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Comentários sobre a Resolução 1.995 de 2012 do CFM:

orientações à eutanásia no Brasil

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Agenda 26/10/2013 às 06:07

A eutanásia e o princípio do mínimo existencial

Uma pessoa para bem viver necessita de condições mínimas à sua sobrevivência, e nesta não se inclui apenas o viver tendo cuidados, mas o ter cuidados adequados (de profissionais da saúde). George Salomão Leite11, por sua vez, retrata o parecer da Corte Colombiana sobre eutanásia que afirmou que “desde uma perspectiva pluralista não se pode afirmar o dever absoluto de viver... o direito à vida não pode reduzir-se à mera subsistência”. Não significa apenas exercer o direito pleno à vida, mas a vida com qualidade de vida. Uma pessoa herda o direito à vida, de ao menos viver como seus ancestrais viveram, mas quando chega ao final da vida, não consegue morrer com respeito a sua imagem, pois o seu estado físico e moral, o seu espírito transcendental, tudo lhe é merecedor da tutela principiológica fundamental da dignidade de pessoa humana. Esta tutela é o mínimo que a sociedade pode ofertar a este ser humano que se esvazia de esperança de encontrar a cura ou o alento alívio para sua dor.

Fensterseifer12 ensina que “o conceito de mínimo existencial está diretamente relacionado à dimensão existencial humana mais elementar, conferindo a todo cidadão a garantia constitucional de acesso a um conjunto mínimo de prestações sociais, que pode tomar tanto a feição de um direito de natureza defensiva quanto negativa, sem o qual a sua dignidade se encontraria profundamente comprometida ou mesmo sacrificada”. E, em relação ao direito à vida, Fensterseifer13 observa que, este, enquanto comparado ao clássico direito à liberdade “a partir de uma leitura constitucional contemporânea toma uma feição tanto liberal e defensiva (no sentido de não-violação do direito) como também social e prestacional (no sentido de afastar qualquer violação que incida sobre o direito à vida, o que também ocorre na falta de acesso a um mínimo de direitos sociais básicos, como ocorre especialmente no caso do direito à saúde)”. Assim, o mínimo existencial possibilita uma interpretação ao direito de morrer ou viver, que prevê uma vida saudável, que se não for reduzida a doença, tendo então saúde, que seja ao menos livre de dor e sofrimento. Para que não se almeje o direito de morrer, deve o Estado garantir o mínimo existencial de uma vida com dignidade, sem dor, sem sofrimento, sem tratamento degradante, sem a humilhação da dependência da caridade alheia.

O respeito, ao menos, a honra, a imagem, a probidade, a moral de uma pessoa é ad perpetum, pois tudo o que ela construiu em torno de si, no seu meio ambiente, deve ser lembrado com muito carinho e admiração. É isso que o paciente que clama pela eutanásia quer, ele deseja ser lembrado na sua fase áurea, ele quer ser respeitado, e admirado, ele não quer piedade à vida indigna que a doença terminal lhe condenou, ele quer piedade para morrer com dignidade. Ele quer morrer integro, ele não quer que o seu espírito seja corrompido, nem o seu corpo físico degradado, ele quer ter uma boa imagem para ser lembrada, uma imagem de pessoa virtuosa, justa e digna, e, ele não quer que a sua imagem retratada nas mentes e lentes seja de doente moribundo.


A eutanásia e os princípios da prevenção e da precaução

O médico, em posse de informações sobre a gravidade da doença do doente terminal poderá adotar medias preventivas ou precautivas. As medidas preventivas dar-se-ão quando o médico tem conhecimento científico e a certeza de que terminado resultado (positivo ou negativo) irá ocorrer. Luis Ernani Bonesso de Araújo e Seline Nicole Martins Soares14 enfatizam que o princípio da prevenção “Assegura a tomada de medidas antecipadas, uma vez conhecido o perigo ou risco que se manifestará diante da inércia”, desta feita, se o médico se mantiver inerte, ele estará agindo, com base em conhecimento científico, com requinte de crueldade, pois sabe que se permitir que o paciente terminal viva os seus derradeiros dias sem um tratamento médico adequado, ou que se tiver um tratamento, este será ineficaz devida a gravidade da doença, apenas prolongando a vida torturante do moribundo, estará desrespeitando o princípio fundamental da dignidade humana, e violando o princípio da liberdade do paciente em auto se determinar, em buscar a sua felicidade transmetafísica.

Por outro lado, as medidas precautivas ocorrerão quando o médico não tem certeza científica do resultado negativo ou benéfico das práticas da biomedicina. Luis Ernani Bonesso de Araujo e Seline Nicole Martins Soares15, esclarecem que “o significado do princípio da precaução se manifesta na necessidade de se usar ações cautelares, ações de prudência, que visem mitigar ou reduzir, ou a evitar que se efetive uma ação imprudente cujo resultado seja incerto, mas que tenha probabilidade, estimativa de ocorrer, caso não sejam tomadas todas s medidas necessárias para coibir prejuízos” à saúde, à vida, ou à morte indigna. Diante da incerteza científica devem-se adotar ações de precaução para evitar que um dano irreversível se concretiza à vida deste paciente de doença grave e terminal. A opção morte, por falta de informações científicas, por incertezas de um futuro cruel, e por comprovadas dores intensas, ela deve ser do paciente, jamais do médico ou familiares.

O diagnóstico de uma junta médica, com exames consecutivamente repetidos, sobre a certeza de doença grave, terminal e irreversível não pode ser equiparada a pena de morte, onde o condenado não tem opções de possibilidades de várias oportunidades, como do tratamento, ou cessação do mesmo, ou opção ao pedido de desligamento de aparelhos que lhe serão vitais. Portanto, enfatiza-se que mister se faz a extrema necessidade de, ao menos, três médicos darem um parecer por escrito sobre a doença, e se, se trata realmente de doença grave, terminal, e irreversível, que causa intenso sofrimento para o paciente. Nesta situação na dúvida todas as ações devem ser adotadas em prol da vida do paciente. Se ele, médico tem dúvidas, se ele paciente tem dúvidas, afasta-se a possibilidade de “consentir” com a prática da eutanásia.

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Assim, por analogia, se o médico não tem conhecimento sobre a possibilidade de novos fármacos curarem ou amenizarem o sofrimento do paciente, ele não deve prescrever determinado tratamento, por exemplo, através da biotecnologia, prolongar a vida de quem já está agonizando em dor e sofrimento. O médico não deve emitir juízo de valor sobre novos paradigmas da cura, ele deve apenas informar, e informar cientificamente de forma clara, objetiva, concisa sobre o tipo de doença, a gravidade, e a irretroatividade ao estado de origem, ou seja, ao estado de pessoa sã. O médico deve ser absolutamente imparcial, ele não deve vir “ao encontro”, nem “de encontro” à eutanásia, ao exercer seu ofício. Ele o faz conforme determinações legais, mas deve ser orientado pela ética profissional e iluminado pelo princípio constitucional fundamental da dignidade humana.


A eutanásia e o princípio da solidariedade

A solidariedade (fraternidade) é um princípio que tem sua origem no pensamento cristão, em o indivíduo (médico) fazer o bem para outrem como o faria para si próprio, que se manifesta no princípio da bioética da beneficência. Neste último, o médico deve agir pensando sempre em fazer o bem para o próximo, para o seu paciente, buscando todos os meios lícitos de amenizar o sofrimento deste. Todavia a solidariedade não se dá somente entre médico e paciente, mas entre todos e o paciente terminal. Ao se falar em todos, cumpre incluir o corpo profissional da área da saúde que está diretamente ligado ao paciente, assim como os seus familiares, amigos, e o Estado.

Merece destaque Fensterseifers16 ao lecionar in Direitos Fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade humana no marco jurídico-constitucional do Estado Socioambiental de Direito, que “o princípio da solidariedade não opera de forma isolada no sistema normativo, mas atua juntamente com outros princípios e valores presentes na ordem jurídica, merecendo destaque especial para a justiça social (como justiça distributiva e corretiva), a igualdade substancial e a dignidade humana. E, ao encontro da sua explanação, o eminente doutrinador elucida os ensinamentos Perlingieri17 apud Fensterseifer no sentido de que “o princípio da solidariedade, juntamente com o princípio da igualdade, é instrumento e resultado da atuação da dignidade social do cidadão, a qual confere a cada um o direito ao “respeito” inerente à qualidade de homem, assim como a pretensão de ser colocado em condições idôneas de exercer as próprias aptidões pessoais, assumindo a posição a estas correspondentes”. Assim, todos: toda a sociedade deve se colocar, por alguns minutos que sejam, em meditação, no lugar do paciente diagnosticado com uma doença terminal irreversível, e tentar sentir não só a sua dor física, mas a sua dor moral.

Não se trata de um capricho, mas de um direito não prescrito em lei, mas inerente ao ser humano, o querer morrer bem, morrer de forma doce, morrer de forma suave, o de ter o direito a uma boa morte, assistido por profissionais qualificados para lhe tirar todo o sofrimento na hora derradeira. Aqui, a solidariedade está em auxiliar, em assistir o paciente terminal, nos seus últimos instantes de vida, a amenizar o seu sofrimento, através de técnica científica ou terapêutica que lhe aliviem toda a dor. É permitir que o ato de eutanásia seja prestado por profissional competente e qualificado para reduzir, mitigar, ou cessar toda e qualquer dor. É agir de forma responsável pela prestação de serviço ministrada com qualidade de conhecimento no ato piedoso.


A eutanásia e o princípio fundamental da dignidade humana e os princípios básicos da bioética

10. 1. O direito à vida.

Este é um “direito humano” previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU, que, recepcionado e fundamentado na Constituição Federal recebe o reflexo dos raios solares que se irradiam do princípio da dignidade humana, como se este fosse o sol, que ilumina todo o Texto Constitucional e, por consequência, todo o Ordenamento Jurídico Nacional. Entretanto, o “direito humanitário”, prevê situações opostas, prevê exceções, pois durante uma guerra, a vida da população civil deve ser preservada e respeitada. A vida do prisioneiro de guerra não pode sofrer tortura e tratamento degradante. Todavia, no Brasil, em tempo de guerra, a vida desse prisioneiro poderá ser condenada a pena de morte. O direito à vida sofre relativização, ou seja, em alguns casos ele poderá ser violado, desde que haja previsão constitucional. Aqui, há a previsibilidade de exceção, pois como fica a dignidade humana dos condenados à pena de morte? Quais são os critérios adotados à sentença terminativa da vida? Sarlet18 enfatiza que “não há como negar que os direito à vida, bem como os direitos de liberdade e de igualdade correspondem diretamente às exigências mais elementares da dignidade da pessoa humana”. Além de valores materiais e formais constitucionais, para Sarlet19 in A eficácia dos direitos fundamentais:

(...) a qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz a certeza de que o art. 1º, inc. III, de nossa Lei Fundamental não contém apenas uma declaração de conteúdo ético e moral (que ela, em última análise, não deixa de ter), mas que constitui norma jurídico-positiva com status constitucional e, como tal, dotada de eficácia, em valor jurídico fundamental da comunidade. Importa considerar neste contexto, que, na condição de princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana constitui valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda a ordem constitucional, razão pela qual se justifica plenamente sua caracterização como princípio constitucional de maior hierarquia axiológico-valorativa”.

Percebe-se que, o princípio da dignidade da pessoa humana, mesmo com todo o seu grau de valor, hierarquia, e paradigma moral e ético, que orienta e ilumina toda a sociedade brasileira, até ele, sofre limitações, por exceção, em caso de guerra declarada pelo Congresso Nacional. Assim, um prisioneiro, contra a sua vontade, pode lhe ser imposta a morte, neste caso violando os direitos humanos e humanitários, os princípios da bioética e do biodireito, e violando o princípio fundamental da dignidade humana, pois assim previu o Congresso Nacional. No caso do aborto, qualquer tipo que seja, não há o consentimento de todos os interessados ao direito de viver ou morrer; no caso da legítima defesa, em que é possível matar para sobreviver, ou em caso de risco iminente de vida, nenhuma destas situações quem está condenado a morrer quis morrer. Nestas situações quem morre, morre de forma indigna (não importando a situação in concreto).

No aborto, o feto tem dias de vida, o embrião já tem meses, não pediu para nascer, mas também não pediu para morrer. Neste caso, não se está fazendo juízo de valor sobre se é justo ou injusto o aborto, apenas se está observando que há exceções ao direito à vida, ao princípio da dignidade humana, pois não houve o consentimento de quem foi condenado à morte. Ao contrário da eutanásia, que há o querer do paciente, e a inércia do Congresso Nacional, em legislar, atendendo os clamores de quem sofre doença terminal irreversível. Provavelmente, o Supremo Tribunal Federal, logo, terá que agir com ativismo judicial, pois é iminente o dia em que terá que julgar prática da eutanásia em uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, ou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. Resta esperar para saber como a sociedade irá reagir: de forma egocêntrica ou solidária, ao “outro”, a dor do próximo.

10.2. O princípio da bioética da beneficência.

Este orienta os médicos a fazer, a praticar o bem, ou seja a cuidar dos pacientes visando-lhes a cura, visando-lhes uma vida com saúde, uma vida saudável. Critica Pegoraro20 o Paternalismo médico dizendo que “o princípio da beneficência determina que as consequências de qualquer intervenção médica sejam em benefício da pessoa do paciente. O reverso do princípio serve para reforça-lo: “não prejudicar o paciente” ou “primum non nocere”, de Hipócrates (...) a consciência dos direitos humanos encurralou o paternalismo. Segundo este princípio, o paciente não recebe favores, mas reivindica o direito à beneficência (e à não-maleficência), que se torna dever do corpo clínico”. Portanto o médico não tem somente a obrigação de fazer o bem, mas o de não fazer o mal. E, não fazer o mal, na eutanásia, é não prolongar o sofrimento do paciente. E, isso conforme se interpreta, para Pegoraro é um direito do paciente, neste caso, em estado terminal.

10. 3. O princípio da bioética da autonomia da vontade do paciente.

Este orienta os médicos a respeitarem as decisões do paciente sobre a sua própria vida. O paciente com doença grave poderá escolher qual o método ou procedimento que o médico deverá usar para lhe salvar a vida, ou para lhe prolongar a vida, ou mitigar a dor. Entretanto, esse tratamento poderá ser longo, e sem certeza científica acerca do resultado positivo.

Leciona Pegoraro21 que “a autonomia manda respeitar as convicções e decisões do paciente; ele é um fim em si mesmo e nunca instrumento para outros fins, como experiências e pesquisas.”. O doente terminal deve ser respeitado na sua liberdade de opção, pois ele tem autonomia para se decidir, sobre a sua própria vida. Pegoraro22 ensina que “a autonomia é o princípio da liberdade moral que respeita o ser humano como agente moral independente e deve ser respeitada pelos que defendem outras posições éticas. Enfim, nenhuma moral pode impor-se aos seres humanos contra a sua consciência.”. Não lhe permitir uma morte boa, uma morte doce, uma morte assistida por um profissional qualificado, ou impor-lhe a morte sem ser consentida é violar o seu princípio fundamental à dignidade humana.

Narciso Leandro Xavier Baez23 observa em Kant a visão antropocêntrica clássica:

(...) que a dignidade da pessoa humana impossibilita a coisificação e a instrumentalização dos seres humanos, já que eles são considerados fins e não meios. Disso se extrai que a dignidade é uma qualidade congênita, irrenunciável e inalienável, inerente a todos os seres humanos e que os qualifica como tal. Assim, ela não pode ser concedida ou retirada das pessoas, porquanto constitui valor inerente à própria qualidade humana. Ela decorre da razão, fato que permite ao indivíduo ter consciência da sua dimensão como ser livre, autônomo e qualificado por sua autodeterminação”24. E, que se “pode concluir que a dignidade da pessoa humana, em seu núcleo básico, reside às diversidades culturais, colocando-se como valor universal”25. Para Narciso Baez “os direitos fundamentais são poderosos instrumentos de realização dos direitos humanos,... sendo os direitos fundamentais a positivização constitucional dos direitos humanos no interior de cada Estado, vê-se que eles constituem um conjunto de bens jurídicos que tem como ponto comum, ou seja, como elemento nuclear de sua morfologia e base de realização a dignidade da pessoa humana”26.

Não há como separar os direitos fundamentais (direito à liberdade) dos direitos humanos que têm por essência o princípio da bioética da autonomia da vontade do paciente iluminado pelo princípio fundamental constitucional da dignidade humana, pois todos são, antes e depois do direito, inerentes a todos os seres humanos na visão antropocêntrica. Muito embora, tanto os direitos fundamentais, quanto o princípio da dignidade da pessoa humana, são relativizados pela identidade cultural dos povos que se autodeterminam conforme o seu poder soberano, ou soberania popular.

Sobre a autora
Seline Nicole Martins Soares

Docente em Direito na UFFS/SC; OAB/SC 36972; Mestre em Integração Latino-Americana da UFSM, Especialista em Educação Ambiental da UFSM, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais da UFSM; Especialista em Direito Constitucional Aplicado da FDJ. Acadêmica da Especialização em Direito Ambiental Uninter. Pesquisadora em Bioética, Biodireito, Direito Ambiental e Direito do Consumidor, Direito Internacional Público e Privado. <br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Seline Nicole Martins. Comentários sobre a Resolução 1.995 de 2012 do CFM:: orientações à eutanásia no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3769, 26 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25440. Acesso em: 22 dez. 2024.

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