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Assistência no processo de execução.

Algumas reflexões

Agenda 01/01/2002 às 01:00

A assistência é modalidade de intervenção de terceiros voluntária e, em que pese não estar regulada no Código dentro do Capítulo que disciplina a intervenção de terceiros, estando alocada juntamente com o litisconsórcio, com o qual não se confunde, a própria lei reconhece essa qualidade a assistência, a teor do quanto resta disposto no art. 208, inciso I do CPC.

Caracteriza-se a assistência pelo ingresso de terceiro na lide, que ostente interesse jurídico que possa vir a ser afetado direta ou reflexamente pela sentença, em virtude de uma relação jurídica existente entre o assistente e uma das partes envolvidas no litígio.

Cumpre observar, desde logo, que o terceiro deve demonstrar efetivo interesse jurídico. O simples interesse econômico não justifica o cabimento da assistência, ressalvado o caso do art. 5.º § único da Lei Federal n.º 9.469/97, que admite a intervenção assistencial das pessoas jurídicas de direito público em qualquer processo em que se verifique interesse do ente público, ainda que meramente econômico (modalidade de assistência considerada especialíssima pela jurisprudência do STJ.

Nos ordenamentos processuais contemporâneos é comum a figura da assistência, que busca inspiração no Direito Romano. É o caso do Direito espanhol, que contempla a intervención adhesiva, que no Direito argentino tem o mesmo nome. No Direito italiano, o intervento adesivo; e a assistência do Direito português.

O grau de "influência" da sentença na esfera jurídica do assistente e a indicação da parte com a qual ele mantém a relação jurídica a ser afetada determinará a modalidade de assistência. As modalidades indicadas pela lei são: a assistência adesiva simples e a assistência adesiva litisconsorcial ou autônoma ou qualificada.

A primeira se caracteriza, nos termos do art. 50 e seu § único, pela interferência do terceiro, titular de um interesse jurídico que pode vir a ser reflexamente afetado pela sentença, oriundo de uma relação jurídica mantida com o assistido. O assistente ingressa na lide para ajudar o assistido a obter um provimento judicial favorável, ou evitar a formação de uma sentença a este desfavorável, porquanto dessa forma estará resguardando de danos a relação jurídica que mantém com a parte assistida.

Na assistência adesiva litisconsorcial, o terceiro busca o resguardo de uma relação jurídica mantida com o adversário da parte assistida, de tal modo que uma sentença a este favorável produzirá efeitos diretos sobre essa relação, daí o seu interesse jurídico em intervir na lide ao lado do assistido, numa posição destacada, tratado como se litisconsorte fosse.

Traçadas algumas considerações propedêuticas acerca do instituto estudado, e deixando de lado questões como os poderes de cada um dos tipos de assistentes ou ainda o procedimento de ingresso do assistente em cada modalidade, que não interessam ao desenvolvimento deste estudo, cumpre ingressar na análise do cabimento ou não da assistência no processo de execução.

O §1.º do art. 50 do CPC afirma que: "A assistência tem lugar em qualquer dos tipos de procedimento e em todos os graus de jurisdição; mas o assistente recebe o processo no estado em que se encontra".

A priori, a leitura apressada do dispositivo de lei processual pode torná-lo mal-compreendido, no sentido de dar passagem a assistência em todos os tipos de processo (conhecimento, cautelar, execução, etc.). Entretanto, a lei se utiliza, de forma eloqüente, da expressão procedimento. Cumpre destacar então a diferença pontual entre processo e procedimento, extraída da teoria geral do processo.

ADA PELLEGRINI GRINOVER lembra, com a propriedade que lhe é peculiar que:

"O procedimento é, nesse quadro, apenas o meio extrínseco pelo qual se instaura, desenvolve-se e termina o processo; é a manifestação extrínseca deste, a sua realidade fenomenológica perceptível. A noção de processo é essencialmente teleológica, porque ele se caracteriza por sua finalidade de exercício do poder (no caso, jurisdicional). A noção de procedimento é puramente formal, não passando da coordenação de atos que se sucedem. Conclui-se, portanto, que o procedimento (aspecto formal do processo) é o meio pelo qual a lei estampa os atos e fórmulas da ordem legal do processo" (in Teoria Geral do Processo. 10.ª ed. Malheiros: São Paulo, 1994, pg.275)

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E não é à toa que a lei, ao tratar do cabimento genérico da assistência, faz referência a todo tipo de procedimento. Está ela se referindo à forma como os atos processuais se desencadeiam e não ao tipo de provimento judicial buscado, que caracteriza, como visto, cada tipo de processo.

Assim é que temos dentro do processo de conhecimento, os procedimentos comum ordinário e sumário, ou ainda, os procedimentos especiais, como o das ações possessórias.

Ocorre que alguns autores, injustificadamente, buscam amparo neste dispositivo para afirmar o cabimento da assistência – e até mesmo de outras formas de intervenção de terceiros – em tipos de processo com os quais é, data permissa vênia, absolutamente incompatível, como é o caso do processo de execução.

Primeiramente, porque o art. 50 do CPC, que disciplina a assistência, fala expressamente que o terceiro intervém na lide para assistir a parte à obtenção de uma sentença favorável a esta. Ainda que admissível o exercício do contraditório na execução, esta não busca a formação de uma sentença. É processo através do qual se pretende apenas a satisfação material do direito estampado no respectivo título.

Em segundo lugar, o procedimento da execução não vislumbra a interferência de quem não figure no título, que é base e limite – objetivo e subjetivo – da execução.

Diversamente, como dito, entende alguma doutrina que é possível a assistência adesiva no processo de execução, ainda que por aplicação subsidiária das regras do processo de conhecimento. Nomes de escol reforçam essa corrente, como é o caso do Prof. ERNANI FIDÉLIS DOS SANTOS, que preleciona:

"A assistência é comum no processo de conhecimento, qualquer que seja o procedimento. No processo cautelar, os mesmos motivos que justificam o ingresso do assistente nele também ocorrem. Na execução não há lide a ser decidida, a não ser que se interponham embargos de devedor que são processo de conhecimento. Mas mesmo assim, por aplicação subsidiária das normas do processo de conhecimento, na execução pode haver assistência, mormente a litisconsorcial". (in Manual de Direito Processual Civil, vol. 1, 5.ª ed. Saraiva: São Paulo, 1997, pg. 82)

É o que entende também o Prof. NELSON NERY JÚNIOR, em comentário ao art. 50 e seu § único do CPC:

"Admite-se a assistência em todos os procedimentos de jurisdição contenciosa, bem como em todos os tipos de processo (de conhecimento, de execução e cautelar". (in Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, 4.ª ed. RT: São Paulo, pg 479)

No mesmo sentido, CELSO AGRÍCOLA BARBI, que faz breve alusão ao cabimento da assistência no processo de execução, pelas mesmas razões que justificam a sua admissibilidade no processo cautelar e no de conhecimento, por qualquer de seus ritos. (in Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 1, 10.ª ed., Forense: Rio de Janeiro, 215).

Ouso discordar, todavia, desses posicionamentos, por não vislumbrar na execução a prática de atos tendentes a obtenção de uma sentença, tal como disposto no caput do art. 50 do CPC. E, ainda, por entender incompatível o rito executório com o procedimento da intervenção assistencial, que não encontra lugar de atuação prática.

Não só pela localização do seu disciplinamento no Código, mas também, e principalmente, pela sua configuração legal e objetivo, nota-se com clareza que a assistência está intimamente vinculada a atividade cognitiva, seja ela superficial ou exauriente. É do resultado dessa atividade, representado materialmente na sentença, que se justifica a intervenção assistencial. É daí que, portanto, surge o interesse jurídico que autoriza o seu cabimento.

O que se pode admitir – e aqui sem nenhuma restrição – é que o assistente intervenha no processo de embargos à execução, que é ação incidental autônoma e prejudicial à execução, a partir do que se verifica a formação de uma nova relação processual, cujo procedimento admite amplamente a assistência, já que as partes têm em vista a formação de uma sentença de embargos à execução.

Esse posicionamento encontra eco na doutrina de autores como o Prof. MARCELO ABELHA RODRIGUES, Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP, que ensina que:

"Seja no processo de conhecimento, com seus respectivos procedimentos (comum ordinário e comum sumário), no processo de execução (quando se tratar de embargos do devedor) ou no processo cautelar, é admissível a assistência, pelo que dispõe a regra prevista no art. 50, parágrafo único. Diz ainda esse artigo que tem cabimento a assistência (e nesses casos se aplica tanto a assistência simples quanto a assistência litisconsorcial), que em qualquer tempo ou grau de jurisdição, é admissível a assistência. Ou seja, desde que não transitada em julgado a sentença, em tese é admissível a assistência". (in Elementos de Direito Processual Civil, vol. 1, 2.ª ed. RT: São Paulo, 2000, 302/303)(grifamos)

Do mesmo modo, o escólio de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, da Faculdade de Direito da UFMG e Doutor em Direito Processual Civil, que discorre sobre o assunto nos seguintes termos:

"No processo de conhecimento, qualquer tipo de procedimento admite a assistência. O mesmo ocorre com o processo cautelar. Mas no processo de execução propriamente dito não há lugar para a assistência, porque a execução forçada não se destina a uma sentença, mas apenas à realização material do direito do credor. Assim, não haveria, na realidade, como coadjuvar a parte a obter sentença favorável". (in Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 32.ª ed. Forense : Rio de Janeiro, 2000, pg. 67)(grifamos)

Releva citar, ainda, a lição de SÉRGIO RICARDO DE ARRUDA FERNANDES:

"Entretanto, afigura-se difícil que da atividade exercida no processo executivo (ao contrário do processo de conhecimento, em que a atividade é cognitiva, ou seja, voltada para a prolação de uma decisão, na execução são praticados atos de ordem material, visando à satisfação concreta do direito do exeqüente) possa surgir interesse jurídico para legitimar a intervenção de terceiro como assistente. A própria lei processual (art. 50, CPC) ressalta que o interesse jurídico tem por objeto a prolação de uma sentença favorável a uma das partes do processo. Ou seja, é da atividade cognitiva, consubstanciada na decisão a ser proferida, que poderá surgir para o terceiro o interesse jurídico, direto ou indireto, para intervir como assistente. (...) Não há como se dizer que no processo executivo possa ser proferida ‘sentença favorável a uma das partes’, ou, em outras palavras, que seja decidida a sorte de determinada relação jurídica, influindo, direta ou indiretamente, na relação jurídica de terceiro. Faz-se necessária a distinção quanto à possibilidade de intervenção assistencial nos embargos à execução, visto que é indiscutível a sua natureza cognitiva, como, da mesma forma, em relação ao processo de liquidação de sentença." (in Questões Importantes de Processo Civil – Teoria Geral do Processo. DP&A Editora: Rio de Janeiro, 1999, pg. 221)(grifamos)

Nessa mesma esteira seguem ainda outros autores como ALEXANDRE FREITAS CÂMARA (in Lições de Direito Processual Civil. vol. 1, 6.ª ed. Lúmen Júris: Rio de Janeiro, 2001, pg. 163); ATHOS GUSMÃO CARNEIRO (in Intervenção de Terceiros. 8.ª ed. Saraiva: São Paulo, 1996, pg. 115); SÉRGIO FERRAZ (in Assistência Litisconsorcial no Direito Processual Civil. RT: São Paulo, 1979, pg. 102) e ARRUDA ALVIM, que, do mesmo modo, a condiciona à oposição de embargos à execução:

"A assistência, seja simples, seja litisconsorcial, é cabível no processo de conhecimento, tendo em vista todos os tipos de procedimento, sejam os especiais, seja o comum sumaríssimo ou o comum ordinário. Na execução somente será possível a assistência se, por via incidental, for proposta a ação de embargos do devedor, intervindo, então, o assistente unicamente no processo de embargos." (grifamos)

Nos embargos à execução, é ampla a atuação do assistente, seja simples, seja litisconsorcial. A atividade cognitiva aqui é substancial e o rito comum ordinário dos embargos executórios se coaduna perfeitamente à figura da assistência. Da demanda de embargos pode surgir o interesse jurídico a que a parte obtenha um provimento sentencial favorável.

É o caso, por exemplo, do fiador na execução de contrato afiançado. Uma vez embargada a execução, tem ele claro interesse jurídico a que o embargante, seu afiançado, obtenha uma sentença, que desconstitua ou, pelo menos, abale o título exeqüendo. Para tanto, toca-lhe o interesse de ajudar na formação de um juízo de convencimento tendente à obtenção desse provimento.

Da jurisprudência, colhe-se alguns arestos que, influenciados por essa corrente, seguem a mesma trilha:

"CIVIL E COMERCIAL. EXECUÇÃO - ASSISTÊNCIA - DESCABIMENTO. Em se tratando de ação de execução, em que inexiste o contraditório, e, portanto, sentença favorável a uma das partes, descabe o pedido de assistência formulado com base no parágrafo único do art. 50 do CPC". (TA Civ.-RJ - Ac. unân. da 2ª Câm. Cív. reg. em 21-8-92 - Agr. 537-Capital - Rel. Juiz Nilton Mondego de Carvalho Lima - CMMC International Time Sharing Apart Hotéis Ltda. vs. Banco do Brasil S/A)(grifamos).

"AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO NÃO EMBARGADA – PROCESSO EM QUE NÃO HÁ SENTENÇA DE MÉRITO – INTERVENÇÃO DE TERCEIROS – ASSISTÊNCIA – IMPOSSIBILIDADE – RECLAMO PROVIDO – O pressuposto fundamental da assistência é a possibilidade de que venha a ser exarada sentença, razão pela qual, em se tratando de execução não embargada, inexiste possibilidade jurídica dessa modalidade de intervenção de terceiros. Apenas quando interpostos embargos, e que instaura-se uma nova relação processual incidente, cuja natureza difere da execucional, por tratar-se de procedimento cognitivo, tendo por escopo sentença com eventual força constitutiva em face do título executório, podendo, inclusive, neutralizá-lo definitivamente. Nessa hipótese, e somente nela, é que juridicamente admissível se faz, em processo de execução, a assistência litisconsorcial". (TJSC – AI 98.009316-3 – SC – 1ª C.Cív. Rel. Des. Trindade dos Santos – J. 29.09.1998)(grifamos)

"CIVIL E COMERCIAL. ASSISTÊNCIA - EXECUÇÃO - PRESSUPOSTO. No processo de execução descabe a assistência, a não ser que haja embargos do devedor". (TJ-SP - Ac. unân. da 19ª Câm. Cív. julg. em 13-9-93 - Agr. 222.246-2/9-Capital - Rel. Des. Vallim Bellocchi)(grifamos).

Muito a propósito, impende salientar que na jurisprudência, ao contrário do que ocorre na doutrina, esse entendimento é pacífico, inclusive no âmbito dos Tribunais Superiores.

Até mesmo porque, na análise do caso concreto, o Poder Judiciário vem observando as dificuldades práticas da eventual implementação do entendimento contrário, que pode vir a roubar efetividade ao processo de execução, dentro do qual, não há negar a ampla possibilidade de resistência por parte do executado – tal como se dá com a exceção de pré-executividade –, mas que, por outro lado, não pode perder de vista sua finalidade substancialmente satisfativa.

Aliás, com relação à eventual cogitação quanto ao cabimento da assistência na exceção de pré-executividade, do mesmo modo, sou de opinião obstativa, tendo em vista a natureza de tal expediente. A exceção de pré-executividade é simples alegação de nulidade do processo de execução, argüida, ademais, em simples petição, nos próprios autos da execução e sujeita, portanto, às mesmas restrições quanto à intervenção assistencial.

Em se tratando de processo de execução, portanto, cujo procedimento se deflagra no objetivo de satisfação material do credor, através de atos de invasão do patrimônio do devedor, não se admite a intervenção assistencial, por incompatibilidade absoluta, ante a falta de atividade cognitiva que justifique a atuação do assistente.

Uma vez embargada a execução, contudo, no âmbito desta ação autônoma incidental cabe a intervenção de terceiro assistente, que atuará no desenvolvimento da atividade cognitiva tendente a obtenção da sentença de embargos à execução favorável ao assistido, tendo em vista a compatibilidade do procedimento e a existência de interesse jurídico do terceiro em participar dessa atividade.

Sobre o autor
Gustavo Vaz Salgado

advogado em Belém (PA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALGADO, Gustavo Vaz. Assistência no processo de execução.: Algumas reflexões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 53, 1 jan. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2514. Acesso em: 22 nov. 2024.

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