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A interpretação sistemática da norma que proíbe o servidor público federal de participar da gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada

(art. 117, inciso X da Lei nº 8.112/90)

Agenda 10/07/2013 às 16:37

É necessário averiguar eventual participação de servidor federal como sócio gerente ou administrador de sociedade privada, comprovando a efetiva atuação com prejuízo à prestação integral da jornada de trabalho e de dedicação ao seu cargo público e, sobretudo, conflito de interesses público e privado.

A participação de servidor público federal como sócio gerente ou administrador de sociedade privada, personificada ou não personificada é vedação expressa tipificada no artigo 117, inciso X da Lei nº 8.112/90, que estabelece:

“Art. 117. Ao servidor é proibido:

X - participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário.

No entanto, essa vedação precisa ser interpretada sistematicamente.

Não basta apenas o fato de ser gerente ou administrador de uma sociedade para estar violando a proibição constante do artigo 117, inciso X do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União. É necessário que se comprove que o servidor público deixou de bem desempenhar suas atividades na Administração Pública porque estava dedicando-se à atividade privada dentro do horário normal de trabalho, ou, ainda, que sua situação de funcionário público beneficiou, de qualquer forma, a empresa por ele administrada. Nesse sentido citamos a orientação da Controladoria-Geral da União (CGU), constante do seu Manual de Processo Administrativo Disciplinar, in verbis[1]:

“O aplicador de qualquer norma, antes de se debruçar sobre detalhes de sua literalidade, deve encará-la de forma global para tentar extrair de imediato a sua inteligência sistemática. Nesse rumo, de imediato se deve esclarecer que, independentemente de nuances literais, passíveis de interpretação, o que esse dispositivo legal quer tutelar, em essência, além da questão de controle da prestação integral da jornada de trabalho e de dedicação ao cargo, é sobretudo, evitar conflito de interesses público e privado, ou seja, coibir a possibilidade de a sociedade obter qualquer beneficiamento, vantagem ou diferenciação pelo fato de que seu administrador ou gerente é um servidor, dotado de prerrogativas. Em outras palavras, a principal inteligência da norma é evitar que, por ser servidor, o administrador ou gerente de uma sociedade atue em seu próprio favor de forma inescrupulosa.

Daí porque o mandamento da primeira parte do art. 117, X, da Lei nº 8.112, de 11/12/90, deve ser entendido com um certo grau restritivo e cauteloso, configurando-se apenas com a comprovação da administração ou da gerência de fato, não bastando figurar de direito no contrato social, no estatuto social ou no mero acordo entre sócios ou em qualquer outro ato da sociedade ou ainda perante órgãos tributários. Em outras palavras, esse enquadramento é precipuamente fático e não apenas de direito. Para que se cogite do enquadramento em tela, necessário que a comissão comprove nos autos a efetiva atuação do servidor como administrador ou como gerente da sociedade.

(...)

Ademais, de se verificar da literalidade, que emprega a ação verbal “participar”, que aqui também se exige, além da efetividade da conduta fática, algum grau de reiteração e repetição ao longo do tempo, não se configurando a prática vedada com apenas algum(ns) ato(s) isolado(s).

(...)

Mas, ainda que o servidor não tenha cuidado de formalmente sair da posição de mando ou, se for o caso, de encerrar a sociedade, se esta nunca operou ou não opera ou na prática opera com outra pessoa como administrador ou gerente desde que o servidor foi investido no cargo público, pode-se inferir que não haverá afronta à tutela da impessoalidade se, apenas de direito e não de fato, ele figurar em alguma daquelas duas posições de mando, visto que, na prática, não se cogitará de vantagem indevida, tanto a ele mesmo quanto à sociedade”.

Sobre assunto destacamos também entendimento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional constante do Parecer PGFN/Cojed nº 404/2011, citado no Manual de Processo Administrativo Disciplinar da CGU, in verbis[2]:

“(...) 34. Neste sentido, temos que a infração administrativa ora em exame pode ser classificada como sendo do tipo habitual, isto é, aquela cuja consumação somente fica caracterizada com a prática reiterada de atos administrativos/gerenciais. Em princípio não se pode afirmar com a prática de um único ato, por exemplo, que alguém exerce a administração/gerência de uma determinada sociedade empresarial, funções que por sua própria natureza exigem a atuação constante dos agentes que o exercem. Por isso, há a necessidade de que se tenha um conjunto idôneo de atos a fim de se constatar de forma segura que determinada pessoa participe da administração ou exerça a gerência de uma sociedade empresarial, principalmente se levarmos em consideração que para a infração disciplinar em questão a pena correspondente é a máxima existente na seara administrativa, qual seja, a demissão.

(...)

35. Feitas as considerações prévias e passando a averiguar o caso em concreto, temos que a mera inserção do nome de servidor público em contrato social de sociedade empresarial na condição de sócio-administrador não possibilita prima facie que concluamos pela caracterização da transgressão disciplinar contida no art. 117, inc. X, da Lei nº 8.112, de 1990. Tal situação apenas traduz um mero indício de sua ocorrência, sendo um elemento idôneo a provocar a abertura de um procedimento administrativo disciplinar. Isto porque será a situação fática envolvida que dirá se houve ou não o descumprimento da norma proibitiva em questão. Tanto é verdade que poderá haver a transgressão funcional por parte de servidor que sequer conste nos atos constitutivos de uma sociedade empresária, desde, é claro, que se comprove que de fato exercia tais funções.”

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Assim, para que se cogite do enquadramento em tela, necessário que a Comissão de Processo Administrativo Disciplinar (CPAD) instaurada para averiguar eventual participação de servidor público federal como sócio gerente ou administrador de sociedade privada, comprove nos autos a efetiva atuação do servidor como administrador ou como gerente da sociedade privada e que esta atuação tenha prejudicado a prestação integral da jornada de trabalho e de dedicação ao cargo e, sobretudo, tenha causado conflito de interesses público e privado, ou seja, que tenha havido algum beneficiamento, vantagem ou diferenciação pelo fato de que seu administrador ou gerente seja um servidor, dotado de prerrogativas. É preciso extrair a inteligência sistemática da norma.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COSTA, José Armando da.Direito Administrativo Disciplinar. Editora: Brasília Jurídica, 1ª Edição, 2004.

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. Lei nº 8.112/90, Interpretada e Comentada, Regime Jurídico dos Servidores Públicos da União. Editora: América, 4ª Edição, 2008.

Manual de Processo Administrativo Disciplinar da CGU, disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicações/GuiaPAD/Arquivos/ApostiladeTExtoCGU.htm≠_Toc298316684.


Notas

[1] Manual de Processo Administrativo Disciplinar CGU, páginas 416/418, disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ApostiladeTextoCGU.htm#_Toc298316684.

[2]Manual de Processo Administrativo Disciplinar CGU, página 447, disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ApostiladeTextoCGU.htm#_Toc298316684

Sobre o autor
João Baptista Bessa da Silva

Advogado da União em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, João Baptista Bessa. A interpretação sistemática da norma que proíbe o servidor público federal de participar da gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada: (art. 117, inciso X da Lei nº 8.112/90). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3661, 10 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24925. Acesso em: 22 nov. 2024.

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