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A reparação dos danos e o problema da valoração do dano ambiental

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5. A valoração do dano ambiental

A maior dificuldade, como já dito, é valorar, ou seja, atribuir um valor financeiro para os recursos naturais.

Não à toa, o legislador prefere que a reparação in natura seja tentada primeiro (além de ser esse o objetivo – a volta ao status quo ante –, a indenização é uma tentativa meramente econômica de punir o poluidor).

Não existe qualquer parâmetro estabelecido pela lei para a conversão monetária para fins de cálculo do bem natural lesado.

Outro obstáculo refere-se a uma das características do dano ambiental: o aniquilamento de vítimas e outros impactos que não se podem avaliar porque não se pode dar um valor econômico ao dano causado ao recém-nascido deficiente devido à contaminação de seus pais por mercúrio ou ainda atribuir valor a uma espécie animal que foi extinta antes mesmo de ser estudada.

Na Europa, por exemplo, em alguns países como Espanha, Hungria, Finlândia, é utilizado um método de avaliação semelhante ao utilizado no processo penal na Idade Média. Esse método consiste na atribuição de um valor tarifário a cada um dos elementos naturais de determinada espécie. Maria de Fátima Araujo Ferreira cita esse exemplo: “se na Espanha um urso castanho pode valer 800.000 pesetas, em Castela é 3.000.000, na Cantábria e na Hungria vale 50.000 florins (...) E os exemplos poderiam multiplicar-se, para os insectos, as aves, os répteis ou os peixes, as árvores, etc.” [46].

Outra forma de calcular o valor da indenização é utilizar, como referência, preços que o mercado aplica a certos produtos naturais para a quantificação dos danos, como o preço da carne de jacaré, javali, avestruz e outros animais exóticos. Esses preços inclusive podem ser os utilizados pelo mercado de contrabando, como marfins, peles de animais, madeiras, peixes ornamentais, plantas exóticas, pedras preciosas etc.

Romana Coêlho de Araujo sugere a adoção de procedimentos da corte judicial norte-americana, onde “seria necessário procedimentos visando a quantificar e “precificar” o dano ambiental em decisões judiciais” [47].

5.1. Metodologias

Ao longo do tempo, diversas metodologias foram criadas e utilizadas na tentativa de se encontrar uma melhor forma de atribuir um valor financeiro ao dano ambiental. Nem todas as metodologias, entretanto, são perfeitas, muito em parte pelas características do próprio meio ambiente.

5.1.1. Preços de mercados

Pelas técnicas baseadas nessa metodologia, são avaliados os efeitos de mudanças na qualidade e na quantidade de produção, que é trocada no mercado.

Essas técnicas são elencadas em diferencial de produtividade (entende-se como a mudança na produtividade ocasionada pela variação dos recursos naturais; variação essa que pode ser positiva ou negativa. Por exemplo, “desmatamentos provocam aumento da produção agrícola em um primeiro momento e no momento seguinte o que vem é o aumento na erosão do solo” [48], causando efeitos negativos na produção, além de assoreamento dos rios e conseqüente aumento no volume das águas durante as cheias) e perda de ganhos (que é utilizada quando as mudanças na qualidade ambiental afetam a saúde humana. Apesar de a vida humana não ter preço, “na prática, a sociedade indiretamente atribui valores finitos à vida e à saúde humana quando toma decisões sobre políticas e projetos que afetam a qualidade do ambiente, segurança ou saúde de populações” [49]. Quanto maiores os gastos em segurança em obras, por exemplo, menor seria o risco de perda da vida humana em acidentes. Pode-se facilmente mensurar a produção perdida com a morte ou a doença de um trabalhador. Gastos com remédios, assistência médica, despesas com velório. Tudo isso pode ser valorado e ser equiparado com investimentos necessários para melhorar a condição dos trabalhadores).

5.1.2. Mercados paralelos ou hipotéticos

Aqui são utilizadas as regras do mercado, mas de modo indireto, ou seja, cria-se um mercado paralelo, similar, onde são analisados os preços que são determinados por esses mercados paralelos. “A lenha usada como combustível por habitantes que moram próximo às florestas pode ser avaliada em comparação a um outro combustível (por exemplo gás e carvão) que seria usado se não existisse a lenha”[50].

Pode ser dividido em três critérios: valor de propriedade, custo de viagem e diferencial de salário.

5.1.2.1. Valor de propriedade

O preço de um imóvel pode ser utilizado como parâmetro, uma vez que o valor de um imóvel não é determinado apenas por suas características como tamanho, materiais de construção etc., mas também por seus atributos ambientais, ou seja, uma propriedade localizada ao lado de um bosque, por exemplo, seria muito mais valorizada do que uma propriedade similar localizada ao lado de uma indústria que emite ruídos.

Para se obter o valor da diferença entre esses dois imóveis, por exemplo, seria necessário estabelecer padrões de variação entre valores de propriedades e um índice de qualidade ambiental.

5.1.2.2. Custos de viagem

Por esse critério é estabelecido uma relação entre a taxa de freqüência de certo ambiente (uma praia, por exemplo) e o conjunto de fatores sócio-econômicos do local, determinando assim o valor do uso ou não-uso desse ambiente.

Esses custos relacionam-se com o quanto é valorizado tal patrimônio natural, a partir dos gastos efetivos dos visitantes para se deslocar até o local, o que inclui transporte, tempo de viagem, taxa de entrada, hospedagem, alimentação, entre outros gastos complementares.

Dessa forma, quanto mais valorizado esse local for, mais os indivíduos tendem a pagar mais. “Há aqui o elemento da demanda do consumidor, pois as pessoas demonstram o valor de um determinado bem aumentando ou diminuindo a demanda por ele” [51].

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5.1.2.3. Diferencial de salário

Esse critério é baseia-se nas relações entre demanda de mercado e na oferta de trabalho.

Parte da premissa de que é necessário um valor de salário mais alto para atrair trabalhadores para as regiões poluídas ou em ocupações de riscos.

A crítica para esse método é que aumentará o custo social. Certamente ao exercer sua atividade laboral em áreas poluídas ou em ocupações de risco, o indivíduo irá adoecer, aumentando seus gastos com tratamentos de saúde, compra de remédios, seguro de vida, etc.

5.1.3. Técnicas baseadas em pesquisas de opinião ou Contigent Valuation Method (CVM)

Nesse interessante método, cria-se uma situação específica e são aplicados questionários, onde os indivíduos irão indicar o valor que estão dispostos a pagar pelo aproveitamento de determinado bem natural ou receber a título de ressarcimento pela perda desse bem.

Em relação a esse método são necessárias algumas considerações: a natureza das técnicas de pesquisa utilizadas e a eficiência com que são aplicadas; a honestidade e objetividade da organização de pesquisa que realiza o estudo e a honestidade com que são respondidas essas questões.

5.1.4. Técnicas baseadas em custos evitados ou benefícios perdidos

“Às vezes, é impossível estimar os benefícios do melhoramento ou proteção da qualidade do ambiente, porque nem sequer existem as informações sobre esta qualidade. Muitas vezes, é mais fácil estimar os custos impostos a uma área quando são explorados seus recursos naturais, desde que mantidos o seu uso” [52].

Essa técnica divide-se em: gastos preventivos, custo de reposição, projeto sombra, custo de oportunidade e análise de custo efetivo.

5.1.4.1. Gastos preventivos

São considerados aqui os gastos que serão assumidos para aplicar medidas que diminuam ou até abrandem os impactos ambientais.

Porém como adverte Marga Barth Tessler, “só se incorre em custos para evitar danos enquanto ele for maior ou igual ao valor desprendido” [53].

5.1.4.2. Custo de reposição

Por essa técnica, são estimados os custos para a reposição ou recuperação de um bem ambiental danificado. Ronaldo Serôa da Motta cita alguns exemplos de utilização dessa técnica: “custos de reflorestamento em áreas desmatadas para garantir o nível de produção madeireira; custos de reposição de fertilizantes em solos degradados para garantir o nível de produtividade agrícola; ou custos de construção de piscinas públicas para garantir as atividades de recreação balneária quando as praias estão poluídas” [54].

5.1.4.3. Projeto sombra

Projeto sombra consiste em, paralelamente ao exame da avaliação de um determinado projeto ou obra que tenha efetivo impacto ambiental, desenvolver “um ou mais “projetos sombra”, os quais devem suprir o ambiente daqueles recursos que serão perdidos com o desenvolvimento do projeto impactante” [55].

5.1.4.4. Custo de oportunidade

Aqui se medem os benefícios que são gerados por uma determinada apropriação ambiental, comparando com os valores obtidos medindo-se diretamente com os de melhor uso alternativo poderia render. Em outras palavras, “em vez de medir os benefícios gerados por uma determinada apropriação ambiental, medem-se as receitas que foram ou serão perdidas com o uso alternativo da área em questão” [56].

5.1.4.5. Análise de custo efetivo (effective cost analysis)

Essa técnica consiste em encontrar a melhor alternativa que minimiza o uso de recursos para alcançar um resultado desejado. “Analistas e agências utilizam essa técnica quando os objetivos da política pública já foram identificados e que a única questão remanescente é encontrar o menor custo-opção de chegar a esses objetivos” [57].

5.1.5. O modelo americano

Nos EUA, um novo método está sendo utilizado para a avaliação do bem natural lesado. O sistema utilizado estabelece três itens básicos[58]:

1. Custo de restauração, reabilitação, recomposição decomposição de recursos naturais ou aquisição aos mesmos;

2. Redução do valor desses recursos naturais, considerando a recuperação do recurso para a linha-base, se o dano não tivesse ocorrido; e

3. Custo razoável de avaliação desses danos.

5.1.6. Taxas ecológicas[59]

O cálculo dessa taxa baseia-se nos custos dos danos ambientais causados pelo poluidor. Ou seja, seu objetivo é o pagamento de taxas para a poluição cometida. Como asseveram os autores, “a taxa garante o nível ótimo da poluição ao equiparar os custos privados aos sociais” [60].

Podemos destacar as taxas sobre efluentes (aqui a cobrança é feita pelo tipo de emissão de efluentes, como água, ar ou o solo), taxas sobre o usuário (são os pagamentos pelos custos de tratamento coletivo de efluentes), taxas sobre produtos (nesse caso as taxas incidem sobre o preço de produtos que geram poluição no momento de sua produção ou consumo), diferenciação de taxas (os preços mais favoráveis ao produto não ofensivos ao meio ambiente, produtos mais caros quando ofensivos).

5.1.7. Metodologia de Tolmasquim

Citado por Artur Cardoso, Tolmasquim apresenta uma metodologia de custos ambientais para o setor elétrico, mas que pode ser aplicada ou adaptada para outros setores[61]:

5.1.7.1. Custos de controle

São aqueles custos incididos pelo Setor Elétrico para evitar a ocorrência, seja ela parcial ou total, dos impactos ambientais de um empreendimento.

5.1.7.2. Custos de mitigação

Esses são os custos a que está sujeito o Setor Elétrico nas ações para a redução das conseqüências dos impactos ambientais provocados por um empreendimento.

5.1.7.3. Custos de compensação

São os custos devidos pelo Setor Elétrico nas ações que compensam os impactos ambientais provocados por um empreendimento naquelas situações onde a reparação do dano se torne impossível.

5.1.7.4. Custos de degradação

São aqueles custos externos provocados pelos impactos ambientais residuais, mesmo tendo o Setor Elétrico incorrido em custos de controle, compensação ou mitigação.

5.1.7.5. Custos de monitoramento

Esses são custos incididos pelo Setor Elétrico nas ações de acompanhamento ou avaliação dos programas ambientais.

5.1.7.6. Custos institucionais

São aqueles devidos pelo Setor Elétrico quando da elaboração de estudos ambientais referentes à obtenção de licenças ambientais ou estudos requeridos pelos órgãos ambientais.


6. Conclusão

O dano ambiental sempre afeta a comunidade como um todo, inclusive as futuras gerações, que serão também titulares do direito a um meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado.

A nossa legislação nos dá uma boa gama de medidas reparatórias dos danos ambientais. Entre nós, não resta dúvida de que a reparação natural deve ser a primeira a ser tentada (esse também é o objetivo do legislador), pois só assim alcançaremos a volta ao status quo ante, ou que seja, na medida do possível, o dano reparado próximo a situação anterior, considerada como a ideal.

Apesar de todos os métodos listados, há ainda a grande dificuldade em se reconhecer todos os efeitos, sejam eles diretos ou indiretos, causados por danos ao meio ambiente.

Entendemos então que a avaliação do dano ambiental dever ser feito da forma mais ampla possível, abarcando todos os custos, como os de implementação de um projeto de recuperação que englobe número suficiente de projetos para a reposição ou recuperação do meio ambiente, bem como danos materiais ou morais, na exata medida do princípio do poluidor-pagador.

Mas não basta apenas ressarcir os danos ambientais em sua totalidade. É necessário também que haja a modificação das técnicas de produção, que se não elimina totalmente, ao menos que reduza a poluição das atividades assemelhadas.

Caberá então à jurisprudência, com o auxílio dos conhecimentos técnicos e científicos adquiridos, a tarefa monumental de forjar critérios práticos para a solução do dano ambiental.

Porém, para alcançar os objetivos tratados com a reparação ambiental, é necessária a certeza e a tempestividade das ações, usando de todos os meios possíveis para alcançar a melhor solução, obrigando ao poluidor a reparação específica do dano causado.


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Sobre o autor
Rodrigo Henrique Branquinho Barboza Tozzi

Advogado. Especialista em Direito Ambiental – FMU. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca. Pós-Graduando em Gestão Ambiental e Economia Sustentável – PUCRS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOZZI, Rodrigo Henrique Branquinho Barboza. A reparação dos danos e o problema da valoração do dano ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3756, 13 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25503. Acesso em: 2 nov. 2024.

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