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Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise doutrinária

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Agenda 04/07/2013 às 10:01

4. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NO DIREITO BRASILEIRO

A aceitação e a consequente aplicação da teoria no ordenamento jurídico pátrio apresentam nuances próprias dos fenômenos jurídicos que visam ao aperfeiçoamento e à ampliação das hipóteses que devem estar sob o guarda-chuva da responsabilidade civil. Nessa esteira, nascem manifestações favoráveis e contrárias, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, o que tem contribuído para um melhor entendimento do instituto no país. Corroborando com essa afirmação, apresenta-se o ensinamento de Cavalieri Filho (2010,       p. 77), ao asseverar que:

O direito pátrio, onde a teoria vem encontrando ampla aceitação, enfatiza que “a reparação da perda de uma chance repousa em uma probabilidade e uma certeza; que a chance seria realizada e que a vantagem perdida resultaria em prejuízo” (Caio Mário, Responsabilidade Civil, 9. ed. Forense, p. 42).

Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça (2012), informa que “surgida na França e comum em países como Estados Unidos e Itália, a teoria da perda da chance (perte d´une chance), adotada em matéria de responsabilidade civil, vem despertando interesse no Direito brasileiro – embora não seja aplicada com frequência nos tribunais do país”. Conforme Venosa (2012, p. 39), “a matéria, oriunda de estudos na França, discutida largamente na Europa, ainda é nova no nosso país, mas os tribunais já estão a sufragá-la”.

4.1.A teoria da perda de uma chance e os profissionais liberais

A responsabilidade civil, visando proteger as vítimas de quaisquer tipos de danos, pode atingir também os profissionais liberais no exercício dos seus ofícios. Com o advento do novo Código Civil brasileiro de 2002, uma nova problemática veio à tona, no que diz respeito à atuação de determinados profissionais liberais, que, via de regra, empreendem atividades de risco, como por exemplo, médicos e advogados. Ninguém discorda que essas atividades envolvem elevada potencialidade de provocação de danos. Nesse contexto, pode-se citar o erro de um cirurgião ou a perda de prazo por um advogado. (GAGLIANO, 2009)

Quem oferece ao público um serviço técnico especializado deve possuir e aplicar todas as modernas técnicas disponíveis, bem como desempenhar suas funções com prudência e perícia. Ao realizar seu trabalho, o profissional liberal detém um conjunto de informações inerentes ao que está sendo realizado, ao passo que o seu cliente, por vezes, desconhece totalmente qual procedimento se aplicará, o que, de per si, justifica na maioria dos casos, a inversão do ônus da prova.

4.1.1Advogados

A Advocacia, dada a relevância do seu papel social, foi inserida na Constituição Federal de 1988, entre as funções essenciais à Justiça, juntamente com o Ministério Público e a Defensoria Pública. Para bem desempenhar suas atividades, o advogado goza das condições necessárias ao pleno exercício de sua profissão, atuando com liberdade, independência e ausência de receio de desagradar a quem quer que seja. A Magna Carta, em seu art. 133, lhe assegura a inviolabilidade por seus atos e manifestações, no exercício do seu mister, dentro dos limites pela lei impostos. Em contrapartida, porém, há que ser responsabilizado pelos seus atos, ensejadores de violação do dever profissional. De acordo com Gagliano (2009, p. 224), por ser considerado um ofício essencial à sociedade, “a possibilidade de ocorrência de danos, seja pela utilização equivocada de técnicas inadequadas ao caso concreto ou simplesmente a omissão nos deveres de defesa dos interesses do cliente, é um elemento concreto que não pode ser desprezado”.

O Estatuto da Advocacia, contido na Lei Federal nº 8.906/1994, em seu art. 32, de acordo com Rossi (2007, p. 90), “determinou que o advogado somente será responsabilizado pelos danos que propiciar no exercício de sua atividade, se o praticar com dolo ou culpa”. No patrocínio da causa do cliente, deve o advogado nortear-se pelos princípios, da boa-fé objetiva, da informação, transparência e sigilo profissional, além do agir ético.

Objetivando-se auferir a conduta do advogado que causou prejuízo ao seu cliente, depara-se com situações em que a lesão ao patrimônio jurídico do contratante-cliente se dá em virtude de conduta omissiva do profissional. Conforme Gagliano (2009, p. 226), “a casuística é infindável: falta de propositura de ação judicial, recurso ou ação rescisória; não-formulação de pedido; omissão na produção de provas; extravio de autos; ausência de contra-razões ou sustentação oral; falta de defesa etc”. Alguns casos de responsabilização do advogado por culpa grave decorrem de erros grosseiros, de fato ou de direito e omissão negligente no desempenho do mandato, como por exemplo, perda do prazo para contestar, para recorrer, para fazer o preparo de um recurso ou pleitear alguma diligência importante. São todas situações em que o advogado poderá ser demandado a indenizar o dano sofrido pelo seu cliente.

A perda de prazo para contestar uma sentença desfavorável ao cliente, causa-lhe a perda da chance de ver a sua causa apreciada pela instância superior. Não se pode afirmar que se obteria sucesso na nova apreciação, porém, a chance perdida há que ser reparada, na medida em que, analisando-se casos semelhantes, poder-se-ia saber, através de cálculos estatísticos, quais eram as possibilidades de se obter sucesso na demanda. Seguindo por essa vereda, Sérgio Novais Dias, (1999 citado por ROSSI, 2007, p. 121), assevera:

“A responsabilidade na perda de uma chance tem características bem peculiares que a diferem das outras situações que envolvem perdas e danos. É que, na perda de uma chance, no caso especifico da atuação do advogado, nunca se saberá qual seria realmente a decisão do órgão jurisdicional que, por falha do advogado, deixou, para sempre, de examinar a pretensão do seu cliente”.

A perda de uma chance apresenta nuances, por vezes difíceis de auferir, pois, um fato que nunca ocorreu e jamais ocorrerá, precisa ser demonstrado de forma a apresentar algum grau de certeza, para que se possa adequadamente quantificar a perda do cliente que não teve, nem mais terá, sua causa apreciada por um órgão jurisdicional superior, no caso da interposição intempestiva de um recurso por parte de seu advogado. Seguindo por essa linha de pensamento, Savi (2009, p. 40) afirma que “[...] o que deve ser objeto de indenização é a perda da possibilidade de ver o recurso apreciado e julgado pelo Tribunal, possibilidade esta que restou definitivamente afastada em razão da negligência do advogado”.

A vitória, em qualquer disputa, pode se atribuir a diversos fatores, inclusive a álea, porém, a conduta diligente do advogado, nesse caso, pode dar certa margem de confiança, de que será combatido o bom combate, no embate que se trava entre as partes de uma ação contenciosa. Busca-se a possibilidade de obter êxito na luta, mas, muitas vezes, pela má conduta profissional, extirpa-se do patrimônio da vítima, a própria chance de lutar pelo seu interesse. Esta se constitui na verdadeira razão para que haja a reparação dessa frustração.

A demonstração da chance perdida, pode se dar, tanto no exercício jurisdicional do advogado, quanto, nos casos de aconselhamento, elaboração de pareceres, contratos, estatutos, ou quaisquer outras atividades desvinculadas de litígio administrativo ou judicial.

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Alguns cuidados se fazem necessários por parte do advogado, para prevenir a responsabilização civil, especialmente no que tange ao levantamento de valores dos clientes e manuseio de seus documentos. Com o intuito de prevenção quanto a valores, devem-se evitar procurações de cunho genérico, com poderes muito ampliados. Com relação a documentos de clientes, o advogado deve exigir deles, recibo de devolução para evitar alegações de extravios diversos. De acordo com Cavalieri Filho (2010, p. 407), o advogado deve prestar ao seu cliente, “aconselhamento jurídico cuidadoso, informá-lo dos riscos da causa e de tudo o mais que for necessário para o seu bom andamento e guardar segredo sobre fatos de que tenha tomado conhecimento no exercício de sua atividade profissional”. A relação advogado-cliente, sempre deve ser pautada pelo respeito e confiança, além de cautela, que não faz mal a ninguém.

4.1.2.Médicos

A categoria de profissionais liberais que atua junto à busca pela saúde dos indivíduos em geral, notadamente os médicos, pela natureza e os riscos dos serviços prestados, está sujeita ao dever de indenizar os danos causados aos seus clientes-pacientes.

A conduta do médico é considerada, na maioria das vezes, sob a ótica da obrigação de meio e não de resultado, uma vez que a garantia de cura poderia ensejar a assunção de uma condição divina ao profissional da medicina, o que é fisicamente impossível, de acordo com Schmitt (2010, p. 169). Há que se distinguir na seara médica, a categoria da cirurgia plástica, especialmente a embelezadora, que constitui, a partir do entendimento de grande parte da doutrina, obrigação de resultado. Na esteira da afirmação de que o médico não seria um “deus”, Cavalieri Filho (2010, p. 385), arremata:

Nenhum médico, por mais competente que seja, pode assumir a obrigação de curar o doente ou de salvá-lo, mormente quando em estado grave ou terminal. A ciência médica, apesar de todo o seu desenvolvimento, tem inúmeras limitações, que só os poderes divinos poderão suprir. A obrigação que o médico assume, a toda evidência, é a de proporcionar ao paciente todos os cuidados conscienciosos e atentos, de acordo com as aquisições da ciência, para usar-se a fórmula consagrada na escola francesa. Não se promete a curar, mas a prestar os seus serviços de acordo com as regras e os métodos da profissão, incluindo aí os cuidados e conselhos.

Com o objetivo de clarear acerca da aplicação da teoria aos casos médicos, Melo (2008, p. 25), esclarece:

A denominada “teoria da perda de uma chance de cura ou sobrevivência”, de inspiração francesa, possibilita ao lesado o suporte jurídico necessário para pleitear indenizações em caso de frustração do atendimento médico que o possa ter privado de alguma chance de obter ou buscar a cura. Para sua procedência, é preciso que estejam devidamente configuradas, de modo preciso, a seriedade da probabilidade de cura e sua relação de causalidade direta com os atos praticados pelo médico desidioso.

Algumas condutas comissivas ou omissivas dos profissionais médicos podem ensejar ação de reparação de danos pela perda de uma chance. Seguindo por esse raciocínio, nas palavras de Schmitt (2010, p. 82), tem-se:

Na seara médica, o indivíduo pode perder as chances de cura de sua moléstia porque o médico-assistente, quando lhe examinou, não o encaminhou para algum tratamento específico, não lhe receitou o medicamento adequado, deixou de pedir exames, preferiu um diagnóstico equivocado, agindo com desídia indesculpável etc.

Um exemplo de aplicação da teoria à medicina, diz respeito a um paciente que consultou um médico e este não diagnosticou um câncer, que somente veio a ser constatado, após algum tempo, por outro profissional. De acordo com Rosário (2009, p. 134), “nesse caso, tendo em vista que as chances de cura são muito maiores quando descoberta a doença no início, a imperícia do profissional resulta por eliminar as possibilidades de sobrevivência do doente”.

Como se tem apregoado, existem algumas possibilidades para aplicação da responsabilidade civil pela perda de uma chance na seara médica. De acordo com Cavalieri Filho (2010, p. 80), aplicada à atividade médica, “a teoria ficou conhecida como teoria da perda de uma chance de cura ou de sobrevivência, em que o elemento que determina a indenização é a perda de uma chance de resultado favorável no tratamento”. O que se perde, nesses casos, é a chance de obter a cura e não a continuidade da vida. A falta indenizável, no caso da atividade médica, reside em não se dar ao paciente, todas as possibilidades ou chances de cura ou de sobrevivência. Conforme Rosário (2009, p. 7), “a chance deve ser séria e realizável, pois simples suposição de cura não enseja a responsabilidade civil médica”. A jurisprudência brasileira, de acordo com Silva (2009, p. 240), tem adotado posicionamento semelhante ao da Corte de Cassação francesa, ou seja, “aplica a teoria da perda de uma chance na área médica sem fazer qualquer distinção em relação aos casos que aplicam o conceito de dano específico, quando a conduta do réu interrompe o processo aleatório em que se encontrava a vítima”. Dessa forma, constata-se que a utilização da teoria à seara médica se torna possível, pois não necessita de uma nova forma de analisar o nexo causal, dando ensejo à sua utilização da forma normalmente preconizada.

Não se pode deixar de responsabilizar condutas que retirem do paciente, suas chances de cura, com o único propósito de “blindar” a categoria profissional médica. A indenização a que o médico poderá ser condenado a pagar à vítima norteia-se pelo cálculo da chance de cura ou sobrevivência perdida. Sobre a valoração da indenização, Rosário (2009, p. 148), afirma que “o quantum deve margear a probabilidade que o paciente tinha de cura ou de sobrevivência, já que não ocorreu o erro médico tradicional que gera indenização integral, no campo patrimonial e moral”. Com relação à indenização, Melo (2008, p. 27), afirma que a indenização a título de perda da chance de cura ou sobrevivência, não se dá de forma integral, é parcial ou mitigada, por se estar diante de uma probabilidade e não de uma certeza. Consubstancia-se num meio termo entre o adequado exercício da medicina e o erro médico. A principal característica na aplicação da teoria constitui um empenho não satisfatório, seja pela ausência injustificável do uso de precisão técnica profissional de um diagnóstico ou terapia, seja pelo atuar negligente no mínimo necessário a uma terapia adequadamente conduzida pelo profissional.

Quando se deseja verificar a possibilidade de aplicar a teoria à conduta do cirurgião plástico, ao se analisarem as modificações causadas na aparência do cliente, entende-se que estas não precisam ser horripilantes feridas ou cicatrizes monstruosas, bastando que a vítima tenha passado por uma transformação na aparência, não desejada por ela, diferente do que fora contratado com o cirurgião plástico. Para que esse tipo de dano seja ressarcível, é mister que as lesões sejam permanentes, pois, do contrário, sendo lesão passageira ou de curta duração, a indenização se dará com base na disciplina das perdas e danos tradicionais, inclusive podendo dar margem a uma indenização por danos morais.

Mister, nesse ponto, é o dever de informação, pois, em alguns casos, de acordo com a vontade do paciente e as possibilidades médicas, mesmo utilizando-se da melhor técnica, nem sempre o resultado esperado é possível. O médico deve se negar a realizar o procedimento cirúrgico estético. O ponto nodal será o que foi informado ao paciente quanto ao resultado esperável. De acordo com Cavalieri Filho (2010, p. 396), “se o paciente só foi informado dos resultados positivos, que poderiam ser obtidos, sem ser advertido dos possíveis efeitos negativos (riscos inerentes), eis aí a violação do dever de informar, suficiente para respaldar a responsabilidade médica”.

Conforme posicionamento de Willhelm (2009, p. 27), “para que um cirurgião plástico não seja responsabilizado pelo mau resultado, deverá comprovar sua não culpa ou demonstrar a inexistência de nexo causal entre seu ato e o insucesso da operação”. De acordo com as palavras de Rosário (2009, p. 9), “a culpa na seara médica exsurgirá no caso de comprovação de um atuar negligente, imprudente ou imperito do profissional. A prova deve ser cabal, já que o médico labuta com a mente e com o corpo humano”.

Quanto mais o médico se afasta do que seria razoável ele realizar e os cuidados inerentes ao caso em apreço, maior a probabilidade de que seja obrigado a reparar o dano causado. De acordo com o caso em concreto, avaliam-se as circunstâncias especiais. Do médico anestesista, por exemplo, espera-se que permaneça vigilante em absoluto, desde antes da cirurgia propriamente dita, até o momento em que o paciente volta à consciência. Do médico especialista, exige-se muito mais que do médico generalista. Do cirurgião plástico, tem-se como obrigação, o rigoroso cumprimento do dever de informar ao paciente, bem como, deve tomar todos os cuidados na execução do trabalho.

No que tange à indenização pela perda da chance de cura, usa-se a premissa que norteia a teoria em todos os demais casos, não apenas na atividade médica, ou seja, deve ser pautada pela perda da oportunidade de obter uma vantagem e não pela perda da própria vantagem. Em outras palavras, conforme Cavalieri Filho (2010, p. 395), “o elemento que determina a indenização é a perda de uma chance de resultado favorável no tratamento. O que se perde é a chance de cura e não a continuidade de vida. A falta reside em não se dar ao paciente todas as chances de cura [...]”.

Para que o médico tenha a seu favor, um instrumento adequado para atestar que cumpriu com o seu dever de informação, deverá elaborar um termo de consentimento claro e objetivo, por meio do qual o paciente compreenda todas as características de sua moléstia, tratamento a que será submetido, riscos envolvidos, o porquê de determinada intervenção, entre outras informações, e submeter esse documento à assinatura do paciente ou de seus responsáveis legais.

Quanto à aplicação da teoria à seara médica no sistema jurídico pátrio, de acordo com Silva (2009, p. 207), pode-se afirmar que existe sólida tendência jurisprudencial no sentido de admitir a aplicação da teoria da perda de uma chance para as questões que envolvem os profissionais médicos, hospitais, clínicas, laboratórios, entre outros. Informa também que, mesmo em decisões colegiadas, em que as falhas médicas constituem causa para se indenizar pela chance perdida, não houve preocupação que a reparação, nesses casos, desvirtuasse a noção clássica de nexo de causalidade.

4.2.Jurisprudências de Tribunais Estaduais e Superiores brasileiros

Objetivando verificar acerca da aplicação da teoria da perda de uma chance no país, através de uma rápida pesquisa nos mecanismos de busca na Internet, notadamente nos sites dos principais Tribunais nacionais, percebe-se um crescimento exponencial da aplicação da teoria como ratio decidendi de inúmeros julgados. Uma questão ainda controvertida nos Tribunais brasileiros, é em relação à correta classificação do dano decorrente da perda de uma chance. Por vezes se concede a indenização a título de perda patrimonial, ora afirma-se estar diante de um dano moral. Sobre essa problemática, Cavalieri Filho (2010, p. 80), informa:

A jurisprudência, repita-se, ainda não firmou entendimento sobre essa questão; ora a indenização pela perda de uma chance é concedida a título de dano moral, ora a título de lucros cessantes e, o que é pior, ora pela perda da própria vantagem e não pela perda da oportunidade de obter a vantagem, com o que se acaba por transformar a chance em realidade.

A correta classificação de um dano, contribui para que casos que se inserem em determinada categoria, obtenham a justa reparação pelo prejuízo sofrido. Cavalieri Filho (2010, p. 81), apresenta uma jurisprudência do Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro, acerca da aplicação da teoria da perda de uma chance, na seara médica:

A Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Rio de Janeiro, no julgamento da Apelação Cível nº 8.137/2006 (relator Des. Roberto de Abreu e Silva), fez magistral aplicação dessa teoria. A clínica de olhos foi condenada a indenizar o paciente, que sofreu descolamento de retina, não pela cegueira em si, mas pela perda de uma chance de salvar a sua visão, uma vez que, quando procurada, deixou de realizar a cirurgia necessária pela falta de médico profissional disponível na ocasião, cirurgia essa que só foi realizada depois de ultrapassado o período da situação emergencial, quando a lesão da mácula na retina da vista já havia se consolidado [...].

Um caso julgado em 08/11/2005, pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, STJ – REsp. nº 788.459-BA, relator Desembargador Ministro Fernando Gonçalves, pode ser considerado o verdadeiro leading case apreciado pelo STJ – versa sobre uma ação movida por uma participante do programa de televisão conhecido por “Show do Milhão”. Tratava-se de um concurso em que eram feitas perguntas ao concorrente e, caso respondesse acertadamente, poderia chegar ao prêmio de um milhão de reais. Nessa ação específica, numa determinada edição do programa, uma participante havia ganhado a quantia de quinhentos mil reais, apenas lhe restando responder corretamente à pergunta final, que lhe renderia o tão almejado prêmio. Segundo Cavalieri Filho (2010, p. 78), a empresa promotora do concurso, apresentou uma pergunta em que todas as quatro alternativas se mostravam incorretas, impossibilitando desta feita, que a concorrente obtivesse êxito, respondendo de forma acertada à referida “questão do milhão”. A pergunta que daria à autora o prêmio total de um milhão de reais era a seguinte: “A Constituição reconhece direitos dos índios de quanto do território brasileiro?”. Foram elencadas quatro opções para, dentre elas, escolher-se a correta: a) 22%; b) 2%; c) 4%; e d) 10%. De acordo com Savi (2009, p. 77). Diante dessa impossibilidade lógica, a concorrente, para preservar o prêmio até então acumulado de quinhentos mil reais, optou por não responder a essa última indagação. Ademais, ajuizou ação de indenização, no valor de quinhentos mil reais, contra a empresa promotora do concurso com o argumento de que se a questão tivesse sido apresentada de forma a possibilitar uma resposta correta, teria obtido êxito e feito jus ao prêmio máximo do programa, ou seja, um milhão de reais. Tese acolhida nas instâncias inferiores, a ação chegou ao STJ, que, acertadamente, aplicando a teoria da perda de uma chance, concedeu à autora da ação a indenização que lhe era devida. De acordo com Cavalieri Filho (2010, p. 78-79), extrai-se do erudito voto do relator, a motivação que segue:

“Na espécie dos autos, não há, dentro de um juízo de probabilidade, como se afirmar categoricamente - ainda que a recorrida tenha, até o momento em que surpreendida com uma pergunta no dizer do acórdão sem resposta, obtido desempenho  brilhante  no  decorrer  do  concurso  -  que,  caso  fosse  o questionamento final  do  programa formulado  dentro  de  parâmetros regulares, considerando  o  curso  normal  dos  eventos,  seria  razoável  esperar  que  ela lograsse responder corretamente à ‘pergunta do milhão’. [...]

Destarte, não há como concluir, mesmo na esfera da probabilidade, que o normal andamento dos fatos conduziria ao acerto da questão.  Falta, assim, pressuposto essencial à condenação  da  recorrente  no  pagamento  da integralidade do valor que ganharia a recorrida caso obtivesse êxito na pergunta final,  qual  seja,  a  certeza  -  ou  a  probabilidade  objetiva  -  do  acréscimo patrimonial apto a qualificar o lucro cessante. [...]

Resta, em  conseqüência,  evidente  a  perda  de  oportunidade  pela recorrida, seja ao cotejo da resposta apontada pela recorrente como correta com aquela  ministrada  pela  Constituição  Federal  que  não  aponta  qualquer percentual de terras reservadas aos indígenas, seja porque o eventual avanço na descoberta  das  verdadeiras  condições  do  programa  e  sua  regulamentação, reclama  investigação  probatória  e  análise  de  cláusulas  regulamentares, hipóteses vedadas pelas súmulas 5 e 7 do Superior Tribunal de Justiça. [...]

A quantia sugerida pela recorrente (R$ 125.000,00 cento e vinte e cinco mil reais) - equivalente a um quarto do valor em comento, por ser uma ‘probabilidade matemática’ de acerto de uma questão de múltipla escolha com quatro itens reflete as reais possibilidades de êxito da recorrida.

Ante o exposto, conheço do recurso especial e lhe dou parcial provimento para reduzir a indenização a R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais)”. (sic)

A conduta do advogado pode dar ensejo ao pleito de uma indenização pela perda de uma chance. Nesse contexto, Savi (2009, p. 49-50), apresenta o caso de uma senhora que contratou advogado para ajuizar ação contra o INPS, visando receber pensão previdenciária decorrente da morte de seu esposo. A ação judicial foi distribuída em 1975, no Foro de Nova Hamburgo – RS, 1ª Vara Cível, sendo que o processo foi extraviado, jamais vindo a chegar àquele cartório. O advogado, sabedor do extravio, não informou tal fato à sua constituinte, nem tampouco, restaurou os autos, retirando da autora, a chance de ver seu pedido de pensionamento pelo INPS, apreciado em juízo. O acórdão está assim ementado: “RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PERDA DE UMA CHANCE. Age com negligência o mandatário que sabe do extravio dos autos do processo judicial e não comunica o fato à sua cliente nem trata de restaurá-los, devendo indenizar à mandante pela perda da chance”. Na apreciação da Apelação Cível nº 591064837 – 5ª Câmara Cível, TJRS [julgada em 29/08/1991], o Relator Des. Ruy Rosado de Aguiar reconheceu a negligência do advogado, fazendo com que a autora perdesse a chance de ver a sua ação apreciada pelo Tribunal e, com isso, sofresse um dano decorrente da chance perdida. Segue trecho do voto do relator, o qual fundamenta a decisão pela indenização da chance perdida:

“Não lhe imputo o fato do extravio, nem asseguro que a autora venceria a demanda, mas tenho por irrecusável que a omissão da informação do extravio e a não restauração dos autos causaram à autora a perda de uma chance e nisso reside o seu prejuízo. Como ensinou o Prof. François Chabas: ‘Portanto, o prejuízo não é a perda da aposta (do resultado esperado), mas da chance que teria de alcançá-la’ (‘La Perte d´une chance em Droit Français’, conferência na Faculdade de Direito da UFRGS em 23.5.90) [...]

[...] a álea integra a responsabilidade pela perda de uma chance. Se fosse certo o resultado, não haveria a aposta e não caberia invocar este princípio específico da perda de chance, dentro do instituto da responsabilidade civil.

Isto posto, estou em negar provimento ao apelo para manter a sentença de procedência, esclarecendo que a fixação da indenização, através de arbitramento, em liquidação de sentença, deverá atentar para o fato de que o dano corresponde apenas à perda da chance”.

Compreende-se a partir desse extrato, que o Des. Ruy Rosado de Aguiar acertadamente aplicou a teoria ao caso concreto. Apurou a conduta negligente do advogado, e concluiu pelo dever de indenizar a mandante, por ter perdido a possibilidade de ver sua causa apreciada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Parte considerável dos Tribunais pátrios precisa desenvolver corretamente o entendimento, tanto da classificação do dano causado pela chance perdida, quanto da quantificação do dano suportado pela vítima, ao perder as suas chances de auferir vantagem, bem como, estabelecer de forma apropriada a relação causal entre o ato ilícito do agente e o prejuízo da vítima, para que se possa determinar, com precisão, através de cálculos, o quantum a ser indenizado, ficando os magistrados vinculados a certos parâmetros que facilitam as suas decisões em matéria de chances perdidas.

Sobre os autores
Saul José Busnello

Advogado atuante em Blumenau/SC; Pós-Graduado em Direito Processual Civil (Instituto Catarinense de Pós-Graduação – ICPG); Professor Universitário no Curso de Direito do Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí - UNIDAVI.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUSNELLO, Saul José; WEINRICH, Jair. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise doutrinária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3655, 4 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24875. Acesso em: 22 nov. 2024.

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