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A alienação parental enquanto elemento violador dos direitos fundamentais e dos princípios de proteção à criança e ao adolescente

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Agenda 11/10/2013 às 14:14

3. OS PRINCÍPIOS DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

A Constituição Federal também estabelece princípios,[39] reconhecidos, por Alexy, como “mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados”, e ainda, “pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas”.[40] Para Canotilho, “os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos”.[41] Daí decorre a necessidade de se analisar os princípios da dignidade da pessoa humana, da paternidade responsável, da absoluta prioridade e do melhor interesse da criança/adolescente.

A dignidade humana é inerente ao ser [42]. À luz do pensamento Kantiano, Sarlet considera que a dignidade “é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado”.[43] Sarlet ainda afirma que “a dignidade da pessoa humana, na sua condição de princípio fundamental e na sua relação com os direitos e deveres fundamentais [...] possui uma dupla dimensão (jurídica) objetiva e subjetiva”.[44] Assim, esclarece o autor:

Na sua perspectiva principiológica, a dignidade da pessoa atua, portanto – no que comunga das características das normas-princípio em geral – como um mandado de otimização, ordenando algo (no caso a proteção e promoção da dignidade da pessoa) que deve ser realizado na maior medida possível, considerando as possibilidades fáticas e jurídicas existentes, ao passo que as regras contêm prescrições imperativas de conduta [...].[45]

Com a constitucionalização do princípio em análise, ficou expressa a escolha Estatal de proteção à pessoa, com enfoque na tutela da personalidade dos componentes da família,[46] já que a própria Constituição Federal considera que a família é a base da sociedade e merece especial proteção do Estado.[47] Desta forma, visualiza-se esta preocupação especial com a pessoa - criança/adolescente -, quando a Constituição garante prioridade absoluta aos direitos da criança e do adolescente tendo por finalidade garantir o pleno desenvolvimento humano com base em sua dignidade.

A paternidade responsável trata-se de um princípio que possui certo caráter político e social,[48] na medida em que impõe aos pais um dever de responsabilidade para com a prole. Pode-se dizer que o princípio em análise constitui “um desdobramento dos princípios da dignidade da pessoa humana, da responsabilidade e da afetividade”. Contudo, é um princípio que merece autonomia, pois paternidade e maternidade possuem um valor fundamental na vida da pessoa, principalmente quando se encontra em fase de desenvolvimento, como é o caso da criança e do adolescente.

Barboza sustenta que a expressão paternidade responsável deveria ser substituída por parentalidade responsável, haja vista que o termo paternidade “denota a condição ou qualidade de pai ou a relação de parentesco que vincula o pai a seus filhos”, ao passo que a palavra parentalidade expressa “todo o alcance do dispositivo constitucional, que se destina aos pais, ou seja, ao homem e à mulher ou ao casal que, no exercício de sua autonomia reprodutiva, promove um projeto parental”. [49] O princípio da paternidade responsável – ou parentalidade responsável - pode ser traduzido como um dever de cuidado[50] dos pais para com os filhos.

O cuidado é “reconhecido como valor implícito do ordenamento jurídico”, haja vista que “vincula as relações de afeto, de solidariedade e de responsabilidade”. O cuidado possui ainda um “importante papel na interpretação e aplicação das normas jurídicas”, pois “conduz a compromissos efetivos e ao envolvimento necessário com o outro, como norma ética da convivência”.[51] Reconhecido enquanto “valor jurídico”, e “considerado em sua dimensão de alteridade, reciprocidade e complementariedade”, o cuidado exalta a “grandeza do conteúdo da paternidade responsável e permite explicitar todos os deveres dos pais”.[52]

No que tange ao princípio da absoluta prioridade, Pereira Júnior refere que se trata de um princípio constitucional, “que impõe à coletividade - entidades públicas, privadas e cidadãos - o dever inafastável - absoluto - de cuidar com atenção prioritária das necessidades da criança e do adolescente”, devido à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.[53] Para Liberati, por prioridade absoluta, deve-se entender que “a criança e o adolescente deverão estar sempre em primeiro lugar na escala de preocupação dos governantes”; deve-se entender que “primeiro devem ser atendidas todas as necessidades das crianças e adolescentes”, por representarem o maior patrimônio de uma nação.[54]   

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Aduz Pereira, sobre o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, que este assenta suas bases “na mudança havida na estrutura familiar nos últimos tempos, por meio da qual ela despojou-se de sua função econômica para ser um núcleo de companheirismo e afetividade”.[55] Sobre o teor deste princípio, refere o autor que efetivamente só se pode dizer o que é o melhor para o menor a partir do caso concreto, isto é, “naquela situação real, com determinados contornos predefinidos”.[56] Para Azambuja, o princípio do melhor interesse da criança, “não se trata de conceito fechado, definido e acabado” e se relaciona diretamente com a dignidade da pessoa humana, pois “não há como pensar em dignidade humana sem considerar as vulnerabilidades humanas, passando à ordem constitucional a dar precedência aos direitos e às prerrogativas” de grupos que se apresentam efetivamente mais frágeis, como é o caso dos menores. A autora ainda afirma que a condição de vulnerabilidade é inerente à infância e adolescência, portanto, encontram-se em situação desfavorável em relação aos adultos, por isso, justifica-se uma “aparente quebra do princípio da igualdade”, de modo que se estabeleça “um sistema especial de proteção, por parte do ordenamento jurídico” a fim de que prevaleça o melhor interesse da criança, em detrimento do interesse dos adultos.[57]


4. A ALIENAÇÃO PARENTAL ENQUANTO ELEMENTO VIOLADOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DOS PRINCÍPIOS DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

Entretanto, os princípios constitucionais e os direitos fundamentais destinados à criança e ao adolescente podem estar ameaçados e, até mesmo, podem ser violados no âmbito da própria família. O problema se destaca no momento em que o afeto se esvanece e os casais optam pelo fim da união. É neste contexto que surgem os maiores conflitos, principalmente quando subsiste a prole, pois, além de separações serem sempre dolorosas, haverá que se discutir a questão da guarda. Quando surge a necessidade de determinar quem será o guardião dos filhos frutos da relação rompida, em certas circunstâncias, poderá ter início a denominada alienação parental.

A alienação parental consiste no ato de alienar o filho do contato com o outro genitor, de maneira injustificada, implantando informações falsas sobre o genitor alienado na mente do menor, fazendo com que este acredite que sejam verdadeiras, afetando, necessariamente, a convivência familiar. A Síndrome da Alienação Parental foi assim denominada por Gardner, em meados dos anos 1980, e, após alguns reparos, é hoje definida como “um transtorno psicológico” [58] que envolve o alienador, o genitor alienado e a prole, sujeitos da alienação.

A SAP, Síndrome da Alienação Parental, “foi descrita por Gardner como sendo um distúrbio infantil, que surge, principalmente em contextos de disputa pela posse e guarda de filhos”[59].  Alguns autores como Silva e Resende, entendem que este “transtorno” não tem origem exatamente no momento da separação do casal, na verdade “são comportamentos que remetem a uma estrutura psíquica já constituída, manifestando-se de uma forma patológica quando algo sai do controle”.[60] Verifica-se que o transtorno já existe, porém, manifesta-se apenas quando desencadeado o rompimento. Não se trata de um problema novo, mas se tornou mais evidente nos dias atuais, pois as disputas de guarda vêm adquirindo, aos poucos, algum equilíbrio, quebrando-se a regra da primazia da guarda materna.

 A SAP acaba se tornando “uma forma de maltrato ou abuso” que pode acarretar consequências negativas para todos os envolvidos pela síndrome, mas é na criança e no adolescente que recai a sequela mais profunda, gerando no menor uma confusão sobre o que efetivamente representam as figuras paterna e materna em sua vida,[61] podendo ainda repetir tais condutas com sua prole futura. Varia de acordo com a idade a medida de assimilação da ocorrência da alienação, porém, identificada a síndrome, o alienador e a prole, vítimas da alienação, juntamente com o genitor alienado devem ser submetidos à intervenção terapêutica com a devida cautela para que os danos não se alastrem.[62]

Para coibir a ameaça ou violação dos princípios constitucionais e direitos fundamentais destinados à criança e ao adolescente, foi criada a Lei da Alienação Parental (Lei nº 12.318/2010), com o objetivo de permitir que o menor não sofra restrições ao contato com sua família, essencial para o desenvolvimento de sua personalidade e a preservação de sua saúde psíquica.   A atitude de alienar a prole da convivência com o outro genitor, conforme refere o artigo 2º da Lei nº. 12.318/2010, poderá ter como sujeitos alienadores: o pai, a mãe, os avós ou aqueles que tenham a criança ou adolescente sob sua autoridade, através da tutela ou guarda. Neste sentido, preleciona Dias que:

[...] a finalidade é uma só: levar o filho a afastar-se de quem o ama. Tal gera contradição de sentimentos e, muitas vezes, a destruição do vínculo afetivo. A criança acaba aceitando como verdadeiro tudo que lhe é informado. Identifica-se com o genitor patológico e torna-se órfã do genitor alienado, que passa a ser um invasor, um intruso a ser afastado a qualquer preço. O alienador, ao destruir a relação do filho com o outro, assume o controle total.[63]

 Pode-se dizer que a Lei de Alienação Parental tem por finalidade principal, garantir a proteção integral destinada à criança e ao adolescente, permitindo o exercício da paternidade responsável e exaltando o direito fundamental à convivência familiar. Vale referir que a responsabilidade parental subsiste após a separação do casal, de tal sorte que a paternidade responsável deverá permanecer sob os cuidados de ambos, sendo atribuído ao Estado o dever de propiciar aos pais condições suficientes para o cumprimento desta obrigação.[64] A recente lei, ao reafirmar estas garantias constitucionais, determinou em seu artigo 3º, que a prática de alienação parental fere direito fundamental da criança e do adolescente à convivência familiar saudável, constituindo tal prática abuso moral contra a criança e o adolescente.

Importante salientar que a Lei de Alienação Parental operou uma espécie de refinamento do direito fundamental à convivência familiar, considerando que esta deverá se realizar de forma saudável. Vale mencionar, tomando-se por base o princípio do melhor interesse da criança, que a convivência familiar não consiste em uma forma de obrigar os filhos a conviver com os pais (núcleo familiar primário) e demais familiares (núcleo familiar secundário),[65] mas sim, a lei encontrou um modo de permitir que esta convivência se desenvolva de forma saudável e, até mesmo, natural, ou então, que seja reduzida e, em última hipótese, afastada.[66]   

Iencarelli considera que “o processo de desenvolvimento de uma criança segue etapas sucessivas e simultâneas, onde, com um certo equilíbrio, tudo, e todos os aspectos, têm sua importância”. Faz parte do dever de responsabilidade dos pais servir de “filtro do mundo” para seus filhos. “Filtrar os estímulos externos, compatibilizando-os com as capacidades da criança, permite que ela se ocupe com seus estímulos internos e se desenvolva de maneira harmônica”. A convivência familiar saudável implica em uma preocupação dos pais com o desenvolvimento saudável do menor, de modo que “na precariedade ou ausência de condições básicas de estimulação, de filtragem, e de segurança afetiva, esse desenvolvimento não se completa, deixando lacunas, deficiência, ou até obstruções e deformações”.[67]

Sendo assim, para garantia dos direitos fundamentais da criança e do adolescente e a observância dos princípios, enquanto mandados de otimização, destinados à proteção da criança e do adolescente, deve-se interpretar a referida Lei da Alienação Parental, em conformidade com a Constituição Federal e com o Estatuto da Criança e do Adolescente, vale dizer, a partir de uma interpretação sistemática. O sistema jurídico deve ser visto como um todo[68], abrangendo as ideias de unidade, totalidade e complexidade.[69] Este sistema é composto, notadamente, por princípios que regem a totalidade deste corpo normativo, conferindo-lhe vida.[70]       

Ao seguir este entendimento, com o intuito de alcançar a melhor interpretação possível, se verifica que o meio mais adequado para operar a proteção integral, com a absoluta prioridade constitucionalmente destinada à criança/adolescente, é analisar sistematicamente o ordenamento jurídico, respeitando a condição do menor, de titular de direitos fundamentais, bem como, considerando os princípios enquanto mandamentos de otimização que devem reger as relações jurídicas. Aos pais - enquanto detentores do poder familiar - cumpre o dever de cuidado para com os filhos, no sentido de reunir atos e comportamentos afetivos,[71] que contribuam para o desenvolvimento físico e psíquico da criança e do adolescente. Entretanto, quando o menor vier a sofrer ameaça ou violação de seus direitos, no âmbito da própria família, o Estado possuirá legitimidade para intervir nesta relação, com base no artigo 227 da Constituição Federal.

A alienação parental se apresenta como um elemento de violação aos direitos fundamentais e princípios de proteção à criança e ao adolescente, na medida em rompe completamente com o dever de cuidado, vale dizer, a alienação parental é exatamente o elemento de oposição direta ao dever de cuidado, pois a própria família, incumbida do dever constitucional de cuidar e proteger a criança e o adolescente exerce contra estes um abuso moral, gerando danos psíquicos na formação destes, na qualidade de pessoa em condição peculiar de desenvolvimento. A alienação parental gera na criança uma sensação de perda (morte) do genitor alienado. A morte em vida pode ser ainda pior do que a morte real, porque é uma morte inventada.[72]

Sobre a autora
Gabriela Cruz Amato

Estudante de Direito da Pontifíca Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMATO, Gabriela Cruz. A alienação parental enquanto elemento violador dos direitos fundamentais e dos princípios de proteção à criança e ao adolescente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3754, 11 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25477. Acesso em: 23 dez. 2024.

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