3DISPOSITIVOS CONTITUCIONAIS E TRIBUTÁRIOS VIOLADOS PELA COBRANÇA DO ICMS NAS COMPRAS REALIZADAS ATRAVÉS DA INTERNET
O sistema constitucional brasileiro é formado por um conjunto de normas, valores e princípios racionalmente determinados na Carta Magna brasileira, que, segundo os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho em sua obra “Curso de Direito Tributário” (2012, p.189), “consagra a Federação; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º, I a IV), como valores jurídico-políticos intangíveis”.
Dentro desse sistema existem vários subsistemas, entre eles, o subsistema constitucional tributário, que, segundo Paulo de Barros é “formado pelo quadro orgânico das normas que versem matéria tributária, em nível constitucional” (2012, p. 190). Tal subsistema, nos dizeres do autor acima citado, encontra-se sob o influxo de muitos princípios constitucionais, alguns gerais, que envolvem todo o ordenamento jurídico e outros específicos, chamados de princípios constitucionais tributários.
Os Estados que passaram a cobrar o ICMS relativo às mercadorias ou bens destinados ao seu território, quando o consumidor final o adquirir de outro Estado não signatário do Protocolo ICMS 21/2011, seja porque são signatários do mesmo ou por força de legislação estadual, agem em desconformidade com os preceitos constitucionais, pois violam princípios consagrados na Carta Magna, assim como o princípio do pacto federativo, da Liberdade de Tráfego de Pessoas e Bens, da não discriminação tributária, a reserva de resolução do Senado Federal para fixação de alíquotas interestaduais do ICMS e a vedação à bitributação.
3.1 PRINCÍPIO DO PACTO FEDERATIVO
O princípio do pacto federativo está previsto na Constituição Federal, em seu artigo 1º, caput, ao determinar que “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito” e no artigo 2º, o qual determina que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si.
Além disso, no seu artigo 60, § 4º, I, a Carta Magna proíbe a deliberação de proposta de Emenda Constitucional tendente a abolir a forma federativa de Estado, sendo o pacto federativo, portanto, uma cláusula pétrea constitucional.
Segundo o entendimento de Roque AntônioCarrazza (2003, p. 125):
(...) a autonomia constitucional dos Estados-Membros não é absoluta, mas relativa. A Constituição Federal, como já acenamos, limita a faculdade constituinte dos mesmos, mediante a repartição de competências entre ordem jurídica parcial central (a União) e as ordens jurídicas parciais periféricas (os Estados Federados). Os Estados Federados devem, necessariamente, observar estas competências (...).
O legislador constitucional atribuiu aos entes federados o poder de instituir tributos, prevendo explicitamente a competência tributária de cada ente, de maneira equilibrada e harmônica, como forma de permitir que cada um possua a autonomia necessária para promover seu desenvolvimento.
Assim, tem-se o pacto federativo como um princípio geral do ordenamento jurídico brasileiro, sendo também uma cláusula pétrea, já que a Constituição proíbe sua modificação. Devendo nortear as relações entre os entes federativos, impondo a autonomia e independência de cada ente, dentro dos limites de competência destinados a cada um, como forma de manter a harmonia nacional.
Assim, ao desobedecerem a uma regra constitucionalmente prevista em relação à arrecadação do ICMS, os Estados a que se destinam as mercadorias ou bens para o consumidor final estão usurpando sua competência tributária, violando, desse modo, o pacto federativo.
3.2PRINCÍPIO DA NÃO DISCRIMINAÇÃO OU NÃO DIFERENCIAÇÃO TRIBUTÁRIA
O artigo 152 da Constituição Federal estabelece a regra da não discriminação tributária,vedando aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.
Conforme ensina Paulo de Barros (2012, p. 218) esta regra “significa que as pessoas tributantes estão impedidas de graduar seus tributos, levando em conta a região de origem dos bens ou o local para onde se destinem”, ainda segundo o autor, “a procedência e o destino são índices inidôneos para efeito de manipulação das alíquotas e da base de cálculo pelos legisladores dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal”.
Assim, não resta dúvida de que o Protocolo ICMS 21 de 2011 e as legislações estaduais, que estabelecem a possibilidade de cobrança do ICMS relativo às mercadorias ou bens destinados ao seu território, quando o consumidor final o adquirir de outro Estado não signatário do Protocolo ICMS 21/2011, são inconstitucionais, entre outras razões, por violarem o princípio da não discriminação tributária, disposto no artigo 152 da Carta Magna.
3.3PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE TRÁFEGO DE PESSOAS E BENS
O artigo 150, V da Constituição de 1988 dispõe que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público”.
Luciano Amaro, em sua obra “Direito Tributário Brasileiro” (2011, p. 169), afirma:
O que a Constituição veda é o tributo que onere o tráfego interestadual ou intermunicipal de pessoas ou de bens; o gravame tributário seria uma forma de limitar esse tráfego. Em última análise, o que está em causa é a liberdade de locomoção (de pessoas ou bens), mas do que a não discriminação de bens ou pessoas, a pretexto de irem para outra localidade ou de lá virem; ademais, prestigiam-se a liberdade de comércio e o princípio federativo.
Este princípio corrobora a liberdade de locomoção, que é um direito fundamental, previsto no artigo 5º, LXVIII da Carta Magna. Assim, a mera interestadualidade ou intermunicipalidade não pode ser fato gerador de um tributo.
Diante disso, a simples destinação da mercadoria ou bem ao consumidor final, localizado em um Estado signatário do Protocolo já citado ou que tenha sancionado legislação no mesmo sentido, não pode ser fato gerador de tributo, sob pena de violar o princípio da liberdade de tráfego de pessoas e bens, sendo, portanto, inconstitucional.
3.4 RESERVA DE RESOLUÇÃO DO SENADO FEDERAL PARA FIXAÇÃO DE ALÍQUOTAS INTERESTADUAIS DO ICMS
A Constituição Federal determina a reserva de resolução do Senado Federal para fixação de alíquotas interestaduais do ICMS (art. 155, § 2º, IV da CF), que atualmente é regida pela Resolução 22/1989, in verbis:
Art. 1° A alíquota do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, nas operações e prestações interestaduais, será de doze por cento.
Parágrafo único. Nas operações e prestações realizadas nas Regiões Sul e Sudeste, destinadas às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo, as alíquotas serão:
I - em 1989, oito por cento;
II - a partir de 1990, sete por cento.
Art. 2° A alíquota do imposto de que trata o art. 1°, nas operações de exportação para o exterior, será de treze por cento.
Como se pode perceber, a resolução estabelece alíquota de 7% incidente nas operações interestaduais originadas nas Regiões Sul e Sudeste e destinadas às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, bem como ao Estado do Espírito Santo, sempre que houver a caracterização jurídica mercantil-comercial da operação.
Porém, quando se tratar de transferência isolada de propriedade de bens móveis essa alíquota não poderá ser cobrada, pois nesse caso incidirá apenas a alíquota interna do Estado de origem do bem.
Nesse sentido, o votou o Min. Relator Joaquim Barbosa no Julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.565 – Piauí, proferido no dia 07 de abril de 2011, entendendo que:
(...) a norma em exame determina às autoridades fiscais que expressamente ignorem tais elementos constitutivos do conceito de circulação de mercadorias, pois a carga tributária líquida que se pretende arrecadar é aplicada a “mercadorias ou bens oriundos de outras unidades da Federação (...) independentemente de quantidade, valor ou habitualidade que caracterize ato comercial”.
A rigor, o art. 1º da Lei estadual 6.041/2010 institui imposto incidente sobre o tráfego interestadual de bens, tributo não previsto na competência outorgada aos estados-membros e ao Distrito Federal.
Assim, percebe-se que a legislação estadual, bem como o Protocolo ICMS 21/2011 violam claramente os preceitos constitucionais, ao estabelecerem alíquotas para o ICMS que, segundo a CF/88, só podem ser estabelecidas ou modificadas por resolução do Senado Federal e, ainda, ao preverem uma possibilidade de cobrança do ICMS não autorizada pela Carta Magna.
3.5 VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL Á BITRIBUTAÇÃO
O legislador constitucional optou por repartir as competências tributárias entre os entes da Federação, proibindo aos entes adentrarem na competência tributária dos demais, exceto quando houver expressa previsão constitucional.
Assim, ocorrerá invasão de competência, segundo Ichihara (2005, p. 52), “quando uma pessoa jurídica de direito público interno, sem competência ou incompetente, tentar legislar e cobrar tributos, de competência privativa de outra”.
Já a bitributação é um fenômeno de direito tributário que, nos dizeres de Yoshiaki Ichihara (2005, p. 53) “ocorre quando, em decorrência de um único fato ou na linguagem do legislador, fato gerador, cobra-se duas vezes o tributo, seja por imposição de uma única pessoa jurídica de direito público ou de duas”.
Portanto, ao se tributar o ICMS no Estado de origem e no Estado destinatário da operação, ocorrerá uma bitributação, o que é inegavelmente proibido pela legislação tributária brasileira, em razão de desrespeitar as regras de repartição de competências tributárias. Atentando, especificamente, contra o disposto no art. 155, § 2º, VII, “a” e “b”, in verbis:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
(...)
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(...)
VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:
a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;
A regra constitucional é clara ao só permitir a cobrança da alíquota interna do ICMS quando o destinatário da operação não for contribuinte do imposto, ou seja, for o consumidor final. Só podendo ser cobrada a alíquota interestadual do tributo quando o destinatário da operação também for contribuinte do ICMS.
Assim, qualquer legislação infraconstitucional prevendo a possibilidade de cobrança de alíquota interestadual quando o destinatário da operação de circulação de mercadorias ou bens for o consumidor final estará eivada de inconstitucionalidade, não podendo ser exigido do contribuinte, vez que o imposto já foi devidamente arrecadado no Estado de origem.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ICMS, considerado por muitos como sendo o imposto mais importante do país, possuindo uma enorme abrangência e gerando para os Estados uma enorme arrecadação, vem sendo alvo de legislações infraconstitucionais no que se refere à sua cobrança em relação às operações comerciais realizadas através da internet.
Tais legislações objetivam, em síntese, uma melhor distribuição da arrecadação deste imposto pelos Estados Federados, possibilitando uma diminuição na disparidade econômica existente entre as regiões do país, principalmente no que se refere ao mercado virtual, já que a grande maioria das lojas que oferecem seus produtos através da internet possuem localização física nas Regiões Sul e Sudeste do país, enquanto que os consumidores estão espalhados por todo o território nacional, fazendo compras através da internet e, portanto, gerando receita tributária para os Estados onde estas lojas virtuais estão localizadas.
Além das legislações estaduais prevendo a possibilidade de cobrança do ICMS em razão da origem do produto, foi editado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária o Protocolo ICMS 21/2011, onde os Estados Signatários se comprometeram a tomar medidas fiscais, no sentido de passarem a cobrar o ICMS nas operações destinadas ao consumidor final e ocorridas fora do seu território.
Ocorre que esses dispositivos estão eivados de inconstitucionalidade, seja por violarem princípios constitucionais e tributários, como os princípios do pacto federativo, da não discriminação tributária e da liberdade de tráfego de pessoas e bens, seja por desrespeitarem a repartição constitucional de competências tributárias, resultando no fenômeno da bitributação, bem como por confrontarem a determinação constitucional que prevê a reserva de resolução do Senado Federal para fixação de alíquotas interestaduais do ICMS.
Contudo, é sabido que a Constituição Federal, no seu artigo 3º, III, também ostenta como um de objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a redução das desigualdades sociais e regionais, porém, esse objetivo fundamentalnão pode ser priorizado em detrimento dos demais princípios previstos na Carta Magna.
Nesse sentido, por mais que tenham por objetivo maior promover a diminuição das desigualdades econômicas regionais existentes no país, essas legislações estaduais não poderão prosperar, pois atentam contra regras e princípios basilares do ordenamento jurídico pátrio.
Visando manter a ordem e a obediência aos preceitos constitucionais, Ações Diretas de Inconstitucionalidade foram impetradas no Supremo Tribunal Federal e, levando em consideração as medidas cautelares deferidas, a tendência é que os Ministros da Suprema Corte votem pela inconstitucionalidade das legislações estaduais já citadas.
Já em relação à Proposta de Emenda à Constituição 103 de 2011, caso venha a ser aprovada pelo Congresso Nacional, modificará a forma como é feita a repartição da receita do ICMS no País, evitando que ocorra a bitributação. Dessa forma, o contribuinte final não será punido, como vinha acontecendo, vez que pagará o tributo devido apenas para uma fazenda estadual.
No entanto, para reduzir efetivamente as desigualdades regionais existentes no país, causadas pela disparidade econômica entre as Regiões Sul e Sudeste e as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, a legislação tributária brasileira necessita passar por uma ampla reforma para que sejam corrigidas as distorções existentes, simplificando as obrigações tributárias das empresas,eliminando-se a chamada “Guerra Fiscal” entre os Estados, gerando o aperfeiçoamento das Políticas de Desenvolvimento Regional, entre outros fatores, para que ocorra um verdadeiro aprimoramento das relações federativas no país.
REFERÊNCIAS
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NOTAS
[1]Vide art. 2º da LC 87/1996.
[2]Vide art. 2º, § 1º da Lei Complementar 87/1996.