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Importação e sujeição passiva.

Abordagem interdisciplinar sobre os reflexos da MP nº 2.158-35/2001

Agenda 01/01/2002 às 01:00

Sumário: 1 Introdução; 2 Interpretação restritiva versus extensiva; 3 Solidariedade tributária passiva na MP n.º 2.158-35; 4 Conclusões


Introdução

No direito tributário a sujeição passiva é elemento de grande importância para a determinação de quem suporta o ônus tributário. Importante também é a caracterização do instituto da solidariedade passiva em uma mesma relação tributária.

A Medida Provisória n.º 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, trouxe mudanças significativas na sujeição passiva para empresas importadoras. As empresas adquirentes de mercadoria estrangeira, importadas por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora, são agora responsáveis solidárias pelos tributos advindos dessa operação.

A mudança é surpreendente. Enquanto anteriormente somente as intermediárias respondiam pelos tributos decorrentes da importação, agora as adquirentes foram elevadas à categoria de responsáveis solidárias.

No rol de intermediárias, nas operações de comércio exterior, estão as empresas amparadas pelo Fundo para o Desenvolvimento das Atividades Portuárias do Espírito Santo (Fundap)[1]. Tais empresas intermediárias (Fundapeanas) continuam no pólo principal da sujeição passiva, porém, de agora em diante, em situação de igualdade com as adquirentes.

Abordaremos as mudanças na sujeição passiva sob a ótica de duas correntes: restritiva e extensiva. Tais correntes, originárias do direito penal, servem perfeitamente ao nosso escopo de trazer a tona intenções quando da elaboração da legislação tributária.

Nessa abordagem utilizaremos conceitos oriundos do modelo da regra-matriz de incidência e seu respectivo esquema lógico desenvolvido pelo prof. Paulo de Barros Carvalho[2].

Ao final do texto o leitor será capaz de perceber que a MP n.º 2.158-35, de 2001 representou uma vitória da corrente extensiva quanto à sujeição passiva.


Interpretação restritiva versus extensiva

Na definição do renomado mestre Hugo de Brito Machado[3]: "O sujeito passivo da obrigação tributária é a pessoa, natural ou jurídica, obrigada a seu cumprimento."

A delimitação do sujeito passivo pode ser definida com base em inúmeras teorias tributárias. Selecionamos, nesse texto, uma abordagem da doutrina penal para tratar a sujeição passiva sob duas óticas distintas: restritiva ou extensiva.

O direito penal é o irmão mais próximo do direito tributário. Acreditamos que muitas de suas teorias podem ser adaptadas com sucesso para o campo tributário. Com essa crença optamos por trabalhar de maneira interdisciplinar os conceitos de interpretação restritiva e extensiva para avançar sobre as preocupações da Fazenda Pública em assegurar o recebimento dos impostos provenientes de uma operação de comércio exterior.

Restritiva: de acordo com a ótica restritiva podemos definir sujeito passivo como aquele que realiza a hipótese de incidência tributária para nascimento da obrigação tributária. Mais, precisamente, aquele que realiza a conduta típica descrita na lei, i.e., o que pratica o verbo considerado como núcleo do critério material da hipótese de incidência.

Analisando, cuidadosamente, o artigo 19 do Código Tributário Nacional (CTN), Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966, podemos ver que o núcleo da descrição fática do imposto de importação é a importação de produtos estrangeiros.

"Art. 19: O imposto, de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional".

Ou seja, o critério material do II é representado pelo verbo "importar". Logo, aquele que pratica a ação do verbo, ou seja aquele que "importa" é o sujeito passivo da obrigação.

Em conformidade com essa interpretação é considerado sujeito passivo, somente aquele que registrou a Declaração de Importação (DI) no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex).

O registro da DI é adotado como sendo o critério temporal do II. Tal linha temporal encontra-se prevista no Regulamento Aduaneiro (RA), Decreto n.º 91.030, de 1985, artigo 87, inciso I:

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"Para efeito de cálculo do imposto, considera-se ocorrido o fato gerador:

I) na data do registro da declaração de importação de mercadoria despachada para consumo, inclusive a (...)"

Segundo a interpretação restritiva, somente aquele que constar como tendo realizado a importação (registro da DI) deve ser considerado como sujeito passivo. Realizar a importação (intermediário) seria distinto de favorecer a sua realização (adquirente). Prevalece, portanto, um critério objetivo da análise.

A interpretação restritiva é freqüente no direito penal, sendo a corrente majoritária do Código Penal.

Extensiva: a ótica extensiva, por outro lado, fundamenta-se na causação do resultado. O sujeito passivo seria aquele que deu causa ao evento, que motivou a ocorrência do mesmo trazendo modificações ao mundo externo. Não é, portanto, somente quem realiza o verbo do critério material, mas também aquele que, de qualquer maneira contribuiu para a produção do resultado.

Em conformidade com essa interpretação dever ser considerado sujeito passivo, não somente aquele que registrou a Declaração de Importação (DI), mas também aquele que fez vir a mercadoria estrangeira para o País.

Não é necessário, nem mesmo, o acordo de vontades, pactum sceleris. É suficiente que uma vontade adira à outra para a consecução do objetivo final.

De tal interpretação resulta a equiparação como sujeito passivo da obrigação tributária de todos os que cooperaram para a consecução do verbo "importar", ou seja para a entrada regular da mercadoria estrangeira no país.

Nessa abordagem prevalece uma visão subjetiva, recaindo a obrigação sobre quem praticou de fato a importação.


Solidariedade tributária passiva na MP n.º 2.158-35

O Código Civil define solidariedade em seu artigo 896, parágrafo único, verbis:

"Art. 896 - A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.

Parágrafo único - Há solidariedade quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado à dívida toda."

Fala o CTN em seu artigo 124 dos casos de solidariedade passiva:

"Art. 124 - São solidariamente obrigadas:

I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;

II - as pessoas expressamente designadas por lei.

Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem."

Apesar da previsão legal de considerar como solidárias as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador, na prática torna-se, praticamente impossível demonstrar tal ligação.

Inúmeras vezes a Fazenda Pública enfrentou dificuldades na coleta de provas materiais para instruir autos de infração e provar a ligação entre intermediário e adquirente. Tais dificuldades resultaram na perda de receitas tributárias que repousaram sobre pessoas jurídicas sem nenhuma capacidade econômica.

Resta, portanto, maior garantia quando a solidariedade encontra-se expressamente prevista em lei.

Diante dessa realidade, a MP n.º 2.158-35, de 2001 nada mais fez do que criar formalmente a obrigação solidária para o adquirente de mercadoria importada, por intermediário dos arts. 77 a 81.

"Art. 77. O parágrafo único do art. 32 do Decreto-Lei n.º 37, de 18 de novembro de 1966, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 32....... .............................................

...................................................

Parágrafo único. É responsável solidário:

I - o adquirente ou cessionário de mercadoria beneficiada com isenção ou redução do imposto;

II - o representante, no País, do transportador estrangeiro;

III - o adquirente de mercadoria de procedência estrangeira, no caso de importação realizada por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora." (NR)

Art. 78. O art. 95 do Decreto-Lei n.º 37, de 1966, passa a vigorar acrescido do inciso V, com a seguinte redação:

"V - conjunta ou isoladamente, o adquirente de mercadoria de procedência estrangeira, no caso da importação realizada por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora." (NR)

Art. 79. Equiparam-se a estabelecimento industrial os estabelecimentos, atacadistas ou varejistas, que adquirirem produtos de procedência estrangeira, importados por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora.

Art. 80. A Secretaria da Receita Federal poderá:

I - estabelecer requisitos e condições para a atuação de pessoa jurídica importadora por conta e ordem de terceiro; e

II - exigir prestação de garantia como condição para a entrega de mercadorias, quando o valor das importações for incompatível com o capital social ou o patrimônio líquido do importador ou do adquirente.

Art. 81. Aplicam-se à pessoa jurídica adquirente de mercadoria de procedência estrangeira, no caso da importação realizada por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora, as normas de incidência das contribuições para o PIS/PASEP e COFINS sobre a receita bruta do importador".

Em virtude da MP, o adquirente de mercadoria de procedência estrangeira, no caso de importação realizada por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora, é agora solidário quanto aos tributos originados da operação.

A Fazenda Pública procurou com isso evitar que as convenções particulares se sobrepusessem aos interesses públicos, em conformidade com o disposto nos termos do art. 123 do CTN.

"Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes."

Dessa forma, o Tesouro tenta evitar que pessoas intermediárias, sem nenhuma condição de fato para assumir o ônus tributário oriundo de vultosas operações de comércio exterior, venham a prejudicar os interesses públicos.

Prevalece, portanto, a abordagem extensiva sobre a sujeição passiva que nesse caso transpareceu por meio da MP n.º 2.158-35, de 2001.


Conclusões

A sujeição passiva é um dos elementos mais importantes no direito tributário. Serve para determinar quem suportará o ônus tributário.

A doutrina penal ensina que na sujeição passiva da autoria criminal, existem duas interpretações: restritiva e extensiva. Doutrina essa que pode ser utilizada para analisar modificações na legislação tributária.

A criação, por meio da MP n.º 2.158-35, de 2001, da figura do responsável solidário para o adquirente de mercadoria estrangeira ilustra uma ótica extensiva de interpretação dos fatos tributários por parte da Fazenda Pública Federal.

Procura, com isso, evitar perdas e garantir que seus lançamentos tributários se revertam em efetiva receita.


Notas

1.O Fundap foi criado pela Lei n.º 2.508, de 22 de maio de 1970 e Regulamentado pelo Decreto n.º 163-N de 15 de julho de 1970.

2.CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p.161-251.

3.MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 11ª edição, Malheiros: São Paulo, 1996, p. 96.

Sobre o autor
Leonardo Correia Lima Macedo

economista e mestre em Direito Econômico pela UFPB, professor da ESAF, auditor-fiscal da Receita Federal, acadêmico de Direito na AEUDF

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACEDO, Leonardo Correia Lima. Importação e sujeição passiva.: Abordagem interdisciplinar sobre os reflexos da MP nº 2.158-35/2001. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 53, 1 jan. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2532. Acesso em: 23 nov. 2024.

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As opiniões emitidas no artigo são pessoais e não refletem a posição da Secretaria da Receita Federal.

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