contratos; e) estado de necessidade; dimensão dos caracteres dos contratos [...] [30]

Segundo Nelson Nery Júnior, a partir do enunciado no art. 2º, caput combinado com o art. 3º do CDC, são identificados três elementos constitutivos de uma relação jurídica de consumo: a) os sujeitos: consumidor e fornecedor; b) o objeto: produto ou serviço; e) elemento teleológico: é a finalidade da aquisição ou utilização do produto ou serviço por parte do consumidor, o qual é considerado o destinatário final. Frisa o autor que o “CDC não fala de ‘contrato de consumo’, ‘ato de consumo’, ‘negócio jurídico de consumo’, mas de relação de consumo, termo que tem sentido mais amplo do que aquelas expressões [...]” [31]

Definidos os atores da relação consumerista, o CDC conceitua produto e serviço nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 3º, conforme abaixo:

Produto é qualquer bem móvel, ou imóvel, material ou imaterial.

Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. [32]

Verificam-se nos dispostos supra uma perspectiva aberta e genérica a respeito de produto e serviço, tendo como única condição a remuneração. No entanto, quanto a este aspecto, em que um terceiro se envolve na relação por via reflexa e sem o seu consentimento – e.g. inscrição em banco de dados como mau pagador por uma compra que não realizou – já existe corrente que define fornecedor por equiparação, a exemplo de Leonardo Bessa, referenciado por Cláudia Lima Marques, mas que não será objeto de apreciação neste trabalho. [33]

Cabe assinalar que a relação de consumo se opera dentro de um mercado, aí compreendido, segundo Newton de Lucca, como o ambiente no qual se processam as relações de permuta de bens e de prestação de serviços, mediante a participação dos inúmeros agentes econômicos, in verbis:

[...] Nos livros de Direito, em geral, a expressão (mercado) é corriqueiramente utilizada pelos autores como se se tratasse de uma noção absolutamente consabida por todos.

Mas, se é verdade que, em Economia, o conceito já terá sido objeto das mais profundas análises, o mesmo não parece ter ocorrido relativamente à Ciência Jurídica [...] Já se deixou assentada, linhas atrás, uma primeira e preliminar noção de mercado, caracterizando-o como a cadeia das relações de troca de bens e de prestação de serviços, realizadas pelos diversos agentes econômicos.[34]

Mais adiante Lucca esclarece que essas relações de troca de bens e de prestação de serviços, ocorrem, de algum modo, em dado lugar e em determinado tempo, o que abrangeria, consoante o autor, o próprio comércio eletrônico. A título de conceito, Lucca afirma que o “Mercado é o conjunto das relações de troca de bens e de prestação de serviços, praticadas pelos diversos agentes econômicos, em determinado tempo e lugar”. [35]

Não se pretende aqui discutir e muito menos aprofundar o conceito de mercado, mas cabe somente esclarecer que esta perspectiva jurídica conceitual será utilizada a respeito da expressão. Assim, ainda quanto a essa questão, Lucca afirma que a vulnerabilidade do consumidor reconhecida no CDC só pode ser entendida no ambiente de mercado. Nesse sentido, é oportuno transcrever suas palavras:

Entendo que as expressões mercado de consumo, de um lado, e reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, de outro – com a primeira colocada imediatamente após a segunda – só podem ser interpretadas no sentido de que nelas existe uma espécie de interpenetração substancial.

Em outras palavras, o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor só pode dar-se, para os efeitos da aplicação da legislação tutelar, no âmbito do mercado de consumo, ainda que se possa conceber a existência de outras vulnerabilidades e de outros consumidores que não se apresentam, necessariamente, no contexto de um mercado de consumo. [36] (grifos do autor)

É importante consignar, desde já, que a constituição de fundo de pensão por parte do empregador, que passa a figurar como patrocinador, não tem reflexos jurídicos na relação trabalhista que mantém com o empregado, de modo que este último pode permanecer como participante da entidade mesmo após a ruptura do vínculo empregatício. Para Póvoas:

[...] Outra característica destas obrigações (como patrocinador de entidade fechada) é que elas nada têm a ver com os contratos de trabalho, celebrados entre a empresa e os inscritos nos planos previdenciários da entidade.

Por outro lado, uma coisa é a posição do empregado em relação à empresa e outra, totalmente diferente, a sua posição em relação à entidade. Se é certo que esta sua posição só foi possível porque ele era empregado na empresa, não é menos certo que a relação jurídica estabelecida com a entidade é completamente autônoma, até porque pode continuar, mesmo depois de desfeito o vínculo empregatício. [37]

Em que pesem os indicativos feitos até aqui a respeito da relação jurídica de consumo, quando se defronta com conflito entre participantes e Entidades Fechadas de Previdência Complementar, a temática ainda tem se mostrado polêmica, ainda que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ – encontre-se sedimentada, conforme se verá adiante.

Assim, após a apresentação do contexto em que se situa a questão posta, qual seja, a incidência ou não do CDC na relação entre Entidades Fechadas de Previdência Complementar – EFPC – e os participantes dos planos de benefícios, tendo como ponto de partida o enunciado da Súmula 321 do STJ, na seqüência serão analisados argumentos da doutrina e jurisprudência a respeito da problemática, tanto contrários quanto favoráveis.

Sobre o autor
Robson Gonçalves Dourado

Mestrando em Direito pela Universidade Católica de Brasília; Pós-Graduado em Direito e Jurisdição pela Escola da Magistratura do Distrito Federal; Pós-Graduado em Direito e Prática Processual nos Tribunais pelo Uniceub; Bacharel em Direito pelo Uniceub-DF; MBA em Marketing pela FGV-DF; Licenciado em História pelo Uniceub-DF; Advogado; Colaborador na Defensoria Pública do DF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DOURADO, Robson Gonçalves. Previdência privada fechada - fundos de pensão - e a relação de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3636, 15 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24693. Acesso em: 5 nov. 2024.

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