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Previdência privada fechada - fundos de pensão - e a relação de consumo

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Agenda 15/06/2013 às 16:01

3.  Metodologia aplicada na pesquisa jurisprudencial

A pesquisa dos repositórios jurisprudenciais foi realizada no período de 09.04.2013 a 18.04.2013, nos sites do Superior Tribunal de Justiça – STJ – do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás – TJGO – do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – TJRS – do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT – Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP – e do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia – TJBA.

A opção pelas jurisprudências desses tribunais se deu pelas seguintes razões: a) no caso do STJ, em função de ter editado a Súmula 321, que teve vigência a partir de 2005, e por ser a última instância no que tange à divergência de hermenêutica e aplicação de norma infraconstitucional.Além disso, tem posicionamento sedimentado em favor da incidência do CDC nas relações entre EFPC e participante; b) o TJGO por ser um tribunal bastante consultado por este pesquisador na elaboração de suas peças recursais, além de dispor de decisões díspares em outros temas comparativamente, e.g., ao TJDFT e do próprio STJ [38]; c) o TJRS pelo reconhecimento público e notório de suas decisões vanguardistas e diferenciadas; d) o TJDFT por estar situado no local de realização do presente trabalho; e) o TJSP por ter havido referência de um de seus julgados nesta monografia em citação de um doutrinador; f) o TJBA para se buscar maior representatividade da amostra dos acórdãos prospectados.

Nesse sentido, para realizar as buscas jurisprudenciais foram utilizadas as expressões “CDC e Previdência”, “CDC e Previdência Complementar” e “CDC e Previdência Fechada”, cuja análise preliminar era feita na própria ementa, de modo a identificar a aderência com o tema desta monografia. Prima facie, aí considerando principalmente a pesquisa feita no repositório do STJ, que foi a mais completa, o verbete “CDC e Previdência” se mostrou o mais abrangente, de maneira que o seu teor continha os julgados das demais expressões, razão pela qual se optou por utilizá-lo nos demais tribunais. Para prospectar as decisões, foi assinalada a opção de “acórdãos” em todos os sistemas de busca dos tribunais, inclusive do STJ.

Consigne-se que, salvo o repositório do STJ, os sites dos demais tribunais tiveram as ementas analisadas por amostragem e na sequência da disponibilização das páginas de consulta, no máximo, até a sexta página, dado a grande quantidade de julgados, especialmente o TJSP, sendo que muitos deles versavam sobre outras temáticas. Além disso, o propósito era de extrair as decisões mais recentes.

Buscou-se, ainda, focar os julgados tanto contrários quanto favoráveis à incidência e aplicação do CDC dentro do período temporal posterior à edição da Súmula 321 do STJ (publicada no DJ em 05.12.2005), ou seja, a partir de 2006 até 2013. Dada a importância de tal súmula, os acórdãos anteriores do STJ que a embasaram foram abordados nesta pesquisa, o mesmo ocorreu com julgado AI 163.840.5/1-4ª. Câmara, Rel. Des. Brenno Marcondes – VU, julg. 25.05.2000, só que por outro motivo, que já se evidenciou alhures.

Em nível de amostragem, há sinalizações de que o posicionamento dos tribunais – TJRS, TJDFT e TJSP – parece favorável à aplicação do CDC nas relações jurídicas entre participantes e EFPC, já que não foram identificados acórdãos posteriores à edição da Súmula 321 em sentido contrário. Por outro lado, suspeita-se que no TJGO e TJBA, haja mais julgados divergentes da posição da Súmula 321. De todo modo, no caso do TJSP, TJRS e TJDFT, caberia ampliar a quantidade de ementas e teor dos acórdãos analisados, dado os volumes significativos de repositório jurisprudencial destes tribunais.

No caso específico da prospecção efetuada no site do STJ, foram descartados entre os 33 arestos identificados os que não estavam relacionados com o presente tema, de maneira que restaram 22 acórdãos. Destes últimos, 20 (vinte) são decisões sobre conflitos entre participantes de planos de benefícios e Entidades Fechadas de Previdência Complementar – EFPC – e 2 (duas) de Entidades Abertas de Previdência Complementar – EAPC.

É importante registrar que os 20 (vinte) acórdãos envolvendo participantes de planos de benefícios e EFPC o STJ entendeu pela incidência e aplicação do Código de Defesa do Consumidor, numa demonstração clara da sedimentação do posicionamento daquela Egrégia Corte. Note-se que foram 9 processos da PETROS, 5 processos da FUNCEF, 2 da ELETRA, 1 da VALIA, 1 da SISTEL, 1 da ELOS e 1 da FEMCO, cujas datas de julgamento estão situadas no intervalo temporal entre 04.05.2006 a 16.10.2012.

Nas buscais jurisprudenciais foi utilizado o verbete “CDC e Previdência” em todos os sites dos tribunais, apresentando o seguinte período e quantidade de acórdãos disponibilizados: a) STJ: período de 09 a 14.04.13 e 33 acórdãos; b) TJGO: dia 16.04.2013 e 77 acórdãos; c) TJRS: período de 16.04 a 18.04.13 e 554 acórdãos; d) TJDFT: dia 18.04.2013 e 305 acórdãos; e) TJSP: período de 16.04 a 18.04.13 e 7.034 acórdãos e f) TJBA: dia 18.04.2013 e 57 acórdãos.

Por último, convém assinalar que a Súmula 321 foi embasada por 5 (cinco) julgados em sede de Recurso Especial, que contemplaram 3 (três) Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Centrus, julgado em 06.05.2004; Sistel, julgado em 17.06.2004 e Valia, julgado em 19.11.2001) e 2 (duas) Entidades Abertas de Previdência Complementar (Montab, julgado em 04.11.1999 e Sabemi, julgado em 07.10.2004).

Oportunamente, serão efetuados comentários a respeito dos fundamentos jurídicos mais relevantes dos acórdãos que embasaram a edição da Súmula 321, especificamente, dos três que envolveram os fundos de pensão.


4. Argumentos contrários à aplicação do CDC nas EFPC

Verifica-se na doutrina posicionamento contrário à interpretação e aplicação extensiva da Súmula 321 do STJ e, por conseguinte, do Código de Defesa do Consumidor nas relações entre participantes e Entidades Fechadas de Previdência Complementar. Entre os argumentos apontados, que é a posição defendida por Lygia Avena, encontram-se as noções de amplitude, finalidade, enquadramento, especificidades legais e representação em conselho no âmbito dessas entidades, que a seguir se fará o detalhamento para maior compreensão. [39]

Desse modo, quanto à amplitude, assevera Lygia Avena que a relação previdenciária operada nas EFPC abrange um público específico, não estando aberta ao mercado em geral, conforme disposto no art. 31, caput e incisos, o que, no seu entendimento afastaria uma relação de consumo. Segundo a autora, o § 2º do art. 3º do CDC expressa claramente que o conceito de “serviço” é aquele oferecido no mercado de consumo por meio de remuneração, aí no sentido amplo e indiscriminado de consumidores, sem nenhum tipo de restrição, o que diverge da natureza jurídica da concepção das EFPC, in verbis:

Nos termos da citada Lei (art. 3º, § 2º, do CDC), portanto, a relação de consumo está vinculada às noções de comercialização pelo fornecedor de produtos ou serviços e à sua distribuição ampla, no mercado de consumo, com finalidade comercial ou lucrativa.

Tais características, expressas no CDC para fins de configurar a relação de consumo, não estão presente na relação previdenciária entre participantes e entidades fechadas de previdência complementar.

Essas entidades, nos expressos termos do art. 31, I, da Lei nº 109/01, possuem abrangência restrita, tendo os seus planos de benefícios direcionados a um grupo fechado de empregados de uma empresa ou grupo de empresas patrocinadoras, sendo ainda previstos, como seus destinatários, nos termos de lei específica a regular a matéria, os servidores da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, que optem por serem filiados aos planos de benefícios [...] [40] (grifos da Autora)

Também para Weintraub não há que se falar em enquadramento da relação jurídica entre participante e EFPC no CDC, tendo em vista que os fundos de pensão não figuram como fornecedora de produtos ou serviços, mesmo porque o público-alvo dos planos de benefícios são pessoas com vínculo estabelecido com patrocinador ou instituidor. Neste caso, segundo o autor, a relação ocorre fora do chamado mercado de consumo, in verbis:

[...] Fundos de pensão não são fornecedores de serviços de consumo. O art. 3º do Código de Defesa do Consumidor conceitua serviços de consumo (proporcionado por fornecedores) com atividade fornecida no mercado.

Os fundos de pensão não ofertam seus planos no mercado, até porque deve haver vinculação do participante com patrocinador ou instituidor para ingresso no plano fechado. [41]

Em seguida, Weintraub indica uma jurisprudência do TJSP – AI 163.840.5/1-4ª. Câmara, Rel. Des. Brenno Marcondes – VU, julg. 25.05.2000, que está em convergência com o seu posicionamento. Todavia, o autor reconhece que esse tipo de entendimento jurisprudencial é escasso entre os tribunais. Note-se que se trata de decisão anterior à edição da Súmula 321 do STJ, a qual só teve vigência a partir de 2005.

Ainda na análise das características dos fundos de pensão, esclarece Avena que quanto à finalidade, as EFPC por natureza são constituídas sem fins lucrativos, sob a forma de fundação ou sociedade civil, com caráter previdenciário, razão pela qual inexiste escopo de comercialização ou lucratividade dos serviços oferecidos, diferentemente da relação de consumo, cuja comercialização de produtos ou serviços está sempre atrelada à lucratividade. Segundo a autora, os valores desembolsados pelos participantes não apresentam natureza remuneratória, mesmo porque tais quantias serão revertidas em benefícios aos próprios participantes ou pessoas a quem estes tenham indicado, conforme se depreende da afirmação abaixo:

Ressalta, pois, do mesmo modo que ocorre com a contribuição para a Previdência Social, que a contribuição previdenciária do participante ao plano de benefícios não possui o condão de revestir-se de remuneração, nos termos da finalidade lucrativa ou comercial de que trata o art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do consumidor.

[...] todo o patrimônio de tais entidades e seus respectivos rendimentos de aplicação são integralmente direcionados para a concessão e manutenção dos benefícios previdenciários aos seus participantes. Não há, pois, distribuição do seu patrimônio, já que o patrimônio é revertido integralmente em prol da finalidade previdenciária para a qual foram criadas estas entidades. [42]

No que tange ao enquadramento legal das EFPC, Avena esclarece que, enquanto a defesa do consumidor se encontra insculpida na Ordem Econômica e Financeira da Constituição Federal (art. 170, V), as EFPC foram abordadas pela Carta Magna na Ordem Social (art. 202), de forma que, no seu raciocínio, essa diferenciação constitucional afastaria a incidência do Código de Defesa do Consumidor nestas últimas. Segundo a autora, fica claro na Constituição Federal que a relação de consumo ocorre no contexto da atividade econômica e financeira, enquanto as relações estabelecidas entre participantes e EFPC se dão mediante perspectiva previdenciária, de caráter eminentemente de ordem social, conforme se depreende de sua afirmação abaixo:

Na qualidade de prestadoras de benefícios de natureza previdenciária aos seus participantes e beneficiários, sob a forma de rendas e benefícios suplementares ou assemelhados aos da Previdência Social, inclusive concedendo benefícios de risco nos eventos aleatórios como invalidez, morte ou doença, as entidades fechadas de previdência complementar passaram a ter importante papel social. Neste contexto, são enquadradas no Título VIII, da Constituição Federal, na ‘Ordem Social’, estando disciplinadas no seu art. 202.

[...] O princípio de defesa do consumidor, nos termos do art. 170, V, da Carta Magna, é destinado expressamente à Ordem Econômica, estando inserido no Título VII, da Constituição Federal, ‘Da Ordem Econômica e Financeira’ no Capítulo I, ‘Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica e Financeira’. É, portanto, neste contexto, diverso daquele verificado na relação previdenciária, que se insere a relação de consumo. [43]

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Arthur Bragança de V. Weintraub tem esse mesmo posicionamento, na medida em que reforça a teleologia de caráter social inerente à previdência privada complementar, inclusive destacando o contexto previdenciário em que se dá tal tipo de relação, conforme se verifica abaixo:

Mesmo privada, porém, ela não perde jamais seu traço distintivo constitucional de elemento de proteção social.

Fica evidenciado, portanto, que a mens legis do legislador constitucional não foi a de reduzir o campo previdenciário privado ao mero contexto de aplicações financeiras.

Para resguardar a essência da proteção social inerente, notemos que o fundamento dos planos de Previdência Privada não é o enriquecimento da pessoa por meio de aplicações [...] Os planos previdenciários privados visam permitir uma continuidade no padrão de vida da pessoa, complementando ou não uma aposentadoria oficial. [44]

Em relação à legislação aplicável à EFPC, Avena destaca a especificidade da Lei Complementar 109/01, que foca o equilíbrio dos planos de benefícios, os quais se baseiam em severas regras atuariais e sua operacionalização, portanto, no contexto de relação previdenciária, enquanto na relação de consumo busca-se equilíbrio entre consumidor e fornecedor no contexto de atividade econômica. A título de ilustração, a autora remete ao art. 21, caput da Lei Complementar 109/01 [45], o qual dispõe que em caso de déficit, entre as opções para solucionar o problema, poderá a entidade definir, por meio de revisão do seu plano de custeio, majoração das contribuições dos participantes e contribuintes. In verbis:

Ora, como coadunar tal hipótese e norma aplicável com a regra prevista no art. 51, X, do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe ser nula a cláusula contratual que permita ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação de preço de maneira unilateral?

Do mesmo modo, como conciliar tal previsão inserta na legislação que rege a relação de consumo com o princípio legal voltado ao equilíbrio econômico-financeiro e atuarial dos planos de benefícios, em proteção aos participantes, previsto no art. 3º, III, da Lei 109/01?  [46]

Outro aspecto das EFPC que, na concepção de Avena, excluiria a incidência do Código de Defesa do Consumidor nessa relação previdenciária, é o fato da própria Lei 109/01 prevê a representação e ingerência nos contratos dos participantes no Conselho Deliberativo, o qual tem entre outras funções, a de aprovar a instituição e mudança dos regulamentos dos planos de benefícios das entidades, na forma disposta no art. 35 do referido diploma [47]. Nestes termos, afirma a autora, o participante de a possibilidade efetiva de interferir na gestão direta das EFPC, o que não ocorre na relação consumerista. [48]

Em convergência a este ponto, Weintraub esclarece que, diferentemente da EAPC, nas EFPC os participantes compõem a estrutura organizacional, podendo interferir nas decisões que dão o rumo destas entidades, de maneira que esse tipo de relação jurídica não exigiria intervenção estatal para se buscar harmonização de interesses, conforme dispõe o art. 4º do CDC. Nesse sentido, afirma o autor:

[...] Essencialmente, porém, os fundos de pensão são constituídas em suas estruturas internas por participantes. Os participantes possuem ingerência efetiva sobre a administração da entidade fechada; o que não se passa nas entidades abertas ou empresas públicas.

O art. 4º do Código de Defesa do Consumidor determina a ação do Estado para garantia da harmonização dos interesses das partes na relação de consumo. Os fundos de pensão, pela participação intrínseca dos participantes, permite uma harmonização auto-compositiva. [49]

Por último, Avena argúi que, entre os argumentos que fundamentaram a edição da Súmula 321 do STJ e, por conseqüência, a incidência equivocada do CDC nas relações entre participantes e fundos de pensão, consiste na extensão do termo ‘securitária’, constante no art. 3º, § 2º, do CDC, às atividades previdenciárias, o que a autora não concorda. Segundo ela, as relações dos fundos de pensão ocorrem num ambiente restrito, fora do ‘mercado de consumo’ e não há finalidade lucrativa. Assim, afirma Avena:

[...] a argumentação utilizada como embasamento da Súmula 321, para fins do enquadramento das EFPC ao CDC, de que a atividade prestada é securitária, não se compatibiliza com a sua atividade previdenciária específica, bem distinta da acepção de seguro abordada na fundamentação do Tribunal Superior. Nesse sentido, apenas a título de argumentação, se fosse considerado um conceito amplo de atividade securitária, como atividade prestada pelos Fundos de Pensão, ainda assim, em harmonia ao art. 3º do CDC, tal atividade securitária seria aquela prestada em um contexto de escopo comercial ou lucrativo, acessível,, disponível ao mercado de consumo, à população em geral [...] [50]

Comunga desse aspecto das EFPC Weintraub, o qual esclarece que, embora a relação jurídica tabulada entre participantes de planos de benefícios e fundos de pensão se operacionalize mediante contrato de adesão, tal característica per se não configura relação de consumo. Além disso, o autor é bastante incisivo em afastar as EFPC da condição de fornecedora de serviços, porquanto o seu âmbito de atuação fica circunscrito a um contexto que não se poderia considerar como mercado, conforme se depreende a partir de sua afirmação abaixo:

Os contratos de adesão de entidades fechadas são estabelecidos unilateralmente, sem que o participante possa discutir ou modificar substancialmente seus conteúdos. Entretanto, não é porque há contrato de adesão que a relação é de consumo. Fundos de pensão não são fornecedores de serviço de consumo. O art. 3º do Código de Defesa do Consumidor conceitua serviços de consumo (proporcionado por fornecedores) como atividade de mercado. [51]

Paulo Sérgio Cavezzale acompanha também o raciocínio de que as entidades fechadas de previdência complementar são de natureza jurídica totalmente diversa das entidades abertas de previdência complementar, ensejando, por isso, tratamento específico e diferenciado, à luz das orientações contidas na Lei Complementar 109/2001, de maneira que não incidiria o CDC nas suas relações. Nesse sentido, pontua Cavezzale, as EFPC são constituídas sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos, sendo acessível a um público restrito. Além disso, ao contrário das EAPC, as atividades desempenhadas pelas EFPC não são de natureza financeira, pois seu objeto é “a administração e a execução de planos de natureza previdenciária, considerados suplementares ou assemelhados aos da previdência oficial, e se organizam necessariamente sob a forma de fundação ou sociedade civil sem fins lucrativos”. [52]

Mais adiante, Cavezzale descreve a diferenciação da natureza jurídica e finalidades das EAPC e das EFPC, buscando com isso, afastar qualquer tipo de incidência do CDC nos contratos desta última, senão vejamos:

Estas (EAPC), como assinalamos, são empresas comerciais que atuam com intuito de lucro. Aquelas (EFPC), ao contrário, não possuem natureza mercantil, não visam à obtenção de lucros, têm por fim último, em face da insuficiência dos serviços previdenciários estatais, complementar, através de uma ação subsidiária, os programas previdenciários oficiais e dar assistência a determinados grupos de pessoas.

Por outras palavras: as empresas abertas de Previdência Privada têm caráter comercial, não são órgãos previdenciários, e tampouco são entidades assistenciais. As instituições fechadas, ao contrário, têm fins mutualistas – embora organizadas com sofisticação própria de nossa época – não visam fins lucrativos [...] [53]

Para Paulo Sérgio Cavezzale quando da edição da Súmula 321 pelo Superior Tribunal de Justiça não houve preocupação em discernir a natureza jurídica e definições estruturais de cada uma das espécies que compõem a previdência privada, quais sejam, a Entidade Aberta de Previdência Complementar e Entidade Fechada de Previdência Complementar. O autor pontua as características específicas e diferenciadoras das referidas entidades que não foram observadas no momento da formulação da súmula, o que, segundo ele, compromete sua aplicação. [54]

Nesse sentido, Cavezzale traça um paralelo entre as diferenças estruturais das EAPC comparativamente às EFPC, destacando que estas são de acesso restrito, constituídas sob a forma fundação ou sociedade civil, não tem fins lucrativos, só podem atuar dentro de seu objeto previsto na legislação, cuja área de competência é do Ministério de Previdência e Assistência Social – MPS. Em função destes atributos, o autor afirma:

Considerando-se estas características, além do fato de exercerem funções complementares às do Estado, no sentido de suprir suas deficiências na esfera previdenciária, conclui-se que, independentemente da existência ou não de contribuições por parte dos participantes as EFPC são instituições de assistência social para todos os fins, inclusive tributários. Não podem ser confundidas, ainda, com EAPC, instituições financeiras, companhias de seguro, ou prestadoras de serviço, para os efeitos de aplicação do CDC. [55]

Segundo Cavezzale, associados às características já indicadas e que são inerentes às EFPC, não se pode olvidar o caráter facultativo da relação jurídica entabulada entre participante e entidade, os requisitos que devem compor os planos de benefícios, a regulação mediante lei civil, entre outros, numa sinalização inequívoca de que fica configurado contrato de adesão. Nesses termos, o autor afirma:

Por sua vez, o caráter facultativo da vinculação, os requisitos obrigatórios que devem constar dos planos de benefícios; a necessidade de aprovação por parte das SPC de disposições constantes nos planos de benefícios; o fato de serem as EFPC reguladas, entre outras, pela lei civil; e, finalmente, a significativa ingerência do poder público na elaboração dos seus planos de benefícios são alguns dos fatores decorrentes da própria legislação, indicadores de que a relação entre o participante e EFPC consiste em contrato de adesão [...]

Fica patente, portanto, que, a exemplo das súmulas equivocadas, boa parte do tratamento inadequado – judicial ou administrativo – dado às EFPC se deve à inobservância dos aspectos mencionados, que indicam e fundamenta a natureza daquelas entidades, que, como foi exposto, é a de entidades privadas assistenciais, como conceituou Russomano; ou entes de cooperação com o Poder Público; ou ainda instituições de assistência previdenciária; de direito privado, sem fins lucrativos, situadas na área de competência do Ministério da Previdência. Deve-se, igualmente, à pouca atenção dispensada à natureza jurídica do vínculo existente entre participantes e entidades, ou seja, contratual civil previdenciária. (grifos nossos) [56]

Também para Weintraub a relação entre participante e EFCP se processa por meio de contrato, cuja regulação se dá no Direito Civil, nos seguintes termos:

Firmado o contrato (de adesão) entre participantes e as entidades de Previdência Privada, perfaz-se, uma relação jurídica de Direito Civil. Juridicamente, esse ambiente contratual intrínseco à Previdência Privada é corroborado pela jurisprudência, inclusive pela Súmula n. 92 do STJ: ‘o direito à complementação de aposentadoria, criado pela empresa, com requisitos próprios, não se altera pela instituição de benefício previdenciário por órgão oficial’.

A relação é de Direito Privado, por envolver o contexto particular da sociedade, embora esteja acompanhando matérias típicas de Direito Público. Mesmo assim, há conexões intrínsecas com o chamado Direito Social. [57]

Verifica-se em Jerônimo Jesus dos Santos posicionamento que se coaduna com as teses em comento até aqui, na medida em que aquele autor identifica singularidade na Entidade Fechada de Previdência Complementar, por considerá-la de natureza previdenciária, cujo acesso é restrito a um grupamento de pessoas. Além disso, Jerônimo Jesus dos Santos destaca que a finalidade dos fundos de pensão é exclusivamente a constituição e implementação de planos de benefícios, que é por essência previdenciária. Com base no disposto no art. 31, caput, da Lei Complementar 109, o autor identifica aspectos diferenciadores dessa espécie de entidade, de modo que é possível entrever nos seus comentários a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nas relações envolvendo fundos de pensão e participante, conforme abaixo:

Sob este olhar, pode-se, numa definição sumária, afirmar que as EFPC’s são aquelas que instituem e executam planos de benefícios de caráter previdenciário, cuja modalidade de acesso é restrita a determinadas pessoas físicas.

[...]

A partir dessa definição mais ampla, podemos extrair as seguintes características que identificam as EFPC’s:

a) a EFPC é uma espécie do gênero entidade de previdência complementar;

b) a iniciativa de instituir e manter uma EFPC pode ser do patrocinador, quando se trata de entidade que administra planos de benefícios dos empregados de uma empresa ou de grupos de empresas, ou planos de benefícios acessíveis aos servidores federais, estaduais ou municipais; ou do instituidor, quando se trata de entidade que administra planos de benefícios acessíveis a membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial;

c) a EFPC é sempre uma pessoa jurídica de direito privado, ainda que o patrocinador seja pessoa jurídica de direito público;

d) as EFPC’s são, obrigatoriamente, constituídas sob a forma de fundação ou de sociedade civil sem fins lucrativos;

e) as EFPC’s não podem ter fins lucrativos. A finalidade não lucrativa da entidade é obrigatória por força do disposto no § 1º do art. 31, da LC nº 109, de 2001;

f) o acesso aos planos de benefícios das EFPC’s é restrito a determinados grupos ou categorias de pessoas físicas, ou seja, empregados de uma empresa ou grupo de empresas, servidores públicos, membros de categorias profissionais, classistas ou setoriais;

g) o objeto institucional das EFPC’s é, única e exclusivamente, a instituição e execução de planos de benefícios de caráter previdenciário. [58]

Após análise do art. 2º, da Lei Complementar 109, Jerônimo Jesus dos Santos defende que o vínculo estabelecido entre participante e Entidade Fechada de Previdência Complementar se processa no âmbito do direito privado, mediante contrato, in verbis:

Doutra via, registra-se que a relação de previdência complementar qualifica-se, fora de qualquer dúvida, como relação complexa de direito privado, por faltar a obrigatoriedade do vínculo e bem assim por ausentes as sanções inerentes ao seguro social obrigatório. O direito do participante deriva de um contrato a cuja formação permanece indiferente à lei.

Além disso, nela não se pode vislumbrar a especificação de qualquer atividade integrada nos fins do Estado. Mesmo quando, na prática, ela se mostra obrigatória por figurar como cláusula do contrato de trabalho, não perde a feição negocial: a mera adesão do participante não a desqualifica como relação de origem contratual, porquanto ela se desenvolve na esfera da autonomia da vontade privada. [59]

Nessa perspectiva de entendimento, Jerônimo Jesus dos Santos reforça que a EFPC não pode ter lucro ou mesmo prejuízo, à luz do disposto no art. 20 da Lei Complementar 109, sendo que na primeira hipótese há de se melhor os planos de benefícios ou diminuir as contribuições da patrocinadora e dos beneficiários, enquanto na segunda situação seria o caso de partilhar o déficit, de modo a assegurar a existência da própria entidade, conforme se verifica abaixo:

As EFPC’s estão legalmente proibidas de ter lucro e, assim, submetem-se a regime contábil particular, em que evidentemente não se cogita de lucros ou prejuízos, mas sim de superávits (não distribuíveis e necessariamente reversíveis à melhoria dos planos de benefícios ou à redução das contribuições da patrocinadora e dos beneficiários) e déficits (que têm de ser imediatamente e solidariamente equacionados por uma e outros, a bem da sobrevivência da entidade). [60]

Na jurisprudência, identificou-se no Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP – o acórdão AI nº 163.840.5/1, tendo como agravante Fundação CESP, que é uma Entidade Fechada de Previdência Complementar, cujo provimento afasta a aplicação do Código de Defesa do Consumidor num conflito em que a outra parte era um participante de plano de benefícios, conforme se verifica na ementa abaixo:

EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA - Ré entidade fechada de previdência privada sem fins lucrativos - Inexistência de relação de consumo - Sede das atividades em São Paulo - Foro competente - Art. 100, IV, "a" e "d"/do Código de Processo Civil – Recurso provido. (TJSP, AI nº 163.840.5/1, 4ª. Câmara de Direito Público, Rel. Des. Brenno Marcondes, julgado em 25.05.2000)

Entre os fundamentos jurídicos utilizados para embasar o aresto acima, foi evocada a natureza de constituição da EFPC, que é sem fins lucrativos, cuja filiação aos planos de benefícios é exclusiva aos empregados e afirmou-se que o contrato deveria respeitar as regras da Lei 6.435/77 – que regulamentava na época os planos e benefícios de previdência privada – e não o Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

[...]

Ocorre, porém, que a agravante é entidade fechada de previdência privada sem fins lucrativos que tem, entre suas finalidades, a concessão de benefícios complementares aos Provedores-beneficiários, ou seja, os empregados das empresas provedoras que venham a se filiar aos seus planos de benefícios e serviços ou que estejam de alguma forma vinculados ou ainda que venha a obter benefícios da fundação (fls. 32/34).

Ademais, esses planos e benefícios são regidos pela Lei n° 6.435/77, porque sendo a agravante entidade fechada, é acessível exclusivamente aos empregados de um determinado grupo de empresas, qual seja, o das empresas Provedoras.

Não se trata, assim, de contrato regido pelas normas do Código de Defesa do Consumidor porque, além de não ter a natureza de relação de consumo, o benefício pleiteado pelo agravado na ação ordinária é limitado àqueles empregados das provedoras que se filiarem aos respectivos planos e não a todas às pessoas indiscriminadamente.

[...]

(TJSP, AI nº 163.840.5/1, 4ª. Câmara de Direito Público, Rel. Des. Brenno Marcondes, julgado em 25.05.2000)

Nessa mesma linha de entendimento, constatou-se julgado recente (03.04.2012) do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás – TJGO – que afastou a aplicação da Súmula 321 do Superior Tribunal de Justiça – STJ – e do próprio Código de Defesa do Consumidor, a fim de não desequilibrar a situação financeira e atuarial de Entidade Fechada de Previdência Complementar, que no caso em comento era a Fundação dos Economiários Federais – Funcef. Destacou-se o acórdão, ainda, tratar-se de pessoa jurídica sem fins lucrativos. In verbis:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. ENTIDADE FECHADA. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL. TRATO SUCESSIVO. PRESCRIÇÃO AFASTADA. SÚMULA 321/STJ. ALCANCE. AUXÍLIO ALIMENTAÇÃO. NATUREZA INDENIZATÓRIA. NÃO INTEGRALIZAÇÃO AO VALOR DO BENEFÍCIO. EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL.

[...]

3. A súmula 321, do STJ, afirma que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes”. Não obstante, a aplicação do CDC, indistintamente, para interpretar as cláusulas de contratos ou regulamentos sempre em favor do beneficiário, pode gerar desiquilíbrio financeiro e atuarial nas entidades fechadas de previdência complementar, que, por determinação legal, têm personalidade jurídica de fundação ou sociedade civil (art. 31, § 1º, LC 109/01), cuja finalidade não é o lucro. [...] APELO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. (TJGO, Apelação Cível nº 288730-09.2009.8.09.0051, 6ª. Câmara Cível, Rel. Des. Wilson Safatle Faiad, julgado em 03.04.2012) (grifos nossos)

É curioso consignar que o acórdão do TJGO reformou sentença que pugnava pela incidência do CDC – por força da Súmula 321 do STJ – de maneira que a decisão do tribunal acabou sendo favorável neste aspecto ao recurso de apelação interposto pela Funcef, frise-se, que é um fundo de pensão.

Na fundamentação do aresto, há uma nítida preocupação em não se utilizar indiscriminadamente o Código de Defesa do Consumidor na hermenêutica de cláusulas contratuais e de forma invariável em favor do beneficiário, o que pode ocasionar desequilíbrio de ordem financeira e atuarial, consoante entendimento do TJGO. O acórdão reforça, ainda, a finalidade não lucrativa dos fundos de pensão, além do que as prestações pagas retornam para os próprios beneficiários, in verbis:

Esta questão merece uma discussão mais aprofundada, na medida em que a aplicação do CDC, indistintamente, para interpretar as cláusulas de contratos ou regulamentos sempre em favor do beneficiário, pode gerar desiquilíbrio financeiro e atuarial. É importante advertir que as “entidades fechadas” possuem personalidade jurídica de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos, por determinação legal (art. 31, § 1º, LC 109/017). É bem verdade que podem e devem buscar formas de “capitalizar” os valores das contribuições pagas por seus participantes. Mas estas aplicações buscam justamente corrigir eventual saldo negativo nos fundos, e serão sempre revertidas para os próprios beneficiários, daí a importância das ciências atuarial e financeira. (TJGO, Apelação Cível nº 288730-09.2009.8.09.0051, 6ª. Câmara Cível, Rel. Des. Wilson Safatle Faiad, julgado em 03.04.2012) (grifos nossos)

A questão suscitada no acórdão merece atenção, não pelas características em si das Entidades Fechadas da Previdência Complementar (sem fins lucrativos, não atua no mercado, as prestações retornam para os beneficiários etc.), mas diante da possibilidade de ocorrer, de fato, um desequilíbrio financeiro e atuarial do fundo de pensão, o que poderá prejudicar o próprio participante diante virtual redução dos seus benefícios. Em função disso, no próprio corpo do acórdão remete-se ao movimento de “mutualismo inerente ao regime fechado de previdência privada”, que tem surgido nas decisões do STJ envolvendo conflitos de fundos de pensão, o que pode sinalizar mudança da jurisprudência sedimentada daquela Egrégia Corte no que tange ao teor da Súmula 321, in verbis:

Aliás, conforme disposto no próximo tópico da fundamentação deste voto, o STJ já começa a enfrentar as relações estabelecidas entre Fundos de Pensão e seus beneficiários sob o prisma do  “mutualismo inerente ao regime fechado de previdência privada”, utilizando da expressão da Ministra Isabel Galotti, o que pode indicar uma rediscussão sobre a inteligência da Súmula 321. (TJGO, Apelação Cível nº 288730-09.2009.8.09.0051, 6ª. Câmara Cível, Rel. Des. Wilson Safatle Faiad, julgado em 03.04.2012)

Dada a importância do movimento de “mutualismo inerente ao regime fechado de previdência privada”, que tem surgido no STJ, conforme indicado no acórdão do TJGO, convém transcrever parte da fundamentação de decisão daquela E. Corte tratando sobre o tema:

RECURSO ESPECIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL. AUXÍLIO CESTA-ALIMENTAÇÃO. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO TRABALHADOR - PAT. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA INDEVIDA.

[...]

3. A inclusão do auxílio cesta-alimentação nos proventos de complementação de aposentadoria pagos por entidade fechada de previdência privada encontra vedação expressa no art. 3º, da Lei Complementar 108/2001, restrição que decorre do caráter variável da fixação desse tipo de verba, não incluída previamente no cálculo do valor de contribuição para o plano de custeio da entidade, inviabilizando a manutenção de equilíbrio financeiro e atuarial do correspondente plano de benefícios exigido pela legislação de regência (Constituição, art. 202 e Leis Complementares 108 e 109, ambas de 2001). 4. Recurso especial não provido.

Verifico, pois, que a extensão de vantagens pecuniárias ou mesmo reajustes salariais concedidos aos empregados de uma empresa ou categoria profissional, de forma direta e automática, aos proventos de complementação de aposentadoria de ex-integrantes dessa mesma empresa ou categoria profissional, independentemente de previsão de custeio para o plano de benefícios correspondente, não se compatibiliza com o princípio do mutualismo inerente ao regime fechado de previdência privada e nem com dispositivos da Constituição e da legislação complementar acima mencionada, porque enseja a transferência de reservas financeiras a parcela dos filiados, frustrando o objetivo legal de proporcionar benefícios previdenciários ao conjunto dos participantes e assistidos, a quem, de fato, pertence o patrimônio constituído. (STJ, Segunda Seção, REsp. n.º 1.023.053/RS, Rel. Min. Maria Isabel Galotti, DJ de 16/12/2011) (grifos nossos)

De forma semelhante, prospectou-se no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia – TJBA – o acórdão nº 0063442-73.2010.8.05.0001, em sede de apelação, de 29.10.2012, no qual é afastada a incidência do Código de Defesa do Consumidor na relação envolvendo participantes de planos de Benefícios e a PETROS – Fundação Petrobrás de Seguridade Social, conforme se verifica na ementa a seguir:

EMENTA – 1. PROCESSO CIVIL. CONSUMIDOR. 2. PREVIDÊNCIA PRIVADA 3. MAJORAÇÃO NO PERCENTUAL DE ARRECADAÇÃO MENSAL SOBRE SALÁRIO- DE - PARTICIPAÇÃO. 4. NECESSIDADE DE PROMOÇÃO DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL DO PLANO DE PREVIDÊNCIA. 5. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. 6. RECURSO IMPROVIDO. (TJBA, Apelação Cível nº 0063442-73.2010.8.05.0001, 1ª. Câmara Cível, Rel. Desa. Carmem Lucia Santos Pinheiro, julgado em 29.10.2012)

Assim, na fundamentação, muito embora o TJBA admita a vigência da Súmula 321 editada pelo STJ para as relações jurídicas entre participantes e fundos de pensão, o TJBA também entende pela necessidade de se manter o equilíbrio econômico e financeiro da EFPC, conforme se depreende abaixo:

Em que pese o exposto, em se tratando de Previdência Privada, deve-se observar a relação entre o custeio e o respectivo benefício, não devendo se cogitar no recebimento de uma vantagem sem a correspondente contraprestação, sob pena de comprometer o equilíbrio econômico e financeiro do plano de previdência.

É que os planos de previdência privada somente poderão instituir benefícios desde que exista a respectiva fonte de custeio, no intuito de manter o equilíbrio atuarial de todo o sistema.

Assim, verificando-se um desequilíbrio financeiro nas contas do plano, estas deverão ser sanadas pelos patrocinadores, participantes e assistidos. (TJBA, Apelação Cível nº 0063442-73.2010.8.05.0001, 1ª. Câmara Cível, Rel. Desa. Carmem Lucia Santos Pinheiro, julgado em 29.10.2012)

É importante consignar que o acórdão do TJBA evoca outro julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte – TJRN – que também defende a necessidade de equilíbrio financeiro e atuarial de previdência privada, in verbis:

"EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. NATUREZA JURÍDICA DO AUXÍLIO CESTA-ALIMENTAÇÃO. PRELIMINARES. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA RATIONE MATERIAE DA JUSTIÇA ESTADUAL. CONTRATO ASSOCIATIVO FIRMADO ENTRE AS PARTES. NATUREZA CIVIL. ASPECTOS LABORAIS ENVOLVIDOS TÃO-SOMENTE DE FORMA INDIRETA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. ILEGITIMIDADE PASSIVA. CAIXA DE PREVIDÊNCIA RESPONSÁVEL PELA COMPLEMENTAÇÃO DA APOSENTADORIA DOS AUTORES. ILEGITIMIDADE AFASTADA. PREJUDICIAL DE MÉRITO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 291 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MÉRITO. CARÁTER INDENIZATÓRIO DA VERBA PLEITEADA. NÃO EXTENSÃO AOS APOSENTADOS. SÚMULA 680 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA ENTRE ATIVOS E INATIVOS. REGIME DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. NECESSIDADE DE CRITÉRIOS QUE PRESERVEM O EQUILIBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL. PRECEDENTES DESTA CORTE . PROVIMENTO DO APELO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL. INVERSÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA." (TJRN, Apelação Cível nº , 3ª Câmara Cível, Rel. Juiz Cícero de Macêdo Filho (convocado), DJe 11/06/2010).

Após análise deste acórdão do TJBA, observou-se que a fundamentação jurídica firmou-se essencialmente no equilíbrio financeiro e atuarial da Entidade Fechada de Previdência Complementar, a fim de afastar a aplicação de Código de Defesa do Consumidor. Em nenhum momento se utilizou das características específicas dos fundos de pensão (sem fins lucrativos, não atua no mercado, as prestações retornam para os beneficiários etc.) para acolher a pretensão da PETROS.

Consigne-se que são recentes os quatro julgados que utilizaram como fundamentação o equilíbrio financeiro e atuarial dos fundos de pensão, aí considerando os acórdãos do STJ (de 16.12.2011) e do TJRN (de 11.06.2010), referenciados pelo TJGO (de 03.04.2012) e TJBA (de 29.10.2012) nos seus respectivos acórdãos. Seria de se aprofundar a discussão a respeito de tal entendimento jurisprudencial em problematização mais específica, de modo a não perder de vista a característica de subsistema do CDC, a exemplo do que pondera o acórdão já citado do TJBA:

5. Antes de outras considerações, é interessante salientar que, sem dúvida, as relações contratuais entre beneficiários e entidades de previdência privada estão sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, consoante entendimento já sumulado no Superior Tribunal de Justiça:

“Súmula 321 STJ - O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes”.

Deste modo, as cláusulas do contrato envolvendo a entidade de previdência fechada e seus beneficiários devem ser interpretadas de forma mais benéfica ao consumidor, facilitando-se o acesso aos serviços fornecidos pela instituição. (TJBA, Apelação Cível nº 0063442-73.2010.8.05.0001, 1ª. Câmara Cível, Rel. Desa. Carmem Lucia Santos Pinheiro, julgado em 29.10.2012) (grifos nossos)

Observe-se que os julgados em análise não são necessariamente contrários à aplicação do CDC nas relações envolvendo participantes de planos de benefícios e EFPC, mas se mostram opositores à incidência deste codex de forma generalizada ou quando empregado de maneira indistinta nos conflitos entre estas partes.

Cabe registrar, ainda, da impossibilidade de se inferir se estes posicionamentos são predominantes ou não nestes tribunais – TJGO e TJBA – haja vista que foram pinçados os primeiros acórdãos identificados na seqüência da amostragem realizada. Particularmente, quanto ao aresto do STJ – que trata do “mutualismo inerente ao regime fechado de previdência privada” – referenciado pelo julgado do TJGO, seria de se aprofundar a temática, o mesmo se aplicaria ao acórdão do TJRN evocado pelo julgado do TJBA.

Sobre o autor
Robson Gonçalves Dourado

Mestrando em Direito pela Universidade Católica de Brasília; Pós-Graduado em Direito e Jurisdição pela Escola da Magistratura do Distrito Federal; Pós-Graduado em Direito e Prática Processual nos Tribunais pelo Uniceub; Bacharel em Direito pelo Uniceub-DF; MBA em Marketing pela FGV-DF; Licenciado em História pelo Uniceub-DF; Advogado; Colaborador na Defensoria Pública do DF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DOURADO, Robson Gonçalves. Previdência privada fechada - fundos de pensão - e a relação de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3636, 15 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24693. Acesso em: 22 nov. 2024.

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